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Proc. n.º 534/03
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I - Relatório
1. Notificado de um acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19 de Fevereiro de 2002, que julgou improcedente um recurso de agravo por si interposto, o ora recorrente, A., anunciou a sua intenção de reclamar daquele e, simultaneamente, comprovou a apresentação de pedido de apoio judiciário, na modalidade de nomeação de patrono.
2. O processo aguardou, então, a decisão da Segurança Social, com interrupção do prazo em curso e, na sequência de procedimento habitual, foi nomeada advogada ao agravante, a quem foi remetida carta de notificação em 2 de Maio de 2002.
3. No dia 14 desse mês, deu entrada um pedido de escusa do patrocínio, que interrompeu, de novo, o prazo em curso e, aceite a escusa, foi nomeado um outro patrono, a quem foi remetida carta de notificação em 17 de Setembro de 2002.
4. No dia 25 desse mês, o nomeado pediu também escusa, com nova interrupção do prazo, até que, aceite a escusa, veio a ser nomeado um novo patrono, a quem foi remetida carta de notificação em 5 de Dezembro de 2002.
5. Este, depois de no dia 6 desse mês ter requerido a confiança do processo, apresentou também pedido de escusa, no dia 13 do mesmo mês, com nova interrupção do prazo, para a anunciada reclamação.
6. Proveniente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, deu entrada, em 21 de Janeiro de 2003, comunicação contendo o despacho que recaiu sobre o pedido de escusa, que é do seguinte teor: “Do teor do presente requerimento verifica-se que o requerente do apoio judiciário não prestou a colaboração que lhe é exigida no n.º 2, do artigo 33° da Lei n.º 30-E/2000, de 20/12. Desta feita, notifique-se o Senhor Dr. B., para informar o Juiz do processo da invocada violação do dever de colaboração”.
7. No dia 30 de Janeiro de 2003, o Dr. B., patrono do agravante, apresentou o requerimento de folhas 126 em que, depois de transcrever o referido despacho, acrescentou que «resta dizer que não partilha de tal entendimento, na medida em que dentro do prazo para apresentação da reclamação, em conversa telefónica, com grande delicadeza e respeito sublinhe-se, o patrocinado revelou que por razões pessoais e de saúde não lhe seria possível, em prazo útil, deslocar-se a Coimbra. Ou seja, a falta de colaboração (objectivamente verificada) não é salvo melhor opinião, imputável ao patrocinado a título sequer, de mera culpa».
8. Na sequência de despacho nesse sentido, o patrono veio, a 10 de Fevereiro de
2003, esclarecer que o despacho que recaiu sobre o seu pedido de escusa lhe foi notificado por carta de 20 de Janeiro, requerendo também que se procedesse à notificação do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados para esclarecer se foi, ou não, deferido o seu pedido de escusa.
9. Proferiu, então, o relator do processo no Tribunal da Relação de Coimbra o seguinte despacho: «O esclarecimento pretendido pelo Dr. B. pode e deve ser solicitado pelo próprio, se assim o entender necessário, ao Conselho Distrital da Ordem dos Advogados. Afigura-se-me, no entanto, claro que, não tendo o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados procedido imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, a escusa pedida pelo Dr. B. não foi concedida (art.º
35°, n.º 4 da Lei 30E/2000, de 20 de Dezembro). Por outro lado, como a carta contendo a deliberação do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, foi remetida ao Dr. B. através de registo, com data de 20 de Janeiro de 2003, a respectiva notificação presume-se como efectuada a 23 desse mês (art.º 254°, n.º
2 do C PC). Reiniciou-se, então, nos termos dos art.ºs 25°, n.º 5 e 35°, n.º 2 da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, a contagem do prazo de que o agravante dispunha para apresentar a anunciada reclamação (cfr. fls. 83), o qual já decorreu. Notifique».
11. Inconformado com este despacho o ora recorrente veio reclamar do mesmo, tendo a concluir a sua exposição, sustentado a inconstitucionalidade do art.º
35°, n.º 4 da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação dada naquele despacho, por violação dos princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais, da tutela jurisdicional efectiva e da confiança (art.ºs 20°, 1 e 2 e
2° da CRP) .
12. O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 6 de Maio de 2003, confirmou o despacho do relator, decisão que fundamentou nos seguintes termos:
“O direito de acesso aos tribunais consagrado no art.º 20° da CRP inclui no seu conteúdo conceitual, entre outros, a proibição da indefesa, que consiste na privação ou limitação do direito de defesa do particular perante os órgãos judiciais, junto dos quais se discutem questões que lhe dizem respeito. A violação da tutela efectiva, sob o ponto de vista da limitação do direito de defesa, ocorre sobretudo quando a inobservância de normas processuais ou de princípios gerais de processo acarreta a impossibilidade de o particular exercer o seu direito de alegar, daí resultando prejuízos efectivos para os seus interesses.
À luz do sentido genérico assim atribuído ao direito fundamental de acesso aos tribunais, que implica a proibição da indefesa, pode afirmar-se, atenta a dinâmica processual atrás descrita, que, contrariamente ao que sustenta o agravante, os princípios constitucionais por ele invocados não se mostram violados. É incompreensível que, decorrido cerca de um ano após a prolação do acórdão que apreciou o recurso que interpôs, o agravante não tenha logrado apresentar, em prazo, a anunciada reclamação. Isto, não obstante o respectivo prazo ter sido objecto de sucessivas interrupções, com reinicio da sua contagem, e três terem sido os patronos nomeados. A tudo isso acresce também que o agravante é Licenciado em Direito e foi, até há algum tempo, Juiz de Direito, com larga experiência em matéria de reclamações e de recursos nas várias instâncias (alguns correram termos neste tribunal). Quisesse ele, na verdade, reclamar do acórdão e tê-lo-ia certamente feito. Tempo e apoio jurídico não lhe faltaram (teve 3 patronos). Não pode, por isso, aceitar-se que o art.º 35°, n.º
4 da Lei 30-E/2000, de 20 de Dezembro, na interpretação dada no despacho do relator, viole os princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais, da tutela jurisdicional efectiva e da confiança (art.ºs 20°, 1 e 2 e
2° da CRP). Improcede, pois, tudo o que, a tal propósito, o agravante invoca no seu requerimento, que não merece ser atendido”.
12. É desta decisão que vem interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.
70º da LTC, o presente recurso, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
“[...] O presente recurso baseia-se no disposto no art. 70°, 1, al. b) da L. T.C. No presente suscita-se a apreciação da constitucionalidade da seguinte norma: Art. 35°, 4 da L. 30-E/2000; A inconstitucionalidade de tal norma foi suscitada pelo recorrente na reclamação pela qual suscitou a nulidade da douta decisão de fls. 130. Na decisão em apreço foi a referida norma aplicada de acordo com o seguinte entendimento: Sendo concedida a escusa, a Ordem de Advogados ou a Câmara dos Solicitadores procedem imediatamente à nomeação e designação de novo patrono. A não nomeação imediata de novo patrono corresponde a indeferimento tácito do pedido de escusa formulado. Em qualquer um dos arestos em apreço foram violados os seguintes preceitos constitucionais: Arts. 20°, 1 e 2 e 2° C.R.P., na interpretação supra transcrita e que foi dada ao art. 35°, 4 da L. 30-E/2000 com violação do:
- Princípio do acesso ao direito e aos tribunais;
- Princípio da tutela jurisdicional efectiva;
- Princípio da protecção da confiança”;[...]”
13. Já neste Tribunal foi o recorrente notificado para alegar, o que fez, tendo concluído da seguinte forma:
“1ª Da leitura do n.º 3 do art. 35° da L. 30-E/2000 resulta clara uma obrigação de apreciação e deliberação a cargo da Ordem dos Advogados ou da Câmara dos Solicitadores. Assim, a decisão, qualquer que ela seja, deve ser expressa
(apreciam e deliberam):
2ª No caso dos autos, a resposta do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Coimbra encerra em si um autêntico 'non liquet', na exacta medida em que a lei ordena que o mesmo aprecie e delibere a matéria do pedido e o referido Conselho optou por apresentar considerações a respeito do comportamento do patrocinado, ordenando singelamente que tais considerações fossem comunicadas ao Tribunal da Relação.
3ª Assim, a lei em causa, no específico ponto em discussão não apresenta qualquer dúvida quanto à sua interpretação/aplicação possível. A própria lei não abre a porta para o entendimento, para a pretensa dimensão normativa que lhe foi concretamente atribuída e que aqui se discute.
4ª A garantia constitucional do acesso à justiça deve articular-se com o princípio fundamental da igualdade e possui uma dupla dimensão: uma dimensão de defesa (defesa dos direitos através dos tribunais) e uma dimensão “prestacional'
(dever de o Estado assegurar meios tendentes a evitar a denegação da justiça por insuficiência de meios económicos),.
5ª O actual sistema social de resolução de conflitos implica: a) Que seja imperativo que todos possam acautelar os seus direitos; b) Que seja também imperativo que o possam fazer através de um sistema permanente de hetero-tutela; c) Que seja ainda imperativo que todos os membros da comunidade se submetam a tal sistema e que aos mesmos seja vedado o recurso à auto-tutela ou justiça privada; d) Que, para tal, todos possam dispor da maior igualdade de armas possível; e) Que, ainda para tanto, o sistema não crie ou admita qualquer espécie de discriminação .
6ª Como assim é, as normas que estabeleçam o sistema de acesso ao direito e aos tribunais têm que acautelar prioritariamente: c) A existência de formas multifacetadas de resposta aos problemas que os cidadãos apresentem e aos direitos que queiram ver acautelados (Daí que o sistema preveja não apenas a representação em juízo, mas também a própria consulta jurídica); d) A existência de um mecanismo de representação em juízo por advogado, seguro que é que o especial conhecimento das normas e a experiência são a melhor garantia não só de adequado acesso ao sistema de heterotutela, como da igualdade de armas que o sistema visa assegurar;
7ª As garantias de tutela jurisdicional efectiva e de acesso ao direito e aos tribunais debatem-se, no entanto e no quadro do apoio judiciário com vários problemas que urge resolver e perigos que se impõe acautelar e que de modo não exaustivo (longe disso) se podem enumerar pela seguinte forma:
1) A representação não postula a existência de uma prévia relação de confiança entre o patrono e o seu patrocinado;
2) A mesma representação depende da intervenção de um terceiro organismo com o poder de nomear;
3) A representação não implica o respeito por um critério geográfico de proximidade ao patrocinado.
8ª Para obstar a tais perigos é que:
- é, em princípio, sufragada a designação de advogado que aceite patrocinar a causa;
- Se impõe um dever de apreciar e deliberar aos conselhos distritais da ordem dos advogados em matéria de patrocínio oficioso;
- E seria aconselhável que ao patrocinado fosse nomeado advogado da sua área de residência e não da área em que se encontra o Tribunal.
9ª No caso de ser formulado pedido de escusa devem, então, as mesmas cautelas ser aplicadas, ressaltando, neste domínio, dois aspectos fundamentais: a) Ser acautelada, no período de indecisão, a defesa daquele que recorreu ao mecanismo da representação oficiosa; b) Ser produzida decisão clara e inequívoca quanto à identidade daquele que o representa. Ou seja, existir deliberação expressa quanto ao deferimento ou indeferimento do pedido de escusa apresentado.
10ª De regresso à matéria dos princípios/garantias que cremos violados, pensamos ser de o concluir que o sistema em que tais princípios são pilares não sufraga decisões que encerrem um autêntico 'non liquet', nem o entendimento de acordo com o qual, com referência ao disposto no n.º 4, do art. 35° L. 30-E/2000: A não nomeação imediata de patrono determina tacitamente o indeferimento do pedido de escusa.
11ª A confiança é o mecanismo indelével que permite a manutenção, prosperidade e desenvolvimento de sociedades complexas. Além da confiança, ou como sua alternativa, apenas uma outra possibilidade se abre para a manutenção das mesmas sociedades complexas: Os mecanismos de repressão/intimidação.
12ª Atenta a opção pela forma de Estado de Direito Democrático (art. 2º CRP), entre nós tomada, é também evidente que a comunidade optou pelos mecanismos de confiança como suas formas agregadoras. Tais formas agregadoras têm necessário e imperativo reflexo no sistema de normas.
13ª A ideia de segurança jurídica reconduz-se a dois princípios materiais concretizadores do princípio geral de segurança:
(...) b) O princípio da protecção da confiança, traduzido na exigência de leis tendencialmente estáveis, ou, pelo menos, não lesivas da previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos (...).
14ª Seja qual for a latitude jurídica do princípio do 'Estado de direito democrático', é seguro que ele leva postulada uma ideia de protecção da confiança dos cidadãos e da comunidade na ordem jurídica e na actuação do Estado, o que implica um mínimo de certeza e segurança nos direitos das pessoas e nas suas expectativas juridicamente criadas e, consequentemente, a confiança dos cidadãos e da comunidade na tutela jurídica (...). No entanto, uma norma jurídica apenas violará o princípio da 'protecção da confiança do cidadão”,
ínsito no princípio do Estado de direito, se ela postergar de forma intolerável, arbitrária, opressiva ou demasiado acentuada aquelas exigências de confiança, certeza e segurança que são dimensões essenciais do princípio do Estado de direito.
15ª O poder que é conferido aos Conselhos Distritais da Ordem dos Advogados é um poder público, um poder de soberania, um poder/dever de participação/decisão na administração da justiça, pelo que as respectivas decisões devem ser claras, precisas e, obviamente, respeitarem o objecto da intervenção tal como legalmente definida. Vale isto por dizer que tais decisões devem obediência e devem estar em concordância prática com o princípio da confiança consagrado no art. 2° do nosso diploma constitucional. Vale isto ainda por dizer que sendo o Estado pessoa de bem, há-de comportar-se através de quem concretamente exerce os seus poderes, como se comportaria o 'bonus pater familias', honesto, respeitador e de boa fé, não usando de ardis para frustrar os interesses dos particulares que concretamente suscitam a respectiva intervenção.
16ª O Conselho Distrital da Ordem dos Advogados de Coimbra, quando existia confiança que decidiria, optou por não decidir. O Tribunal da Relação de Coimbra, colocado perante o problema veio conferir ao texto da norma do art.
35°,4 da L. 30-E/2000, um sentido que a mesma: a) Não tem em si mesma considerada; b) Não tem no seu contexto; c) Não corresponde ao sentido que qualquer cidadão dá ou pode dar à norma interpretanda.
17ª A norma do art. 35°, 4 da L. 30-E/2000 interpretada/aplicada como o foi fere de modo intolerável a previsibilidade e calculabilidade dos cidadãos relativamente aos seus efeitos jurídicos.
18ª A mesma norma foi, em sede de interpretação/aplicação aplicada em sentido diametralmente oposto ao que inculca a .sua redacção originária.
19ª A norma do art. 35°,4 da L. 30-E/2000, com a leitura de acordo com a qual: Sendo concedida a escusa, a Ordem de Advogados ou a Câmara dos Solicitadores procedem imediatamente à nomeação e designação de novo patrono. A não nomeação imediata de novo patrono corresponde a indeferimento tácito do pedido de escusa formulado; é inconstitucional por violação dos Princípio do acesso ao direito e aos tribunais; Princípio da tutela jurisdicional efectiva; e Princípio da protecção da confiança consagrados nos arts. 20°, 1 e 2 e 2° C.R.P.”[...].
13. Notificado para responder, querendo, à alegação do recorrente, disse o Ministério Público, ora recorrido, a concluir:
“1 - A decisão recorrida não fez da norma que integra o objecto do presente recurso a interpretação normativa especificada pelo recorrente.
2 - Na verdade, a determinação, ao patrono oficioso nomeado, que adoptasse determinada conduta processual nos autos (dando conhecimento ao juiz da causa de que a parte patrocinada não prestou a colaboração exigida), aliada à circunstância de se não nomear logo um patrono que o substituísse, não envolve qualquer 'indeferimento tácito' do pedido de escusa formulado.
3- Termos em que não deverá conhecer-se do recurso”.
14. Notificado para se pronunciar, querendo, sobre a questão prévia suscitada pelo Ministério Público, disse o recorrente:
“[...] Lê-se no despacho de fls. 130 dos autos: Afigura-se-me, no entanto, claro que, não tendo o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados procedido imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, a escusa pedida pelo Dr. B. não foi concedida (art. 35º, n.º 4 da Lei n.º
30-E/2000, de 20 de Dezembro). Dissecando: a) a colocação entre parêntesis da norma parece inculcar que a mesma foi aplicada; b) a fundamentação anterior à invocação da norma parece conter o sentido em que a mesma foi aplicada; c) dizer-se que: não tendo o Conselho Distrital da Ordem dos Advogados procedido imediatamente à nomeação e designação de novo patrono, a escusa pedida pelo Dr. B. não foi concedida, parece ser sinónimo (com ressalva dos elementos de aplicação concreta) de: a não nomeação imediata de patrono determina tacitamente o indeferimento do pedido de escusa. Termos em que: A decisão recorrida fez aplicação da norma no sentido que o recorrente expôs, devendo, pois, conhecer-se do recurso”.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
15. O recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional pressupõe, designadamente, que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado, como ratio decidendi, a norma - ou dimensão normativa - cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada.
Ora, nos termos do requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – instrumento idóneo à fixação do respectivo objecto – refere o recorrente pretender ver apreciada a inconstitucionalidade do artigo
35º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000, na interpretação segundo a qual “a não nomeação imediata de novo patrono corresponde a indeferimento tácito do pedido de escusa formulado”.
Alega, porém, o Ministério Público, que não foi exactamente esta a interpretação normativa do artigo 35º, n.º 4, da Lei n.º 30-E/2000, utilizada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida, pelo que não deverá conhecer-se do objecto do recurso.
Vejamos.
Alega o Ministério Público, em primeiro lugar, que não foi aquela a interpretação normativa utilizada, como ratio decidendi, pela decisão recorrida, uma vez que nada permite concluir que aquela decisão tenha considerado ter havido um indeferimento tácito do pedido de escusa formulado pelo patrono nomeado.
Mas, nesta parte, não tem razão o Ministério Público, como se verá já de seguida.
Com efeito, a apresentação de um pedido de escusa pelo patrono nomeado interrompe, nos termos do n.º 2 do artigo 35º da Lei 30º-E/2000, o prazo que estiver em curso. E, nos termos do n.º 5 do artigo 25º do mesmo diploma, para que remete aquele n.º 2, tal prazo só se reinicia com a notificação da decisão sobre o pedido de escusa – no caso de deferimento do pedido, com a notificação ao novo patrono nomeado da sua designação [alínea a)], no caso de indeferimento do pedido, a partir da notificação ao requerente da decisão de indeferimento desse pedido [alínea b)].
Ora, no caso dos autos, tendo a decisão recorrida considerado que, com a notificação, ao requerente da escusa, da carta contendo a deliberação do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados, se reiniciou o prazo, que estava interrompido, para que o ora recorrente pudesse reclamar do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19 de Fevereiro de 2000, tal implica que a mesma tem de ter considerado que foi indeferido o pedido de escusa - pois que só isso poderia determinar, nos termos da alínea b) do n.º 5 do citado artigo 25º, o reinicio do prazo que estava interrompido.
Em suma: a conclusão, por parte da decisão recorrida, de que se reiniciou o prazo que estava interrompido, implica a conclusão, por parte da mesma decisão, de que havia sido indeferido - o que só pode ter acontecido tacitamente - o pedido de escusa.
Mas, e neste ponto já tem razão o Ministério Público, a conclusão, por parte daquela decisão, de que se formou acto tácito de indeferimento do pedido de escusa não resulta, ao contrário do que entende o recorrente, da interpretação segundo a qual a simples não nomeação imediata (no prazo de 10 dias referidos pelo n.º 3 do art. 35º) de patrono gera automaticamente indeferimento tácito do pedido de escusa, mas sim da interpretação segundo a qual a notificação expressa para a prática de um acto processual, não tendo havido nomeação imediata de novo patrono, deve ser interpretada como indeferimento implícito, naquele momento, do pedido de escusa, com o consequente reinicio do prazo que estivesse interrompido.
Em suma: não pode, pois, afirmar-se, como faz o recorrente, que a decisão recorrida considere que “a não nomeação imediata de novo patrono corresponde a indeferimento tácito do pedido de escusa formulado”, isto é, que a simples não nomeação imediata de novo patrono tenha o efeito automático de indeferimento tácito do pedido de escusa. A decisão recorrida faz corresponder esse efeito, é certo, mas apenas aos casos em que, como aconteceu nos presentes autos, existe uma notificação expressa para a prática de acto processual, não tendo havido nomeação imediata de novo patrono.
Foi, pois, nesta interpretação normativa que o artigo 35º, n.º 4, da Lei n.º
30-E/2000, foi aplicado, como ratio decidendi, pela decisão recorrida, e não naquela outra que vem indicada pelo recorrente, pelo que não pode, efectivamente, conhecer-se do objecto do recurso.
III – Decisão
Pelo exposto, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 13 de Janeiro de 2004
Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Bravo Serra Vítor Gomes
Luís Nunes de Almeida