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Processo n.º 218/02
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto Acordam em conferência no Tribunal Constitucional
I. Relatório Em 29 de Maio de 2002 foi proferida nos presentes autos decisão sumária de não conhecimento dos recursos interpostos por P..., melhor identificado nos autos. Tal decisão sumária sustentou-se nos seguintes fundamentos:
«5. No requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, o arguido declarou 'não se conformar com as decisões do Supremo Tribunal de Justiça de
20/11/2001, de fls. ..., e de 14/02/2002, de fls...'. Acontece, porém, que não houve decisão alguma do Supremo Tribunal de Justiça, neste processo, com aquela primeira data. Na verdade, o Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre o processo crime nos seus acórdãos de 28 de Junho de 2001 e de 25 de Outubro de 2001 – este em aclaração do primeiro. Ora, um e outro transitaram em julgado, não podendo, portanto ser objecto do recurso de constitucionalidade interposto em 27 de Fevereiro de 2002. Aliás, até àquele segundo acórdão, nunca foi também suscitada qualquer questão de constitucionalidade (ou ilegalidade com os fundamentos previstos nas alínea c), d) e e) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional), pelo que de nenhum dos recursos pretendidos interpor, ao abrigo da alínea b) e ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional se poderia tomar conhecimento – pois, como se sabe, a suscitação, perante o tribunal recorrido, da inconstitucionalidade (ou ilegalidade) da norma que se pretende que o Tribunal Constitucional aprecie é um dos requisitos específicos desses recursos. Em 20 de Novembro de 2001 – a data imputada pelo recorrente à primeira decisão do Supremo Tribunal de Justiça que se pretendeu impugnar perante este Tribunal
–, o recorrente suscitou, pela primeira vez, questões de constitucionalidade. A decisão do relator no Supremo Tribunal de Justiça é de 22 de Novembro de 2001, e, na sequência de pedido de aclaração e reforma desse despacho, foi proferido o acórdão de 14 de Fevereiro de 2002 que constitui a segunda decisão identificada pelo recorrente no requerimento do recurso de constitucionalidade. Assim sendo, dúvidas não restam de que decisões impugnadas no presente recurso só podem ser o despacho do relator no tribunal recorrido, de 22 de Novembro de
2001, e o subsequente acórdão que o confirmou. Essa é a única leitura possível do requerimento de recurso: não só porque as anteriores decisões tinham transitado em julgado, mas também porque, exigindo-se (quer para o recurso ao abrigo da alínea b), quer para o recurso ao abrigo da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional), que tivesse sido suscitada, durante o processo, uma questão de constitucionalidade (ou ilegalidade) normativa, tal nunca ocorreu (nem, acrescente-se, se poderia figurar qualquer situação de excepção em relação a esse ónus de impugnação antes do trânsito em julgado – cfr., por exemplo, os Acórdãos n.ºs 90/85, 61/92 e 1124/96, publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 11 de Julho de
1985, de 18 de Agosto de 1992 e de 6 de Fevereiro de 1997).
6. Se o recorrente obtivesse ganho de causa na questão da inconstitucionalidade
(ou da ilegalidade) das normas relativas à contagem do prazo para arguir a nulidade da decisão de 25 de Outubro de 2001 (e das que a antecederam), o recorrente obrigaria o tribunal recorrido a pronunciar-se sobre as nulidades arguidas, e veria reaberta a possibilidade de trazer, perante o Tribunal Constitucional, a apreciação da conformidade com a Lei Fundamental das normas relativas às nulidades que então fossem aplicadas. Acontece, porém, que tais normas – designadamente, os artigos 64º e 119º do Código de Processo Penal –, bem como a norma da alínea d) do artigo 144º do Código Penal (que prevê e pune o crime de ofensa à integridade física grave), indicadas no requerimento de recurso, não foram, nem podiam ter sido, aplicadas
(ou, sequer, invocadas) nas duas decisões de que o recorrente trouxe recurso a este Tribunal, já que estas decidiram apenas a questão liminar da tempestividade da arguição de nulidade, sem entrarem no fundo desta arguição. Ora, como se sabe, ao abrigo das alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional só pode ser apreciada a inconstitucionalidade ou ilegalidade (com os fundamentos referidos nessa alínea f)) de norma aplicada na decisão recorrida, como decorre da própria natureza instrumental desses recursos em relação à decisão da causa na qual se suscitaram as questões de inconstitucionalidade ou ilegalidade a apreciar. Este Tribunal está, assim, impedido de tomar conhecimento do recurso quanto a tais normas.
7. Restaria, pois, como possível objecto do(s) recurso(s) a apreciação das normas dos artigos 143º, 144º e 145º do Código de Processo Civil, pelo menos numa sua dimensão interpretativa que tivesse sido aplicada nas decisões recorridas. Não se torna, porém, necessário sequer averiguar quais destas normas foram ou não aplicadas nas decisões recorridas. É que em relação a nenhuma delas foi suscitada a inconstitucionalidade – para efeitos do recurso previsto na referida alínea b) – ou ilegalidade – para efeitos do recurso da alínea f) – antes de serem incluídas no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional. E, como é sabido e este Tribunal tem repetidamente afirmado, este não é já, obviamente, momento adequado para tal suscitação, a qual há-de ocorrer perante o tribunal a quo, e antes de este ter esgotado o seu poder jurisdicional sobre a questão (cfr., por exemplo, Acórdãos nºs. 395/91 e 1144/96, publicados respectivamente em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 20, pp. 401 e ss. e no Diário da República, II Série, de 11 de Fevereiro de 1997). O que é dizer que, por falta dos necessários pressupostos, não se pode tomar conhecimento dos presentes recursos de constitucionalidade e de ilegalidade.» Em 14 de Junho de 2002, o recorrente veio aos autos dizer que:
'Por não se conformar com o teor da douta decisão sumária proferida pelo Excelentíssimo Senhor Relator, e porque está em tempo, vem nos termos do artigo
78-A, n.º 3 da LTC, dela reclamar para a conferência do Tribunal Constitucional.» Notificado, o Ministério Público veio pronunciar-se sobre esta reclamação nos seguintes termos:
'1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente.
2 – Na verdade, nem cura sequer o reclamante de fundamentar minimamente a reclamação que deduz para a conferência, manifestando as razões da sua dissidência relativamente à decisão sumária proferida nos autos.
3 – Pelo que, não cumprindo o ónus de impugnação de tal decisão, é manifesto que a reclamação deduzida carece de objecto e fundamentos.' Cumpre decidir II. Fundamentos Como correctamente notou o Ministério Público, o reclamante limitou-se a dizer não se conformar com a decisão sumária proferida e pretender dela reclamar para a conferência, sem, todavia, fundamentar minimamente a reclamação, expondo os motivos da sua discordância. Pode, porém, deixar-se em aberto a questão de saber se o reclamando terá cumprido um ónus de impugnar tal decisão, dando à reclamação deduzida os necessários objecto e fundamento. Na verdade, consultando os autos e a decisão sumária reclamada, verifica-se que, por um lado, nada há a alterar nela, não se divisando, por outro lado, os fundamentos jurídicos em que a reclamação se sustenta. Esta reclamação tem, pois, de ser desatendida. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento dos recursos, bem como condenar o recorrente em custas, com 15 (Quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 3 de Julho de
2002 Paulo Mota Pinto Guilherme da Fonseca José Manuel Cardoso da Costa