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Proc. n.º 929/03
1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - Nos autos de recurso supra identificados em que é recorrente A., foi proferida a seguinte decisão sumária:
“1 – A., com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. 115 e segs. requerendo a fiscalização das normas constantes dos seguintes preceitos legais:
- artigos 94º n.ºs 1 e 2, 98º e 111º do Estatuto dos Funcionários Judiciais, na redacção introduzida perlo Decreto-Lei nº 96/2002, de 12 de Abril
- artigo 153º do Estatuto dos Funcionários Judiciais, na redacção do Decreto-Lei nº 367/87, de 11 de Dezembro, quando interpretada no sentido de que o poder de instaurar inquéritos que a norma atribui ao Conselho dos Oficiais de Justiça não se resume ao poder de participar disciplinarmente, também abrangendo o poder de exercer a acção disciplinar, ou seja, de realizar inquéritos e praticar actos instrutórios.
Segundo a recorrente, estas normas violariam o princípio da competência exclusiva do Conselho Superior de Magistratura em matéria disciplinar sobre os funcionários de justiça consagrado no artigo 218º nº 3 da CRP, no texto actual, o princípio do Estado de Direito, nos corolários da Constitucionalidade e da Reserva da Constituição em relação à matéria do artigo
218º nº 3 da Constituição (artigos 2º e 3º da CRP, na versão actual e o princípio da obrigatoriedade do cumprimento dos Acórdãos do Tribunal Constitucional, proferidos com força obrigatória geral, consagrado no artigo
282º nº 1 da CRP, na versão actual.
O recurso foi admitido no tribunal “a quo” e os autos foram remetidos ao Tribunal Constitucional.
Cumpre decidir
2 - Pelas violações da Constituição indicadas no requerimento de interposição do recurso e os termos com que a recorrente alegou os vícios de inconstitucionalidade, perante o tribunal que proferiu a decisão ora impugnada, resulta evidente que a tese da recorrente assenta, no essencial, no disposto no artigo 218º n.º 3 da Constituição e no que sobre a matéria decidiu o Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 73/02, publicado no DR, I Série-A de 16/3/02, que declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, das normas
ínsitas nos artigos 95º, alínea e) e 107º alínea e) do Decreto-Lei n.º 376/87, de 11 de Dezembro, 98º e 111º a) do Estatuto dos Oficiais de Justiça (EFJ), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto.
Ora, a propósito de um julgamento de inconstitucionalidade, feito por tribunal de 1ª instância, da norma contida no artigo 94º n.º 1 alínea b) do EFJ, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 96/2002, e em recurso interposto pelo Ministério Público interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea a) da LTC, teve já o Tribunal Constitucional de se pronunciar, no seu Acórdão n.º 378/02, de 26 de Setembro de 2002 (inédito), sobre o alcance da declaração de inconstitucionalidade feita no citado Acórdão n.º 73/02.
Aí se escreveu:
'3. Pelo Acórdão nº 73/2002 (Diário da República, I Série A, de 16 de Março de
2002), proferido, nos termos previstos no nº 3 do artigo 281º da Constituição, na sequência de um pedido de generalização do juízo de inconstitucionalidade formulado em três casos concretos, foram declaradas inconstitucionais, com força obrigatória geral, as “normas constantes dos artigos 98º e 111º, alínea a), do Estatuto dos Oficiais de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 343/99, de 26 de Agosto, e das normas constantes dos 95º e 107º, alínea a), do Decreto-Lei n.º
376/87, de 11 de Dezembro, na parte em que delas resulta a atribuição ao Conselho dos Oficiais de Justiça da competência para apreciar o mérito e exercer a acção disciplinar relativamente aos oficiais de justiça”, por violação do disposto no nº 3 do artigo 218º da Constituição. Entendeu-se então, reiterando os julgamentos de inconstitucionalidade proferidos nos acórdãos-fundamento, que “«A Constituição da República Portuguesa, quando prescreve [no nº 3 do (actual) artigo 218º] que do CSM podem fazer parte funcionários de justiça que intervirão apenas na apreciação do mérito profissional e no exercício da função disciplinar relativa a tais funcionários, autoriza a lei a prever que do CSM façam parte funcionários. Não impõe, porém, tal intervenção. A Constituição não consente, porém, que o legislador atribua tal competência a órgão diferente do CSM. Essa competência só o CSM a pode exercer [transcrição do Acórdão nº 145/2000, publicado no Diário da República, II Série, de 6 de Outubro de 2000]». Ora, a norma do n.º 3 do (actual) artigo 218º da Constituição da República Portuguesa é, efectivamente, o parâmetro de aferição da constitucionalidade das normas infra-constitucionais que criam o Conselho dos Oficiais de Justiça e fixam a respectiva competência. Da norma do n.º 3 do (actual) artigo 218º da Constituição decorre, indiscutivelmente, a competência do Conselho Superior da Magistratura em matérias relacionadas com a apreciação do mérito profissional e com o exercício da função disciplinar relativamente aos funcionários de justiça. Perante essa norma, não é portanto constitucionalmente admissível que a lei ordinária exclua de todo a competência do Conselho Superior da Magistratura para se pronunciar sobre tais matérias. O que vale por dizer que são materialmente inconstitucionais as normas agora em análise, que atribuem ao Conselho dos Oficiais de Justiça a competência para apreciar o mérito profissional e para exercer a função disciplinar relativamente aos funcionários de justiça, excluindo, por completo, neste domínio, qualquer competência do CSM.”
O julgamento de inconstitucionalidade assentou, assim, na incompatibilidade entre o nº 3 do artigo 218º da Constituição e a completa exclusão de qualquer competência do Conselho Superior da Magistratura, no que agora releva, “para exercer a função disciplinar relativamente aos funcionários de justiça”.
Ao pretender dar cumprimento a este julgamento, como expressamente explica no preâmbulo do Decreto-Lei nº 96/2002, o legislador continuou a atribuir competência disciplinar sobre os funcionários de justiça ao Conselho dos Oficiais de Justiça (artigo 98º) mas veio prever a possibilidade de recurso para o Conselho Superior da Magistratura das suas decisões proferidas no âmbito dessa competência, no nº 2 do artigo 118º.
Para além disso, veio conferir ao Conselho Superior da Magistratura o poder de instaurar (alínea d) do nº 1 do artigo 94º) e de avocar processos disciplinares (nº 2 do artigo 111º), bem como o de revogar as deliberações do Conselho dos Oficiais de Justiça proferidas em matéria disciplinar (mesmo nº 2 do artigo 111º).
A consideração conjunta destas diferentes alterações permite concluir que a última palavra em matéria disciplinar, no que respeita aos funcionários de justiça, cabe ao Conselho Superior da Magistratura; não é, pois, possível continuar a entender que as normas que atribuem competência em matéria disciplinar ao Conselho dos Oficiais de Justiça, neste contexto, infringem o disposto no nº 3 do artigo 118º da Constituição.
É que não se encontra nesse preceito, nem a proibição de conferir tal competência em especial ao Conselho dos Oficiais de Justiça, nem a reserva exclusiva ao Conselho Superior da Magistratura do exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça. Não se vê, pois, fundamento para concluir pela inconstitucionalidade da norma que constitui o objecto do presente recurso.
Nestes termos, decide-se: a) Não julgar inconstitucional a norma contida na alínea b) do nº 1 do artigo
94º do Estatuto dos Funcionários de Justiça, aprovado pelo Decreto-Lei nº
343/99, de 26 de Agosto, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei nº
96/2002, de 12 de Abril, interpretada em termos de o juiz-presidente do tribunal em que o funcionário exerça funções à data da infracção dever remeter ao Conselho dos Oficiais de Justiça a certidão extraída para efeitos disciplinares, por ser esse o órgão competente para o exercício do poder disciplinar; b) Conceder provimento ao recurso, devendo a decisão recorrida ser reformulada em conformidade.'
O entendimento do Tribunal Constitucional sobre a interpretação do disposto no artigo 218º n.º 3 da Constituição, de acordo com o decidido no Acórdão n.º 73/02 - que se não vê razão para alterar - não é, pois, o de que a norma constitucional repelia toda e qualquer competência do Conselho dos Oficiais de Justiça, respeitante à matéria disciplinar dos funcionários de justiça (nomeadamente a de instaurar inquéritos ou processos disciplinares ou a de punir) mas tão só o de que ela contrariava um regime jurídico, tal como então se estabelecia no Estatuto dos Oficiais de Justiça e na Lei Orgânica das Secretarias Judiciais e Estatuto dos Oficiais de Justiça (maxime, nos artigos julgados inconstitucionais) que, conferindo competência ao COJ para exercer a função disciplinar relativamente aos funcionários judiciais, excluía, por completo, neste domínio, qualquer competência do Conselho Superior da Magistratura.
E é de acordo com este entendimento que o Tribunal considerou isento de inconstitucionalidade o novo regime, muito embora nele se mantivessem as anteriores competências do COJ, por se terem conferido ao Conselho Superior da Magistratura, poderes de proferir a última palavra (em sede de recurso) e de avocação, sobre a matéria.
Ou seja, e por outras palavras, as normas que atribuem ao COJ ou a outras entidades poderes em matéria disciplinar não ofendem a Constituição
(maxime o artigo 218º n.º 3 da CRP) - a CRP não exclui essa atribuição de competência, que, assim, não constitui uma delegação de competência - desde que num quadro normativo que outorgue aqueles poderes de avocação e de proferir a
última palavra ao Conselho Superior da Magistratura.
Como se vê, trata-se de uma tese - que aqui se mantém - que contraria toda a base da argumentação da recorrente para considerar inconstitucionais as normas indicadas no requerimento de interposição do recurso.
Pode, assim, dizer-se, para efeito do disposto no artigo 78º-A n.º 1 da LTC, que a questão a dirimir é simples por, no essencial, já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso, juntando-se cópia do citado Acórdão n.º 378/02.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.'
É desta decisão que a recorrente vem reclamar, pelo que cumpre apreciar a reclamação.
2 - De acordo com a interpretação que se fez do requerimento de interposição de recurso e do que resultava dos autos (em particular, o acórdão recorrido e a posição assumida pela recorrente no recurso interposto para o STJ), o entendimento que subjaz à opção feita pelo relator de usar dos poderes conferidos pelo artigo 78º-A nº 1 da LPTA é o de que, no essencial, as questões de constitucionalidade suscitadas pela recorrente se baseavam numa determinada interpretação do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 73/02, no sentido de que o disposto no artigo 218º nº 3 da Constituição seria afrontado por um regime jurídico de direito infraconstitucional que conferisse ao Conselho de Oficiais de Justiça determinadas competências, em matéria disciplinar, relativamente aos funcionários de justiça, como o de instaurar procedimentos disciplinares ou inquéritos, realizar diligências instrutórias e de aplicar sanções disciplinares.
Tendo já o Tribunal Constitucional emitido pronúncia sobre o alcance da declaração de inconstitucionalidade proferida no citado Acórdão nº 73/02 e conhecido de matéria em que, fundamentalmente, se questionava a conformidade constitucional dos poderes do COJ em matéria de exercício de acção disciplinar conferidos pelo Decreto-Lei nº 96/02 – o que fez no Acórdão nº 378/02, de 26 de Setembro de 2002 – tal legitimou a juízo de que se tratava de “questão simples” para efeito do disposto no citado artigo 78º-A nº 1 da LTC.
O teor da presente reclamação acaba por confirmar e reforçar o entendimento, já referido, sobre o que a recorrente defendia – e defende – quanto à (in)constitucionalidade do regime instituído pelo Decreto-Lei nº
96/2002,
Com efeito, dela ressalta a tese segundo a qual os citados poderes atribuídos ao COJ pelo Decreto-Lei nº 96/2002, num regime em que o Conselho Superior da Magistratura é instância de recurso das decisões do COJ, mas alegadamente sem poderes para alterar as medidas disciplinares impostas, acabam por conferir a este último órgão competência exclusiva na matéria, com violação do disposto no artigo 218º nº 3 e desrespeito pelo julgado no Acórdão nº 73/02.
Neste contexto, esclarecido o alcance deste acórdão e com a contribuição do já decidido no Acórdão nº 378/02, a resolução da questão a dirimir pode qualificar-se de simples, justificando-se a prolação de decisão sumária.
3 - Feita esta breve introdução, cumpre apreciar o que a recorrente aduz na sua reclamação, desde logo pondo em causa a verificação dos requisitos estabelecidos no artigo 78º-A nº 1 da LTC para a emissão de uma decisão sumária.
Entende a reclamante que são dois os fundamentos possíveis de uma decisão sumária: a preexistência de uma decisão anterior do tribunal sobre a mesma questão ou ser a questão manifestamente infundada.
Ora, no caso, a decisão anterior em que se baseou a decisão sumária não terá julgado a mesma questão uma vez que, por um lado, no Acórdão nº
378/2002 estava apenas em causa uma questão de constitucionalidade reportada à norma do artigo 94º nº 1 alínea b) do Estatuto dos Funcionários de Justiça
(ainda para mais numa determinada interpretação) e, por outro, os parâmetros de constitucionalidade indicados, no caso, são mais amplos.
Que dizer ?
Em primeiro lugar não é exacto que o artigo 78º-A nº 1 da LTC só permita a decisão sumária nas situações apontadas pela recorrente.
Com efeito, o preceito da LTC, ao conferir ao relator os poderes para emitir decisão sumária por a questão ser simples, não condiciona esta qualificação ao facto de haver decisão anterior sobre a mesma questão; tal é, desde logo, contrariado pela circunstância de aquele condicionamento ser antecedido pela expressão “designadamente”, o que não pode deixar de significar a possibilidade de qualificar a questão como simples por uma multiplicidade de razões, mesmo que ela não tenha sido exactamente a mesma que foi objecto de decisão anterior.
Bastará para tal qualificação que na fundamentação da decisão anterior, muito embora sobre questão não inteiramente coincidente com a dirimida em posterior recurso, se tenham formulado juízos que imponham uma determinada solução de direito neste recurso, merecendo a questão, por essa via, a qualificação de simples.
Note-se, aliás, que na decisão reclamada se diz que a questão é simples “por, no essencial, já ter sido objecto de decisão anterior do Tribunal”
(sublinhado nosso).
É que, tal como acima se disse já, o entendimento da recorrente sobre a constitucionalidade das normas em causa, patente nas alegações de recurso para o STJ, radicava numa determinava interpretação do Acórdão nº
73/2002 (e daí a alegação que o decidido pelo STJ violava o princípio da obrigatoriedade do cumprimento dos acórdãos do Tribunal Constitucional, proferidos com força obrigatória geral) que o Acórdão nº 378/02 contrariara.
Essa interpretação era de resto o fundamento essencial da decisão recorrida no Acórdão nº 378/02, que recusara por inconstitucionalidade a aplicação da norma constante do artigo 94º nº 1 alínea b) do Estatuto dos Funcionários de Justiça, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 96/2002, de 12 de Abril.
Por outro lado, no mesmo Acórdão nº 378/02, para se justificar o juízo de não inconstitucionalidade, fez-se relevar as alterações introduzidas ao Estatuto pelo Decreto-Lei nº 96/2002 – a possibilidade de recurso para o CSM das decisões do COJ, o poder do CSM de instaurar e avocar processos disciplinares (artigos 94º nº1 alínea d) e 111º nº 2), bem como de revogar as decisões proferidas pelo COJ (artigo 111º nº 2) – nele se escrevendo: “A consideração conjunta destas diferentes alterações permite concluir que a última palavra em matéria disciplinar, no que respeita aos funcionários de justiça, cabe ao Conselho Superior da Magistratura; não é, pois, possível continuar a entender que as normas que atribuem competência ao Conselho dos Oficiais de Justiça, neste contexto, infringem o disposto no nº 3 do artigo 218º [por manifesto lapso de escrita escreveu-se “118º”] da Constituição”.
E são precisamente estas as alterações que a recorrente no presente recurso considera irrelevantes para afastar da inconstitucionalidade declarada, com força obrigatória geral, pelo Tribunal Constitucional, as normas que atribuem poderes disciplinares ao COJ (instaurar inquéritos e processos disciplinares, neles praticando actos instrutórios, e aplicar medidas disciplinares), sendo certo que o mesmo Acórdão acrescenta: “É que não se encontra nesse preceito [o artigo 218º nº 3 da Constituição] nem a proibição de conferir tal competência em especial ao Conselho dos Oficiais de Justiça, nem a reserva exclusiva ao Conselho Superior da Magistratura do exercício do poder disciplinar sobre os oficiais de justiça.”.
Sobre o sentido do julgamento de inconstitucionalidade formulado no Acórdão nº 73/2002, escreveu-se ainda no Acórdão nº 378/02:
“O julgamento de inconstitucionalidade assentou, assim, na incompatibilidade entre o nº 3 do artigo 218º da Constituição e a completa exclusão do Conselho Superior da Magistratura no que agora releva, “para exercer a função disciplinar relativamente aos funcionários de justiça”” (sublinhado nosso).
Este juízo estava, aliás, manifestamente justificado pelo texto do Acórdão nº 73/2002, quando nele se afirma não ser “constitucionalmente admissível que a lei ordinária exclua de todo a competência do Conselho Superior da Magistratura para se pronunciar sobre tais matérias” e que “são materialmente inconstitucionais as normas agora em análise que atribuem ao Conselho dos Oficiais de Justiça a competência para apreciar o mérito profissional e para exercer a função disciplinar relativamente aos funcionários de justiça, excluindo, por completo, neste domínio, qualquer competência do CSM”
(sublinhados nossos).
Em suma, estavam assim respondidas as questões que a recorrente pretendia ver apreciadas pelo Tribunal Constitucional, sendo, nesta conformidade legítima a emissão de decisão sumária.
E nem a tal obsta outro dos argumentos da recorrente sobre os parâmetros de constitucionalidade (mais vastos)por ela indicados.
Na verdade, a recorrente, ao apontar como violados os princípios da obrigatoriedade do cumprimento dos acórdãos do Tribunal Constitucional, proferidos com força obrigatória geral e o do Estado de Direito, nos corolários da constitucionalidade e da reserva de Constituição em relação à matéria do artigo 218º nº 3 da CRP, pressupõe que o Acórdão nº 73/02 tem um alcance que o Acórdão nº 378/02 lhe não atribui e uma interpretação do preceito constitucional no sentido de ele conferir competência exclusiva ao CSM em matéria disciplinar, relativamente aos funcionários de justiça, em termos de excluir qualquer intervenção de outro órgão, o que, de igual modo, o Acórdão nº 378/02 contraria.
4 – Numa segunda parte da reclamação, vem a reclamante sustentar que ocorreu erro de julgamento na decisão do mérito do recurso.
Nesta fase processual – de reclamação para a conferência - só pode compreender-se uma tal alegação com o sentido de demonstrar que a questão, ao contrário do decidido, não é simples; e isto apesar de a alegação se não configurar, expressamente, com esse objectivo, mas antes tendendo a uma decisão de provimento do recurso.
Com efeito, não pode caber à conferência pronunciar-se nesse sentido
– um sentido contrário ao da decisão sumária quanto ao mérito do recurso - mas tão só o de apreciar se a argumentação do recorrente revela, afinal, a complexidade da questão, devendo, em caso afirmativo, determinar o prosseguimento do recurso com a abertura da fase de alegações, tendente a um maior desenvolvimento das razões que podem fundar o provimento, ou o improvimento, do recurso.
Nesta estrita medida, pode dizer-se que as razões invocadas pela recorrente para demonstrar o erro de julgamento não são suficientemente consistentes (nem, no essencial, oferecem novidade) para suscitar a dúvida sobre o acerto do decidido.
Com efeito, essas razões assentam, basicamente, no entendimento de que a declaração de inconstitucionalidade feita pelo Tribunal Constitucional
“inconstitucionalizou qualquer interpretação do Estatuto dos Funcionários de Justiça que atribuísse ao COJ poderes disciplinares sobre os funcionários de judiciais” e “teve o condão de clarificar o texto constitucional no sentido de ficar entendido que as atribuições em matéria disciplinar sobre os funcionários de justiça cabem ao Conselho Superior da Magistratura que é a única entidade que, à luz da Constituição – artº 218º nº 3 – e em relação àqueles pode: a) Exercer a acção disciplinar(...) b) E aplicar sanções disciplinares (...)” - o que determinaria a inconstitucionalidade de normas que atribuem ao COJ poderes de instaurar e instruir procedimentos disciplinares ou inquéritos - entendimento aquele que, como se viu, não é correcto.
Desvaloriza, por outro lado, a recorrente a norma que prevê o recurso para o CSM, por este órgão só ter poderes de confirmação ou revogação (e não de substituição) da medida disciplinar aplicada, assim se revelando que o COJ continua a ter competências exclusivas sobre a matéria.
A verdade, porém, é que, mesmo dando de barato que aquele poder de revogação não abranja o de revogação por substituição (o que, no mínimo, não é líquido, sendo, a propósito, de salientar que, nos casos de avocação do processo, é ao CSM que compete aplicar a medida disciplinar), é o CSM que tem
(ou pode ter) a última palavra sobre a matéria.
Nesta medida, mesmo no estrito campo da legalidade (considerando que se situam neste campo p. ex. a observância dos princípios da justiça ou da proporcionalidade) acaba por ser o CSM que, directa ou indirectamente, determina a medida da pena.
De todo o modo, esta é uma alteração do Estatuto que confere ao CSM uma posição determinante, de supremacia e de controle, no âmbito da disciplina dos funcionários de justiça, o que não ofende já o disposto no artigo 218º nº 3 da Constituição com a interpretação que o Tribunal Constitucional deu a este comando constitucional. E como dela não se retirou a inviabilidade de outro
órgão dispor de poderes disciplinares, não é pertinente invocar – como também faz a recorrente - uma presumida delegação de poderes no COJ, constitucionalmente inadmissível.
Resta acrescentar que a recorrente esgrime ainda um argumento que parece considerar decisivo no sentido da inconstitucionalidade das normas em causa, atinente à relevância atribuída ao recurso para o CSM: o de acabar por ser o COJ quem aplica a medida disciplinar quando o interessado não recorre para o CSM, ficando assim na dependência da conduta do interessado a constitucionalidade ou inconstitucionalidade das normas.
Mas não tem qualquer razão.
É que o juízo de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade é formulado sobre normas (enquadradas num determinado regime jurídico) independentemente das condutas que os interessados adoptem, ou venham a adoptar, sponte sua, no quadro normativo em causa.
O que assim releva, no caso, é o de saber se no quadro das alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 96/2002 ao Estatuto dos Oficiais de Justiça, o CSM continua, ou não, “apeado” dos poderes que a Constituição lhe confere, por força do disposto no artigo 218º nº 3; e, neste sentido, o recurso em causa, tendo ainda em conta os restantes poderes que as mesmas alterações lhe vieram atribuir, representa a consagração de uma competência ajustada àquele comando constitucional, independentemente de os interessados fazerem, ou não, uso do meio que a lei lhes confere.
5 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 9 de Março de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida