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Processo n.º 377/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional I. Relatório Em 6 de Novembro de 2002 foi proferida nos presentes autos decisão sumária de não conhecimento do recurso interposto por A, melhor identificada nos autos. Tal decisão sustentou-se nos seguintes fundamentos:
«(...) são requisitos específicos para o conhecimento de um recurso de constitucionalidade interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional que o recorrente haja suscitado a inconstitucionalidade de (uma) norma durante o processo, que a decisão recorrida tenha aplicado essa norma como sua ratio decidendi, e que hajam sido esgotados os recursos ordinários (cfr., entre inúmeros outros, por exemplo os Acórdãos n.º
66/92, 120/92 e 192/92, publicados, o primeiro, no Diário da República, II Série de 15 de Julho de 1992 e os dois restantes no mesmo jornal e série, em 18 de Agosto de 1992). Ora, no caso, falha logo o primeiro requisito: é que durante o processo – no sentido funcional que, pelo menos desde o Acórdão n.º 90/85, publicado no Diário da República, II Série, de 11 de Julho de 1985, lhe vem sendo constantemente atribuído, e segundo o qual 'essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão (...) ou seja (...) antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de inconstitucionalidade) respeita' – nenhuma norma chegou a ser impugnada pela recorrente.
É certo que, como se viu pelas transcrições efectuadas, e é invocado pela recorrente, na arguição de nulidade do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de
13 de Dezembro de 2001 a recorrente alegou que, 'objectivamente', não se verificava a possibilidade de conhecimento oficioso de questões diversas das suscitadas pelas partes '[s]ob pena de se violar o princípio constitucional da pronúncia, tal como decorre do art. 16º da Constituição da República Portuguesa.' Porém, como este Tribunal tem salientado repetidamente (e se escreveu, entre muitos outros, no Acórdão n.º 439/91, publicado no Diário da República, II Série, de 19 de Novembro de 1991, do qual também se extraiu a citação antes transcrita),
'porque o poder jurisdicional se esgota, em princípio, com a prolação da sentença e porque a eventual aplicação, de uma norma inconstitucional ‘não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial nem torna esta obscura ou ambígua’, há-de ainda entender-se que o pedido de aclaração de uma decisão judicial ou a reclamação da sua nulidade não são já, em princípio, meios idóneos e atempados para suscitar a questão de inconstitucionalidade (cfr. sobre este tema, por todos, os Acórdãos n.ºs 62/85 e 94/88, Diário da República, II Série, respectivamente, de 31 de Maio de 1985 e de 22 de Agosto de 1988).' No presente caso, como se viu – e a própria recorrente afirma – a primeira alusão a uma desconformidade constitucional já não ocorreu durante o processo
(isto é, antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal a quo).
5. É certo, porém, que, referindo-se a alegada inconstitucionalidade ao não reconhecimento de nulidade da decisão judicial – como faz a recorrente –, não é de excluir a tempestividade da suscitação da questão de constitucionalidade no momento de arguição de nulidade. Ponto é que, como preceitua o artigo 72º, n.º
2, da Lei do Tribunal Constitucional, ela tenha sido efectuada 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' – isto é, se ela tivesse ocorrido de forma clara e perceptível (por exemplo, referida claramente ao 'do disposto nos arts. 660º, n.º 2 e 668º, n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil', ou a uma sua interpretação, devidamente identificada), no momento em que o tribunal recorrido ainda dela podia conhecer. Acontece, porém, que, como bem se vê da transcrição efectuada, o que a recorrente afirmou, mesmo no requerimento de arguição de nulidade, foi que 'o juiz ...não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – situação que, objectivamente, não se verifica', e isto, '[s]ob pena de se violar o princípio constitucional da pronúncia, tal como decorre do art. 16º da Constituição da República Portuguesa.' Ou seja: a inconstitucionalidade não foi imputada à norma
(do artigo 660º, n.º 2, do Código de Processo Civil), ou a uma sua determinada interpretação, devidamente identificada, mas sim à decisão que, alegadamente, a aplicou fora da sua previsão 'objectiva', como se estivesse em causa, não um problema de conformidade constitucional de uma norma, ou de um seu sentido, mas da sua aplicação pela decisão judicial (ou, se se pretender, de 'subsunção' do caso na sua previsão). Ora, não tendo, sequer, sido impugnado uma norma jurídica (fosse ela a do n.º 2 do artigo 660º, nos termos vistos, fosse a da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, só referida na resposta ao despacho de aperfeiçoamento), nem durante o processo, nem mesmo depois, não se pode toma conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.' Notificada desta decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência, nos termos do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, dizendo:
'7 Compreendendo-se, pela sua natureza própria, que, por exemplo, em sede de aclaração não exista já a tempestividade processual própria para que seja suscitada uma até então omissa questão de inconstitucionalidade, já não se cré que, arguida a nulidade, tal possa constituir igual situação impeditiva.
8 Com efeito, a decisão a proferir em sede de arguição de nulidade faz parte integração da sentença ou acórdão judicial.
9 Sendo, que no caso concreto, perante uma decisão que, inovadoramente, vem pronunciar-se sobre um ponto concreto num momento processual em que já não é admissível recurso ordinário (como é o caso do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça), a arguição de nulidade constitui o único meio para se atacar em meios impugnatórios a decisão.
10 De outro modo estar-se-ia a criar uma redoma de incolumidade quanto á fiscalização da constitucionalidade das normas aplicadas, em termos inovadores, de primeiríssima mão, em Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça.
11 Ou, por outras palavras, estar-se-ia a afirmar que dos Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal de Justiça que, em termos inovadores, apliquem norma diversa da invocada no processo (tanto mais que as instâncias não estão vinculadas pela alegação das partes no tocante ao direito aplicável) não cabe recurso para o Tribunal Constitucional.
12 Subtracção essa que, salvo melhor opinião, fere o disposto no art. 70, n.º 1, al. b) da LOTC
13 Tal questão revela-se, porém, secundarizada por uma outra que integra igualmente a decisão reclamada.
14 Preconiza-se, nesta segunda vertente, que a inconstitucionalidade foi imputada á decisão, e não a uma norma ou á interpretação que lhe foi conferida.
15 Não se pode concordar com a ausência de impugnação de uma norma que é afirmada pela decisão recorrida.
16 De facto, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a norma cuja inconstitucionalidade se suscitou encontra absolutamente individualizada e indicada.
17 A decisão proferida corporiza o desvio do conhecimento que se revela inconstitucional por via da aplicação dos arts. 660º, nº 2 e, subsidiariamente, do art. 668º, nº 1, al. d) do Cod. Proc. Civil. Sendo exactamente a norma em apreço aquela que constitui o móbil de apreciação quan[t]o à sua invocada inconstitucionalidade.' Notificada desta reclamação, a recorrida veio, em resposta, pugnar pela manutenção da decisão reclamada e pela confirmação do não conhecimento do recurso de constitucionalidade. Cumpre decidir. II. Fundamentos Adianta-se desde já o entendimento de que a presente reclamação não abala os fundamentos em que se sustentou a decisão sumária de não conhecimento de recurso. Não é, em primeiro lugar, exacto que resulte da decisão reclamada a inviabilidade do recurso de constitucionalidade (ou qualquer 'redoma de incolumidade quanto á fiscalização da constitucionalidade') quanto às normas aplicadas, em termos inovadores pelo tribunal recorrido. Antes pelo contrário, reconhece-se na decisão recorrida que, vindo a alegada inconstitucionalidade referida ao não reconhecimento de uma nulidade da decisão judicial ou a às normas que prevêem esta nulidade – como fez a recorrente no requerimento de recurso –, 'não é de excluir a tempestividade da suscitação da questão de constitucionalidade no momento de arguição de nulidade', pois, quanto a este ponto, o poder jurisdicional do tribunal a quo não estava ainda esgotado
(e isto, pois, mesmo independentemente de estarmos perante uma daquelas situações excepcionais em que os interessados não tiveram anteriormente oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade). Ponto é que, como também se diz na decisão reclamada, citando o artigo 72º, n.º
2, da Lei do Tribunal Constitucional, a suscitação da inconstitucionalidade normativa tenha sido efectuada, ainda que apenas nesse momento, 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida' – ou seja, perante o tribunal a quo (que ainda detinha poder jurisdicional sobre a questão), e não apenas, pela primeira vez, perante o Tribunal Constitucional. Ora, a demonstração contida na decisão reclamada – com base no dado objectivo da transcrição das passagens respectivas da recorrente ('o juiz ...não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – situação que, objectivamente, não se verifica', e isto, '[s]ob pena de se violar o princípio constitucional da pronúncia, tal como decorre do art. 16º da Constituição da República Portuguesa') – de que, mesmo no requerimento de arguição de nulidade, a recorrente imputou apenas a inconstitucionalidade, não à norma (do artigo
660º, n.º 2, do Código de Processo Civil), ou a uma sua determinada interpretação, devidamente identificada, mas 'à decisão que, alegadamente, a aplicou fora da sua previsão ‘objectiva’, como se estivesse em causa, não um problema de conformidade constitucional de uma norma, ou de um seu sentido, mas da sua aplicação pela decisão judicial', não é minimamente atingida na presente reclamação. Nesta, afirma-se que 'no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, a norma cuja inconstitucionalidade se suscitou encontra absolutamente individualizada e indicada' – mas não foi isso que esteve em causa na decisão reclamada, que se baseou antes na falta de suscitação da inconstitucionalidade de uma norma perante o tribunal a quo. Não tendo, assim, sido impugnada perante o tribunal recorrido, nem sequer no requerimento de arguição de nulidade, a constitucionalidade de uma norma jurídica – fosse a do n.º 2 do artigo 660º, fosse a da alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil, só indicada na resposta ao despacho de aperfeiçoamento do requerimento de recurso – não se podia tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade. E a correspondente decisão sumária deve, por conseguinte, ser confirmada. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso. Custas pela reclamante, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2003 Paulo Mota Pinto Mário Torres José Manuel Cardoso da Costa