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Proc. nº 160/2003
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, A, arguido no processo nº 5/01.4 TATND, que correu termos no Tribunal Judicial de Tondela, foi condenado pela prática de oito crimes de denúncia caluniosa. O arguido, assistido por defensor oficioso, requereu, dentro do prazo de interposição do recurso da sentença condenatória, que lhe fosse nomeado novo defensor, uma vez que pretendia impugnar a decisão condenatória e a defensora nomeada considerava não dever interpor o recurso, por concordar com aquela decisão. Foi nomeada nova defensora e interposto para o Supremo Tribunal de Justiça recurso e o mesmo foi admitido. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 17 de Outubro de 2002, considerou competente para apreciar o recurso o Tribunal da Relação de Coimbra, pelo que os autos foram remetidos a esse Tribunal. Tendo o Ministério Público suscitado a questão prévia da intempestividade do recurso, sustentando que o respectivo prazo de interposição se conta do depósito da sentença na Secretaria e não da data da nomeação da nova defensora, o arguido respondeu, nos termos do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, afirmando o seguinte:
1. Em primeiro lugar à data do depósito do acórdão na secretaria do Tribunal Judicial da Comarca de Tondela - em 21/03/2002 - o ora recorrente encontrava-se detido no Estabelecimento Prisional de São Pedro do Sul (como até se comprova pelo despacho do Mmo. Juiz de Tondela que admitiu o recurso).
2. Ainda assim, mesmo coarctado da liberdade e mobilidade necessárias a diligenciar estes e outros assuntos, o recorrente teve o cuidado de em prazo endereçar ao Tribunal uma exposição na qual invocava justa causa para a substituição da defensora que lhe fora nomeada.
3. Fê-lo por requerimento/carta entrado no Tribunal em 28/03/2002, no qual desde logo manifestava a sua vontade de recorrer do acórdão.
4. E invocava como justa causa para a substituição da defensora o facto de esta
“não querer recorrer”.
5. Contudo só em 24/04/2002 tal requerimento do arguido foi objecto de decisão
(despacho de fls. 401).
6. Vindo a signatária a ser nomeada defensora por despacho de 13/05/2002, que lhe foi notificado em 16/05/2002 - uma Quinta-feira -, o recurso foi interposto com motivação no dia 23/05/2002 (a Quinta-feira seguinte).
7. O recurso foi admitido pelo Tribunal a quo, que fundamentou a decisão da sua tempestividade e legalidade na salvaguarda do direito constitucional plasmado no n° 1 do artigo 32° (da C.R.P.).
8. Mais indicando que o prazo para a interposição do recurso se deveria contar da notificação da substituição de defensor à signatária.
9. Estamos cientes do disposto no n° 3 do artigo 414° do C.P.P..
10. Bem como da disposição do nº 4 do artigo 66° do C.P.P..
11. Mas haverá que conjugar-se o disposto neste último preceito com outras disposições legais, incluindo as constitucionais.
12. E o artigo 67° do C.P.P. prevê que se interrompa e mesmo se adie a realização de um acto por falta de defensor se a assistência ao arguido for necessária.
13. A Lei 30-E/2000 de 20 de Dezembro também prevê nas disposições especiais sobre processo penal, que se estiver em causa no pedido de escusa a salvaguarda do segredo profissional (artigo 45° n° 3) se aplique o disposto no artigo 35° - ou seja que se interrompa o prazo que estiver em curso.
14. No caso concreto o arguido não podia pelos seus próprios meios interpôr o recurso.
15. Carecia de pessoa habilitada para o representar .
16. Prejudicada que estava a relação de confiança entre o recorrente e a anterior defensora, chegando mesmo o arguido a invocar a sua recusa na interposição do recurso, só após a substituição de defensor seria possível a interposição do recurso, especialmente porque a Lei impõe seja acompanhado de motivação.
17. Não se admitindo o presente recurso viola-se a disposição constitucional que consagra se assegurem todas as garantias de defesa em processo criminal (n° 1 do artigo 32° da Constituição).
18. Invoca o Digno Senhor Procurador da República na Resposta: a) o princípio da estabilidade que emana do n° 2 do artigo 45° da Lei do Apoio Judiciário; b) conexionado com o n° 4 do artigo 66° do C.P.P.; c) que nesse “contexto o direito de recorrer do arguido estava assegurado e podia ter sido exercido no prazo legal”.
19. Mas como atrás vimos, o princípio da estabilidade do n° 2 é afastado na hipótese do n° 3 do mesmo artigo 45° da citada Lei n° 30E/2000.
20. E esse artigo 45° respeita a caso diverso do dos autos:
- é o defensor nomeado que pede dispensa do patrocínio.
21. Neste caso, compreende-se que se mantenha em funções até ser substituído.
22. Mas no caso dos autos foi o ora recorrente que requereu a substituição.
23. O que afasta o aludido princípio da estabilidade imposto pelo relevo da função da defesa.
24. De facto, o ora recorrente estava desamparado e sem defesa.
25. Razão pela qual em obediência ao citado preceito constitucional haveria de se lhe garantir essa defesa que faltava. Termos em que, com o devido suprimento, deve admitir o presente recurso sob pena de inconstitucionalidade por violação do n° 1 do artigo 32° da C.R.P., mantendo-se o demais peticionado, pois assim se fará JUSTIÇA.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 8 de Janeiro de 2003, considerou o seguinte:
Intempestividade do recurso:
A nomeação da primeira defensora foi notificada ao arguido. Nada disse ou requereu. A defensora nomeada, nunca tendo pedido dispensa do patrocínio, esteve presente no julgamento e na audiência em que se procedeu à leitura do acórdão. Entendeu, segundo disse (fls. 398) quando foi notificada da carta do arguido, que:
1 - Efectivamente a defensora não contactou o arguido na prisão, dado ter decorrido pouco tempo entre a nomeação e o julgamento e não dispor de nenhum dia para se deslocar a S. Pedro do Sul.
2 - É verdade que os guardas prisionais impediram a defensora de falar com o arguido, alegando estarem a cumprir ordens. Todavia, a defensora esteve com ele, a sós, durante algum tempo, na sala de audiências, facto que é do conhecimento do funcionário Sr. G.. Tentei delinear com ele uma estratégia de defesa, mas em vão. Ele não me quis ouvir.
3 - A defensora recusou-se a interpor recurso, pelo seguinte: Quer os depoimentos das testemunhas de acusação, quer os fundamentos do acórdão, foram suficientemente convincentes, de modo a nada ter que alegar em sede de recurso. Apesar disso, o arguido veio, como se disse já, sete dias depois da leitura e depósito do acórdão, pedir a nomeação de um advogado para contestar a sentença...em virtude de a Sra. Dra. D. não querer recorrer e não só não teve a coragem suficiente para me defender. O tribunal pode sempre substituir o defensor nomeado e a requerimento do arguido, por causa justa (art.º 66°, n.º 3, do C.P. Penal). O tribunal entendeu substituir a defensora, certamente por entender que havia causa justa. Mal ou bem, não há que o criticar. Só que, mesmo entendendo haver tal justa causa de substituição, nos termos do n.º 4, do mesmo artigo 66°, enguanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo. Não vemos, assim, porque se há-de contar o prazo de recurso só a partir da nomeação do novo defensor. E foi a única razão invocada para se considerar em tempo a interposição do recurso e, consequentemente, para o admitir. Duas situações há que poderiam, no caso, justificar o alargamento do prazo:
- Uma, por interrupção, nos termos do art.º 67° do C. P. Penal.
- Outra, a que resulta do disposto no art.º 107°, n.º 2, do C. P. Penal, segundo o qual: os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais, a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento. Mas quanto à primeira, não se verifica qualquer das situações a que alude o n.º
1 do referido artigo 67º, nem foram invocadas. Quanto à segunda, mesmo que o tribunal entendesse haver justo impedimento (e não o haveria - mesmo havendo justa causa para a substituição - uma vez que a defensora substituída continuava em plena capacidade de exercício das suas funções) nem ele foi invocado nem sequer requerido, nem tão pouco nele se fundamentou a admissão do recurso. Que o recurso é um direito constitucionalmente assegurado, ninguém contesta. Só que uma coisa é o direito de recorrer (que não foi, nem é, negado nem impedido) outra é o poder recorrer para além do prazo legalmente estabelecido. Isto é, além de não haver, nem ser referido, qualquer fundamento legal para se considerar o alargamento do prazo, não há qualquer despacho que, tendo de se considerar transitado, pudesse justificar tal alargamento e, consequentemente, a admissão do recurso fora do prazo. E tal admissão, nos termos do art.º 414°, n.º 3, do C. P. Penal, não vincula este tribunal. Tudo isto independentemente de qualquer eventual falta de diligência no exercício das funções da defensora nomeada.
Em consequência, o recurso foi rejeitado.
2. A interpôs recurso de constitucionalidade, nos seguintes termos:
Não se conformando com a decisão de rejeição do recurso vertida no douto Acórdão proferido em 08/01/2003, dele pretende interpor RECURSO para o Venerando TRIBUNAL CONSTITUCIONAL. Em cumprimento do disposto nos n° 1 e 2 do artigo 75°-A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional o recorrente indica que:
1. O presente Recurso é facultado pelo disposto na alínea b) do n° 1 do artigo
70° da citada Lei;
2. A norma cuja interpretação em conformidade com a Constituição se pretende, no caso concreto, seja apreciada e na qual se estribou o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é o n° 4 do artigo 66° do Código de Processo Penal pois, Na particularidade em questão, após condenação por decisão em primeira instância, do Tribunal Colectivo de Tondela, dela pretendendo recorrer para o Tribunal da Relação de Coimbra, veio o arguido ora recorrente, sete dias após o depósito do Acórdão na Secretaria, dar a conhecer aquele sua vontade (de recorrer) aos autos e invocar que a defensora oficiosa que o patrocinava se recusava a recorrer, solicitando a substituição da defensora. Ouvida a ilustre defensora corroborou o alegado, chegando ao ponto de justificar porque razão se recusara a recorrer, em conformidade com o que se transcreveu no Acórdão recorrido. Em consequência, foi a então ilustre defensora substituída por justa causa, como também refere o douto Acórdão da Relação de Coimbra. Nomeada a signatária como defensora do arguido, teve o cuidado de utilizar somente o restante prazo para interpor o recurso, isto é, contou o prazo que decorrera entre o depósito do Acórdão na Secretaria e o requerimento do arguido, e só utilizou os dias que faltavam para perfazer o prazo de 15 dias da interposição de recurso. O Tribunal a quo (primeira instância) recebeu o recurso conforme douto despacho de fls. 437, entendendo até que, no caso concreto, se deveria contar o prazo de recurso a partir da notificação da defensora oficiosa (signatária), pois só assim se salvaguardaria o direito de recorrer do arguido que merece protecção constitucional (artigo 32° n° 1 da C.R.P.). O recurso à data interposto foi-o para o Supremo Tribunal de Justiça, mas por questões de forma invocadas pelo Exmo. Senhor Procurador, acabou por se entender que era competente para dele conhecer o Tribunal da Relação de Coimbra - ainda que tal decisão merecesse voto de vencido do Mui Ilustre Senhor Juiz Conselheiro Carmona da Mota. No Tribunal da Relação o recurso foi rejeitado porque, em síntese, se interpretou o disposto no artigo 66° n° 4 do C.P .P . no sentido de que:
“(...) mesmo entendendo haver justa causa de substituição, nos termos do n° 4 do artigo 66°, enguanto não for substituído, o defensor nomeado para um acto mantém-se para os actos subsequentes do processo”. Não se conforma o recorrente com este entendimento, uma vez que aquela interpretação olvida, por um lado, que o recurso em processo penal tem de ser motivado, o que por si só impõe que seja redigido por defensor ou mandatário, obstaculando à sua interposição a recusa da defensora, pessoa não livremente escolhida pelo arguido e cuja relação de patrocínio perpassa sempre para efeitos de nomeação ou de substituição pelas entidades reguladoras do Apoio Judiciário; e por outro lado, olvida também as garantias de defesa em processo crime plasmadas no artigo 32° n° 1 da Constituição e o princípio constitucional do acesso ao direito e aos Tribunais informador dessa norma, vertido no artigo 20° da C.R.P., “no postulado da defesa sem lacunas e do exercício efectivo desse direito” (de defesa) no âmbito do apoio judiciário. O arguido por si só não podia nem sabia recorrer e até lhe ser nomeado novo defensor estava desamparado e sem defesa efectiva.
3. A norma constitucional que o recorrente entende ter sido violada é a do n° 1 do artigo 32° da Constituição da República Portuguesa, bem como o citado princípio de acesso ao direito e aos Tribunais.
4. A questão da inconstitucionalidade foi suscitada perante o Tribunal da Relação de Coimbra na peça processual da Resposta oferecida em cumprimento do n°
2 do artigo 417° do Código de Processo Penal, onde se invocou expressamente (nº
11) que haveria de conjugar-se o n° 4 do artigo 66° do C.P.P. com outras disposições legais, incluindo as constitucionais, quer por interrupção do prazo, quer por quebra da relação de confiança entre o arguido e a defensora, quer porque o recurso é motivado, e que o não recebimento constituiria violação da norma constitucional que consagra se assegurem todas as garantias de defesa em processo criminal (nº 1 do artigo 32° da Constituição).
O recurso não foi admitido, por despacho de 29 de Janeiro de 2003, em virtude de não ter sido suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa (cf. fls. 534).
3. A reclama agora da decisão de não admissão do recurso de constitucionalidade, ao abrigo dos artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
Vem RECLAMAR PARA A CONFERÊNCIA, ao abrigo do disposto no n° 4 do artigo 76° da Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, do douto Despacho do Exmo. Senhor Dr. Juiz Desembargador Relator que não admitiu o recurso, nos termos seguintes: Funda-se a não admissão do recurso na não verificação do “pressuposto previsto na al. b), do n° 1, do artigo 70°, da Lei 28/82” - ou seja, “Que aplique norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”. Acredita piamente o recorrente no respeito e aplicação dos mais basilares princípios que inspiram o estado de direito dentro de fronteiras, nomeadamente, do direito de defesa de qualquer arguido em processo penal.
É em busca da aplicação dessa garantia constitucional que não se tem quedado em encruzilhadas. Permitimo-nos maçar V.V. Exas. citando Franz Kafka:
“Continuou, pois: Mas como era longo o caminho! A estrada, a principal da terra, não chegava até ao monte do Castelo, ia só até perto dele; depois, como de propósito, fazia uma curva e, embora não se afastasse do Castelo, a verdade é que também não se aproximava dele. K. esperava a todo o momento e instante que a estrada se resolvesse, finalmente, a tomar a direcção do Castelo, e, se teimava em continuar, era só por essa esperança; hesitava em abandonar a estrada, certamente por causa do grande cansaço que sentia, e admirava-se de como era comprida a aldeia, parecia não ter fim, e sempre aquelas casitas e vidraças regeladas, e neve, e uma total ausência de seres humanos - até que se arrancou
àquela estrada que o prendia e meteu por uma ruela estreita, e outra vez neve, mais funda agora, os pés atolavam-se, para os erguer era preciso um esforço enorme, sentia o suor rebentar-lhe por todos os poros, de repente parou, não podia mais. Vá lá, não estava abandonado de todo, havia casas à direita e à esquerda. Fez uma bola de neve e arremessou-a contra uma janela. Logo a porta se abriu - a primeira que ele via abrir-se desde a aldeia – e um velho aldeão apareceu à soleira, de peliça castanha, cabeça inclinada para o lado, fraco e de expressão amável.
- Deixais-me entrar por uns momentos? - perguntou K. - Estou muito fatigado. - Nem ouviu o que o velho lhe disse, aceitou agradecido uma tábua que lhe empurraram e logo o salvou da neve, e em meia dúzia de passos estava na sala principal da casa.”(“O Castelo”).
É nesta “sala” que o recorrente pretende entrar, por estar ciente que os direitos que pretende ver garantidos têm efectivamente protecção constitucional; e os caminhos e atalhos que temos tomado cumpriram os ritos processuais de admissibilidade de um recurso deste jaez. Com efeito,
1. Entendemos ser jurisprudência Constitucional assente, que só se considera suscitada durante o processo a inconstitucionalidade de uma norma quando esta é levantada em tempo de o Tribunal a poder decidir em termos de ficar a saber que tem essa questão para resolver, ou seja, antes da decisão final.
2. Na verdade, foi inovador o Acórdão n° 15/95 do T.C., onde quanto a esta questão se decidiu que “a locução “durante o processo” exprime precisamente o desiderato da suscitação na pendência da causa da questão da constitucionalidade, em termos de a mesma questão ser tida em conta pelo tribunal que decide. Esta ideia é, afinal, corolário da natureza e do sentido da fiscalização concreta da constitucionalidade das normas e, em especial, do recurso da parte que dela participa. Aí a questão da constitucionalidade é uma questão incidental, em estreita relação com o feito submetido a julgamento, só podendo incidir sobre normas relevantes para o caso. O interesse processual na validação da norma (G. Canotilho e V. Moreira) só faz sentido e se concretiza na medida em que a parte confronta, em tempo, o tribunal que decide a causa com a controversa validade constitucional das normas que aí são convocáveis.”
3. No presente recurso para este Alto Tribunal, teve o recorrente o cuidado de cumprir os ritos legais e indicar (por comando do n° 2 do artigo 75° A da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional) sob o n° 4 do requerimento de interposição do recurso que “A questão da inconstitucionalidade foi suscitada perante o Tribunal da Relação de Coimbra na peça processual da Resposta oferecida em cumprimento do n° 2 do artigo 417° do Código de Processo Penal, onde se invocou expressamente (nº 11) que haveria de conjugar-se o n° 4 do artigo 66° do C.P.P. com outras disposições legais, incluindo as constitucionais, quer por interrupção do prazo, quer por quebra da relação de confiança entre o arguido e a defensora, quer porque o recurso é motivado, e que o não recebimento constituiria violação da norma constitucional que consagra se assegurem todas as garantias de defesa em processo criminal (nº 1 do artigo 32° da Constituição)” (os realces foram agora introduzidos).
4. A não admissão do recurso é sustentada por:
“Salvo o devido respeito não é isso que consta do referido n° 11, onde se refere apenas: “Mas haverá de conjugar-se o disposto neste último preceito com as disposições legais, incluindo as constitucionais”.”
5. Só que, é bom de ver, lendo a peça processual em referência, (resposta ao abrigo do n° 2 do artigo 417° do C. P. P.) que o recorrente invocou expressamente perante o Tribunal da Relação de Coimbra que:
“10. Bem como da disposição do nº 4 do artigo 66° do C.P.P.;
11. Mas haverá que conjugar-se o disposto neste último preceito com outras disposições legais, incluindo as constitucionais.
12. E o artigo 67° do C.P.P. prevê que se interrompa e mesmo se adie a realização de um acto por falta de defensor se a assistência ao arguido for necessária.
13. A Lei 30-E/2000 de 20 de Dezembro também prevê nas disposições especiais sobre processo penal, que se estiver em causa no pedido de escusa a salvaguarda do segredo profissional (artigo 45° n° 3) se aplique o disposto no artigo 35° - ou seja que se interrompa o prazo que estiver em curso.
14. No caso concreto o arguido não podia pelos seus próprios meios interromper o recurso.
15. Carecia de pessoa habilitada para o representar.
16. Prejudicada que estava a relação de confiança entre o recorrente e a anterior defensora, chegando mesmo o arguido a invocar a sua recusa na interposição do recurso, só após a substituição de defensor seria possível a interposição do recurso, especialmente porque a lei impõe seia acompanhado de motivacão.
17. Não se admitindo o presente recurso viola-se a disposição constitucional que consagra se assegurem todas as garantias de defesa em processo criminal (n° 1 do artigo 32° da Constituição), (as partes sublinhadas foram-no agora).”
6. Quando - no requerimento de interposição de recurso – se fez referência ao n°
11 da aludida Resposta utilizou-se a figura de pontuação de parêntesis - (nº 11)
- a seguir à expressão: “onde se invocou expressamente” e, após se ter transcrito o ali referido (que haveria de conjugar-se o n° 4 do artigo 66° do C.P.P. com outras disposições legais, incluindo as constitucionais); referiu-se, após a competente vírgula:
“quer por interrupção do prazo; quer por quebra de confiança entre o arguido e a defensora, quer porque o recurso é motivado, e que o não recebimento do recurso constituiria violação de norma constitucional que consagra se assegurem todas as garantias de defesa em processo criminal (nO 1 do artigo 32° da Constituição)”.
7 . E a verdade é que todos estes fundamentos estão plasmados nos números 12,
13, 14, 15, 16 e 17 da dita peça da Resposta (nº 2 do artigo 417° do C.P .P .).
8. O preciosismo de se ter pretendido olvidar que o recorrente invocara perante o Tribunal da Relação de Coimbra nos artigos subsequentes àquele n° 11 tudo o mais que se verteu no nº 4 do Requerimento de Recurso para este Alto Tribunal não colhe, pois, como fundamento da não admissão do recurso.
9. Isto porque, tudo o que se alegou no n° 4 do Requerimento de Recurso foi efectivamente levado ao conhecimento do Tribunal antes de ser proferida a decisão, isto é, o recorrente “concretizou” e confrontou, “em tempo”, o Tribunal da Relação de Coimbra “com a controversa validade constitucional da norma”, a saber, a interpretação do n° 4 do artigo 66° do C.P.P. em conformidade com a norma constitucional, socorrendo-se até de outros preceitos legais que prescrevem uma interrupção do prazo.
10. Mas mais, o próprio Tribunal de 1ª Instância admitira o recurso com fundamento no n° 1 do artigo 32° da Constituição, pelo que no pretérito a questão também já tinha sido levantada.
11. E, repete-se, o arguido recorrente suscitou-a, de forma clara. precisa, ainda que em termos incidentais, como aliás se aduz no citado Acórdão n° 15/95.
12. No n° 25 da dita Resposta escreveu-se:
“Razão pela qual” (o recorrente estava desamparado e sem defesa como se lê no n° antecedente) “em obediência ao citado preceito constitucional haveria de se lhe garantir essa defesa que faltava.”
13. Terminando-se no petitório da mesma Resposta como segue:
“(...) deve admitir-se o presente recurso sob pena de inconstitucionalidade por violação do n° 1 do artigo 32° da C.R.P. (...).”
14. Pelas razões expostas não podemos concordar com os fundamentos aduzidos para a não admissão do recurso.
15. Por outro lado, entendemos candente o assunto, uma vez que se vislumbram a curto prazo alterações significativas no regime do apoio judiciário e outras pontuais no do processualismo penal, e o caso em análise é paradigmático de um formal direito à defesa em processo penal, sem correlativo efectivo.
16. Ou seja, na interpretação objecto do recurso o defensor em processo penal
(nº 4 do artigo 66° do C.P.P.) mantém-se enquanto não for substituído, e continua a manter-se ainda que dentro do prazo para recorrer o arguido requeira a sua substituição com justa causa e informe no processo que quer recorrer mas o defensor se recusa a interpor o recurso.
17. Discordamos, pois, com esta visão formalista e entendemos que a mesma colide frontalmente com as garantias constitucionais, porque só após a nomeação de novo defensor é que o arguido tem defesa e condições para recorrer.
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da reclamação.
Cumpre apreciar e decidir.
4. O reclamante pretende ver admitido um recurso de constitucionalidade que, de acordo com o que é indicado no respectivo requerimento de interposição, tem por objecto uma dada dimensão normativa do artigo 66º, nº 4, do Código de Processo Penal. A questão de constitucionalidade em causa relaciona-se com a contagem do prazo a que se refere o artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, mais precisamente com o termo a quo desse prazo, devido ao facto de a defensora nomeada que assistiu o arguido no julgamento não ter querido interpor recurso da decisão condenatória (facto devidamente comprovado nos autos e assumido pela decisão que foi impugnada através do recurso de constitucionalidade interposto e não admitido). O despacho reclamado considerou que não foi suscitada qualquer questão de constitucionalidade normativa. Ora, é manifesto que o reclamante, no recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, pretendeu impugnar a decisão de não admissão do recurso da decisão condenatória, não admissão que se fundou na respectiva intempestividade. Na resposta ao parecer do Ministério Público, o reclamante, mencionando os preceitos invocados pelo Ministério Público, nomeadamente o artigo 66º, nº 4, do Código de Processo Penal, desenvolveu uma argumentação fundada na não assistência, em concreto (e, como se referiu, assumida nos autos) de defensor tendente a demonstrar que a não admissão do recurso, por o respectivo prazo ter sido contado do depósito da sentença na Secretaria, viola as garantias de defesa, consagradas no artigo 32º da Constituição. A argumentação desenvolvida dirige-se, inquestionavelmente, aos fundamentos da decisão de não admissão do recurso. A articulação ensaiada pelo reclamante na resposta ao parecer do Ministério Público entre o artigo 66º, nº 4, do Código de Processo Penal e o artigo 32º da Constituição permite a identificação de uma questão de constitucionalidade normativa, que tem por objecto a norma segundo a qual o prazo de interposição do recurso se conta da data do depósito da sentença na Secretaria, mesmo no caso de recusa de interposição do recurso por parte do defensor nomeado (cuja substituição foi requerida). Tal dimensão normativa resulta da interpretação do artigo 66º, nº 4, do Código de Processo Penal (dado tal preceito ter integrado, no contexto da decisão recorrida, o fundamento da contagem do prazo da data do depósito da sentença) e do artigo 411º, nº 1, do Código de Processo Penal, não expressamente invocado, mas necessária e logicamente implicado na questão suscitada. Assim, da resposta do reclamante, proferido ao abrigo do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, constam os elementos suficientes para a identificação de uma questão de constitucionalidade: é mencionado o preceito infraconstitucional e o critério normativo dele resultante aplicado no caso que se pretende impugnar; é indicado o princípio constitucional violado; e, por
último, é apresentada uma fundamentação, ainda que sucinta, do vício de inconstitucionalidade. Poder-se-á afirmar que o reclamante não foi absolutamente claro; já não poderá, porém, sustentar-se que não foi, de modo algum, delineada, nos seus traços essenciais, uma questão de constitucionalidade normativa. Procede, pois, a presente reclamação.
5. Em face do exposto, defere-se a presente reclamação, revogando-se o despacho reclamado.
Lisboa, 29 de Abril de 2003 Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Rui Manuel Moura Ramos