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Procº nº 52/2003.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Não se conformando com o despacho proferido em 27 de Dezembro de 2001 pelo Subinspector-Geral de Jogos, em substituição do Director-Geral, que aplicou a A - por infracção ao disposto no artº 83º, alínea b), punível pelo artº 141º, um e outro do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 19 de Janeiro - a coima de Esc.
150.000$00 e a sanção acessória de interdição do exercício da profissão por trinta dias, recorreu o mesmo para o Tribunal de comarca de Espinho.
O Juiz do 2º Juízo daquele Tribunal de comarca, por sentença de
18 de Dezembro de 2002, julgou procedente o recurso, absolvendo o impugnante, pois que se não provou o cometimento dos factos que estava assacado ao acoimado.
Para assim decidir, e no que ora releva, pode ler-se naquela peça processual o seguinte passo:-
“...............................................................................................................................................................................................................................................................
c ) A prova obtida por meio electrónico de vigilância é ilegal e ilícita?
Comecemos por apreciar a invocada inconstitucionalidade orgânica do artº 52º da Lei do Jogo, aprovada pelo DL nº 422/89, de 02.12.
Dado que a utilização de tais sistemas de vigilância contende com os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos (artº 26º, nº 1, da CRP), não se nos oferece [qualquer] espécie de dúvida que a matéria em apreço é da reserva relativa da Assembleia da República, por contender com a reserva da vida privada dos frequentadores de casinos e dos seus trabalhadores (como é o caso dos autos) -, sendo que o Governo só poderia legislar sobre tal matéria mediante prévia lei de autorização legislativa emanada pelo nosso parlamento (cfr. artº
168º, nº 1, al. b), da CRP, na redacção em vigor ao tempo; actualmente, artº
165º, nº 1, al. b), da CRP).
Ora, a Assembleia da República autorizou o Governo para legislar em matéria de jogos de fortuna ou azar em casinos e de exploração e prática ilícita de jogos de fortuna ou azar através da Lei nº 14/89, de 30.06.
No âmbito e sentido da respectiva lei de autorização legislativa não consta a autorização para o Governo introduzir uma disposição legal equivalente
à do artº 52º do DL nº 422/89.
Está ferida, por isso, de inconstitucionalidade orgânica.
Por conseguinte, tal norma não poderá ser objecto de aplicação nestes autos, o que equivale a dizer que na apreciação da prova não poderá o tribunal tomar em consideração as cassetes referidas nos autos como meio de prova ou a prova testemunhal que funda a sua razão de ciência quanto à matéria em causa exclusivamente no visionamento das mesmas.
...............................................................................................................................................................................................................................................................”
Do assim decidido recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, o Representante do Ministério Público junto do Tribunal a quo, por intermédio do recurso pretendendo a apreciação da constitucionalidade da norma ínsita no artº
52º da denominada Lei do Jogo aprovada pelo Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro.
2. Determinada a feitura de alegações, rematou a entidade recorrente a por si formulada com as seguintes «conclusões»:-
“ 1º - A norma do artigo 52º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, versando matéria atinente a direitos, liberdades e garantias padece de inconstitucionalidade orgânica, por violação do artigo 168º, nº 1, alínea s) da Constituição (redacção então em vigor) já que o Governo legislou em matéria de reserva relativa da competência da Assembleia da República, sem que estivesse previamente autorizado, através da respectiva credencial parlamentar.
2º - Termos em que deverá confirmar-se o juízo de inconstitucionalidade constante da decisão recorrida”.
Por seu turno, o acoimado propugnou pela improcedência do recurso.
Cumpre decidir.
3. Estipula-se na norma cuja aplicação foi recusada na decisão recorrida (redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 10/95, de 2 de Dezembro):-
Artigo 52.º
Equipamento de vigilância e controlo
1 - As salas de jogos são dotadas de equipamento electrónico de vigilância e controlo, como medida de protecção e segurança de pessoas e bens.
2 - Quando a instalação do equipamento referido no número anterior não seja contratualmente exigível às concessionárias, será a mesma feita por conta do orçamento da Inspecção-Geral de Jogos.
3 - Sem prejuízo do disposto nos números anteriores, não é permitido nas salas de jogos, durante o período de abertura ao público destas, fazer uso dos instrumentos e aparelhos de registo a que se refere a alínea e) do n.º 2 do artigo 36.º
4 - As gravações de imagem ou som feitas através do equipamento de vigilância e controlo previsto neste artigo destinam-se exclusivamente à fiscalização das salas de jogos, sendo proibida a sua utilização para fins diferentes e obrigatória a sua destruição pela concessionária no prazo de 30 dias, salvo quando, por conterem matéria em investigação ou susceptível de o ser, se devam manter por mais tempo, circunstância em que serão imediatamente entregues ao serviço de inspecção, acompanhadas de relatório sucinto sobre os factos que motivaram a retenção.
5 - Sem prejuízo do disposto no número anterior, o serviço de inspecção pode visionar as gravações de imagem ou de som efectuadas pela concessionária quando o entenda conveniente.
6 - As concessionárias devem criar um quadro de três operadores devidamente habilitados para proceder a todas as operações do sistema, por forma a assegurar uma fiscalização eficaz e regular os sectores vigiados.
O diploma no qual se insere a transcrita norma foi emitido a coberto da autorização legislativa constante da Lei nº 14/89, de 30 de Junho, a qual, no seu artº 2º, definiu o sentido e extensão da credencial pela mesma dada, sendo que, nesse preceito, se não faz qualquer referência à instalação, nas salas de jogos, de equipamento de vigilância e controlo.
De outro lado, o Decreto-Lei nº 10/95, que, por entre o mais, conferiu nova redacção ao artº 52º do Decreto-Lei nº 422/89, foi emitido no uso da competência conferida pela alínea a) do nº 1 do artº 201º da Constituição
(versão anterior à Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº
1/97, de 20 de Setembro).
4. A questão que se coloca reside, assim, em saber se a normação que exija e regule uma tal instalação constitui reserva de competência legislativa parlamentar, porque inserida em matéria atinente a direitos, liberdades e garantias.
A respeito de normação respeitante à permissão de utilização da designada «videovigilância» e estabelecimento de regras a que a mesma deverá obedecer, teve já este Tribunal, por intermédio do seu Acórdão nº 255/2002
(publicado na I Série-A do Diário da República de 8 de Julho de 2002), ocasião de se pronunciar, não tendo aquele aresto, quanto a este particular, sofrido quaisquer votos dissidentes.
Disse-se aí em dado passo:-
“...............................................................................................................................................................................................................................................................
A permissão da utilização dos referidos equipamentos [estava o aresto a reportar-se aos equipamentos electrónicos de vigilância e controlo] constitui uma limitação ou uma restrição do direito de reserva da intimidade da vida privada, consignado no artigo 26.º, n.º 1, da lei fundamental (sobre o conceito v. Paulo Mota Pinto, «O Direito à reserva sobre a intimidade da vida privada», Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, vol. LXIX,
1993, pp. 479 e segs.).
Ao autorizar a videovigilância e ao estabelecer algumas regras a que ela deve obedecer, o legislador está indiscutivelmente a tratar de uma matéria atinente a direitos, liberdades e garantias, valendo aqui as razões desenvolvidas no ponto V-B [onde, inter alia, se afirmava que o Tribunal “tem sempre reconhecido que a reserva legislativa parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias abrange «tudo o que seja matéria legislativa, e não apenas as restrições do direito em causa»] (para uma apreciação das numerosas questões de índole constitucional que a videovigilância pode suscitar, cf. a Decisão n.º 94-352 DC, de 18 de Janeiro de 1995, do Conselho Constitucional francês, Recueil des Décisions du Conseil Constitutionnel , 1995, Dalloz, pp.
170 e segs.).
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5. Na legislação existente antes da edição do Decreto-Lei nº
422/89 (cfr. Decreto nº 41.812, de 9 de Agosto de 1958, Decreto-Lei nº 48.912, de 18 de Março de 1969 e Decreto-Lei nº 22/85, de 17 de Janeiro), nada se regulava tocantemente à obrigatoriedade de instalação, nas salas de jogos, de equipamento electrónico de vigilância e controlo (cfr., quanto à imposição de as empresas concessionárias manterem, durante todo o tempo de funcionamento dos casinos, junto à entrada das salas de jogos, um serviço devidamente apetrechado e dotado de pessoal competente, destinado a identificação de quem as pretenda frequentar e à sua fiscalização, o artº 18º do citado Decreto-Lei nº 41.812).
Por outro lado, como se disse acima, a Lei nº 14/98 é de todo silente no tocante a esta matéria.
Ora, concluindo-se, como se concluiu no já citado Acórdão nº
255/2002, que a matéria tocante à regulação dos equipamentos electrónicos de vigilância e controlo se inclui no direito à reserva da intimidade da vida privada e que, por isso, constitui matéria que se inclui na reserva relativa de competência legislativa parlamentar, porque respeitante a direitos, liberdades e garantias, torna-se evidente que a norma em apreciação, ao impor a videovigilância electrónica nas salas de jogos, às quais têm acesso livre a generalidade das pessoas (cfr. artigos 34º a 38º e 42º do Decreto-Lei nº
422/89), está a reger sobre aquela matéria.
É que, como se depara límpido, a instalação de tais equipamentos, e na forma como se encontra prescrito no normativo em apreço, permite a captação de imagens, sons e actuação das pessoas que se encontrem nas instalações dos casinos, com possibilidade de fazer registo dos mesmos, sem que por elas seja dado o mínimo consentimento a tal captação, o que, desta sorte, vai, inequivocamente - e ao menos - «tocar» os direitos à imagem e reserva da vida provada dessas pessoas (cfr., neste sentido, Machado Dray, Justa causa e esfera privada, 83).
Tendo em conta a postura deste Tribunal, consubstanciada em considerar que a reserva de competência legislativa parlamentar em matéria de direitos, liberdades e garantias abrange não só os campos conexionados com a suas restrições, mas também a dimensão conformadora ou concretizadora desses mesmos direitos e tudo o que seja matéria legislativa, maxime, se se estatui pela primeira vez sobre tal matéria e, assim, não se limitando o legislador a reproduzir anterior normação (cfr. verbi gratia, o Acórdão nº 373/91, publicado na I Série-A do Diário da República de 6 de Novembro de 1991), então teremos de ser conduzidos à conclusão segundo a qual, designadamente ponderando a respectiva prescrição, a norma sub iudicio haveria de ter sido emitida sob a forma de lei parlamentar ou sob a forma de decreto-lei credenciado, para o particular efeito, pela Assembleia da República.
Como o não foi, enferma a mesma de inconstitucionalidade orgânica.
6. Em face do exposto, este Tribunal decide:-
a) Julgar organicamente inconstitucional, por violação da alínea b) do nº 1 do artº 168º da Constituição (versão decorrente da Lei Constitucional nº 1/82, de 30 de Setembro), a norma ínsita no Decreto-Lei nº 422/89, de 17 de Dezembro, e, em consequência,
b) Negar provimento ao recurso. Lisboa, 28 de Abril de 2003 Bravo Serra Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida