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Processo nº 670/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interposto ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são recorrente A, e recorrida a Fazenda Pública, foi proferida, em 15 de Novembro de 2002, decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, no sentido de não se tomar conhecimento do objecto do recurso.
A decisão proferida foi a seguinte:
'1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, interpostos ao abrigo da alínea c) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, sendo recorrente A., e recorrida a Fazenda Pública, pretende-se a apreciação da
'ilegalidade de aplicação dos artigos 8º, 9º, 15º, alínea c), e 18º do Decreto-Lei nº 449/71, de 26 de Outubro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº 29/98, de 11 de Fevereiro, à face do disposto no artigo 12º, nº
1, do Código Civil' – aplicação essa que teria ocorrido no acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário daquele Alto Tribunal, de 19 de Junho de 2002. O recurso foi admitido pelo Conselheiro relator o que, no entanto, não vincula o Tribunal Constitucional – nº 3 do artigo 76º da citada Lei nº 28/82.
2. - Entende-se ser de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo
78º-A deste diploma legal, por não se mostrarem reunidos os pressupostos em que o mesmo se fundamenta, dado não ter ocorrido recusa de aplicação do complexo normativo impugnado com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, como exige a alínea c) do nº 1 do mencionado artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional – sem prejuízo de se observar que o Decreto-Lei nº
29/98, mais exactamente, aprovou o (novo) Regulamento das Custas dos Processos Tributários e a tutela dos emolumentos dos Serviços da Direcção-Geral dos Impostos (DGCI), em anexo publicados (artigo 1º), revogando o anterior regime
(artigo 8º), constante do Decreto-Lei nº 449/71, de 16 de Outubro (e legislação complementar).
3. - Na verdade, relativamente à questão em apreço, entendeu-se no acórdão recorrido que:
'A questão dos autos é a da aplicabilidade do RCPCI aprovado pelo dec-lei
449/71, de 26/0ut, alterado pelo dec-lei 199/90, de 19/Jun ou a do aprovado pelo dec-lei 29/98, de 11/Fev. Nos termos do art.º. 21 daquele primeiro diploma legal, a falta de pagamento, em dobro, do preparo inicial devido nos embargos de terceiro tinha como consequência 'a extinção da instância e a condenação nas custas devidas'. Todavia, como resulta dos art.ºs. 15° al. c) e 18° do novo Regulamento, que substituiu o pagamento de preparos pelo pagamento gradual. da taxa de justiça, adoptou-se, como sanção para a sua falta, o pagamento, a final, de multa, em lugar da predita extinção. O novo Regulamento entrou em vigor em 12/Fev/98 – art.º. 10° - revogando expressamente o anterior – art.º. 8° -, aplicando-se aos processos pendentes – art.º. 9° -, todos do falado dec-lei 29/98. O presente processo foi instaurado em Set/95 e a falta de pagamento do preparo inicial ocorreu no domínio de vigência do antigo Regulamento mas o aludido efeito - extinção dai instância- só foi judicialmente declarado no domínio da lei nova. De modo que se está em face de um problema de aplicação das leis no tempo, sobre que rege o ano 12° n° 1 do Cód. Civil que mantém o princípio tradicional da não retroactividade das leis, no sentido de que elas só se aplicam para o futuro. E mesmo que tenham efeitos retroactivos, isto é, se apliquem para o passado, presume-se que há a intenção de respeitar os efeitos já produzidos. Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, C C. Anotado e Baptista Machado, sobre a aplicação no tempo do novo Código Civil, pág. 54. De modo que não é relevante, para o efeito, o momento da aplicação da lei em termos da definição da lei aplicável. Trata-se, no caso, de uma situação jurídica inteiramente constituída e extinta no domínio da lei antiga pelo que não pode deixar de ser esta a aplicável. Acresce que o despacho judicial apenas constata a falta de pagamento do preparo e declara a extinção da instância que lhe é consequente, ou seja, é meramente declarativo não tendo qualquer conteúdo constitutivo na verificação da situação jurídica respectiva. Por outro lado, não se trata aqui da aplicação da lei mais favorável, própria de ramos de direito sancionatório, stricto sensu, como é o penal e o contra-ordenacional. O facto em causa - o não pagamento do preparo - produziu todos os seus efeitos em 1996 embora eles apenas tenham sido 'declarados' em 2001, já no domínio da lei nova. Na versão da recorrente, e afinal, seria esta sempre a lei aplicável, fossem quais fossem as circunstâncias do caso, o que é indefensável face, desde logo, ao disposto no predito art.º 12°, como aos respectivos princípios orientadores em matéria de aplicação das leis no tempo. Para adoptar a terminologia da recorrente, uma coisa é a produção do efeito jurídico respectivo - extinção da instância pelo facto do não pagamento do preparo - , outra bem diferente é a sua constatação, verificação ou declaração pelo tribunal. Ou de outro modo: o efeito jurídico em causa resulta daquela falta de pagamento, não da decisão judicial que o declara.'
4. - Resulta, pois, da transcrição da decisão recorrida não ter havido qualquer recusa de aplicação normativa por violação de lei com valor reforçado, que no caso seria o artigo 12º do Código Civil, como parece ser a pretensão da recorrente. O que se verificou foi que o tribunal, colocado perante a situação da falta de pagamento do preparo ocorrida durante a vigência do Decreto-Lei n.º 449/71, de
26 de Outubro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 199/90, de 19 de Junho), mas decidida já na vigência do Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, que sanciona de modo diferente a falta da parte, entendeu que era aplicável o regime sancionatório previsto naquele diploma porque o facto – falta de pagamento do preparo- ocorreu durante a vigência deste diploma, sendo irrelevante o momento da aplicação da lei pela decisão recorrida, que é meramente declarativa e não constitutiva na verificação da respectiva situação jurídica.
5. - Acresce que, o que a recorrente pretende é a apreciação da ilegalidade da aplicação das normas do Decreto-Lei n.º 449/71, e não a apreciação da recusa da aplicação das normas do Decreto-Lei n.º 29/98, com fundamento em ilegalidade.
6. - Ainda que se entendesse ter havido erro e que a recorrente pretendia interpor recurso ao abrigo da alínea f) do nº1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, tal pressupunha a aplicação pela decisão recorrida de norma cuja ilegalidade tivesse sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e) do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
7. - Dando como assente que a recorrente fundamenta a ilegalidade na violação de norma com valor reforçado e independentemente de se indagar se a norma constante do artigo 12º do Código Civil tem essa natureza, certo é que, mesmo assim, não poderia conhecer-se do recurso uma vez que a recorrente não suscitou adequadamente durante o processo a questão da ilegalidade. Basta atentar na conclusão N) das alegações de recurso para o Pleno onde é evidente que a recorrente ataca a decisão em si mesma considerada, que entende violar as normas do Decreto-Lei n.º 29/98, de 11 de Fevereiro, e os artigos 12º e 9º do Código Civil. Aliás, é patente durante o processo que a recorrente o que manifesta é a sua desconformidade pela aplicação ao caso sub judice do regime do Decreto-Lei n.º
449/71, por entender ser aplicável o regime do Decreto-Lei n.º 29/98, discutindo, assim, o enquadramento jurídico dada ao caso, que não pode, nessa medida, ser objecto do presente recurso.
8. - Em face do exposto e nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de
15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pela recorrente , com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.'
2. - Notificada, vem a recorrente, oportunamente reclamar do assim decidido, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A citado, pugnado pelo deferimento da reclamação, de modo a tomar-se conhecimento do recurso, seguindo os autos seus termos.
Sustenta, em síntese, estar em causa a recusa de aplicação ao caso subjacente das normas do diploma de 1998 – e não a apreciação da ilegalidade do de 1971 – o que, em sua tese, consubstancia recusa em observar o regime da lei nova.
Assim, o fundamento invocado radica na ilegalidade resultante de violação ao disposto no artigo 12º do Código Civil, tido como lei de valor reforçado.
Ora, a este respeito, a decisão sumária pronunciou-se, maxime no seu ponto 7, sobre a não verificação dos pressupostos de admissibilidade deste tipo de recurso por falta de suscitação adequada, o que a reclamante não logrou contrariar e, na sua essencialidade, se confirma.
Sempre se acrescentará, no entanto, sem entrar sequer na problemática das leis de valor reforçado e da sua pertinência relativamente à norma do artigo 12º do Código Civil, que o recurso previsto na alínea c) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82 tem por fundamento a recusa de aplicação da norma constante de acto legislativo, com fundamento na sua ilegalidade por violação de lei com valor reforçado, o que, obviamente, como decorre da passagem transcrita do acórdão recorrido, não é o caso.
A reclamanda nada veio dizer aos autos.
3. - Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta. Lisboa, 23 de Janeiro de 2003 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida