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Processo n.º 640/03
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, vem reclamar, por nulidade, do Acórdão n.º
54/2004, tirado em 20 de Janeiro de 2004 na 2ª Secção do Tribunal Constitucional, que decidiu “não julgar inconstitucional a norma do artigo 105º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias”, e, consequentemente, “negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita”, bem como condenar o recorrente em custas. Na arguição de nulidade, o recorrente diz:
“1. O Representante do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu, a fls. dos autos, as suas alegações;
2. O ora recorrente não foi notificado da emissão nem do conteúdo dessas alegações, de que só tomou conhecimento agora, com a notificação do acórdão final;
3. Não teve, por isso, possibilidade de se pronunciar nem foi chamado a pronunciar-se, sobre o conteúdo das alegações a que se alude.
4. Violou-se, com tal procedimento, o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 32° da CRP e incorreu-se em nulidade.
5. Qualquer interpretação que permita o visto e emissão de alegações pelo Ministério Público sem conceder à recorrente o direito de sobre ele se pronunciar seguidamente está ferida de inconstitucionalidade material, por violação do disposto naqueles n.ºs 1 e 5 do art. 32° da CRP, na medida em que impede – como impediu – o Recorrente de exercer eventual contraditório.
6. A nulidade a que ora se alude contamina todo o processado, desde a sua comissão,
7. e é do conhecimento oficioso,
8. pelo que podia e devia ter sido conhecida no acórdão proferido.
9. Ao ignorá-la, o dito acórdão cometeu também a nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668° CPC, aplicável ao caso.
10. Pelo exposto, deve anular-se todo o processado a partir da emissão das alegações de fls., notificando-se o recorrente para se pronunciar sobre o mesmo e seguindo-se os termos posteriores.” Notificado da reclamação deduzida no processo, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio responder nos seguintes termos:
“1º A presente arguição de nulidade carece ostensivamente de fundamento sério.
2º Na verdade, é evidente que não viola os princípios do contraditório e das garantias de defesa a circunstância de o recorrido se pronunciar sobre as questões suscitadas pelo recorrente.
3º Não tendo naturalmente o recorrente qualquer direito a produzir uma réplica sobre a impugnação pelo recorrido das teses por ele deduzidas na alegação de recurso.
4º Confundindo o recorrente, de modo indesculpável, duas situações perfeitamente diversas: aquela em que o Ministério Público, como órgão de defesa da legalidade, apõe o seu ‘visto’ no processo, aduzindo eventualmente questões novas sobre a qual devem ser ouvidas as partes, e aquela em que o Ministério Público, como recorrido, se limita, ele próprio, a exercer estritamente o contraditório sobre as teses avançadas pelo recorrente na sua alegação.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
2. Como resulta da transcrição efectuada, a presente arguição de nulidade fundamenta-se na circunstância de o recorrente, e ora reclamante, não ter sido notificado para se pronunciar sobre as contra-alegações do Ministério Público, produzidas, em resposta às alegações do recorrente, no recurso que aquele intentara ao abrigo do artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo no Tribunal Constitucional. Segundo o reclamante, tal procedimento violaria “o disposto nos n.ºs 1 e 2 do art. 32º da CRP” e provocaria a “nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do art. 668º” do Código de Processo Civil. Esta alegação carece, porém, ostensivamente, de qualquer fundamento, uma vez que ao Ministério Público, como recorrido, assistia naturalmente o direito de exercer o contraditório em relação às teses, no sentido da inconstitucionalidade, que foram deduzidas nas alegações do recorrente, não resultando daqui qualquer direito do recorrente a produzir uma réplica sobre a mera impugnação dessas teses no sentido da inconstitucionalidade. Tal possibilidade de réplica apenas poderia impor-se, para evitar uma
“decisão-surpresa”, se nestas contra-alegações tivessem sido suscitadas questões novas que, por sua vez, tivessem servido de fundamento à decisão do Tribunal. O que, porém, manifestamente não foi o caso: não só as contra-alegações trataram apenas da questão de constitucionalidade suscitada pelo recorrente, como o acórdão reclamado se limitou também a decidir no sentido da inexistência de inconstitucionalidade remetendo para a fundamentação, que considerou que se mantinha aplicável, de anteriores arestos, já publicados, do Tribunal Constitucional, e em termos que não podiam deixar de se considerar previsíveis pelo recorrente. O procedimento seguido no presente recurso correspondeu, pois, simplesmente ao estrito exercício do contraditório, pelo recorrido, sobre as teses avançadas pelo recorrente na sua alegação, não incorrendo em qualquer inconstitucionalidade. Mesmo independentemente da questão de saber se o vício invocado, a existir, provocaria a nulidade da decisão, a presente reclamação tem, pois, de ser indeferida. III. Decisão Nestes termos, decide-se indeferir a arguição de nulidade do Acórdão n.º 54/2004 e condenar o reclamante em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 31 de Março de 2004
Paulo Mota Pinto Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos