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Proc. nº 817/2003
2ª Secção
Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de reclamação, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como reclamantes A. e outros e como reclamados B. e outros, foi interposto recurso de constitucionalidade do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:
Herança Aberta por óbito de C., Recorrente nos autos do processo à margem referenciados, por impulso processual dos seus Herdeiros, nomeadamente A. e D., vêm requerer a VExas mui respeitosamente, Recurso para o Tribunal Constitucional do Douto Acórdão que julgou improcedente o Recurso, ao abrigo do disposto nos Arts 70, nº 1, alínea b) e Artº 75-A da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos e com os seguintes fundamentos:
A) Questão Prévia
1º
Ao abrigo do disposto no Artº 70, nº 1, Cabe recurso para o Tribunal Constitucional, em secção, das decisões dos tribunais”,
alínea b) “Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo”.
2°
Ao abrigo do disposto no Artº 686º, nº 1 do Cód. Processo Civil “Se algumas das partes requer a rectificação, aclaração ou a reforma da Sentença, nos termos do Artº 667° e do Artº 669, nº 1, o prazo do recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre este requerimento”,
3°
Foi precisamente na Peça-Processual de Pedido de Aclaração e Reforma que os recorrentes colocaram a questão da inconstitucionalidade,
4°
O proprietário do secador, responsável pela operação de secagem, que invoca 30% de quebra do arroz, não fez registos e nem cálculos à humidade, Trincas, e impurezas, alegando que não era habitual, porém entendem os recorrentes, se a Máquina de secagem não os registava, tinha que os registar e calcular manualmente, quando é ele próprio que alega essa quebra, quando a sua realização se impunha legalmente, em face da legislação que determinava que as quebras na pesagem do arroz só podiam ser feitas se tivessem mais de 14,5% de Humidade (Vide, Portaria n° 906/90 de 26 de Setembro dos Ministérios da Agricultura Pescas e Alimentação e do Comércio e Turismo), salvo erro de interpretação. Será comportamento culposo do executado, quando invoca que o arroz quebrou 30%, já que sendo proprietário do Secador era imposto legalmente calcular a percentagem de Humidade, e só ao arroz com mais de 14,5% de Humidade podia quebrar no seu peso, quer através de talões da máquina ou manualmente, porque esses dados era mostrados no secador, então devemos sancionar o proprietário do secador que tinha obrigação de efectuar e apresentar o resultados das análises dos elementos que ele próprio invocou como causa de quebra do arroz.
5°
Esta obrigação legal de efectuar cálculos de Humidade, impurezas e Trincas, retira fundamento ao argumento, de que não era habitual à máquina de secagem fornecer qualquer talão de controlo devendo ser entendido que competia ao Executado registar, nem que fosse manualmente, os dados e calcular (uma coisa é registar, outra é calcular), competia ao Exequente alegar, como efectivamente alegou, a exigência legal de o Executado ter feito esses cálculos segundo a portaria já referida, se essa humidade fosse superior 14,5% (Arts 13º a 18° do Req. Inicial da Execução).
B) Fundamento do Recurso
6°
A) Submete-se à Douta Apreciação do Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade do Artº 344, nº 2 do Cód. Civil, na interpretação e aplicação que foi dada pelo Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, devendo impor o ónus de provar (os Quesitos 1° a 3° da Base instrutória, Execução para liquidação, no sentido de se apurar se o arroz tinha uma percentagem de Humidade superior a 14,5% e de impurezas 5%, e pesagem final do arroz) ao Executado, Representantes da Herança aberta por seu óbito, ora recorridos, por se entender, com todo o respeito pelas opiniões divergentes, que incumbia ao proprietário do secador, responsável da secagem efectuar as análises necessárias ao arroz antes da secagem para determinar a quebra e apresentar a percentagem de Humidade, Trinca e impurezas, e ao não as realizar e apresentar, com esse comportamento, impediu o esclarecimento dos factos, impossibilidade gerada, colocando o Exequente (Representantes da Herança aberta por seu óbito) em manifesta desigualdade na possibilidade de aceder à informação necessária, já que só o proprietário do secador teve acesso à mesma para apuramento do mérito da causa, mostrando-se violado o princípio constitucional da igualdade, consagrado no Artº 13º, n° 1 da Constituição da República Portuguesa, com todo o respeito e salvo erro de entendimento.
B) Não se liquidou no processo a efectiva Percentagem de Humidade, Impurezas e Trincas e o peso efectivo do Arroz após a secagem, conforme se tinha relegado para Execução de Sentença, por Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, ou seja não se determinou no processo de liquidação a percentagem de quebra do arroz, após a operação de secagem do arroz e o seu peso final, pois nem sequer o Ilustre Tribunal de 1ª instância, pode fazer uso do Artº 807, n° 3 do Cód. Processo Civil, devido à inexistência dos referidos documentos de registo, mostrando-se violado o princípio Constitucional da Função Jurisdicional, consagrado no Artº 202º, n° 2 da Constituição da República Portuguesa, com todo o respeito e salvo erro de entendimento.
C) Ou seja os recorrentes consideram, salvo erro de entendimento, que a não inversão do ónus da prova no caso concreto, permitiu que não se apurasse de facto a quebra que o arroz teve em termos de peso, para o qual o Tribunal da Relação de Évora tinha relegado para Liquidação em Execução de Sentença, assim violando-se os preceitos Constitucionais já referidos, com todo o respeito, pelas opiniões divergentes.
O recurso de constitucionalidade não foi admitido, por despacho de 30 de Setembro de 2003 (fls. 208), uma vez que a questão de constitucionalidade não foi suscitada durante o processo.
2. Do despacho de não admissão do recurso de constitucionalidade foi deduzida reclamação, ao abrigo dos artigos 76º e 77º da Lei do Tribunal Constitucional, nas seguintes alíneas:
Herança aberta por óbito de C., Recorrente nos autos do processo à margem referenciados, por impulso processual dos seus Herdeiros, no meadamente A. e D., (C/Apoio Judiciário, Artº 85° da Lei do Tribunal Constitucional),
Vêm requerer a V.Exas Reclamação do Douto despacho que indeferiu o requerimento de Interposição do Recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no Artº 76, n° 4 da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos e com os seguintes fundamentos:
Exmos Senhores Doutores Juízes Conselheiros
do Tribunal Constitucional
A) Questão Prévia
1°
Ao abrigo do disposto no Artº 70, na 1, alínea a) da Lei do Tribunal Constitucional “Que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada no processo”
2°
Ao abrigo do disposto no Artº 72, nº 2 da Lei do Tribunal Constitucional “Os recursos previstos nas alíneas b) e j) do nº 1 do Artº 70º, só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade ou da ilegalidade de modo processualmente adequado perante o Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer”,
3°
Ao abrigo do disposto no Artº 686, nº 1 do Cód. Processo Civil “Se algumas das partes requerer a rectificação, aclaração ou a reforma da Sentença, nos termos do Artº 667° e do Artº 669, nº 1, o prazo do recurso só começa a correr depois de notificada a decisão proferida sobre este requerimento.
4°
No requerimento de Aclaração e Reforma os Recorrentes suscitaram a reforma do Douto Acórdão, por inesperada Decisão do STJ de Julgarem improcedente o Recurso de Revista, decisão que não estava previsão dos recorrentes, com todo o respeito, em face dos fundamentos invocados, daí se ter deduzido o fundamento da Inconstitucionalidade no requerimento de reforma do Próprio Acórdão do STJ, no entendimento dos recorrentes, meio adequado para se conhecer de Inconstitucionalidades.
B) Fundamentos
5°
Quanto aos documentos fornecidos pela máquina de secagem, qualquer proprietário de um secador tem a obrigação de fazer esses cálculos, é da responsabilidade do mesmo, não necessita de ser alegado que a máquina os produza porque decorre de obrigação legal do proprietário. E o exequente no seu Reqt. Inicial de liquidação suscita precisamente a necessidade e obrigatoriedade do proprietário do secador de ter esse meio de cálculo, senão como sabia a humidade a que o arroz poderia ser sujeito a secagem e a sua quebra, salvo erro de entendimento.
6°
O Executado na Contestação na Acção Declarativa alegou a quebra do arroz com a operação da secagem, devido à existência de percentagem de humidade, impurezas, trinca, as quais foram eliminadas nas operações de limpeza efectuadas pela própria máquina de secagem, alegando quebra de 30%, mas não alegou que efectuou as análises exigíveis à humidade e não referindo que não tinha condições técnicas para o fazer, na contestação à Liquidação o Executado refere que apresentou todos os documentos de carga e pesagem, à entrada da fábrica, ao Exequente, e que depois os destruiu, continuando a não se referir especificamente que tinha ou não efectuado cálculos à percentagem à humidade, trincas e impurezas, salvo erro de interpretação.
7°
No Reqt. Inicial da Liquidação, o exequente alega que o Executado não efectuou essas análises ou cálculos derivado ao facto de não as ter apresentado nos autos, porque entendeu se o proprietário do secador é responsável pela secagem, deveria os apresentar, se a máquina não podia registar em Talões, tinha que os registar e controlar manualmente, para aferir das percentagens, para controlar a secagem, porque só apresentando a percentagem de humidade se pode saber a quebra em peso, assim o Exequente requereu que o Executado apresentasse documentos referentes, pois até a essa fase processual o Executado não se tinha referido se tinha feito esses registos ou não, se a máquina extraía talões com esses registos ou não, salvo erro de interpretação.
8°
Apenas nas Contra-Alegações do Recurso o Executado refere que os documentos de registo, nunca existiram, por que não era habitual fazê-los por que não interessava ao proprietário, tendo os Herdeiros do Executado, esclarecido então nas contra-alegações do Recurso de Revista a distinção entre dois tipos de documentos, uns não que existiram o dos cálculos da humidade, trincas e impurezas, cuja a sua não apresentação se deveu exclusivamente à falta de registos que não são habituais se fazer e outros, os talões da pesagem que existiram mas foram destruídos.
9°
O proprietário do secador, responsável pela operação de secagem, que invoca 30% de quebra do arroz, não faz registos e nem cálculos à humidade, Trincas, e impurezas, alegando que não era habitual, e se a Máquina de secagem não os registava, tinha que os registar e calcular manualmente, quando é ele próprio que alega essa quebra, quando a sua realização se impunha legalmente, em face da legislação que determinava que as quebras na pesagem no arroz só podiam ser feitas se tivessem mais de 14,5% de Humidade. (Vide, Portaria n° 906/90 de 26 de Setembro dos Ministérios da Agricultura Pescas e Alimentação e do Comercio e Turismo), salvo erro de interpretação.
10°
Em face da improcedência do Recurso de Revista, os Recorrentes submeteram à Douta Apreciação do Supremo Tribunal de Justiça, a Reforma do Douto Acórdão e fundamenta o Recurso para o Tribunal Constitucional:
A) A Inconstitucionalidade do Artº 344, nº 2 do Cód. Civil, na interpretação e aplicação que foi dada pelo Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, devendo impor o ónus de provar (os Quesitos 1° a 3° da Base instrutória, Execução para liquidação, no sentido de se apurar se o arroz tinha uma percentagem de Humidade superior a 14,5% e de impurezas 5%, e pesagem final do arroz) ao Executado, Representantes da Herança aberta por seu óbito, ora recorridos, por se entender, com todo o respeito pelas opiniões divergentes, que incumbia ao proprietário do secador, responsável da secagem efectuar as análises necessárias ao arroz antes da secagem para determinar a quebra e apresentar a percentagem de Humidade, Trinca e impurezas, ao não as realizar e apresentar, com esse comportamento culposo, impediu o esclarecimento dos factos, impossibilidade gerada, colocando o Exequente (Representantes da Herança aberta por seu óbito) em manifesta desigualdade na possibilidade de aceder à informação necessária, já que só o proprietário do secador teve acesso à mesma para apuramento do mérito da causa, mostrando-se violado o princípio Constitucional da Igualdade, consagrado no Artº 13, nº 1 da Constituição da República Portuguesa, com todo o respeito e salvo erro de entendimento.
B) Não se Liquidou no processo a efectiva Percentagem de Humidade, Impurezas e Trincas e o peso efectivo do Arroz após a secagem, conforme se tinha relegado para Execução de Sentença, por Douto Acórdão, pois nem sequer o Ilustre Tribunal de 1ª instância, pode fazer uso do Artº 807, nº 3 do Cód. Processo Civil, devido à inexistência dos referidos documentos de registo, mostrando-se violado o princípio Constitucional da Função Jurisdicional, consagrado no Artº 202, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, com todo o respeito e salvo erro de entendimento.
11°
Os Recorrentes, entendem, salvo erro de entendimento, com todo o respeito pelas opiniões divergentes, que o Pedido de reforma é meio processualmente adequado perante o Supremo Tribunal de Justiça, Venerando Tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, e,
- Invocando a portaria n° 906/90 de 26 de Setembro, que impunha ao Proprietário e responsável pela Secagem a realização dos cálculos às humidades e outros, determinando que as quebras na pesagem do arroz só podiam ser feitas se tivessem mais de 14%,5 de Humidade e tendo em consideração que o Acórdão da Relação de Évora tinha remetido para liquidação em Execução de Sentença a determinação da quantidade de peso do arroz após a secagem, perante o entendimento do Douto Acórdão que decidiu o Recurso de Revista e que o confirmou no Douto Acórdão de Aclaração e Reforma, não atendendo aos respectivos argumentos, fundamentou o Recurso para o Tribunal Constitucional.
12°
Os Recorrentes alegaram as Inconstitucionalidades no Pedido de Reforma do Douto Acórdão do Recurso de Revista, por não esperarem que o Supremo Tribunal de Justiça não atendesse aos seus argumentos, entendendo que a improcedência desse recurso fundamentou os pedidos de Inconstitucionalidade, com todo o respeito e salvo melhor entendimento.
Nestes termos e nos demais de Direito, requere-se a V.Exas mui respeitosamente, Doutamente e Atentamente, que admitem a presente Reclamação, revogando o Douto despacho de Indeferimento do Recurso para o Tribunal Constitucional, devendo o Recurso para o Tribunal Constitucional ser admitido com todo o respeito e salvo melhor entendimento.
A reclamação deverá ser autuada por apenso, indicando as seguintes peças de que pretende certidão - Peça-Processual de Alegações dos Recorrentes e dos Recorridos do Recurso de Revista, Douto Acórdão que julgou improcedente o Recurso de Revista, Requerimento dos Recorrentes no qual pedem a Aclaração e Reforma do Douto Acórdão; Douto Acórdão que decidiu o pedido de Aclaração e Reforma e Requerimento de Interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional. (Ao abrigo do disposto no Artº 688º, nº 2 do Cód. Processo Civil, aplicável ao abrigo do disposto no Artº 69 da Lei do Tribunal Constitucional).
O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação (fls. 56, verso).
Cumpre apreciar.
3. Sendo o recurso que os reclamantes pretendem ver admitido interposto ao abrigo dos artigos 280º, nº 1, alínea b), da Constituição e 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, é necessário, para que o mesmo possa ser admitido, que a questão de constitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
O Tribunal Constitucional tem entendido este requisito num sentido funcional. De acordo com tal entendimento, uma questão de constitucionalidade normativa só se pode considerar suscitada de modo processualmente adequado quando o recorrente identifica a norma que considera inconstitucional, indica o princípio ou a norma constitucional que considera violados e apresenta uma fundamentação, ainda que sucinta, da inconstitucionalidade arguida. Não se considera assim suscitada uma questão de constitucionalidade normativa quando o recorrente se limita a afirmar, em abstracto, que uma dada interpretação é inconstitucional, sem indicar a norma que enferma desse vício, ou quando imputa a inconstitucionalidade a uma decisão ou a um acto administrativo.
Por outro lado, o Tribunal Constitucional tem igualmente entendido que a questão de constitucionalidade tem de ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela. Não se considera assim suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade normativa invocada somente no requerimento de aclaração, na arguição de nulidade ou no requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade (cf., entre muitos outros, o Acórdão nº 155/95, D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995).
Nos presentes autos é manifesto que os reclamantes não suscitaram, durante o processo, qualquer questão de constitucionalidade normativa.
Com efeito, e como reconhecem, apenas no pedido de aclaração de fls. 174 e ss. (em especial, fls. 180), invocam preceitos constitucionais, para impugnar a própria decisão aclaranda e não uma norma. Tal suscitação, para além de não consubstanciar a delimitação de uma questão de constitucionalidade normativa, sempre seria intempestiva, como se referiu supra.
Por outro lado, não foi proferida qualquer decisão objectivamente imprevisível ou inesperada.
Assim, o recurso de constitucionalidade não podia ser admitido, por não ter sido suscitada durante o processo qualquer questão de constitucionalidade normativa, pelo que a presente reclamação se afigura improcedente.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação.
Custas pelos reclamantes, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs.
Lisboa, 7 de Janeiro de 2004
Maria Fernanda Palma
Benjamim Rodrigues
Rui Manuel Moura Ramos