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Procº nº 23/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Aquando da realização do debate instrutório ocorrida em 26 de Novembro de 2002 no 4º Juízo do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, em processo em que figurava como arguida A, o seu mandatário ditou para a respectiva acta requerimento por intermédio do qual veio arguir a nulidade de determinadas intersecções telefónicas, para tanto, em síntese, sustentando:-
- que, para serem autorizadas intersecções telefónicas, era necessário existirem indícios consistentes contra os arguidos cujos telefones a interseccionar se encontrassem na sua esfera de utilização;
- que as intersecções em causa foram efectuadas com base, tão só, numa mera denúncia anónima;
- que, no caso, não se encontrava cumprida a exigência, constante do nº 1 do artº 118º do Código de Processo Penal, de apresentação imediata ao juiz de instrução dos elementos resultantes das intersecções e, bem assim, não foi feita pelo juiz a selecção das escutas, por isso que esta o teria sido pela Polícia Judiciária;
- que 'as normas constantes dos art.ºs 187º e 188º, são inconstitucionais se interpretadas com outro sentido do que aquele que', então, foi expendido.
Por decisão lavrada em 4 de Dezembro de 2002, a Juíza do indicado Juízo começou por analisar a questão de nulidade suscitada pela arguida, tendo concluído pela sua não verificação e pela não inconstitucionalidade dos artigos
187º e 188º do diploma adjectivo criminal, vindo, depois, a pronunciar, por entre outros, a arguida A pela indiciária prática de factos que foram subsumidos ao cometimento, em co-autoria, de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punível pelo nº 1 do artº 21º do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro.
A arguida fez então juntar aos autos requerimento por via do qual manifestava a sua intenção de, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, interpor recurso para o Tribunal Constitucional, por seu intermédio pretendendo a apreciação das normas vertidas nos artigos
187º, quando interpretada no 'sentido de que uma denúncia anónima é suficiente para fundamentar a autorização de uma escuta telefónica', e 188º, nº 3, este e aquele do Código de Processo Penal, o último quando interpretado no 'sentido de que o juiz não está obrigado a ouvir as escutas telefónicas e, segundo o seu exclusivo critério, ordenar a selecção dos diálogos nelas constantes'.
Por despacho proferido em 23 de Dezembro de 2002 não foi o recurso admitido com base no nº 2 do artº 70º da Lei nº 28/82, por isso que a decisão instrutória proferida, na parte em que conheceu de nulidades arguidas e demais questões prévias ou incidentais, é passível de recurso.
É deste despacho que, pela arguida A, vem deduzida reclamação para o Tribunal Constitucional, limitando-se a dizer que entendia que este órgão de administração de justiça pode conhecer das normas jurídicas nesta fase processual, já que estão reunidos os pressupostos ínsitos na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, e que o presente caso se não enquadra no nº 2 do mesmo artigo, como fora decidido no Acórdão nº 581/2000 deste Tribunal.
O Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido do indeferimento da reclamação.
Cumpre decidir.
2. É manifesta a improcedência da vertente reclamação.
Na verdade, pelo denominada «Assento nº 6/2000» (publicado na 1ª Série-A do Diário da República de 7 de Março de 2000) ficou fixada uma jurisprudência de harmonia com a qual a decisão instrutória que pronunciar o arguido pelos factos constantes da acusação do Ministério Público é recorrível na parte respeitante à matéria relativa às nulidades arguidas no decurso do inquérito ou da instrução e às demais questões prévias ou incidentais.
Ora, se bem que, ex vi do nº 3 do artº 445º do Código de Processo Penal, a jurisprudência daquela arte fixada se não torne obrigatória para os tribunais, menos certo não é que os entendimentos interpretativos perfilhados pelos arestos de fixação de jurisprudência são, em via de regra, seguidos também pelos tribunais judiciais, que deles só podem divergir se fundamentarem tal divergência, casos em que, de todo o modo, se abre recurso obrigatório nos termos do nº 1 do artº 446º do mesmo corpo de leis.
Neste contexto, é perfeitamente sustentável que os tribunais da ordem dos tribunais judiciais, designadamente os tribunais de relação, venham a tomar conhecimento dos recursos interpostos de decisões instrutórias que pronunciarem arguidos pelos factos constantes da acusação proferida pelo Ministério Pública, quanto à parte em que nessas peças processuais se decidiu no tocante à matéria relativa a nulidades arguidas no inquérito ou na instrução.
Aliás, após a publicação do designado «Assento nº 6/2000», não se conhecem decisões dos tribunais de 2ª instância que tenham diferentemente decidido quanto ao particular que ora releva, pelo que a situação em espécie, se apresenta, depois daquela publicação, com contornos diversos da que foi analisada por intermédio do Acórdão nº 585/98 (ainda inédito) do Tribunal Constitucional (e não o acórdão nº 581/2000, como erroneamente refere a reclamante), já que, aquando da prolação da decisão então reclamada e que foi objecto daquele aresto, havia flutuação na jurisprudência dos tribunais judiciais quanto à recorribilidade das decisões instrutórias quanto à matéria de nulidades arguidas durante o inquérito ou a instrução.
Sendo assim, haverá que concluir que, com um mui alto grau de probabilidade, o tribunal de 2ª instância (in casu, o Tribunal da Relação de Lisboa), caso fosse interposto recurso da decisão instrutória em apreço e na parte atinente às nulidades arguidas, viesse a conhecer da impugnação, motivo pelo qual, identicamente, se concluirá por que se não mostram esgotados os recurso ordinários que, no caso, caberiam.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 16 de Janeiro de 2003- Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida