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Processo n.º 118/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
(Cons.ª Maria Fernanda Palma)
Acordam na 2ª secção do Tribunal Constitucional I. Relatório A, recorrente no processo supramencionado, em que figura como recorrido B, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa acção emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que fosse considerada nula a sua renúncia à pensão de reforma e o réu condenado a: 'i) pagar ao autor a pensão de reforma nos termos dos sucessivos ACTV para o sector bancário (...); ii) pagar os juros vencidos e vincendos (...); iii) para o caso de as diuturnidades não serem calculadas no regime previsto na alínea b) do n.º 1 da cláusula 105ª, a pagá-las com base no regime previsto na alínea a) do mesmo n.º e cláusula.' Por acórdão de 17 de Maio de 2000, o Tribunal de Trabalho de Lisboa decidiu julgar a acção totalmente improcedente e consequentemente absolver o réu do pedido. O autor apelou para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 7 de Maio de 2001, concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida e decidindo pela nulidade da renúncia do autor à pensão de reforma, pela condenação do recorrido no pagamento ao autor de uma pensão de reforma, calculada nos termos do Acordo Colectivo de Trabalho de 1990 e dos instrumentos de regulamentação para o sector bancário, e no pagamento de juros de mora vencidos e vincendos sobre as importâncias em débito, absolvendo o réu quanto ao demais pedido.
Inconformados, com esta decisão, demandante e demandado recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, concluindo o primeiro as suas alegações nos seguintes termos:
'A) O B foi condenado a reconhecer que o autor tinha direito à pensão de reforma nos termos em que a pediu. B) O autor liquidou o montante das pensões em dívida desde 16 de Julho de 1993 e os juros respectivos calculados às taxas que, desde aquela data, estiveram sucessivamente em vigor. C) As pensões de reforma traduzem-se em prestações pecuniárias que se vencem todos os meses. D) Assim, o réu constituiu-se em mora todos os meses em que se venceram as prestações e não as pagou. E) No douto acórdão não são invocados quaisquer factos que obstem à aplicação do disposto no artigo 806º, n.º1, do Código Civil, ou seja, ao pagamento pelo devedor dos juros a contar da sua constituição em mora. F) E também aquela decisão se apresenta em oposição com a restante matéria provada. G) Ao decidir como fez, o acórdão recorrido violou, entre outros, o disposto nos artigos 668º, n.º1, alíneas b) e c), do Código de Processo Civil, e 804º e 806º do Código Civil.' O demandado, por sua vez, veio dizer:
'1ª- O recorrente entrou ao serviço de C , em 1 de Abril de 1949, a tempo inteiro, onde trabalhou sob as suas ordens e direcção, tendo rescindido o seu contrato de trabalho por acordo em 9 de Fevereiro de 1981.
2ª- Nos termos do citado acordo, a recorrente pagou ao recorrido o valor de 900
000$00, pela renúncia a um eventual direito a uma pensão de reforma da responsabilidade da ré.
(...)
6ª- Os factos revelam que o autor renunciou às prestações emergentes do direito
à pensão de reforma quando no acordo declarou que renunciava ‘a qualquer verba a que eventualmente pudesse vir a considerar-se com direito, nomeadamente a emergente do seu possível direito à reforma’.
7ª- Só os preceitos constitucionais respeitantes a direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades privadas.
8ª- O direito consagrado no artigo 63º da Constituição da República Portuguesa é um direito social que vincula apenas o Estado e não os particulares, obrigando-o
à realização das condições de ordem económica e social que permitam a efectivação desse direito à segurança social.
9ª- Quem tem, pois, que assegurar a efectivação do direito à segurança social dos trabalhadores que não pertencem ao sector bancário e não lhes sejam aplicados os ACTV para aquele sector, é o próprio Estado e não o recorrente.
(...)
11ª- À data em que atingiu os 65 anos de idade (31 de Janeiro de 1991) vigorava o CCT para os Empregados Bancários de 1990, o qual dispõe na sua cláusula 140ª, n.º1, que o trabalhador quando fosse colocado na situação de reforma teria direito ‘ao pagamento pela respectiva Instituição de Crédito ou Parabancária, na proporção do tempo de serviço prestado a cada uma delas, da importância necessária para que venha a aferir uma pensão de reforma igual à que caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no Regime Geral da Segurança Social, ou noutro regime nacional mais favorável que lhe for aplicado’.
12ª- A entender-se ser devido ao recorrido o pagamento das pensões de reforma, dever-se-á aplicar na determinação da mesma o disposto na acima citada cláusula
140.ª do ACTV de 1990 e não o disposto na sua cláusula 137ª.
13ª- Com efeito, a cláusula 137ª do CCT aplica-se à invalidez presumível dos trabalhadores que atingiram os 65 anos de idade ao serviço do Banco, isto é, trabalhadores com tempo completo (que não é claramente o caso do recorrido) e a cláusula 140ª reconhece o direito a perceber a pensão de reforma aos trabalhadores que entretanto cessaram os seus contratos de trabalho.
14ª- O crédito reclamado na presente acção, a ser reconhecido, tem de se considerar ilíquido, uma vez que o réu estava convencido, por ter feito acordo escrito com o autor, não ser devedor de qualquer obrigação a este título, pelo que deverá aplicar-se, se for esse o caso, o disposto no artigo 805º, n.º3., do Código Civil, sendo eventualmente devidos juros apenas a partir da data da decisão transitada em julgado.
15ª- Decidindo em contrário, violou o acórdão recorrido, entre outras normas, o disposto na cláusula 140ª do ACT do sector bancário de 1990, artigos 405º e
805º, n.º3, do Código Civil e artigos 13º e 63º da Constituição da República Portuguesa.' Em contra-alegação, o autor veio responder:
'A) Quando cessou o contrato de trabalho entre as partes, em 9 de Fevereiro de
1981, o autor não adquiriu direito a qualquer pensão de reforma. B) Tal direito veio o autor a adquiri-lo em virtude do disposto no artigo 63º da Constituição da República Portuguesa de 1989, na Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, e no ACTV de 1990 (cláusula 137ª), aplicável quando o autor atingiu os 65 anos em 31 de Janeiro de 1991.
(...) N) Bem andou o Tribunal da Relação de Lisboa ao considerar nula a renúncia do autor à pensão de reforma, que é inalienável, por constituir um direito indisponível, constitucionalmente protegido pela Constituição da República Portuguesa, artigo 63º. O) Aquele acordo violou também o disposto nos artigos 280º e 285º do Código Civil. P) A pensão do autor deve ser calculada com base nas cláusulas 137ª e138ª do ACTV de 1990 para o Sector Bancário. Q) A cláusula 140ª do mesmo ACTV é ilegal, por discriminatória, violando o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 5º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, e inconstitucional por limitar o exercício de direitos fundamentais constitucionalmente garantidos, em violação do n.º4 do artigo 63º da Constituição da República Portuguesa, na redacção da Lei Constitucional n.º1/89., de 8 de Julho – cfr. Alíneas a) e c) do artigo 6º do Decreto-Lei n.º
519-C/79, de 29 de Dezembro. R) Nada justifica que o réu trate diferentemente quem se reformou enquanto estava ao serviço e quem se reformou por ter atingido os 65 anos [ao ] serviço, quando já se havia desvinculado do Banco.' Por acórdão de 12 de Dezembro de 2001, o Supremo Tribunal de Justiça concedeu parcial provimento ao recurso do réu, tendo este ficado 'condenado a pagar ao autor um complemento da pensão de reforma, desde 16 de Julho de 1993 em diante, calculada nos termos da cláusula 140ª do ACT de 1990 para o Sector Bancário e dos instrumentos de regulamentação colectiva que se lhe seguiram, cujos montantes serão liquidados em execução de sentença, com eliminação da condenação em juros a partir da citação', para o que considerou, designadamente:
'(...) cumpre registar que o acórdão recorrido, ao considerar aplicável ao caso a cláusula 137ª, se limitou a remeter para a fundamentação desenvolvida nos acórdãos da mesma Relação de Lisboa, (...), e para o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Julho de 1997. No entanto, como já se referiu, o entendimento sustentado no acórdão recorrido não tem sido sufragado pela mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça. Nessa jurisprudência, o encadeamento argumentativo desenvolvido tem sido o seguinte:
- assim, as instituições bancárias que tenham tido ao seu serviço trabalhadores que venham a ser colocados na situação de reforma por invalidez ou por invalidez presumível quando já não exerciam funções nesse sector de actividade estão obrigadas ao pagamento, ‘ao pagamento do tempo de serviço a cada uma delas, da importância necessária para que venha a auferir uma pensão de reforma igual à que lhe caberia se o tempo de serviço prestado no sector bancário fosse considerado como tempo de inscrição no regime geral da Segurança Social ou outro regime nacional mais favorável que lhe seja aplicável’(n.º1 da cláusula 140ª do ACTV de 1990);
- este entendimento respeita os aludidos princípios constitucionais e a diferença de regimes entre as cláusulas 137ª (só aplicável aos trabalhadores que se encontravam ao serviço da instituição bancária quando passaram para a situação de reforma) e 140ª justifica-se por contemplarem situações diversas: a diversidade entre uma carreira homogeneamente desenvolvida até ao seu termo no sector bancário (com um regime próprio de segurança social, caracterizado, além do mais, pela inexistência de contribuições, quer dos trabalhadores, quer das entidades patronais) e uma carreira heterogénea em termos de diversificados regimes de segurança social ou até incompleta (contemplando-se mesmo as situações em que o antigo trabalhador não adquiriu direitos no âmbito de qualquer outro regime nacional de segurança social – situação prevista e regulada no n.º 5 da citada cláusula 140ª).
É orientação que ora se reitera, pelo que cumpre revogar, neste ponto, o acórdão recorrido.' Inconformado, o autor interpôs recurso para este Tribunal Constitucional, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, para ver apreciada 'a norma constante da cláusula 140ª, n.ºs 1 e 4 do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário, publicado no B.T.E., Iª. Série, n.º31, de 22 de Agosto de 1990', por violação das seguintes normas:
'a) As constantes das cláusulas 137ª e 138ª do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário, publicado no B.T.E., Iª. Série, n.º31, de 22 de Agosto de 1990; b) As constantes do n.º 1 do artigo 5º da Lei n.º 28/84, de 28 de Agosto
(princípios da Universalidade e Igualdade); c) As constantes dos artigos 9º, 12º, 13º, 20º e 63º, n.º4 (na redacção dada pela Lei Constitucional n.º 1/97, de 20/09) e 205º da Constituição da República Portuguesa, que consagra os princípios da Universalidade, Igualdade, Acesso ao Direito e Tutela Jurisdicional Efectiva e Decisões dos Tribunais.' Admitido o recurso, a Conselheira-relatora ordenou a produção de alegações, vindo o recorrente reiterar as já produzidas perante o Supremo Tribunal de Justiça. Por sua vez, o recorrido veio pugnar pela manutenção do acórdão. Não tendo logrado vencimento o projecto de decisão apresentado, no sentido do conhecimento do recurso, foram, pelo Acórdão n.º 309/2002, as partes mandadas notificar para, querendo, se pronunciarem sobre 'a questão de saber se normas constantes de um acordo colectivo de trabalho, como o que está em causa no presente recurso, não devem ser consideradas como normas para efeitos do recurso de constitucionalidade, estando a sua apreciação subtraída à competência deste Tribunal (como se decidiu, entre outros, nos Acórdãos n.ºs 172/93 e 209/93, publicados nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24º vol., págs. 451 e segs. e 537 e segs.).' O recorrente veio então sustentar que 'as normas constantes de um acordo Colectivo de Trabalho devem ser consideradas como normas para efeitos do recurso de constitucionalidade', citando para o efeito os acórdãos n.ºs 214/94, 368/97 e
229/98 do Tribunal Constitucional. Por parte do recorrido não foi apresentada qualquer resposta ao notificado. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos Como resulta do relatado, pretende o recorrente a apreciação da constitucionalidade de uma cláusula de um acordo colectivo de trabalho – mais precisamente, da cláusula 140º, n.º 1 e 4 do Acordo Colectivo de Trabalho Vertical para o Sector Bancário de 1990 –, cláusula, essa, que foi aplicada na decisão recorrida. Ora, como este Tribunal tem sublinhado, na averiguação e determinação do que seja norma, deve utilizar-se 'um conceito funcional adequado ao sistema de fiscalização da constitucionalidade [...] e consonante com a sua justificação e sentido (Acórdão n.º 26/85, publicado no Diário da República [DR], II Série, de
26 de Abril de 1985). É que 'o conceito de norma presente nos art.ºs 277º, 280º,
281º, 208º da CRP – especificamente respeitantes à fiscalização da constitucionalidade – é fundamentalmente um conceito de controlo ao qual está subjacente uma componente de protecção jurídica típica do Estado de direito democrático-constitucional' (Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, 1998, pág. 822). Trata-se, pois, de um conceito funcional – e não um conceito material, ou de outro tipo – de norma, por ser um conceito adequado à justificação do sistema de fiscalização da constitucionalidade. Concretizando esta directriz, o Tribunal Constitucional tem-se pronunciado em vários Acórdãos sobre a questão de saber se acordos e convenções colectivos de trabalho estão ou não sujeitos ao controlo de constitucionalidade. Assim, nomeadamente nos Acórdãos n.ºs 172/93, 209/93, 214/94, 368/97 (publicados no DR, II Série, de 18 de Junho de 1993, 1 de Junho do mesmo ano, 19 de Julho de
1994, e 12 de Julho de 1997, respectivamente) e, mais recentemente, nos Acórdãos n.ºs 637/98 e 697/98 (inéditos). Concluiu, assim, este Tribunal (embora sem unanimidade), por exemplo, no Acórdão n.º 172/93, que:
'[...] como as normas das convenções colectivas de trabalho não provêm de entidades investidas em poderes de autoridade, e muito menos provêm de poderes públicos, então não estão sujeitas à fiscalização concreta de constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do artigo
280º, n.º 1, alínea b), da Constituição.' Depois deste Acórdão, a posição negadora da competência do Tribunal Constitucional para apreciar a constitucionalidade de cláusulas de acordos colectivas de trabalho tem vindo a ser reiterada em vários arestos deste Tribunal, fundamentando-se em que tais acordos não contêm actos normativos juridicamente vinculativos – independentemente do exercício da autonomia do intervenientes –, que, por consubstanciarem o exercício de poderes públicos, ou objecto de um reconhecimento como tal, devam estar sujeitos à fiscalização concreta de constitucionalidade que incumbe a este Tribunal exercer, nos termos do artigo 280º, n.º 1, alínea b) da Constituição da República Portuguesa.
É esta a orientação que se entende dever seguir. Na verdade, o presente recurso visa justamente a apreciação da constitucionalidade de uma norma constante de uma cláusula de um instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, que se deve considerar excluída do controlo de constitucionalidade, a realizar por este Tribunal, por se tratar de preceito resultante de actuação em autonomia privada
(colectiva), conducente a acordos concluídos pelos trabalhadores (ou seus representantes) e empregador – e não de actos emanados de um poder público, ou objecto de um reconhecimento público, cujo conteúdo se imponha vinculativamente por essa sua qualidade (como seria eventualmente o caso se fosse aplicável apenas por força de uma portaria de extensão). Não pode, assim, tomar-se conhecimento do presente recurso. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide, ao abrigo do disposto no artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional não tomar conhecimento do presente recurso, e condenar o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em 6 ( seis ) unidades de conta.
Lisboa,
15 de Janeiro de 2003. Paulo Mota Pinto Bravo Serra Maria Fernanda Palma (vencida nos termos da declaração de voto aposta no Acórdão nº 697/98), bem como no Acórdão nº 368/97, DR,II Série, de 12 de Julho de 1997) José Manuel Cardoso da Costa