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Proc.º n.º 199/2004.
3ª Secção. Relator: BRAVO SERRA.
1. O arguido A., não se conformando com o acórdão proferido em 28 de Julho de 2003 pela 3ª Vara Criminal do Porto, que o condenou, como autor de dois crimes de falsificação de documento, previsto e punível pelo artº 256º, nº 1, alíneas a) e b), com referência ao artº 255º, alínea a), e de um crime de burla, previsto e punível pelos artigos 217º, nº 1, 218º, nº 2, alínea a), com referência ao artº 202º, alínea b), este como aqueles do Código Penal, na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão por este lavrado e notificado ao mesmo arguido em 18 de Dezembro de 2003, negou provimento ao recurso.
Em 26 de Janeiro de 2004, por intermédio de fax, remeteu o mesmo arguido ao Tribunal Constitucional requerimento por intermédio do qual dizia que vinha “INTERPOR RECURSO PARA ESTE VENERANDO TRIBUNAL NOS TERMOS DO ART. 70º, Nº 1, ALÍNEA A) DA LEI Nº 28/82 DE 15 DE NOVEMBRO (COM AS DEVIDAS ALTERAÇÕES) POR VIOLAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS ENUMERADAS NOS SEUS ARTIGOS
13º, 28/1 E 32º/8”, tendo, em 23 dos mesmos mês e ano, expedido carta registada, dirigida também ao Tribunal Constitucional, presumidamente contendo idêntico requerimento.
Em 27 dos mesmos mês e ano, dirigiu ao Juiz da citada 3ª Vara Criminal requerimento no qual solicitava que um requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, de teor idêntico ao remetido por fax para o mesmo órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade, fosse aceite com a data de 23 de Janeiro de 2003, já que aquele requerimento enviado por fax para o Tribunal Constitucional o fora por lapso.
No requerimento de interposição do recurso a que se tem vindo a fazer alusão, o arguido não intentou a apreciação de qualquer norma infra-constitucional, tendo-o rematado assim:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................ E ASSIM EM CONCLUSÕES:
1- HOUVE VIOLAÇÃO DO ART. 13º C.R.P. QUANDO AO RECORRENTE NÃO FO[RAM] PERMITIDA[S] AS MESMAS OPORTUNIDADES DE DEFESA E CONSEQUENTEMENTE TRATADO DE FORMA DESIGUAL PERANTE A LEI E DOS RESTANTES ARGUIDOS NO PROCESSO
2- HOUVE VIOLAÇÃO DO ART. 28º, Nº 1 C.R.P. QUANDO NO SEU PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL NÃO LHE FOI INQUIRIDO PELO MERITÍSSIMO JUIZ DOS FACTOS E CIRCUNSTANCIALISMOS CONCRETOS DOS CRIMES QUE VINHA INDICIADO
3- HOUVE VIOLAÇÃO DO ART. 32º, Nº 8 C.R.P. QUANDO OS DOCUMENTOS JUNTOS POR UM OUTRO ARGUIDO NA FASE DO PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL FORAM CONSIDERADOS NULOS E PORTANTO DEVERIAM TODOS OS ACTOS SUBSEQUENTES SEREM INVÁLIDOS PELO EXPOSTO, REQUER-SE A VOSSAS EXCELÊNCIAS, COM O DOUTO SUPRIMENTO, QUE POR VIOLAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS SUPRA INDICADAS, SEJA PROCEDENTE A INVALIDADE DE TODOS OS ACTOS PRATICADOS DESDE O PRIMEIRO INTERROGATÓRIO JUDICIAL DO RECORRENTE (QUANDO MUITO SEJA APRESENTADO PARA NOVO INTERROGATÓRIO) COM A LIBERTAÇÃO IMEDIATA DO MESMO”
O Juiz da 3ª Vara Criminal do Porto, por despacho 5 de Fevereiro de 2004, não admitiu o recurso, por o mesmo ser manifestamente extemporâneo.
É deste despacho que, pelo arguido, vem deduzida reclamação, dizendo na mesma:-
- que foi notificado do acórdão lavrado no Tribunal da Relação do Porto em 18 de Dezembro de 2003, dispondo de quinze dias para dele interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça;
- que a “esse prazo acrescia um prazo de dilação de 3 dias devido à recepção da notificação do douto acórdão do Venerando Tribunal da Relação do Porto e ainda o prazo de 3 dias úteis nos termos do art. 145º, nº 6 do CPC”, pelo que “esse prazo terminaria em 09.01.2004”, só a partir dessa data começando a contar o prazo de dez dias para a interposição de recurso para o Tribunal Constitucional;
- que além “desse prazo de 10 dias, sempre poderia o recorrente praticar aquele acto (recurso) nos 3 dias úteis nos termos do art.
145º, nº 6, porque também é aplicado, remetendo para o dia 23.01.2004 o termo do prazo para junção do respectivo recurso”;
- que, porém, por lapso, nessa data de 23 de Janeiro de
2004, “em vez de enviar o recurso para o Tribunal a quo, deu entrada dele, por correio electrónico”, no Tribunal Constitucional e, alertado “para esse lapso, no dia 26.01.2004, enviou-o para o Tribunal a quo, requerendo que o mesmo fosse recebido com data de 23.01.2004”.
O Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal, tendo tido «vista» dos autos, pronunciou-se no sentido de que a mesma, ostensivamente, carecia de qualquer fundamento sério, já que não houve suscitação de questão de inconstitucionalidade, é absurda a invocação da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, e que o pretendido recurso era extemporâneo.
Cumpre decidir.
2. Como é jurisprudência assente por este Tribunal
(cfr., verbi gratia, os Acórdãos números 276/88, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Fevereiro de 1989, 284/91, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 19º volume, 395 a 400, e 35/92, publicado nos mesmos Acórdãos, 21º volume, 739 a 744), os seus poderes de cognição, no que concerne aos processos de reclamação previstos no artº 77º da Lei nº 28/82, não se circunscrevem à reapreciação do específico fundamento convocado pelo despacho reclamado e que conduziu à não admissão do recurso, podendo, pois, o mesmo Tribunal verificar se ocorre qualquer outro fundamento de inadmissibilidade do recurso, e isso, justamente, porque a decisão tomada na reclamação, caso revogue o despacho reclamado, faz caso julgado quanto à admissibilidade do recurso (cfr. nº 4 do indicado artº 77º), implicando, assim, que o Tribunal, aquando da apreciação desse recurso, ainda que verifique que se não congrega a totalidade dos requisitos pressupositores do mesmo, não possa deixar de tomar conhecimento do respectivo objecto.
Posta esta primeira consideração, deve sublinhar-se, desde logo, que, a referir-se o requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional ao acórdão tirado no Tribunal da Relação do Porto (e não
é nítido, dados os termos em que tal requerimento foi redigido, que se esteja perante essa referência), então a decisão a tomar sobre a sua admissibilidade ou não admissibilidade nunca poderia ser prolatada pelo Juiz do tribunal de 1ª instância. É que, se fosse recorrido aquele acórdão, o despacho a incidir sobre o recurso interposto deveria ser proferido pelo Desembargador Relator do tribunal de 2ª instância.
Assim, de concluir é que o despacho de inadmissão do recurso lavrado pelo Juiz da 3ª Vara Crimina do Porto foi proferido por um juiz a non domino.
Por outro lado, se, porém, o desiderato do ora reclamante fosse o de impugnar perante o Tribunal Constitucional a decisão tomada pelo tribunal de 1ª instância, ela não era recorrível para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade, já que tal decisão tinha sido
«consumida» pelo aresto proferido pelo Tribunal da Relação do Porto.
2.1. Mas, para além do que imediatamente acima se deixou exposto, é a todos os títulos evidente que o recurso intentado interpor, esteado, como foi, na alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, não tinha a mínima razão de ser, por isso que se não divisa, nem sequer isso é invocado, a recusa de aplicação de qualquer norma por banda da decisão judicial desejada impugnar.
A isto haverá, ainda, que aditar que, como se disse acima, não é, por intermédio do recurso querido interpor, posta em crise qualquer normativo constante do ordenamento jurídico infra-constitucional, confrontadamente com a sua compatibilidade com a Lei Fundamental. O que é sustentado é que determinados actos judiciais foram, eles mesmos, violadores da Constituição.
Ora, como se sabe, objecto dos recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade são normas jurídicas e não outros actos emanados do poder público, tais como, por exemplo, as decisões judiciais qua tale consideradas.
O recurso querido interpor era, pois, pelas aduzidas razões, inadmissível, e daí que se não se torne necessário saber da tempestividade ou não tempestividade da sua interposição.
Por estes fundamentos, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 5 de Março de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida