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Proc. 904/03
1ª Secção Relator: Cons. Carlos Pamplona de Oliveira
ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 1ª SECÇÃO DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL
1.1. A. pretende recorrer para este Tribunal – ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70.º da LTC – do despacho proferido pelo Juiz Conselheiro Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que, com fundamento no artigo
400.º n.º 1 alínea e) do Código de Processo Penal, indeferiu a reclamação deduzida contra a não admissão do recurso que pretendia interpor para aquele Supremo Tribunal. Invocou, no seu requerimento, o seguinte:
Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade e legalidade da norma do art.
400.º n.º 1 al. e) do Cód. Proc. Penal (o Ex.mo Desembargador Relator, por lapso, referiu como sendo a al. f), com a interpretação com que foi aplicada na Decisão Recorrida. Viola o art. 32.º da Constituição da República Portuguesa, e é incompatível com os Princípios da Confiança, da Segurança Jurídica, das Garantias de Defesa em Processo Criminal e da Tutela Jurisdicional efectiva, consagrados no já referido art. 32º da Constituição R.P., e também nos arts. 8.º e 11.º n.º 1 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a interpretação normativa do art. 400.º n.º 1 al. e) do Cód. Proc. Penal (al. f) referida pelo Ex.mo Desembargador Relator), segundo a qual está vedado acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e é irrecorrível Acórdão onde foram postergadas questões de nulidade (legalidade) e punibilidade criminal. (...) Não se pretende a apreciação da validade constitucional do art. 400.º n.º 1 al. e) do C.P.P. no que diz respeito ao grau de jurisdição, como alega o Ex.mo Senhor Conselheiro Relator. O que está em causa, é a inconstitucionalidade dessa norma, interpretada de modo a não admitir a interposição de Recurso, estando o respectivo procedimento criminal extinto por prescrição e perdão. Pelo que há nulidade, porquanto conheceu-se de questões de que não podia tomar-se conhecimento.
Já neste Tribunal Constitucional foi proferida decisão sumária, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC, a julgar o recurso manifestamente infundado.
1.2. É contra essa decisão – que pretende ver alterada – que reclama o recorrente, ao abrigo nos termos do n.º 3 do citado artigo 78.º-A da LTC.
A decisão reclamada diz essencialmente o seguinte:
«Acontece que este Tribunal Constitucional já apreciou esta problemática. Com efeito, sobre o direito ao recurso em processo penal já se afirmou no Acórdão
49/2003, in Diário da República, II série, de 16 de Abril de 2003: Este direito assenta em diferentes ordens de fundamentos. Desde logo, a ideia de redução do risco de erro judiciário. Com efeito, mesmo que se observem todas as regras legais e prudenciais, a hipótese de um erro de julgamento – tanto em matéria de facto como em matéria de direito – é dificilmente eliminável. E o reexame do caso por um novo tribunal vem sem dúvida proporcionar a detecção de tais erros, através de um novo olhar sobre o processo. Mais do que isso, o direito ao recurso permite que seja um tribunal superior a proceder à apreciação da decisão proferida, o que, naturalmente, tem a virtualidade de oferecer uma garantia de melhor qualidade potencial da decisão obtida nesta nova sede. Por último, está ainda em causa a faculdade de expor perante um tribunal superior os motivos – de facto e de direito – que sustentam a posição jurídico-processual da defesa. Neste plano, a tónica é posta na possibilidade de o arguido apresentar de novo, e agora perante um tribunal superior, a sua visão sobre os factos ou sobre o direito aplicável, por forma a que a nova decisão possa ter em consideração a argumentação da defesa. Resulta do exposto que os fundamentos do direito ao recurso entroncam verdadeiramente na garantia do duplo grau de jurisdição.
É certo que a norma impugnada pelo Recorrente exclui, em determinadas situações, a possibilidade de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de decisões proferidas, em recurso, pelas relações. Mas é também certo que a Constituição em lado algum consagra o direito a um duplo recurso ou a um triplo grau de jurisdição, sendo, pelo contrário, legítimo impor limites à faculdade de recorrer (cf. Acórdãos n.ºs 189/2001; 369/2001;
451/2003 (inéditos) e 49/2003, D.R., II Série, de 16/04/03). Ora, sendo irrelevante o tipo de ilegalidade (erro de julgamento ou nulidade) que, na óptica do recorrente, atinja a decisão recorrida, estando garantido o direito ao recurso – em processo penal – mediante o duplo grau de jurisdição, mostram-se satisfeitas as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. Nada há a acrescentar ou a alterar à jurisprudência pacífica e reiteradamente afirmada nos aludidos arestos sobre o assunto em causa. Pelo exposto, remetendo para a fundamentação dos acórdãos acima citados, decide-se – ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º-A da LTC – julgar o recurso manifestamente infundado.»
O recorrente resume o fundamento da sua reclamação nas seguintes conclusões:
1 - A razão de ser da presente Reclamação e do Recurso (não admitido) dirigido ao Supremo Tribunal de Justiça, prende-se com a circunstância da responsabilidade criminal do Arguido / Recorrente estar extinta por efeito da prescrição pelo decurso do prazo, e pelo perdão de pena;
2 - Os factos que compõem o objecto do processo, ocorreram no dia 2 de Julho de
1995 - vide Motivação do Recorrente para o STJ, a fls. 6 destes Autos. Por isso entende, que o prazo de prescrição ocorreu em 2 de Janeiro de 2003, se se contar o prazo normal de prescrição ( 5 anos - art. 117.° Cód. Penal 1982) acrescido de metade e acrescido ainda do prazo de suspensão (art. 1200 n.° 3 Cód. Penal 1982);
3 - Seguindo entendimento diferente, o Tribunal da Relação de Lisboa já sublinhou a fl. 26 dos presentes Autos, que a prescrição terá lugar em
2004.01.02. Ou seja, esse prazo já passou, sem que a Sentença ou o Acórdão do Tribunal da Relação tenham transitado em julgado!
4 - Desde quando a nossa Constituição permite que um Arguido cumpra pena de prisão, estando o respectivo procedimento criminal prescrito ao fim de 8 anos 6 meses e 26 dias?
5 - Pelo exposto, viola o art. 32° da Constituição da República Portuguesa, e é incompatível com os Princípios da Confiança, da Segurança Jurídica, das Garantias de Defesa em Processo Criminal e da Tutela Jurisdicional Efectiva, consagrados no já referido art.º 32.° da Constituição R.P. e também nos arts.
8.° e 11.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a interpretação normativa do art. 400.° n.° 1 al. e) do Código Processo Penal, segundo a qual está vedado o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e é irrecorrível Acórdão, estando o procedimento criminal extinto por prescrição e perdão;
6 - Crê o Recorrente, que o Tribunal Constitucional nunca apreciou esta problemática. Não está em causa a matéria dos Acs. 49/2003,451/2003, 369/2001 ou
189/2001;
7 - O que está em causa, é que em caso de extinção do respectivo procedimento criminal por efeito da prescrição pelo decurso do prazo, e por efeito de perdão de pena, deve ser admitido Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, porquanto nessas condições, tal acesso não é vedado pela norma da al. e) do n.° 1 do art. 400.° do Cód. Processo Penal;
8 - As nulidades e ilegalidades não podem ser consideradas irrelevantes pelos Tribunais Superiores. A não admissão de Recurso nestas circunstâncias não é razoável e é desproporcionado, porquanto conheceu-se de questões de que não podia tomar-se conhecimento;
9 - O Reclamante beneficia de Apoio Judiciário, na modalidade de dispensa total do pagamento de taxas de justiça e demais custas. Pelo exposto, deverá ser atendida a presente Reclamação. No âmbito das atribuições conferidas pela Lei do Tribunal Constitucional, roga-se aos Excelentíssimos Conselheiros o conhecimento do objecto do Recurso, ordenando, nos termos do art. 78.°- A n.° 5 da LTC, o respectivo prosseguimento e a notificação do Recorrente para apresentar Alegações.
1.3. No entendimento do Ministério Público, a reclamação em apreço é manifestamente improcedente.
2. O motivo da discordância do recorrente está particularmente explícita nos seguintes pontos da reclamação:
«4 - Desde quando a nossa Constituição permite que um Arguido cumpra pena de prisão, estando o respectivo procedimento criminal prescrito ao fim de 8 anos 6 meses e 26 dias?
5 - Pelo exposto, viola o art. 32° da Constituição da República Portuguesa, e é incompatível com os Princípios da Confiança, da Segurança Jurídica, das Garantias de Defesa em Processo Criminal e da Tutela Jurisdicional Efectiva, consagrados no já referido art. 32.° da Constituição R.P. e também nos arts. 8.° e 11.° da Declaração Universal dos Direitos do Homem, a interpretação normativa do art. 400.° n.° 1 al. e) do Código Processo Penal, segundo a qual está vedado o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça e é irrecorrível Acórdão, estando o procedimento criminal extinto por prescrição e perdão;»
E por esta alegação se conclui que manifestamente nada há a censurar ao despacho reclamado. Com efeito, se a norma questionada – artigo 400.º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Penal – tem natureza adjectiva, é irrelevante, como aliás se afirma no despacho em causa, o tipo de ilegalidade (erro de julgamento ou nulidade) que, na óptica do recorrente, atinja a decisão recorrida, estando garantido o direito ao recurso – em processo penal – mediante o duplo grau de jurisdição, mostram-se satisfeitas as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. O que o recorrente pretende é, apenas, que os tribunais reconheçam que se acha extinto o procedimento criminal relativo a infracções cuja autoria lhe é imputada; e, nesta óptica, como se se tratasse de um recurso de amparo, quer que o Supremo Tribunal de Justiça conheça do recurso para ele interposto, apesar de o artigo 400.º n.º 1 alínea f) do Código de Processo Penal o proibir. Ora, em sede de inconstitucionalidade, a questão tem a ver apenas com essa proibição e, sobre o assunto, já este Tribunal se pronunciou, em termos sempre coincidentes, contra a pretensão ora expressa pelo recorrente, conforme resulta, por exemplo dos citados Acórdãos n.ºs 189/2001; 369/2001; 451/2003 (inéditos) e
49/2003, D.R., II Série, de 16/04/03.
Nada há, pois, a censurar ao despacho reclamado.
3. Em consequência, decide-se indeferir a presente reclamação.
Custas pelo recorrente. Taxa de justiça: 15UC.
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2004
Carlos Pamplona de Oliveira Maria Helena Brito Rui Manuel Moura Ramos