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Processo n.º 789/02
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. O recorrente A. deduziu reclamação para a conferência, nos termos do n.º 3 do artigo 78.º-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º
28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), contra a decisão sumária do relator de não conhecimento do presente recurso.
1.1. Essa decisão sumária é do seguinte teor:
“1. A. intentou, no Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, contra a B., acção para reconhecimento de direito ou interesse legítimo, pedindo o reconhecimento do seu direito a ser considerado automaticamente inscrito na B. desde 13 de Setembro de 1998 e habilitado ao exercício da profissão de técnico oficial de contas.
Por sentença de 14 de Abril de 2001 a acção foi rejeitada com um duplo fundamento: (i) por ilegitimidade passiva, por neste tipo de acções dever intervir o órgão ou autoridade que pode reconhecer o direito ou interesse peticionados, e não a pessoa colectiva em que esse órgão se insere; e (ii) por inidoneidade do meio processual utilizado, pois, no caso, o meio adequado para apreciar o indeferimento (tácito ou expresso) do pedido de inscrição na B. era o recurso contencioso de anulação, e não a acção para reconhecimento de direito.
2. Desta sentença interpôs o autor recurso jurisdicional para o Supremo Tribunal Administrativo, terminando as respectivas alegações – em cujo teor não suscita qualquer questão de inconstitucionalidade normativa – com a formulação das seguintes conclusões:
“I – A matéria de facto julgada apurada na douta sentença recorrida nada tem a ver com a causa de pedir alegada na acção; os factos a que douta sentença aplicou o direito tomaram como pressuposto que o autor se não encontrava inscrito na B. como Técnico Oficial de Contas.
II – Ora, essa inscrição existe, ope legis, de acordo com o artigo
2.°, n.° 2, da Lei n.° 27/98, de 3 de Junho, porque, como os autos demonstram, o autor satisfazia todos os requisitos dessa inscrição, cujo pedido devidamente instruído apresentou à B. dentro do prazo legalmente previsto, sem que a esta lhe tivesse dado qualquer resposta dentro dos oito dias seguintes.
III – Quando o autor foi notificado do facto n.° 2, apurado na douta sentença recorrida, já essa inscrição tinha produzido efeitos jurídicos, sendo irrelevantes os actos posteriores de indeferimento da inscrição pela Comissão de Inscrição e os de negação de provimento a recurso da Direcção da B., uma vez que tais actos não têm o efeito de revogar a dita inscrição ope legis, nem foi ulteriormente proferida nenhuma outra decisão que essa inscrição revogasse.
IV – O que o autor pretende com a acção é tão-só e simplesmente o reconhecimento ou a declaração judicial de que se encontra inscrito na B., como técnico oficial de contas, nos termos que constam da conclusão III supra;
V – Por isso, os factos a ter em conta são os alegados na petição inicial, designadamente nos artigos 1.º a 14.º e 15.º a 21.º, e não os tidos por apurados na douta decisão recorrida.
VI – Assim, a douta decisão em causa fundou-se em base fáctica errada, violando as regras dos artigos 2.º, n.° 2, 511.°, 268.°, 653.° e 659.° do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 1.° da LPTA, que deveriam ser acolhidas, interpretadas e aplicadas de modo a eleger como base fáctica exclusivamente os ditos factos alegados na petição inicial.
VII – Tudo porque a mesma douta decisão em crise não escolheu para regular o pleito as regras da Lei n.° 27/98, de 3 de Junho, especialmente a do artigo 2.º, n.° 2, que por não escolhida para o caso não foi interpretada e aplicada ao caso, como deveria ter sido, dela resultando a declaração judicial de que o autor se encontra inscrito na B. como técnico oficial de contas.
VIII – O pedido formulado na presente acção é dirigido à B. e é ela, pois, a parte legítima passiva na presente acção;
IX – Como resulta dos fundamentos e das conclusões supra, o autor não veio a juízo pedir a anulação de qualquer acto, mas tão-só e apenas o reconhecimento de um direito já existente, que é o de se encontrar automaticamente e ope legis inscrito como técnico oficial de contas da B. e por isso o presente processo é o meio idóneo de o fazer; os actos apontados na douta decisão, porque ocorridos depois daquela inscrição automática, são irrelevantes em relação à mesma (não têm a virtualidade de revogar aquela inscrição), pelo que o autor não vê necessidade de pedir a sua anulação os anular (sic).”
3. Ao recurso interposto foi negado provimento pelo acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Abril de 2002, com a seguinte fundamentação:
“A sentença sob recurso julgou procedentes as excepções da ilegitimidade passiva da ré B. e da impropriedade do meio processual utilizado
(artigo 69.º, n.º 2, da LPTA), rejeitando, em consequência, a acção.
Insurgindo-se contra tal decisão, que diz incorrer em erro de julgamento, sustenta o recorrente que a mesma se funda em base fáctica errada, violando as regras dos artigos 2.º, n.º 2, 511.º, 268.º, 653.º e 659.º do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi artigo 1.º da LPTA.
Pretende, concretamente, que a sua inscrição na B. existe ope legis, de acordo com o artigo 2.°, n.° 2, da Lei n.° 27/98, de 3 de Junho, ou seja, que ele se considera automaticamente inscrito por a B. não ter procedido à sua inscrição nos 15 dias seguintes ao da apresentação e recepção do pedido.
E que, deste modo, o que pretende com a acção é o reconhecimento ou a declaração judicial de que se encontra inscrito na B., como técnico oficial de contas, nos termos referidos.
Adianta, nesta conformidade, que a sentença deveria ter coligido, em sede de matéria de facto, não os factos que considerou apurados (que diz posteriores à dita inscrição automática), mas sim os descritos nos artigos 1.º a 21.º da petição (relativos à posse, pelo recorrente, dos requisitos legais de inscrição, referidos no requerimento remetido à B., e ao silêncio desta nos 15 dias posteriores à recepção do pedido).
E é a partir desta argumentação que o recorrente afirma haver erro de julgamento, sustentando que não se verificam, contrariamente ao decidido, as excepções da ilegitimidade passiva e da impropriedade do meio processual utilizado.
Não lhe assiste, porém, qualquer razão.
1. Antes do mais, cumpre referir que não há qualquer «base fáctica errada», na medida em que os factos fixados pela sentença são os relevantes para a decisão tomada, ou seja, para a pronúncia de procedência das excepções suscitadas.
Os factos indicados pelo recorrente nos artigos 1.º a 21.º da petição (relativos à posse dos requisitos legais de inscrição), e que ele diz serem aqueles que a sentença deveria ter seleccionado, seriam porventura relevantes para a apreciação do mérito da acção, mas não têm qualquer relevância para o juízo decisório sobre as aludidas excepções, único a que a sentença procedeu.
Improcede pois a alegação do recorrente, não tendo a sentença sob recurso violado as disposições legais por ele citadas, nomeadamente na conclusão VI.
2. No que toca à ilegitimidade passiva da B., alega o recorrente que não está aqui em causa a anulação da decisão de qualquer órgão ou entidade, mas antes a declaração de um direito existente, automaticamente, ope legis, resultante da verificação de certos requisitos legalmente previstos.
E que, por isso, «não há que direccionar a acção contra autoridade que praticou acto recorrido, pela simples e singela razão de que no caso não há acto recorrido», pelo que «quem deve intervir é a B. », pessoa colectiva pública contra a qual foi dirigido o pedido.
Mas não é assim, como sucintamente se verá.
É evidente, antes do mais, que em todas as acções deste tipo está em causa a pretensão de reconhecimento de um direito e não a de anulação de um acto administrativo, pelo que nenhuma novidade traz o recorrente à liça com tal alegação, assim perfeitamente inócua para a debatida questão da legitimidade passiva.
Dispõe o artigo 70.º, n.º 1, da LPTA que as acções para reconhecimento de direito ou interesse legítimo «seguem os termos dos recursos de actos administrativos dos órgãos da administração local, intervindo na posição de autoridade recorrida aquela contra quem foi formulado o pedido».
É pacífica a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo no sentido de que esta acção deve ser proposta contra o órgão a quem cabe a prática dos actos administrativos referentes ao direito em causa, utilizando-se, a tal propósito, expressões como «órgão ou autoridade competente para a prática dos actos administrativos decorrentes do ou impostos pelo reconhecimento do direito» (acórdão do Pleno, de 12 de Dezembro de 2001, recurso n.º 47 623), «entidade a quem é cometida a definição última da situação jurídica em causa» (acórdão de 21 de Fevereiro de 1996, recurso n.º 37 565, aí se referindo que a acção «deve ser intentada contra o órgão que possa reconhecer tal direito e não contra a pessoa colectiva»), ou «órgão administrativo que disponha de poderes decisórios relativos à situação jurídica concreta» (acórdão de 27 de Junho de 2000, recurso n.º 45 656).
Como se assinalou no acórdão do Pleno, de 23 de Junho de 1998, recurso n.º 38 063:
« ... embora o legislador tivesse configurado o reconhecimento do direito ou interesse legítimo como acção, no entanto, não lhe deu a estrutura das outras acções cuja tramitação (artigos 72.º e 73.º) segue a do processo civil de declaração na sua forma ordinária, e instituiu a sua regulamentação baseada na do recurso contencioso de actos de órgãos da administração local.
Desta maneira, a legitimidade passiva nestas acções não se afere ... nos termos prescritos nos artigos 5.º e 26.º do Código de Processo Civil, mas de harmonia com a regra dos recursos contenciosos em que é parte legítima como recorrido o órgão ou autoridade.
É o que, aliás, expressamente dispõe o artigo 70.º, n.º 1, da LPTA.
( ... )
A acção deve ser proposta contra a autoridade que possa reconhecer o direito ou interesse do peticionante. Na verdade, como não está em causa a apreciação exclusiva da legalidade de um acto administrativo, a legitimidade não se determina pela autoria de um acto mas pela competência para praticar os actos decorrentes do ou impostos pelo reconhecimento do direito ou interesse que o autor se arroga.»
Tendo, pois, o recorrente intentado a acção contra a pessoa colectiva B., e não contra órgão desta, fica patente a sua ilegitimidade passiva, irreversivelmente determinante da sua absolvição da instância, tal como se decidiu.
E não tem qualquer cabimento a alusão a erro desculpável, potenciador de rectificação da petição, face ao disposto no citado artigo 70.º, n.º 1, da LPTA, que, expressamente, como se assinala no citado acórdão do Pleno, fala em «órgão» e «autoridade recorrida».
3. Quanto à excepção prevista no artigo 69.º, n.º 2, da LPTA
(impropriedade do meio processual utilizado), insiste o recorrente em considerar que se encontra automaticamente inscrito na B., nos termos do artigo
2.º, n.º 2, da Lei n.º 27/98, desde o dia 13 de Setembro de 1998 (15 dias após a apresentação e recepção do pedido), e que para nada importa que a Comissão de Inscrição (primeiro) e a Direcção da B. (depois) tenham indeferido expressamente o seu pedido de inscrição, pelos actos administrativos reportados na matéria de facto fixada na sentença.
Conclui, nesta conformidade, que o presente processo é o meio idóneo para a satisfação judicial da sua pretensão, que é a de lhe ser reconhecido o direito a considerar-se automaticamente inscrito, nos termos da disposição citada.
Mais uma vez lhe não assiste razão.
Perante os factos fixados na sentença, ou seja, considerando que o autor, depois de ter requerido a sua inscrição na B., foi notificado da decisão da Comissão de Inscrição que indeferiu o seu pedido, e da decisão da Direcção da B. que, indeferindo recurso hierárquico, manteve a decisão da Comissão de Inscrição, concluiu que o meio processual próprio para o autor reagir judicialmente seria o recurso contencioso de anulação das ditas deliberações, meio que lhe garantiria a tutela eficaz dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos.
O recorrente não põe em causa a justeza da decisão na perspectiva da consideração dos factos coligidos pela sentença, decisão que nenhuma censura, aliás, mereceria, dada a consonância com a jurisprudência dominante deste Supremo Tribunal Administrativo.
O que ele alega é que o direito que se arroga, e cujo reconhecimento peticiona nesta acção, consistindo numa «inscrição automática» tácita resultante do silêncio da B. nos 15 dias posteriores à recepção do seu pedido de inscrição (artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 27/98), é anterior às referidas decisões de indeferimento expresso do seu pedido de inscrição, e, nessa medida, a elas alheio.
Ora, ainda que nos termos da referida norma se pudesse considerar o recorrente automaticamente inscrito, essa inscrição tácita teria sido implicitamente revogada pelas referidas deliberações da Comissão de Inscrição e da Direcção da B., devidamente notificadas ao recorrente a 26 de Janeiro de
1999 e 21 de Abril de 1999.
Na verdade, a revogação anulatória implícita de um acto administrativo resulta da prolação de um novo acto cujo conteúdo é incompatível com acto anterior da mesma entidade, com o propósito de regular a mesma situação jurídica.
Estamos então perante acto com eficácia destrutiva do primeiro, e que dispõe ex novo sobre a mesma matéria.
Na expressão do acórdão do Pleno de 24 de Junho de 1997 (recurso n.º 30 000), «a preclusão dos efeitos do acto administrativo pode verificar-se por declaração expressa ou por nova regulação particular ou genérica da situação material regulada pelo acto anterior, de forma incompatível com a subsistência deste».
É justamente o que se verificaria na situação colocada pelo recorrente, pois que as deliberações que recusaram expressamente a sua inscrição na B. são naturalmente incompatíveis com a pretensa inscrição automática, pelo que, à data da propositura da acção, a pretensa inscrição automática já não poderia subsistir.
Não fazendo sentido o pedido de reconhecimento de um direito inexistente, é evidente que o autor apenas dispunha do recurso contencioso de anulação das ditas deliberações para fazer valer em juízo a defesa do direito que se arroga, não podendo fazer uso do meio processual acção para, como referiu o Ministério Público, tornear uma provável preclusão do prazo do recurso.
Bem andou pois a sentença ao decidir pela procedência da excepção dilatória do n.º 2 do artigo 69.º da LPTA, ou seja, pela impropriedade do meio processual utilizado pelo autor, com a consequente absolvição da ré da instância.
Improcedem totalmente as conclusões da alegação do recorrente.”
4. Notificado deste acórdão, veio o autor arguir a nulidade do mesmo e requerer a sua rectificação e/ou reforma, nos seguintes termos (fls. 117 a
120):
“1. Refere o douto aresto, na parte da interpretação e aplicação do direito, que, no acórdão (sic) do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra não há qualquer base fáctica errada, não devendo por isso ser objecto de julgamento os factos indicados pelo recorrente nos artigos 1.º a 21.º da petição, relevantes para a apreciação do mérito da acção, mas sem qualquer relevância para o juízo decisório sobre as excepções, único a que a sentença procedeu.
O recorrente não tem dúvidas de que o Tribunal recorrido apenas apreciou a matéria das excepções.
Todavia, salvo o devido respeito, aquilo que o recorrente pretendeu ver apreciado pelo Tribunal recorrido consiste tão-só e apenas em saber se deveria ou não ser considerado inscrito como técnico oficial de contas na B., antes das deliberações da Comissão de Inscrição e da Direcção da B., notificadas ao recorrente em 26 de Janeiro de 1999 e 21 de Abril de 1999.
Por essa razão é que o recorrente pretendia que os factos alegados de 1 a 21 da petição, relativos à posse dos requisitos legais de inscrição e da própria inscrição, fossem conhecidos tanto pelo Tribunal recorrido como pelo Supremo Tribunal Administrativo, como Tribunal de recurso, daí o que consta da conclusão V.
De acordo com as regras dos artigos 2.°, n.° 2, 511.°, 268.°, 653.° e 659.° do Código de Processo Civil, aplicáveis ao caso ex vi artigo 1.° da LPTA, aqueles factos deveriam ter sido conhecidos pelo Tribunal, por neles se radicar a pretensão do recorrente.
Não tendo sido apreciada essa matéria, constante da conclusão n.° 5, nem expostos, no douto acórdão, os fundamentos pelos quais essa matéria não foi apreciada, é aquele nulo, de acordo com o disposto no artigo 668.°, n.° 1, alíneas d) e e), do Código de Processo Civil.
Aliás, as citadas normas dos artigos 2.°, n.° 2, 511.°, 268.°, 653.° e 659.° do Código de Processo Civil, aplicáveis ao caso ex vi artigo 1.° da LPTA, a serem interpretadas no sentido de que a citada matéria em que se fundamenta a pretensão trazida a juízo não deva ser apreciada, são as mesmas materialmente inconstitucionais, por contrárias ao direito, constitucionalmente consagrado no artigo 205.°, n.° 1, da Constituição da República Portuguesa, que assiste aos cidadãos, de verem apreciadas pelos tribunais as pretensões em que se radicam os seus interesses ou direitos legalmente protegidos.
2. Refere também o douto acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo que «ainda que, nos termos da norma do artigo 2.°, n.° 2, da Lei n.º 27/98, se pudesse considerar o recorrente automaticamente inscrito na B., essa inscrição teria sido implicitamente revogada pelas referidas deliberações da Comissão de Inscrição e da Direcção da B., devidamente notificadas ao recorrente em 26 de Janeiro de 1999 e 21 de Abril de 1999».
Salvo o devido respeito por tal decisão, a verdade é que a mesma não vem acompanhada do respectivo fundamento legal.
Além disso, ajuizada assim a questão equivale a que a determinação constante do citado n.° 2 do artigo 2.° da Lei n.° 27/98 possa ser revogada derrogada (sic) pela deliberação de um órgão de pessoa colectiva de utilidade pública, o que seria materialmente inconstitucional, por contrário ao disposto na alínea d) do artigo 164.° da CRP.
Assim, vem o recorrente, com os expostos fundamentos, arguir a nulidade do douto acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo e, respeitosamente, requerer a apreciação das questões suscitadas, designadamente a da inconstitucionalidade das referidas normas, devendo o mesmo acórdão ser rectificado ou reformado, conforme os artigos 667.° a 669.° do Código de Processo Civil, com todas as legais consequências.”
5. Esta arguição de nulidade e requerimento de rectificação e/ou reforma foi indeferida por acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 10 de Outubro de 2002, com a seguinte fundamentação:
“II. Proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa, sendo-lhe lícito, apenas, suprir nulidades, esclarecer dúvidas da sentença ou reformá-la, nos termos dos artigos 666.° a
669.° do Código de Processo Civil. Vejamos então:
l. Quanto à arguição de nulidade:
Nos termos do artigo 668.°, n.° l, alínea d), do Código de Processo Civil, é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Ora, na situação dos autos, o acórdão pronunciou-se expressamente
(embora em sentido contrário ao propugnado pelo recorrente) sobre as questões que devia apreciar – a ilegitimidade passiva e a impropriedade do meio processual utilizado, questões com base nas quais o TAC decidira pela rejeição do recurso contencioso [ter-se-á querido escrever «rejeição da acção»], não tendo havido qualquer apreciação do mérito da acção, por o mesmo estar prejudicado pela procedência das ditas excepções.
Afirmou-se, a tal propósito, no acórdão:
«(...) os factos fixados pela sentença são os relevantes para a decisão tomada, ou seja, para a pronúncia de procedência das excepções suscitadas.
Os factos indicados pelo recorrente nos artigos 1.º a 21.° da petição (relativos à posse dos requisitos legais de inscrição), e que ele diz serem aqueles que a sentença deveria ter seleccionado, seriam porventura relevantes para a apreciação do mérito da acção, mas não têm qualquer relevância para o juízo decisório sobre as aludidas excepções, único a que a sentença procedeu.»
O acórdão conheceu pois das únicas questões cuja apreciação era devida, pelo que nenhuma nulidade por omissão de pronúncia foi cometida.
2. Quanto ao pedido de rectificação ou reforma:
Nos termos do artigo 669.° do Código de Processo Civil, pode qualquer das partes requerer ao tribunal o «esclarecimento de alguma obscuridade ou ambiguidade» da sentença ou a sua «reforma quanto a custas e multa», podendo ainda requerer a reforma da sentença quando tenha ocorrido «manifesto lapso do juiz na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos», ou «constem do processo documentos ou quaisquer outros elementos que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida» e que, por lapso, não tenham sido tomados em consideração.
Ora, no requerimento apresentado não vem suscitada qualquer obscuridade ou ambiguidade do acórdão, que importe esclarecer, antes se depreende que o requerente apreendeu com toda a clareza o texto do acórdão e a pronúncia nele contida, da qual, naturalmente, discorda.
E não vem também invocado qualquer lapso manifesto na determinação da norma jurídica aplicável, ou a existência de documentos ou elementos não apreciados e que impusessem decisão contrária.
Pelo que nenhum esclarecimento ou reforma se impõe, nos termos da disposições legais citadas.
Fora desse âmbito, nenhuma outra questão pode ser aqui objecto de apreciação, pois está, como se disse, esgotado o poder jurisdicional do tribunal.”
6. Notificado deste acórdão, veio o autor interpor recurso para o Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
“1. O recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70.° da Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro;
2. Pretende-se ver apreciada a inconstitucionalidade das normas dos artigo 2.°, n.° 2, 511.°, 268.°, 653.° e 659.° do Código de Processo Civil, aplicadas ao caso dos autos por força do artigo 1.° da LPTA, quando interpretadas em sentido tal que os factos, alegados pelo recorrente, porventura relevantes para a apreciação do mérito da acção, não devem ser apreciados, por não terem relevância para o juízo decisório sobre a matéria das excepções;
3. Tais normas, assim interpretadas, violam o artigo 205.°, n.° 1, da CRP, que consagra o direito de os cidadãos verem apreciadas pelos Tribunais as pretensões em que se radicam os seus interesses ou direitos legalmente protegidos.
4. Pretende ainda o recorrente a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 2.°, n.° 2, da Lei n.° 27/98, de 3 de Junho, quando interpretada no sentido de poder ser derrogada por simples deliberação de um órgão de pessoa colectiva de utilidade pública .
5. Essa norma, assim interpretada, viola o disposto na alínea d) do artigo 164.° da CRP.
As inconstitucionalidades referidas foram suscitadas nos autos, de fls. 117 a 120, no requerimento de arguição de nulidade e de rectificação do douto acórdão final.”
Por despacho do Conselheiro Relator do Supremo Tribunal Administrativo, de 11 de Novembro de 2002, foi admitido o recurso interposto,
“nos termos do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), e seguintes da Lei n.º 28/82, de
15 de Novembro, com subida imediata nos próprios autos e com efeito suspensivo”.
7. A admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do artigo 70.º da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, alterada, por último, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LCT) – que foi o interposto pelo recorrente – depende da suscitação “durante o processo” da inconstitucionalidade da(s) norma(s) aplicada(s) pela decisão recorrida e cuja conformidade constitucional o recorrente pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, esclarecendo o n.º 2 do artigo 72.º da mesma Lei que tal recurso só pode ser interposto pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Constitui jurisprudência consolidada deste Tribunal Constitucional que o apontado requisito só se pode considerar preenchido se a questão de constitucionalidade tiver sido suscitada antes de o tribunal recorrido ter proferido a decisão final, pois com a prolação desta decisão se esgota, em princípio, o seu poder jurisdicional. Por isso, tem sido uniformemente entendido que, proferida a decisão final, a arguição da sua nulidade ou o pedido da sua aclaração, rectificação ou reforma não constituem já meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade, pois a eventual aplicação de uma norma inconstitucional não constitui erro material, não é causa de nulidade da decisão judicial nem a torna obscura ou ambígua. E também, por maioria de razão, não constitui meio adequado de suscitar a questão de constitucionalidade a sua invocação, pela primeira vez, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade ou nas respectivas alegações.
Só assim não será nas situações especiais em que, por força de uma norma legal específica, o poder jurisdicional se não esgota com a prolação da decisão recorrida, ou naquelas situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.
Expostos estes critérios, fácil é demonstrar a inadmissibilidade do presente recurso.
Por um lado, as normas que o acórdão recorrido efectivamente aplicou para negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pelo ora recorrente foram tão-somente as dos artigos 69.º, n.º 2, e 70.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (Decreto-Lei n.º 267/85, de 16 de Julho): a primeira para confirmar a decisão da impropriedade do meio processual utilizado, com base no entendimento de que, no caso, o recurso contencioso de anulação, complementado pela execução de julgado, assegurava a efectiva tutela jurisdicional do direito ou interesse em causa; a segunda para confirmar a decisão da ilegitimidade passiva, com base no entendimento de que esta legitimidade recai, na acção para reconhecimento de direito, no órgão ou autoridade competentes para praticarem os actos administrativos necessários ao reconhecimento do direito reclamado, e não, como sucede nas restantes acções
(acções sobre contratos, acções de responsabilidade e acções não especificadas) na correspondente pessoa colectiva. Ora, o recorrente nunca suscitou, durante o processo, a questão da inconstitucionalidade destas normas, efectivamente aplicadas na decisão recorrida. Por outro lado, a questão da constitucionalidade das normas cuja constitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada – “artigos 2.º, n.º 2,
511.º, 268.º, 653.º e 659.º do Código de Processo Civil, aplicadas ao caso dos autos por força do artigo 1.° da LPTA, quando interpretadas em sentido tal que os factos, alegados pelo recorrente, porventura relevantes para a apreciação do mérito da acção, não devem ser apreciados, por não terem relevância para o juízo decisório sobre a matéria das excepções” e “artigo 2.°, n.° 2, da Lei n.° 27/98, de 3 de Junho, quando interpretada no sentido de poder ser derrogada por simples deliberação de um órgão de pessoa colectiva de utilidade pública” – não foi suscitada “durante o processo”, “de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”.
Como o próprio recorrente expressamente reconhece no requerimento de interposição do presente recurso, as referidas inconstitucionalidades foram suscitadas, pela primeira vez nos autos, no requerimento de arguição de nulidade e de rectificação e/ou reforma do acórdão recorrido, o que, como se viu, não constitui modo adequado de suscitar tal questão.
Acresce que, no presente caso, não ocorre nenhuma das apontadas situações excepcionais ou anómalas em que fosse possível dispensar a suscitação da questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida. É que esta decisão não constitui nenhuma “decisão surpresa”, limitando-se a reiterar o decidido na sentença impugnada. E, por outro lado, na alegação do recurso jurisdicional interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, em que justamente questiona a correcção da aplicação que considera ter sido feita, pela sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra, das citadas normas dos artigos 2.º, n.º 2, 511.º, 268.º, 653.º e 659.º do Código de Processo Civil (cf. conclusão VI dessa alegação) e do artigo 2.º, n.º 2, da Lei n.º 27/98 (cf. conclusão VII da mesma alegação), o recorrente não suscita nenhuma questão de inconstitucionalidade normativa, sendo esse o momento adequado para o efeito.
Tanto basta para se concluir pela inadmissibilidade do presente recurso.
8. Em face do exposto, e ao abrigo do artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, decide-se não se tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade.”
1.2. Na sua reclamação, o recorrente desenvolve a seguinte argumentação:
“1. O douto aresto do Venerando Supremo Tribunal Administrativo refere não haver qualquer base fáctica errada no acórdão do Tribunal Administrativo do Círculo de Coimbra que omitiu pronúncia sobre os factos indicados pelo recorrente nos artigos 1.º a 21.º da petição, por entender que seriam relevantes para o apreciação do mérito da acção, mas sem qualquer relevância para o juízo decisório sobre as excepções, único a que a sentença procedeu. Aquilo que o recorrente pretendia ver apreciado pelo Tribunal de Círculo de Coimbra consistia, no entanto, tão-só e apenas em saber se deveria ou não ser considerado inscrito como técnico oficial de contas na B., antes das deliberações da Comissão de Inscrição e da Direcção da B., notificadas ao recorrente em 26 de Janeiro de 1999 e 21 de Abril de 1999.
Por essa razão é que o recorrente pretendia que os factos alegados de 1 a 21 da petição, relativos à posse dos requisitos legais de inscrição e da própria inscrição, fossem conhecidos tanto pelo Tribunal recorrido como pelo Supremo Tribunal Administrativo, como Tribunal de recurso, daí o que consta da conclusão V.
Salvo o devido respeito, na perspectiva do recorrente, e de acordo com as regras dos artigos 2.°, n.° 2, 511.°, 268.°, 653.° e 659.° do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ao caso ex vi artigo 1.° da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, aqueles factos deveriam ter sido conhecidos pelo Tribunal, por neles se radicar a pretensão que submeteu a julgamento.
Não tendo sido apreciada essa matéria no douto acórdão do STA, a qual consta da conclusão V, nem do mesmo douto acórdão constando os fundamentos pelos quais essa matéria não foi apreciada, entendeu o recorrente que seria nulo, de acordo com o disposto no artigo 668.°, n.° 1, alíneas d) e e), do CPC.
E entendeu igualmente que as citadas normas dos artigos 2.°, n.° 2,
511.°, 268.°, 653.° e 659.° do CPC, aplicáveis ao caso ex vi artigo 1.° da LPTA, a serem interpretadas no sentido de que a citada matéria em que se fundamenta a pretensão trazida a juízo não deveria realmente ter sido apreciada, seriam as mesmas materialmente inconstitucionais, por contrárias ao direito, consagrado no artigo 205.°, n.° 1, da CRP, que assiste aos cidadãos, de verem apreciadas pelos tribunais as pretensões em que se radicam os seus interesses ou direitos legalmente protegidos.
2. Mais referindo o douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que «ainda que, nos termos da norma do artigo 2.°, n.° 2, da Lei n.º 27/98, se pudesse considerar o recorrente automaticamente inscrito na B., essa inscrição teria sido implicitamente revogada pelas referidas deliberações da Comissão de Inscrição e da Direcção da B., devidamente notificadas ao recorrente em 26 de Janeiro de 1999 e 21 de Abril de 1999».
Não obstante, no entendimento do recorrente, e salvo sempre o devido respeito pela decisão referida, ajuizada assim a questão equivale a que a determinação constante do citado n.° 2 do artigo 2.° da Lei n.° 27/98 possa ser revogada pela deliberação de um órgão de pessoa colectiva de utilidade pública, o que seria materialmente inconstitucional, por contrário ao disposto na alínea d) do artigo 164.º da CRP.
3. Considerando o exposto, as questões de inconstitucionalidade que se pretendem ver apreciadas por este Venerando Tribunal, e que constam do requerimento inicial, aqui dado por transcrito, apenas surgiram e se tomou premente a sua invocação depois do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo e, obviamente, logo se lhe afigurou ser possível que na decisão sobre a nulidade, a reforma ou a rectificação do mesmo acórdão, se ponderassem da conformação das normas em causa com os princípios e as normas da Constituição, ou seja, se interpretassem e aplicassem aquelas no âmbito da sua constitucionalidade.
Destarte, crê o recorrente ter invocado válida e tempestivamente as questões que desejaria ver dirimidas por este Venerando Tribunal Constitucional.
Assim, deve a presente reclamação ser julgada procedente, e, por consequência, declarado que o Venerando Tribunal Constitucional conheça e julgue o objecto do recurso, ordenando-se o prosseguimento dos autos até final..”
1.3. Notificado desta reclamação, a recorrida nada disse.
Tudo visto, cumpre apreciar e decidir.
2. A decisão sumária ora reclamada fundou o não conhecimento do objecto do recurso em duas constatações: (i) não questionar o recorrente a constitucionalidade das normas efectivamente aplicadas pelo acórdão recorrido para confirmar os juízos de ilegitimidade passiva e de impropriedade do meio processual utilizado (artigos 69.º, n.º 2, e 70.º, n.º 1, da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos), com base nos quais a presente acção de reconhecimento de direito foi rejeitada; e (ii) não ter suscitado adequadamente, antes de proferida a decisão recorrida, a questão da constitucionalidade das normas que pretende ver apreciadas por este Tribunal Constitucional.
Na presente reclamação, o recorrente não questiona a primeira constatação.
E, quanto à segunda, apenas refere que só após a prolação do acórdão ora recorrido se tornou premente impugnar a constitucionalidade das normas em causa. Porém, como se demonstrou no despacho reclamado, o recorrente podia e devia ter suscitado tais questões nas alegações do recurso jurisdicional interposto para o Supremo Tribunal Administrativo, pois na sentença recorrida já expressamente se entendera que, por um lado, a matéria alegada nos artigos 1.º a 21.º da petição inicial era tão-só relevante para o conhecimento do mérito da acção, mas já não para o conhecimento das excepções (da ilegitimidade e da impropriedade do meio processual) com base nas quais foi rejeitada a acção, ficando prejudicado o conhecimento do seu mérito, e que, por outro lado, a prolação de acto(s) administrativos(s) expresso(s) a indeferir a pretensão do recorrente implicou a revogação de pretenso deferimento tácito anterior da mesma pretensão.
Lê-se, com efeito, na aludida sentença (cf. fls. 59 destes autos):
“Convém ainda referir que carece de qualquer relevância a reiterada reafirmação do autor em que, por falta de resposta no prazo de 15 dias sobre o seu requerimento de inscrição, se deverá ter de considerar como automaticamente inscrito na B., pois que existe uma decisão expressa a indeferir o pedido em causa, sendo irrelevante, para o caso, a data da decisão, pois que a inscrição implícita se mostra inconciliável com a decisão de indeferimento, pelo que, na data da instauração da presente acção, há muito que inexistia a referida inscrição automática.”
Se o recorrente pretendia arguir pretensa inconstitucionalidade da interpretação normativa subjacente a este entendimento judicial deveria tê-lo feito na alegação do recurso da sentença, o que, como ele próprio reconhece, não fez, só o concretizando, a destempo, no pedido de reforma do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, invocando então violação, pelo tribunal de 1.ª instância, ao proferir a transcrita afirmação, do disposto no artigo 164.º, alínea d), da Constituição.
3. Em face do exposto, acordam em indeferir a presente reclamação, confirmando a decisão reclamada.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em
15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Abril de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Paulo Mota Pinto
Rui Manuel Moura Ramos