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Proc. 377/03
1ª Secção Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1.1. A. pretende recorrer, ao abrigo da alínea b) do n. 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), do acórdão da Relação de Lisboa que negou provimento ao recurso da sentença do Tribunal Judicial da Comarca de Almada que o condenara como autor material de um crime de emissão de cheque sem provisão e, ainda, do despacho do Relator que, naquele Tribunal, decidiu não tomar conhecimento da reclamação que o recorrente formulara contra o mesmo acórdão.
Questiona o seguinte:
«A interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal, quando interpretada e aplicada, como foi o caso, no sentido de serem considerados na sentença factos não constantes na acusação – data de entrega do cheque – sem que antes seja concedido ao arguido a possibilidade de sobre eles se pronunciar e, desse modo, organizar a sua defesa, o que viola a norma da Constituição consignada no artigo 32º n.º 5 e cuja inconstitucionalidade foi colocada quer em sede de contestação quer no recurso para a Relação; A norma constante no artigo 334º n.º 3 do Código de Processo Penal com a redacção dada pela Lei 59/98 de 25.08, quando interpretada e aplicada, como, efectivamente, foi, no sentido de o arguido poder vir a ser julgado à revelia em processos pendentes por eventuais crimes cometidos em data anterior à revisão da Constituição de 1997, por violar o artigo 29º n.º 4 desta e cuja inconstitucionalidade foi colocada no recurso para a Relação; A interpretação normativa resultante da conjugação das normas constantes no artigo 1º nº 1 alínea f) e artigo 359º n.º 1 ambos do Código de Processo Penal, quando interpretada e aplicada, como no caso sub judice, no sentido de serem tomados em conta pelo tribunal factos não relatados na acusação (data de entrega do cheque) e, com base neles, condenar o arguido, por violar o artigo 32º nº 5 da Constituição e cuja inconstitucionalidade foi suscitada no recurso para a Relação; A norma constante no artigo 11º n.º 3 do Decreto-Lei nº 316/97 de 18.11 em conjugação com o artigo 3º do diploma preambular, quando interpretada e aplicada, como no caso dos autos, no sentido de que é o arguido que tem que provar a verificação de um elemento do tipo negativo do crime (de que o cheque é pré-datado), por violar o artigo 32º n.º 2 e 5 da Constituição e cuja inconstitucionalidade foi suscitada na contestação e recurso para a Relação; A norma constante no artigo 412º nº 4 do Código de Processo Penal, quando interpretada e aplicada, como foi, no sentido de que incumbe ao arguido recorrente o ónus de transcrever os depoimentos prestados em audiência e cuja inobservância permita que se dê por definitivamente assente a matéria de facto, sem antes convidar o arguido a juntar tais transcrições, por violar o artigo 32º nº 1 da Constituição e cuja inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento autónomo de fls. 221, portanto, antes da prolação do acórdão; A interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 412º e 431º do Código de Processo Penal, interpretada e aplicada, como foi, no sentido de que, não obstante o arguido ter requerido a renovação da prova, nomeadamente a sua audição na audiência, haverá de se ter por definitivamente assente a matéria de facto colhida pela primeira instância, sem dar oportunidade a este de se fazer ouvir, só porque não transcreveu o depoimento prestado na audiência de julgamento (ónus que, de resto, não lhe cabe), por violar o artigo 32º n.º 1 da Constituição e cuja inconstitucionalidade foi colocada na reclamação de nulidade do acórdão. »
1.2. O recurso não foi, porém, admitido por decisão proferida neste Tribunal, ao abrigo do artigo 78º-A da LTC, do seguinte teor decisório:
« 2.1. O recurso previsto na alínea b) do n. 1 do artigo 70º da LTC, como é o caso presente, é interposto das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Ora, apura-se que, relativamente à “interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal” e à
“interpretação normativa resultante da conjugação das normas constantes no artigo 1º nº1 alínea f) e artigo 359º nº1 ambos do Código de Processo Penal”, as normas (ou a respectiva interpretação normativa) não foram aplicadas na decisão recorrida com o sentido que o recorrente acusa de inconstitucional. De facto, sobre a questão é bem claro o acórdão recorrido ao afirmar:
«(...) argumentou que as normas constantes dos art. 358 e 359 do Cód. de Proc. Penal são inconstitucionais por violação do art. 32 da Constituição. Porém, a sentença recorrida não teve necessidade de fazer aplicação desses preceitos, já que a acusação continha todos os factos que vieram a ser dados como provados e, daí que fica prejudicada a apreciação da constitucionalidade de tais normas.»
É, assim, de concluir que as normas acima referidas – cuja interpretação se questiona – não foram aplicadas pelo acórdão recorrido pelo que, nessa parte, não pode conhecer-se do recurso.
2.2. De igual modo, a norma do artigo 11º n. 3 do Decreto-Lei nº 316/97 de
18NOV não foi aplicada na decisão recorrida com a interpretação que o Recorrente lhe atribui. Diz o acórdão recorrido:
«E, como se provou que o arguido com a data de 7 de Abril de 1994 preencheu, assinou e abriu mão do cheque --------------------- no valor de 200 000$00, para pagamento de um trabalho em alumínio já realizado por B., cheque devolvido por falta de provisão em 11 de Abril de 1994, sabendo o arguido que não dispunha de fundos na respectiva conta, e que quis praticar essa conduta, não podia deixar de ser, como foi, condenado pela prática do crime de emissão de cheque sem provisão, uma vez que, como é óbvio, não se está na presença do art. 11-3 do Dec-lei 454/91 de 28 de Dezembro na redacção do Dec-lei 316/97 de 19 de Novembro que exclui do âmbito da tutela penal os cheques emitidos com data posterior à da sua entrega ao tomador.»
Ora deste trecho do acórdão não se pode extrair a interpretação, acusada de inconstitucional, de que é o arguido que tem de provar a verificação de um elemento do tipo negativo do crime (de que o cheque é pré-datado).
2.3. De igual forma, não poderá conhecer-se do recurso interposto quanto à norma constante no artigo 334º n. 3 do Código de Processo Penal que, isoladamente, não corresponde à norma que fundamentou a decisão recorrida. Isto
é, a ratio decidendi da decisão resulta da conjugação da norma do artigo 334º n.
3 do Código de Processo Penal, com a do artigo 5º do mesmo diploma legal. É o que alcançamos da leitura do seguinte trecho do acórdão:
«E, a norma constante do art. 334-3 do CP.Penal na versão da Lei 59/98 de 25 de Agosto não padece de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio consagrado no art. 29-4 da Constituição. Na verdade, o que está em causa é uma norma de natureza processual penal e, quanto aos actos processuais vigora o princípio da aplicação imediata da lei nova art. 5-1 do C. P. Penal e, não se trata de nenhuma das duas excepções constantes das al) a) e b) do nº2 daquele art. 5 já que, o arguido foi notificado do dia designado para julgamento por editais com a cominação de que seria julgado na ausência caso não estivesse presente e, as declarações prestadas oralmente foram documentadas o que lhe permitia não só interpor recurso da sentença em matéria de facto, como de direito, ou requerer novo julgamento art. 334-3, 364-3 e 380-A nº1 al) a) todos do Cód. de Proc. Penal na versão da Lei 59/98 de 25 de Agosto.»
2.4. No que respeita à norma do artigo 412º n. 4 do Código de Processo Penal, cuja inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento de fls. 221 (a solicitar a junção aos autos, pela secretaria, da transcrição do depoimento de uma testemunha) importa esclarecer que esse pedido foi considerado extemporâneo por despacho do Relator e que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça desse despacho não foi admitido. Ora, tendo sido decidido que o requerimento onde era solicitada a transcrição do depoimento e suscitada a questão de inconstitucionalidade era, ele próprio, extemporâneo, não houve pronúncia do Tribunal sobre o mérito da questão e, consequentemente, a dita norma não chegou a ser aplicada na decisão recorrida.
2.5. Quanto à questão da interpretação normativa dos artigos 412º e 431º do Código de Processo Penal suscitada no requerimento de arguição de nulidade do acórdão, deve liminarmente referir-se que o despacho do Relator não sendo uma decisão definitiva, é reclamável, mas não é recorrível (artigo 700º n. 5 do Código de Processo Civil), razão pela qual não é de admitir recurso que dele seja interposto.
3. Em suma, cumpre concluir que se não mostram preenchidos os pressupostos de admissibilidade do recurso. Em consequência, decide-se, ao abrigo do artigo 78º-A n. 1 da LTC, não tomar conhecimento do recurso. »
1.3. Contra esta decisão reclama o recorrente nos termos de fls. 299/322.
1.4. O Ministério Público é de opinião de que a reclamação é manifestamente improcedente.
2.1. Começa o reclamante por questionar a “admissibilidade da decisão sumária”, no caso presente. O fundamento desta crítica não se apresenta muito claro, uma vez que o preceito ao abrigo do qual foi proferida a decisão – o artigo 78º-A da LTC – permite o seu uso sempre que se entender que “não pode conhecer-se do objecto do recurso”, ou que “a questão a decidir é simples” ou
“manifestamente infundada”. Ora o certo é que as razões que fundamentam o despacho de não conhecimento do recurso radicam na não verificação dos pressupostos do recurso, o que por sua vez impõe o entendimento de que não pode conhecer-se do seu objecto. E com acerto, como se verá.
2.2. No seu requerimento afirma o recorrente pretender impugnar o seguinte:
A interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 358º e 359º do Código de Processo Penal, quando interpretada e aplicada, como foi o caso, no sentido de serem considerados na sentença factos não constantes na acusação – data de entrega do cheque – sem que antes seja concedido ao arguido a possibilidade de sobre eles se pronunciar e, desse modo, organizar a sua defesa, o que viola a norma da Constituição consignada no artigo 32º n.º 5 e cuja inconstitucionalidade foi colocada quer em sede de contestação quer no recurso para a Relação.
Ponderou-se na decisão de que se reclama, sobre este assunto, ser manifesto que a decisão recorrida não aplicara tais normas, sendo, por isso, inadmissível o correspondente recurso.
Ora, toda a argumentação desenvolvida pelo reclamante não logra desmentir essa realidade: a decisão recorrida não aplicou as aludidas normas (aliás, limitou-se a verificar que as normas não haviam sido aplicadas na decisão recorrida) e, por essa razão, delas não cabe o presente recurso de constitucionalidade.
2.3. Pretende o recorrente, depois, sindicar, A norma constante no artigo 334º n.º 3 do Código de Processo Penal com a redacção dada pela Lei 59/98 de 25.08, quando interpretada e aplicada, como, efectivamente, foi, no sentido de o arguido poder vir a ser julgado à revelia em processos pendentes por eventuais crimes cometidos em data anterior à revisão da Constituição de 1997, por violar o artigo 29º n.º 4 desta e cuja inconstitucionalidade foi colocada no recurso para a Relação.
Ponderou-se, quanto a este assunto, que;
“De igual forma, não poderá conhecer-se do recurso interposto quanto à norma constante no artigo 334º n. 3 do Código de Processo Penal que, isoladamente, não corresponde à norma que fundamentou a decisão recorrida. Isto é, a ratio decidendi da decisão resulta da conjugação da norma do artigo 334º n. 3 do Código de Processo Penal, com a do artigo 5º do mesmo diploma legal.
É o que alcançamos da leitura do seguinte trecho do acórdão:
«E, a norma constante do art. 334-3 do CP.Penal na versão da Lei 59/98 de 25 de Agosto não padece de inconstitucionalidade por ofensa ao princípio consagrado no art. 29-4 da Constituição. Na verdade, o que está em causa é uma norma de natureza processual penal e, quanto aos actos processuais vigora o princípio da aplicação imediata da lei nova art. 5-1 do C. P. Penal e, não se trata de nenhuma das duas excepções constantes das al) a) e b) do nº2 daquele art. 5 já que, o arguido foi notificado do dia designado para julgamento por editais com a cominação de que seria julgado na ausência caso não estivesse presente e, as declarações prestadas oralmente foram documentadas o que lhe permitia não só interpor recurso da sentença em matéria de facto, como de direito, ou requerer novo julgamento art. 334-3, 364-3 e 380-A nº1 al) a) todos do Cód. de Proc. Penal na versão da Lei 59/98 de 25 de Agosto.»
O reclamante insiste que se deva conhecer do recurso nesta parte visto que a decisão recorrida aplicou esta norma cuja constitucionalidade havia sido anteriormente questionada.
Porém, sem razão.
É que o recurso de constitucionalidade deve ter utilidade, isto é, deve traduzir-se, se provido, numa redefinição da decisão recorrida à luz do julgamento de inconstitucionalidade emitido. A verdade, porém, é que – por
óbvias razões – tal redefinição não ocorrerá se a decisão se fundamentou numa norma não inteiramente coincidente com aquela cuja conformidade constitucional vem questionada. Ora, a norma do artigo 334º n.º 3 do Código de Processo Penal foi aplicada mediante uma interpretação conjugada com a norma do artigo 5º n. 1 do mesmo Código que, numa situação de sucessão de leis no tempo, manda, em regra, aplicar imediatamente a nova lei processual penal.
Sendo certo que o imputado vício residiria na circunstância de a norma “poder ser aplicada a processos cujos crimes tenham sido praticados antes da entrada em vigor da lei Constitucional revista em 1997”, conforme alegação produzida pelo recorrente, afirmou o Tribunal recorrido que a norma, de natureza processual, fora imediatamente aplicada por força do aludido artigo 5º do Código de Processo Penal. Resulta do exposto que a norma acusada de inconstitucional ou seja, aquela que permitiria “ser aplicada a processos cujos crimes tenham sido praticados antes da entrada em vigor da lei Constitucional revista em 1997” resulta indiscutivelmente da conjugação da norma prevista no artigo 5º n. 1 do Código de Processo Penal com a do artigo 334º n.º 3 do mesmo Código. Sendo impugnada apenas esta última, resulta inútil o recurso de constitucionalidade, pois da sua hipotética procedência não resultaria a alteração da correspondente decisão.
2.4. Pretende ainda impugnar; A norma constante no artigo 11º n.º 3 do Decreto-lei nº 316/97 de 18.11 em conjugação com o artigo 3º do diploma preambular, quando interpretada e aplicada, como no caso dos autos, no sentido de que é o arguido que tem que provar a verificação de um elemento do tipo negativo do crime (de que o cheque é pré-datado), por violar o artigo 32º n.º 2 e 5 da Constituição e cuja inconstitucionalidade foi suscitada na contestação e recurso para a Relação.
Sobre a questão, ponderou a decisão reclamada:
«De igual modo, a norma do artigo 11º n. 3 do Decreto-lei nº 316/97 de 18NOV não foi aplicada na decisão recorrida com a interpretação que o Recorrente lhe atribui. Diz o acórdão recorrido:
«E, como se provou que o arguido com a data de 7 de Abril de 1994 preencheu, assinou e abriu mão do cheque --------------- no valor de 200 000$00, para pagamento de um trabalho em alumínio já realizado por B., cheque devolvido por falta de provisão em 11 de Abril de 1994, sabendo o arguido que não dispunha de fundos na respectiva conta, e que quis praticar essa conduta, não podia deixar de ser, como foi, condenado pela prática do crime de emissão de cheque sem provisão, uma vez que, como é óbvio, não se está na presença do art. 11-3 do Dec-lei 454/91 de 28 de Dezembro na redacção do Dec-lei 316/97 de 19 de Novembro que exclui do âmbito da tutela penal os cheques emitidos com data posterior à da sua entrega ao tomador.»
Ora deste trecho do acórdão não se pode extrair a interpretação, acusada de inconstitucional, de que é o arguido que tem de provar a verificação de um elemento do tipo negativo do crime (de que o cheque é pré-datado).»
Insiste o reclamante que a norma foi aplicada no sentido de que “é o arguido que tem que provar a verificação de elemento do tipo negativo do crime de que o cheque é pré-datado.” Mas, na verdade, parece evidente que da transcrita decisão não pode extrair-se esse sentido. Aliás, a decisão recorrida limitou-se
– expressamente – a afastar a aplicação da norma ora acusada de inconstitucional. É assim totalmente fantasioso pretender que desse julgamento resulte uma aplicação dessa norma com um sentido que a mesma manifestamente não comporta.
2.5. Pretendia-se por fim impugnar;
A norma constante no artigo 412º nº 4 do Código de Processo Penal, quando interpretada e aplicada, como foi, no sentido de que incumbe ao arguido recorrente o ónus de transcrever os depoimentos prestados em audiência e cuja inobservância permita a que se dê por definitivamente assente a matéria de facto, sem antes convidar o arguido a juntar tais transcrições, por violar o artigo 32º nº 1 da Constituição e cuja inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento autónomo de fls. 221, portanto, antes da prolação do acórdão; A interpretação normativa resultante da conjugação dos artigos 412º e 431º do Código de Processo Penal, interpretada e aplicada, como foi, no sentido de que, não obstante o arguido ter requerido a renovação da prova, nomeadamente a sua audição na audiência, haverá de se ter por definitivamente assente a matéria de facto colhida pela primeira instância, sem dar oportunidade a este de se fazer ouvir, só porque não transcreveu o depoimento prestado na audiência de julgamento (ónus que, de resto, não lhe cabe), por violar o artigo 32º n.º 1 da Constituição e cuja inconstitucionalidade foi colocada na reclamação de nulidade do acórdão.
Diz-se, na decisão reclamada o seguinte:
«No que respeita à norma do artigo 412º n. 4 do Código de Processo Penal, cuja inconstitucionalidade foi suscitada no requerimento de fls. 221 (a solicitar a junção aos autos, pela secretaria, da transcrição do depoimento de uma testemunha) importa esclarecer que esse pedido foi considerado extemporâneo por despacho do Relator e que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça desse despacho não foi admitido. Ora, tendo sido decidido que o requerimento onde era solicitada a transcrição do depoimento e suscitada a questão de inconstitucionalidade era, ele próprio, extemporâneo, não houve pronúncia do Tribunal sobre o mérito da questão e, consequentemente, a dita norma não chegou a ser aplicada na decisão recorrida.
2.5. Quanto à questão da interpretação normativa dos artigos 412º e 431º do Código de Processo Penal suscitada no requerimento de arguição de nulidade do acórdão, deve liminarmente referir-se que o despacho do Relator não sendo uma decisão definitiva, é reclamável, mas não é recorrível (artigo 700º n. 5 do Código de Processo Civil), razão pela qual não é de admitir recurso que dela seja interposto.»
Ora, não obstante os argumentos extensamente expostos pelo reclamante, certo é que o acórdão recorrido não fez aplicação do artigo 412º nº 4 do Código de Processo Penal com a interpretação de que “incumbe ao arguido recorrente o ónus de transcrever os depoimentos prestados em audiência e cuja inobservância permita a que se dê por definitivamente assente a matéria de facto, sem antes convidar o arguido a juntar tais transcrições”.
Na verdade, o acórdão limitou-se a afirmar o seguinte:
«... O recorrente veio questionar a matéria de facto dada como provada e, aqui, há que salientar que quando se impugna a matéria de facto o recorrente deve especificar os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e as provas que impõem decisão diversa da recorrida art. 412º-3 al) a) e b) do código de Processo Penal. A prova é apreciada de modo global e, em obediência ao princípio da livre apreciação da prova, princípio consagrado no art.º 127º do Código de Processo Penal onde se dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente. A livre apreciação da prova não pode ser entendida como uma operação puramente subjectiva, emocional e imotivável. Há-de traduzir-se em valoração racional e crítica de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão. O recorrente A. não indicou provas que conduzam a decisão diversa da recorrida, limitando-se a manifestar a sua divergência quanto à factualidade dada como provada, sem proceder à transcrição do depoimento prestado em audiência em abono da sua pretensão. Por outro lado, a sentença sob recurso não enferma de nenhum dos vícios do art.
410-2 do Cód. Processo Penal que são de conhecimento oficioso, conforme acórdão do STJ que fixou jurisprudência para os tribunais judiciais e de 19/10/95 in DR I série de 28/12/95- e, face ao disposto no art. 431 do Cód. de Processo Penal a contrario, é forçoso darem-se como efectivamente assentes todos os factos dados como provados pela 1ª instância. E, como se provou que o arguido com a data de 7 de Abril de 1994 preencheu, assinou e abriu mão do cheque ----------------- no valor de 200 000$00, para pagamento de um trabalho em alumínio já realizado por B., cheque devolvido por falta de provisão em 11 de abril de 1994, sabendo o arguido que não dispunha de fundos e que quis praticar essa conduta, não podia deixar de ser, como foi, condenado pela prática do crime de emissão de cheque sem provisão, uma vez que, como é óbvio, não se está na presença do art. 11-3 do dec. Lei 454/91 de 28 de Dezembro na redacção do dec. Lei 316/97 de 19 de Novembro que exclui do âmbito da tutela penal os cheques emitidos com data posterior à sua entrega ao tomador. ...»
Finalmente, quanto aos artigos 412º e 431º do Código de Processo Penal, aplicados no sentido de que, “não obstante o arguido ter requerido a renovação da prova, nomeadamente a sua audição na audiência, haverá de se ter por definitivamente assente a matéria de facto colhida pela primeira instância, sem dar oportunidade a este de se fazer ouvir, só porque não transcreveu o depoimento prestado na audiência de julgamento”, haverá que repontar o seguinte: o recurso, nesta parte, é interposto – conforme claramente se alcança do teor do requerimento de fls. 258 – do despacho proferido em 24 de Abril de 2003 pelo Relator que “decidiu não tomar conhecimento da reclamação” formulada pelo recorrente. Ora, tal como se afirmou na decisão agora em análise, tal despacho, por não ser uma decisão definitiva, não é recorrível. Não é, assim, possível conhecer do recurso interposto de uma tal decisão.
3. Improcede, pois, a reclamação na sua totalidade. Nestes termos, decide-se indeferi-la, com custas pelo reclamante. Taxa de justiça: 20 UC.
Lisboa, 13 de Abril de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos