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Processo nº 175/03
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - A, B, C e D, reclamaram, nos termos do nº 4 do artigo
76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do despacho de fls. 832, proferido pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça que não recebeu, por o considerar inadmissível, o recurso interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º do mesmo diploma legal, por, ao longo do processo, nunca terem “feito valer” a inconstitucionalidade que agora invocam, sendo certo que o podiam ter feito.
2. - Nos embargos a arresto em que os ora reclamantes figuram como embargantes, sendo embargados E e F, remetidos os autos à conta, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, foram aqueles notificados das contas, tendo arguido a nulidade da elaboração destas por entenderem não ter sido apreciado ainda o recurso de revista por eles interposto, não se encontrando findo o processo.
A reclamação não foi atendida liminarmente, por já ter
“transitado em julgado a decisão final proferida nos autos”, decisão que veio a ser revogada, após agravo, pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14 de Junho de 2002, do qual por sua vez agravaram para o Supremo Tribunal de Justiça, que prolatou o acórdão de 9 de Fevereiro de 2003 agora em causa, negando provimento ao recurso.
Escreveu-se, a dado passo, neste aresto:
“2. Resulta dos autos que o processo subiu a este Tribunal para apreciação dos recursos interpostos por ambas as partes e que apenas foi proferida decisão sobre o recurso dos Embargados. Entendeu o acórdão recorrido que tal omissão não constitui omissão de pronúncia, causa de nulidade (artigo 668°, nº1 alínea d) do Código de Processo Civil). Trata-se antes de 'absoluta omissão de prolação de uma decisão pelo órgão jurisdicional competente, de inexistência do acto que deveria enformar a decisão recorrida'. Não estavam, pois, verificadas as condições de que a lei (artigo 50° do Código das Custas Judiciais) faz depender a elaboração das contas em primeira instância. O despacho em causa encontrava-se, pois, ferido de nulidade ( artigo 201º, nº 1 do Código de Processo Civil), susceptível de influir na decisão da causa. “
E, mais adiante:
“3. Estabelece o artigo 668°, nº1, alínea d), do Código de Processo Civil que é nula a sentença 'Quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento'.
Esta disposição não se aplica àqueles casos em que a sentença não se reveste dos requisitos mínimos para ser considerada como acto jurisdicional. Assim, a falta absoluta de poder jurisdicional de quem a proferiu, a falta de forma escrita ou de inintelegibilidade da parte decisória. Nestes casos a nulidade pode ser invocada a todo o tempo. Não é o caso dos autos. Com efeito, o acórdão em causa não está ferido de qualquer vício que ponha em causa o seu valor como acto jurisdicional. Pura e simplesmente não conheceu de um assunto que devia conhecer, o recurso dos Embargantes (neste sentido, a jurisprudência constante deste Tribunal: acórdãos de 9 de Janeiro de 1986, processo nº 072722, de 26 de Junho de 1990, processo nº 078679 e de 30 de Junho de 1992, processo nº 082309) [...].”
3. - Ao interpor-se recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade convocaram-se os “artigos 668º, nº 1, alínea d), 2º, 156º,
201º e 205º, todos do Código de Processo Civil, quando interpretados e aplicados no sentido que a inexistência de decisão sobre o recurso interposto pelos ora recorrentes – omissão de julgar – havida nos autos, traduz uma omissão de pronúncia e, consequentemente, uma nulidade, subsumível ao referido artigo 668º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Civil, nulidade essa a arguir no prazo de
10 dias sob pena de se considerar sanada”.
E acrescentou-se:
“[...] os princípios e normas constitucionais considerados violados são os princípios do acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional (artº 20º da CRP) e do dever de exercício da função jurisdicional (artº 202º da CRP); e, finalmente, a questão da inconstitucionalidade, já aflorada nas (contra)alegações do agravo para o STJ, é suscitada no presente requerimento, porquanto só em face da hermenêutica acolhida no douto Acórdão recorrido (que, para o efeito, reveste a natureza de uma “decisão surpresa”) se tornou possível e cabível a sindicância de um juízo de (des)conformidade constitucional.”
O Conselheiro relator, em ático despacho de 6 de Fevereiro último, teve o recurso por inadmissível: interposto este com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, nunca “ao longo do processo, os Recorrentes fizeram valer a inconstitucionalidade que agora invocam”, sendo certo que o podiam ter feito, uma vez que a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça orienta-se no sentido de que a irregularidade em causa não torna inexistente a decisão judicial por ela afectada.
Ouvido, no âmbito do disposto no nº 2 do artigo 77º da Lei nº 28/82, o magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação.
Na verdade, escreve-se, “o momento processual adequado para terem levantado tal questão era o da produção de contra-alegações no âmbito do recurso de agravo interposto do acórdão da Relação que havia concedido provimento ao seu recurso, cumprindo notar, por um lado, que era patente a eventualidade de o Supremo vir a fazer do conceito de “omissão de pronúncia” a interpretação ampliativa que efectivamente fez; e, por outro lado que – como vem reiteradamente decidindo a jurisprudência constitucional – recai sobre o recorrido o ónus de, na contra-alegação apresentada, suscitar a título preventivo e subsidiário, as questões da inconstitucionalidade normativa que tiver por pertinente e adequadas, face à eventualidade de o Supremo vir a acolher solução jurídica contrária aos interesses do recorrido (cfr. v.g., ac.
114/00)”.
Corridos os demais vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
4. - A admissibilidade do recurso fundamentado na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, depende da suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade da norma aplicada pela decisão recorrida, cuja conformidade ao texto da lei fundamental se pretende ver apreciada, sendo certo que o nº 2 do artigo 72º do mesmo diploma esclarece que esse recurso só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Ora, constitui jurisprudência reiterada e dominante do Tribunal Constitucional – como ainda muito recentemente se sublinhou no acórdão nº 145/2003, inédito – “que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial, não a torna obscura ou ambígua, nem envolve
“lapso manifesto” do juiz quer na determinação da norma aplicável, quer na qualificação jurídica dos factos, nem desconsideração de elementos constantes do processo que implicassem necessariamente, só por si, decisão diversa da proferida. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
Só assim não será nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade”.
5. - No caso – e no entendimento professado pelos reclamantes
– perfila-se nos autos uma situação surpresa, enquadrável na apontada ressalva, tanto mais – aduzem – “que ocupavam a posição de recorridos, ao obterem integral vencimento na decisão proferida no Tribunal da Relação do Porto”. Ou seja, em face dessa decisão, os reclamantes “não tinham interesse nem necessidade processual de colocar a questão perante o Supremo Tribunal de Justiça, porquanto a decisão recorrida e as normas aplicadas não eram susceptíveis de qualquer juízo de inconstitucionalidade”, bem se podendo ter remetido ao silêncio e não ter, sequer, contra-alegado no recurso interposto pelos embargados.
Recorta-se, assim (sempre na tese que defendem), uma interpretação das normas dos artigos do Código de Processo Civil já enunciadas relativamente à qual não lhes era exigível, razoavelmente, uma prognose de interpretação normativa inconstitucional.
6. - Não lhes assiste razão.
Na verdade, onerava-os o dever de prever uma estratégia processual compaginável com as diversas possibilidades interpretativas da normação em causa, adoptando as devidas cautelas, com salvaguarda indiscutível para as situações anómalas ou excepcionalmente criadas (assim, entre tantos outros, o acórdão nº 479/89, publicado no Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992).
De acordo com esta orientação, ao contra-alegarem no
âmbito do recurso interposto do acórdão do Tribunal da Relação, cabia-lhes perspectivar a eventualidade de o Supremo Tribunal de Justiça interpretar ampliativamente o conceito de omissão de pronúncia, aí se situando o momento processual oportuno para suscitar a questão de constitucionalidade.
Não só se lhes impunha essa equacionação perante o tribunal a quo, dado se tratar de um tribunal de recurso (cfr. acórdão nº 88/97, no Diário citado, II Série, de 12 de Abril de 1997), como constitui jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça configurar a nulidade derivada da omissão de acordo com as regras gerais, sujeita a sanação quando não oportunamente arguida, sem alcance para pôr em causa a decisão como acto jurisprudencial (cfr. acórdãos desse Supremo Tribunal de 9 de Janeiro de 1986,
26 de Junho de 1990 e 30 de Junho de 1992, respectivamente proferidos nos processos nºs. 072722, 078679 e 082309, consultáveis em htpp://www.dgsi/pt/jstj.).
7. - Pelo exposto, e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelos reclamantes, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta.
Lisboa, 28 de Abril de 2003 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida