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Processo nº 114/03
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. - Nos presentes autos de fiscalização concreta de constitucionalidade, instaurados ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que
é recorrente A e são recorridos o Ministério Público e B, constituído assistente, foi proferida, em 24 de Fevereiro último, decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo 78º-A daquele diploma legal, no sentido de não se tomar conhecimento do objecto do recurso.
2. - Escreveu-se na referida decisão sumária:
“1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, instaurados ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, vindos do Tribunal da Relação de Évora, em que
é recorrente A, sendo recorridos o Ministério Público e B, neles identificados, pretende-se a apreciação da constitucionalidade da norma da alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Código Penal, por alegada violação do artigo 13º, nºs. 1 e 2, da Constituição da República, na medida em que “impõem a prisão a quem não tem condições de satisfazer uma obrigação pecuniária, por carência de meios económicos”.
2. - Entende-se ser de proferir decisão sumária, nos termos do nº 1 do artigo
78º-A daquela primeira Lei, por não poder conhecer-se do objecto do recurso, dada a inverificação de um dos seus pressupostos, qual seja a da efectiva aplicação, pela decisão recorrida e como causa decidendi, da referida norma.
3. - Com efeito, a norma em causa determina a revogação da suspensão da execução da pena de prisão sempre que, no seu decurso, o condenado infrinja “grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social [...]”. No caso sub judice, o acórdão recorrido, de 18 de Novembro último (fls. 377 e segs.), com fundamento nos diversos elementos de prova carreados para os autos ao longo dos últimos cinco anos, e a atitude assumida pelo arguido, concluiu que a condição a que ficou subordinada a suspensão da execução da pena em que foi condenado – o pagamento de uma indemnização – “não sortiu qualquer eficácia, apesar de ainda ter sido prorrogado o prazo do seu cumprimento, sendo certo que não consta dos autos a existência de dificuldades económicas do arguido em cumprir o seu dever”. Ora, é manifesto que, não obstante a invocação em abstracto de inconstitucionalidade de uma norma, o que está em causa é o desacordo do arguido com a decisão recorrida, em si mesma considerada – e não a abstracta equacionação normativa ao admitir a prisão a quem não tenha condições, por carência de meios económicos, de satisfazer uma obrigação pecuniária. De resto, assim o confirmam as conclusões das alegações do recurso para a Relação ao considerar que a decisão recorrida, ao revogar a suspensão da pena aplicada configura uma prisão em resultado do não pagamento de um dívida, decisão que assim “ofende gravemente” o artigo 13º da Constituição, que “proíbe expressamente que alguém possa ser prejudicado em razão da sua situação económica” [cfr. as conclusões a), b), c) e d), das alegações do recurso]. Esta lógica de desacordo com a concreta decisão encontra-se patente na retórica argumentativa utilizada: entende o arguido que se encontra comprovado não ter pago por graves dificuldades para o fazer, o que consta dos autos, não se verificando assim um incumprimento grosseiro e repetido. Outra foi, no entanto, a fundamentação do acórdão, assente, nomeadamente, nas seguintes passagens que se transcrevem:
“[...] Com efeito o recorrente não disse a verdade quando referiu a este Tribunal que aguardava que lhe atribuíssem pensão de reforma , já sabendo, de antemão, que esta lhe havia sido recusada visto ter sido considerado apto para o trabalho [...]. Falseou, novamente, ao alegar que havia interposto recurso do parecer da Comissão da Verificação das Incapacidades Permanentes, de 16/3/98, o que não aconteceu atento o teor da informação solicitada à Caixa Nacional de Pensões –
[...]. E ao apurar-se que o recorrente ainda se encontrava a trabalhar – com a informação de que deslocava diariamente à lota de Setúbal e que se dedicava à venda de peixe juntamente com a sua companheira [...], ao contrário do que vinha convencendo, perante esta descoberta, logo veio desculpar-se.. afirmando
(inacreditavelmente) que estaria a fazer um favor à sua mulher por exigência da sua filha [...]. Finalmente, (...) veio requerer, em 17/6/99, a atribuição do rendimento mínimo garantido, ou seja, mais de dois meses após ser notificado para dizer o que se lhe oferecesse acerca do facto de não lhe ter sido atribuída qualquer pensão e de não ter recorrido do mencionado parecer, ao contrário do que vinha afirmando”. E, como salienta o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, “face à douta sentença condenatória, foi julgado que “o arguido exercia a actividade de venda ambulante de peixe, na companhia da esposa, apurando em média a importância diária de 10.000$00 a 12.000$00”. Pretende o arguido que a actividade de venda de peixe passou a ser exercida pela sua ex-mulher. Contudo, sobre tal, e segundo informa a GNR (fls. 284), apurou-se que continua actividade de compra de pescado na lota, adquirindo peixe no montante de
20.000$00, que a sua ex-mulher vende no mercado.”
4. - Em face do exposto, e nos termos do nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 unidades de conta.”
3. - Notificado, veio o recorrente reclamar para a conferência, nos termos do nº 3 do artigo 78º-A citado, considerando que se deve dar provimento à reclamação, admitindo-se, consequentemente, o recurso.
Está em causa, segundo alega, a apreciação da constitucionalidade da norma da alínea a) do nº 1 do artigo 56º do Código Penal, por violação do disposto no artigo 13º, nºs. 1 e 2, da Constituição, “na medida em que impõe a prisão a quem não tem condições de satisfazer uma obrigação pecuniária, por carência de meios económicos” – questão oportunamente suscitada
–, norma essa que foi aplicada como causa decidendi no aresto recorrido.
Para a reclamante, o seu “desacordo” relativamente ao decidido situa-se em dois planos: “que não existe no processo qualquer prova de que o arguido tinha condições para pagar a indemnização ao ofendido e não o fez porque não o quis, e, que perante a factualidade constante do processo, a revogação da suspensão da pena constituía impor a pena de prisão a quem não tem condições de satisfazer uma obrigação pecuniária, por carência de meios económicos”.
O magistrado do Ministério Público, ouvido, pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação.
Na verdade, observa, não é tido em conta o carácter normativo dos recursos de fiscalização concreta, perspectivando-se o objecto do recurso como verdadeiro “amparo” dirigido à tutela dos direitos que se consideram lesados.
O assistente constituído nos autos nada disse.
Cumpre decidir.
4. - A reclamação deduzida nada adianta ao anteriormente alegado nem se revela idónea para alterar o decidido.
Com efeito, mantém-se incólume o fundamento nuclear da decisão sumária, nos termos da qual “o que está em causa é o desacordo do arguido com a decisão recorrida, em si mesma considerada – e não a abstracta equacionação normativa ao admitir a prisão a quem não tenha condições, por carência de meios económicos, de satisfazer uma obrigação pecuniária”.
Na verdade, o contencioso da constitucionalidade respeita às normas em que se fundam as decisões recorridas e não a estas, propriamente consideradas.
Ora, o reclamante pretende que o Tribunal sindique a subsunção do caso concreto à norma, levada a efeito pela entidade recorrida como operador do direito, situação que não envolve a aferição de um critério normativo. Ao Tribunal Constitucional compete, no entanto, julgar a norma (ou interpretação normativa) aplicada na decisão e não assim a ponderação casuística do caso e a decisão daí advinda, como resultado da conjugação indissociável do facto e do critério normativo utilizado (cfr. acórdão nº 82/2001, inédito).
Situam-se, manifestamente, fora desses parâmetros os argumentos invocados como manifestação de não concordância com o decidido, situando-se, quando muito na esfera do amparo, entre nós inexistente: seja ao discutir a prova da situação económica do arguido, seja pela ilação que se pretende retirar da norma em discussão, como se esta de algum modo se articulasse com a situação económica do arguido, sendo certo que a revogação da suspensão da execução da pena se ficou a dever à infracção grosseira ou repetida dos deveres ou regras de conduta ou do plano individual de readaptação social (a decisão de revogação alicerçou-se na violação culposa por parte do arguido da obrigação que lhe fora imposta como condição de suspensão da execução da pena).
5. - Em face do exposto, decide-se indeferir a reclamação , confirmando-se, consequentemente, a decisão sumária lavrada nos autos, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 unidades de conta.
Lisboa, 11 de Abril de 2003 Alberto Tavares da Costa Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida