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Processo n.º 83/03
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 329, foi proferida a seguinte decisão sumária :
«1. A. requereu a suspensão de eficácia do despacho de 31 de Maio de 2002 do Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde, que lhe aplicou a pena disciplinar de suspensão de 120 dias.
Por acórdão do Tribunal Central Administrativo de 17 de Outubro de 2002, de fls. 218, foi indeferido o pedido de suspensão de eficácia, por se ter concluído pela não verificação do requisito constante do artigo 76º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho.
Inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual, por acórdão de 18 de Dezembro de 2002, de fls. 288, lhe negou provimento. Para o que agora releva, o Supremo Tribunal Administrativo desatendeu a alegação, feita pela recorrente, de inconstitucionalidade “do art.
76º da LPTA' (cfr. alegações de recurso), nos seguintes termos:
'2.2.5. A recorrente argui a inconstitucionalidade do artigo 76º da LPTA, por afronta do princípio da tutela jurisdicional efectiva, vertido nos art. 20.º, n.º 1 e 268.º, n.º 4 da CRP, isto porque a 'inexistência de ponderação dos interesses em jogo prevista no artigo 76º (interesse particular da requerente e interesse público na imediata execução da pena disciplinar) impede a consideração do princípio da tutela jurisdicional efectiva', e que assim é
'comprova-se pela simples leitura da sentença recorrida, pois esta limita-se a considerar que inexistem prejuízos de difícil reparação' (conclusões 13, 14 e
15). E argui ainda que o art. 76º padece de inconstitucionalidade por violação do princípio da proporcionalidade consagrado no artigo 18.º, n.º 2 da CRP
(conclusões 18 a 21). Contudo, que o artigo 76.º permite a ponderação veja-se, por ex., o muito saudado Ac. também do TCA de 14.1.99 (Cadernos de Justiça Administrativa, 30, pág. 53 e segts, anotação de MARIA FERNANDA MAÇÃS; veja-se, também, por recente, o Ac. n.º 222/01, de 22 de Maio, do Tribunal Constitucional): E com efeito, na apreciação do preenchimento dos requisitos da alínea a) e da alínea b) do n.º 1 artigo 76.º, o intérprete não está impedido de realizar o juízo de ponderação entre o sacrifício provavelmente resultante da execução do acto para os interesses do requerente e o que decorreria da suspensão para a administração e o interesse público, que a recorrente considera dever ser realizado ( conclusão 4 ). Mas a verdade é que esse juízo de ponderação não pode ser simultâneo à própria apreciação da gravidade do dano. No que toca aos prejuízos do requerente há-de efectivar-se, pelo menos metodologicamente, um juízo prévio quanto ao preenchimento, no caso concreto, do conceito indeterminado 'prejuízo de difícil reparação'. É que se os prejuízos alegados forem logo tidos como de não difícil reparação, não há que passar a qualquer ponderação. Como diz na contra-alegação a autoridade requerida 'se se concluir que não há prejuízos prováveis ou que estes a existirem não sejam de difícil reparação, não há logicamente que comparar prejuízos inexistentes com eventuais prejuízos para o interesse público'. A suspensão de eficácia de actos administrativos depende da verificação dos requisitos elencados nas três alíneas do n.º 1 do artigo 76° da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (LPTA): (i) a execução do acto causar provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso; (ii) a suspensão não determinar grave lesão do interesse público; e (iii) do processo não resultarem fortes indícios de ilegalidade da interposição do recurso. Tais requisitos são de verificação cumulativa, bastando o não preenchimento de um deles para que o pedido deva ser indeferido, como é entendimento uniforme da jurisprudência deste Supremo Tribunal, cuja conformidade constitucional tem sido reconhecida pelo Tribunal Constitucional (p. ex., Ac. n.º 181/98, de 11.2.98, e Ac. n.º 241/98, de 5.3.98, e os arestos para os quais este último remete - n.º
631/94, 8/95, 194/95, 201/95, 252/95, 182/96, 921/96 e 109/97). No entanto, a cumulatividade não dá resposta à metodologia na apreciação dos requisitos: não impõe nem que os requisitos devam ser apreciados em separado, nem que devam ser apreciados em termos de uma ponderação global dos interesses em presença. Ou seja, não é a reconhecida constitucional idade da cumulatividade e o seu corolário imediato - a inexistência de um dos requisitos faz claudicar a pretensão - que responde à interrogação sobre o modo pelo qual os requisitos devem ser apreciados para se concluir se se verificam. Tudo dependerá do caso. Haverá circunstâncias claras da desnecessidade de qualquer ponderação global - a manifesta ilegalidade da interposição do recurso determinará, só por si, uma resposta, não pode ser afastada pela ordem dos prejuízos, por maior que sejam os prejuízos, ela existe independentemente deles. Mas há situações em que a afirmação dos prejuízos dificilmente reparáveis em face da gravidade da lesão do interesse público suporá 'uma adequada ponderação global dos interesses em presença' pois só essa ponderação 'permitirá alcançar uma decisão judicial justa', no quadro legal (cfr. MARIA FERNANDA MAÇÃS,
'Suspensão Judicial da Eficácia', em Separata do II Suplemento do Dicionário da Administração Pública, pág. 563).
(...)No caso, a ponderação não se realizou pela razão de que imediatamente detectou o tribunal que não vinham ou não estavam demonstrados prejuízos de difícil reparação.
(...) Afigura-se, pois que o artigo 76.º não foi aplicado no sentido de impedir tal balanceamento de danos ou interesses, e que além disso não impede que ele se faça. E também não foi aplicado em interpretação que viole o princípio da proporcionalidade.
2.2.6. Suscita a recorrente a inconstitucionalidade do segmento da decisão que interpreta o artigo 76.º da LPTA por violação do princípio da presunção de inocência do arguido até ao trânsito em julgado da sentença ( conclusões 22 a
28) Sendo o princípio da presunção de inocência um dos princípios estruturantes do Estado de direito democrático, ele é garantido em todos os procedimentos sancionatórios, portanto também nos processos disciplinares. (...) Mas não se vê como ela implique necessariamente a exigência de paralisação dos efeitos do acto administrativo sancionador perante recurso contencioso. O que, aliás, significaria o efeito suspensivo automático por interposição do recurso contencioso. Não é esse o regime presente, nem passará a ser quando entrar em vigor o Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aprovado pela Lei n.º 15/2002, de 22 de Fevereiro. Na verdade, este Tribunal já reflectiu que o princípio da presunção de inocência 'Entendido à letra (...) levaria à própria proibição de antecipação de medidas de investigação e cautelares, inconstitucionalizando o inquérito disciplinar em si mesmo, e à proibição de suspeitas de culpabilidade, o que equivaleria à impossibilidade de valorização de provas e à interpretação de normas punitivas - Cf. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in «Constituição da República Portuguesa anotada», 3. ed, pág. 203' (acórdão de 21.3.95, rec. 37146, Apêndice de 18.7.97 , pág. 2876).
(...) E muito recentemente, no Acórdão n.º 340/2002, de 11.7.2002 ( consultado na base de dados do TC), o Tribunal Constitucional teve igualmente oportunidade de se pronunciar directamente sobre o tema, face à alegação de que 'O direito a uma tutela judicial efectiva e o princípio da presunção de inocência estabelecidos, respectivamente, no artigo 20°, 268° n°. 4 da CRP e no artigo 32° nº.2 da Lei Fundamental restam violados, quando, em interpretação do requisito que se refere a alínea a) do nº.1 do artigo 76° (por lapso, escreveu-se artigo
70°) da LPTA, se admite a não suspensão de eficácia de uma sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções estando interposto recurso contencioso e antes do trânsito em julgado desta decisão jurisdicional'. Estava em causa, nesse recurso, como neste, a não suspensão perante uma pena de suspensão (aí, de 210 dias). Depois de afastar a violação do direito a uma tutela judicial efectiva, para o que operou uma resenha das suas decisões que sucessivamente têm declarado a constitucionalidade do preceito, arredou, igualmente, a violação do artigo 32.º, n.º 2, nomeadamente porque:
'(...), não se trata aqui de uma qualquer medida cautelar, mas de uma sanção imposta no termo de um processo disciplinar através de um acto administrativo, emanação de um poder de definição autoritária de uma determinada situação jurídica, poder esse próprio da Administração e exercido com observância do princípio da legalidade. Há, pois, uma primeira definição da situação jurídica, em que de algum modo está pressuposta a responsabilidade disciplinar do arguido. E se, como se salientou, são constitucionalmente admissíveis medidas cautelares suspensivas, no âmbito do processo disciplinar, sem prejuízo da sua necessária adequação e proporcionalidade, não se vê que o não se considerar provado um prejuízo irreparável ou de difícil reparação, quando só se invoca o dano consubstanciado na própria pena de suspensão do exercício de funções, aplicada por um acto administrativo presumidamente legal, contenda com o principio da presunção de inocência do arguido, no seu núcleo essencial. Deste modo, não se mostra também violado o princípio da presunção de inocência do arguido, consagrado no artigo 32° nº 2 da Constituição'.
2.2.7. Bem vista a alegação ( conclusões 23 a 29), a requerente, ora recorrente, não afronta directamente o artigo 76.º na interpretação que dele se faça de as condições de procedência nele exigidas se aplicarem em geral aos pedidos de suspensão de execução de sanção disciplinar, sendo, por isso, também exigidas ao caso concreto. A requerente não discute a constitucionalidade do estabelecimento legal de condições de provimento, de requisitos de procedência do pedido de suspensão. E na verdade parece ser essa a única interpretação possível do preceito, sendo que nem Estatuto disciplinar, nem a LPTA, nem o CPTA, contemplam qualquer norma que especialmente consagre o efeito suspensivo automático dos respectivos recursos, diversamente do que acontece, por exemplo, para os recurso de recusa de asilo (artigo 24.º, n.º 1 da Lei n.º 15/98, de 26 de Março ). Nem a recorrente defende que nas sanções disciplinares seria dispensável a exigência de prejuízo dificilmente reparável (que é condição exigida, expressamente, para a suspensão de sanções a magistrados - cfr. artigo 170.º do EMJ, na redacção da Lei n.º 143/99, de 31 de Agosto), só podendo ser paralisada a execução na hipótese de se demonstrar que da suspensão de executoriedade resultaria grave prejuízo para o interesse público. A requerente sustenta é que a aplicação dos 'requisitos do art. 76.º da LPTA com a dimensão interpretativa que assumiu, ao caso concreto, violou o princípio da presunção da inocência' (conclusão 23), pois 'se o acto não for suspenso, a recorrente .sofrerá, imediatamente e irreversivelmente, todas ( ou as mais importantes) consequências do acto recorrido, posto que iniciará e, com certeza, terminará o cumprimento da pena, sem que haja julgamento do fundo da questão' ( conclusão 27) Não está pois alegado que é inconstitucional a própria não automaticidade - quanto a este aspecto afirma-se na condicional, 'até deveria funcionar , em princípio automaticamente' mas é só nas condições concretas, pelo sofrimento imediato e irreversível das consequências, que vem decisivamente afirmada a inconstitucionalidade. (...)'.
2. Novamente inconformada, a recorrente interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, invocando que “a interpretação do artigo 76º da LPTA sufragada pelo Tribunal a quo viola as seguintes normas e princípios:
–- Artigos 20º, n.º 1, e 268º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa que consagra o princípio do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efectiva.
– Artigo 18º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa que consagra o princípio da proporcionalidade.
– Artigo 32º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa que consagra o princípio da presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença”.
O recurso foi admitido, por decisão que não vincula este Tribunal (artigo 76º, n.º 3, da Lei n.º 28/82).
3. Não esclarecendo, no requerimento de interposição de recurso, qual a interpretação da alínea a) do nº 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos que considera inconstitucional, toma-se como objecto do recurso aquela que, nas alegações apresentadas no Supremo Tribunal Administrativo, a recorrente considerou inconstitucional, uma vez que é esse o momento relevante para saber se a questão de constitucionalidade foi suscitada
“durante o processo” (cfr. al. b) do nº 1 do artigo 70º e nº 2 do artigo 72º da Lei nº 28/82).
Com efeito, nas referidas alegações, a recorrente apontou a inconstitucionalidade à “inexistência de ponderação dos interesses em jogo prevista no artigo 76º da LPTA' e ao “facto de o legislador ter restringido – de forma manifestamente desnecessária e desproporcional – a consideração dos interesses dos particulares em detrimento do interesse público”. Ou seja, a recorrente insurge-se contra o facto de o artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos não prever ou exigir, no seu entender, uma adequada ponderação dos interesses em presença, o que infringiria os princípios constitucionais da tutela jurisdicional efectiva, da proporcionalidade e da presunção de inocência.
4. A verdade é que o Supremo Tribunal Administrativo não interpretou a norma – para o que agora releva, constante da alínea a) do nº 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, não integrando o objecto do recurso senão esta alínea – no sentido que a recorrente acusou de ser inconstitucional.
É o seguinte o texto deste preceito:
Artigo 76º
(Requisitos)
1. A suspensão da eficácia do acto recorrido é concedida pelo tribunal quando se verifiquem os seguintes requisitos:
a) A execução do acto cause provavelmente prejuízo de difícil reparação para o requerente ou para os interesses que este defenda ou venha a defender no recurso;”
Ora o que o Supremo Tribunal Administrativo decidiu foi que “no caso, a ponderação não se realizou pela razão de que imediatamente detectou o tribunal que não vinham ou não estavam demonstrados prejuízos de difícil reparação”. Conforme afirmou expressamente, foi por essa razão que não cabia “avançar para qualquer ponderação” entre o prejuízo sofrido pela requerente da suspensão com a execução imediata do acto, por um lado, e o prejuízo resultante para o interesse público da suspensão, por outro. O acórdão recorrido disse expressamente que o artigo 76º da LPTA permite tal ponderação, mas que só perante a demonstração de
“prejuízos de difícil reparação” pela recorrente é que faria sentido efectuá-la. A alínea a) do nº 1 do artigo 76º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos não foi, pois, interpretada e aplicada ao caso dos autos com o sentido que a recorrente, no momento processual adequado, acusou de ser inconstitucional . Deste modo, não tendo a disposição impugnada sido aplicada, com o sentido impugnado, pela decisão recorrida, não pode o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do recurso, interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do art. 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro (cfr., por exemplo, o acórdão nº 366/96, publicado no Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996).
Como o Tribunal Constitucional tem repetidamente afirmado, o recurso de constitucionalidade tem natureza instrumental, o que implica, como se sabe, que
é condição do conhecimento do respectivo objecto a possibilidade de repercussão do julgamento que nele vier a ser efectuado na decisão recorrida (ver, por exemplo, o Acórdão deste Tribunal com o nº463/94, publicado no Diário da República, II Série, de 22 de Novembro de 1994). Ora, no caso, ainda que fosse julgada inconstitucional a norma impugnada, tal julgamento não teria qualquer repercussão no acórdão recorrido, subsistindo sempre a razão que levou o Supremo Tribunal Administrativo a não efectuar a ponderação pretendida pela recorrente.
5. De qualquer forma, a terminar, sempre se refere que este Tribunal se pronunciou já repetidas vezes sobre a questão da conformidade constitucional da norma do artigo 76º, n.º 1, alínea a), do Decreto-Lei n.º 267/85, não encontrando nunca razões para a considerar objecto de censura (cfr., por exemplo, os Acórdãos n.º 181/98, n.º 345/99, n.º 412/00 e n.º 340/02, publicados Diário da República, II Série, de 8 de Maio de 1998, de 17 de Fevereiro de 2000, de 21 de Novembro de 2000 e de 14 de Novembro de 2002, respectivamente). Note-se que, nos dois últimos acórdãos, estavam em causa processos disciplinares, respeitando, aliás, o acórdão nº 340/02 a um recurso interposto pela ora recorrente e versando a apreciação da mesma questão de constitucionalidade.
6. Estão, assim, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82.
Nestes termos, decide-se não conhecer do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs.»
2. Inconformada, a recorrente reclamou para a conferência, ao abrigo do disposto no nº 4 do artigo 76º da Lei nº 28/82, pretendendo que a decisão sumária seja
“declarada nula” e que seja “julgada inconstitucional a dimensão interpretativa do art. 76º da LPTA proferida pelo S.T.A. por violação do art. 32º, n.º 2 da C.R.P.”. Começando por concordar parcialmente com a decisão reclamada, por reconhecer que a norma que constitui o objecto do recurso não foi interpretada pelo Supremo Tribunal Administrativo com o sentido impugnado, a reclamante observa que “não interpôs o presente recurso apenas com fundamento na dimensão interpretativa da norma que impede a ponderação dos pressupostos do art. 76º da LPTA', mas que também “interpôs recurso de inconstitucionalidade na dimensão interpretativa do art. 76º da LPTA, por considerar que esta viola o princípio da inocência até ao trânsito em julgado da sentença, princípio esse consagrado no art. 32º, n.º 2 da CRP'; ora, não tendo havido qualquer pronúncia sobre este ponto, a decisão sumária é nula. Para o justificar, a reclamante afirma o seguinte:
“18 - Sendo certo que o S.T.A., quanto a esta questão, problematizou a aplicação do art. 32º, n.º 2 da CRP ao caso concreto – conforme se pode ler no Acórdão – tendo contudo decidido que não se verificava qualquer inconstitucionalidade.
19 - Ou seja, o art. 32º, n.º 2 da CRP foi aplicado como parâmetro de decisão da suspensão de eficácia interposta, apenas tendo o Tribunal considerado que inexistia qualquer violação daquela norma constitucional.
20 - Daí que tenhamos de reclamar da decisão sumária proferida por esta não se ter pronunciado sobre uma das questões jurídicas que foram submetidas a julgamento”.
Respondendo, o Secretário de Estado Adjunto do Ministro da Saúde pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
3. Na verdade, a reclamação é improcedente. É exacto que, quer no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, quer nas alegações apresentadas no recurso interposto perante o Supremo Tribunal Administrativo, a recorrente apontou a violação do princípio (constitucionalmente tutelado) de presunção de inocência, citando o n.º 2 do artigo 32º da Constituição.
É igualmente verdade, todavia, que tal violação foi sempre referida à norma impugnada, como se pode ler nas citadas peças processuais (cfr. requerimento de interposição de recurso, a fls. 321-322 e alegações de fls.229, em especial, a fls. 241-243). Não tendo “a disposição impugnada sido aplicada, com o sentido impugnado, pela decisão recorrida”, como se escreveu na decisão reclamada, não pode o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do objecto do recurso para conhecer de nenhum dos fundamentos indicados para apoiar a alegação de inconstitucionalidade. Não ocorre, assim, qualquer nulidade por omissão de pronúncia.
4. Sempre se acrescenta que em parte alguma da reclamação agora apresentada o reclamante aponta outra dimensão interpretativa do mesmo preceito que o Supremo Tribunal Administrativo tenha aplicado e que possa ser confrontada com qualquer princípio constitucional. O que sucede, bem vistas as coisas, é que, na mesma reclamação, o reclamante atribui a violação do princípio que identifica – o princípio da presunção de inocência – à própria decisão, e não a qualquer norma. Ora, como se sabe, o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade tem por objecto normas, e não decisões; nunca poderia, pois, o Tribunal Constitucional conhecer do objecto do presente recurso. Com efeito, tal recurso destina-se a que este Tribunal aprecie a conformidade constitucional de normas, ou de interpretações normativas, que foram efectivamente aplicadas na decisão recorrida, não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade “durante o processo” (al. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82), e não das próprias decisões que as apliquem. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal
(cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de 1995 e 16 de Maio de 1996).
Nestes termos, indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs.
Lisboa, 28 de Abril de 2003- Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida