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Procº nº 693/2002.
2ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 11 de Novembro de 2002 lavrou o relator a seguinte decisão:-
'1. Não se conformando com a sentença proferida em 22 de Outubro de
2001 pelo tribunal colectivo do Círculo Judicial de Oliveira de Azeméis que, pela autoria de factos que foram subsumidos ao cometimento de um crime de ofensa
à integridade física grave, qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 144º, alínea d), e 146º, ambos do Código Penal, e de um crime de homicídio na forma tentada, previsto e punível pelos artigos 22º e
132º, nº 2, alínea h) (correcção operada pelo acórdão lavrado no Supremo Tribunal de Justiça e a que adiante se fará alusão), do mesmo corpo de leis, o condenou na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, já com incidência do perdão de um ano de prisão, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça o arguido A
Na motivação adrede produzida, formulou o arguido» as seguintes
«conclusões:-
‘I. Verifica-se a violação do princípio’ in dubio pro reo’, por negação indevida do seu uso, que como tal constitui questão-de-direito, quando o Tribunal dá como provados factos alegados pela acusação e pela defesa, cada um dos quais conduzindo às suas respectivas teses, que são antagónicas, optando por dar por provado a tese da acusação em detrimento da tese da defesa, ainda para mais sendo esta a mais plausível, num juízo de normalidade, face àqueles mesmos factos.
- O supra referido princípio implicaria a opção pela tese do arguido, no aspecto particular para que os factos antagónicos apontam, bem como a correcta interpretação dos Art.s 13º e nº 1 do Art. 71º do C. Penal, 368º nº 2 e nº 1 do Art. 369º do C.P. Penal, os quais se mostram violados, e de cuja interpretação decorre ainda a violação da 1ª parte do nº 2 do Art. 32º da C.R.P., o nº 1 desta norma e ainda, os Art.s 1º, 13º nº 1 e 25º da mesma Lei Fundamental, razão pela qual o julgamento deve ser anulado, ordenando-se a sua repetição. II. Se, dos factos dados por provados na sentença, emerge a séria dúvida sobre os motivos porque o arguido terá agido e tendo o Tribunal optado por considerar que esses motivos foram os mais desfavoráveis para ele, em termos de culpa, com gravosos reflexos na medida da pena, a sentença tem de conter a explicação clara das razões da sua opção, sob pena de ser nula, nulidade esta só sanável mediante nova audiência.
- A falta de fundamentação, in casu, configura uma violação do nº 2 do Art. 374º e do nº 4 do Art. 97º, ambos do C.P[.]Penal, configurando uma inconstitucionalidade por inviabilização de uma garantia fundamental de defesa - a fundamentação - como tal consagrado na 1ª parte do nº 1 do Art. 32º da Constituição da República Portuguesa; a aludida violação configura a nulidade da al. a) do Art. 379º, nulidade esta, também in casu, insanável, já que, não contendo a sentença no seu todo qualquer outro facto que possa explicar a opção, só através de um novo exame e valoração da prova, necessariamente realizada em audiência atento, desde logo, o disposto no nº 1 do Art. 355º do C.P.Penal e o princípio do contraditório, ínsito na parte final do nº 5 do Art. 32º da C.R.P. III. Relevante, para a descoberta da verdade material e a boa decisão da causa,
é, não só a matéria constante do libelo acusatório, mas também a da contestação, quando apresentada, conforme resulta dos princípios da igualdade de armas e do contraditório, legal e constitucionalmente consagrados.
É pois ilegal, por violar a al. a) do nº 2 do Art. 2º da Lei nº 43/86 de 29/06 que consagra o princípio da parificação da acusação e de defesa em todos os actos do processo, ou o princípio de igualdade de armas, o nº 4 do Art.
97º, por deficiente fundamentação a sentença, ao não atender, nela, à perspectiva de defesa, sendo a interpretação assim feita do nº 1, al. d) do Art.
374º e do nº 2 da mesma norma do C.P.P. inconstitucional, por violação de uma garantia de defesa do arguido - nº 1 do Art. 32º das C.R.P. - e do princípio do contraditório - nº 5 do Art. 32º da C.R.P.. Além disso, mostram-se violadas as normas dos Art.s 71º, mormente no seu nº 2, nas alíneas d) e e) e Art. 72º, do C. Penal, e do nº 1 do Art. 369º e o nº 2, in fine, do Art. 371º, do C.P.Penal, normas estas que, por constituírem mais uma garantia de defesa do arguido, ao serem postergadas, inculcam também uma inconstitucionalidade por violação da 1ª parte do Art. 32º da C.R.P..
Estamos pois perante duas nulidades, as previstas nas alíneas a) e c) do nº 1 do Art. 379º do C.P.Penal, a implicarem a anulação do julgamento e da sentença, impondo o reenvio para novo julgamento. IV. Não é de imputar a intenção de matar, já por ineptidão do instrumento, já pela forma atabalhoada como é utilizado, a quem, em evidente dolo de ímpeto, com um canivete de 5,5 cm de lâmina, desfere vários golpes, à sorte, no tórax, no ombro, na região lombar e até no cotovelo a outr[e]m, fugindo depois para o posto da G.N.R., causando-lhe ferimentos que lhe provocaram treze dias de internamento e trinta e um dias de doença, findos os quais se considera completamente recuperado.
- Verifica-se, in casu, uma absurda integração dos factos, violando-se por isso os artigos 131º do Código Penal e as al.s a) e b) do nº 2 do Art. 368º do C.P. Penal. Em rigor, o crime cometido pelo arguido é, claramente, o do Art. 143º do Código Penal, já que nenhuma das circunstâncias qualificativas do Art. 144º do mesmo código se verificam. V. Um canivete de bolso com 5,5 cm de lâmina não pode ser considerado meio em si particularmente insidioso para efeito da qualificação prevista na al. h) do nº 2 do Art. 132º do Código Penal. E nem o marido, que se encontra a agredir a mulher com essa navalha e a vira contra o sogro que tenta socorrer a filha, passando-o a agredir com ela, revela a especial perfídia que caracteriza a agravante qualificativa, já que era perfeitamente previsível para o ofendido que tal acontecesse.
- Verifica-se um erro grosseiro na interpretação da al. h) do Art. 132º do Código Penal, já que se toma a excepção pela regra, quando se pretende imputar ao arguido, nos termos supra descritos, a prática de tal crime. A provar-se a intenção de matar, ela só poderia ser a do homicídio doloso, do Art. 131º do C. Penal. VI. Não preenche o tipo da alínea d) do Art. 144º do Código Penal o arguido que, com uma navalha, provoca ferida perfurante do tórax sem pneumotórax ou insuficiência respiratória e logo, que não ofende os pulmões, na sequência do que a ofendida esteve dois dias internada. Neste caso, o crime cometido é o do Art. 143º do Código Penal. O crime do Art. 144º do Código Penal, configura um delito qualificado pelo resultado, resultado este que se tem de verificar em concreto, nada tendo a ver ou a referir-se ao Art. 146º do mesmo Código.
- Verifica-se um erro grosseiro na interpretação da al. d) do Art. 144º do Código Penal, impondo a correcta interpretação deste artigo, conjugado com o Art. 143º, a condenação do arguido por este último. VII. Um canivete de bolso com 5,5 cm de lâmina não pode ser considerado meio em si particularmente perigoso, para o efeito da qualificação prevista no Art. 146º do Código Penal, por referência à al. g) do nº 2 do Art. 132º do mesmo Código. E nem o marido, que na sequência de uma agressão que lhe perpetrava, lhe espeta uma facada com ele, no tórax, sem ser direccionada a sítio particularmente visível ou perigoso, causando-lhe a ferida descrita na precedente conclusão, revela a especial censurabilidade ou perversidade que a qualificação da norma exige.
- Verifica-se, também aqui, erro na interpretação do Art. 146º do Código Penal e na al. g) do nº 2 do Art. 132º do mesmo Código por onde se vai buscar a agravação, uma vez mais se tomando a excepção pela regra. O crime cometido pelo arguido foi o do Art. 143º do Código Penal, este sim que deveria ter sido aplicado. VIII. A pena a aplicar ao arguido, pelos dois crimes de ofensas à integridade física simples, efectivamente cometidos, em cúmulo e aplicando-se-lhe o perdão de um ano, não pode ir além dos doze meses de prisão. IX. Atento o facto de se terem passado seis longos anos desde os factos, não tendo o arguido tido qualquer culpa nesta demora até ao julgamento e ter mantido bom comportamento anterior e posterior aos mesmos, conforme atesta o seu C.R.C., ser trabalhador assíduo, perfeitamente integrado socialmente, inexistir hoje qualquer alvoroço social em relação o que se passou, e, sobretudo, ter cessado a causa - eminente separação da mulher - que despoletou o seu comportamento ilícito, conforme factos provados na sentença, a pena a aplicar deve ser especialmente atenuada, nos termos da al. d) do nº 2 do Art. 72º do Código Penal e nunca privativa da liberdade, sendo substituída por multa e/ou suspensa na sua execução, nos termos dos Arts. 44º e 50º do mesmo Código, por assim o imporem a Justiça e o interesse social, conforme os comandos que se contêm nos Arts. 40º e
71º, sempre do C. Penal.
- Andou também mal o Colectivo ao não valorar o tempo decorrido e o comportamento do arguido, não considerando a atenuação especial da pena, prevista na al. d) do nº 2 do Art. 72º do C. Penal que por isso se mostra violado’.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 10 de Setembro de 2002, concedeu parcial provimento ao recurso, condenando o arguido na pena única de quatro anos e seis meses de prisão, dos quais foi declarado perdoado um ano de prisão, pelo cometimento de um crime de ofensa à integridade física simples previsto no artº 143º do Código Penal, ofensa essa qualificada nos termos do artº 146º do mesmo Código, e pelo cometimento do crime de homicídio tentado pelo qual fora condenado pelo tribunal de 1ª instância.
Surpreendem-se nesse aresto as seguintes asserções:-
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1.ª) A violação do princípio in dubio pro reo.
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Não podemos deixar de concordar com o Recorrente quanto ao aspecto teórico da sua argumentação.
Também nós pensamos que o princípio in dubio pro reo diz respeito à produção da prova e, como assim, por ser relativo à matéria de facto, é insindicável pelo Supremo Tribunal de Justiça. A menos, claro, que os Julgadores da 1ª Instância hajam decidido, em caso de dúvida, em desfavor do arguido. Em tal hipótese, evidentemente, já se está perante uma questão de natureza jurídica.
Onde a nossa discrepância é total em relação ao Recorrente é quando se passa da teoria para a prática, ou seja, é quando o arguido afirma que tal foi o que sucedeu no seu caso: - em que o tribunal a quo chegou a um estado de dúvida insanável e, todavia, escolheu a tese que o prejudicava, que lhe era desfavorável.
Com efeito, a posição tomada pelo Recorrente não tem a mínima razão de ser, não tem qualquer fundamento, já que, no caso sub judicio, o Colectivo da 1ª Instância formou a sua convicção com toda a regularidade, sendo certo que os autos não deixam transparecer qualquer estado de dúvida e, muito menos, de dúvida insanável.
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O que o Recorrente fez, no fundo, no fundo, foi impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a convicção que ele próprio adquiriu sobre esses mesmos factos. Em todo o caso há-de convir que a decisão questionada foi tomada em consciência, e após livre apreciação crítica (cfr. artº. 127.º do C.P.Penal).
2ª) Questão: A violação dos art.ºs 374.º, n.º 2 e 97º., n.º 4 e a consequente nulidade do art.º 379.º, al. a), todos do C.P.Penal.
Defende também o arguido que, se, dos factos dados por provados na sentença emerge a séria dúvida sobre os motivos por que o arguido terá agido, e tendo o tribunal optado por considerar que esses motivos foram os mais desfavoráveis para ele, em termos de culpa, com gravosos reflexos na medida da pena, a sentença tem de conter a explicação clara das razões da sua opção, sob pena de ser nula, nulidade esta só sanável mediante nova audiência.
Será assim, como argumenta o Recorrente?
Claro que não é, nem pode ser, uma vez que dos factos dados por provados na sentença não emerge dúvida nenhuma, nem séria nem ligeira, sobre os motivos por que o arguido terá agido. E não tendo havido nenhuma dúvida, também não houve nenhuma opção.
Com efeito, já se disse atrás que nada inculca, ou sequer sugere, ter o douto Colectivo de Oliveira de Azeméis tido alguma dúvida acerca da matéria de facto assente. Não se encontra na decisão recorrida sinal, por mais ténue que seja, de que alguma dúvida houvesse assaltado o espírito dos Mmos Julgadores, quando deram como provado que o arguido agira movido pela raiva de estar iminente a sua separação da mulher.
Já sobre o cumprimento do art.º 374.º, n.º 2 do C.P.Penal por parte do douto Colectivo, em relação a este facto (como de resto em relação aos demais), ninguém duvidará que o mesmo foi efectivo.
Bastará ler este texto, exarado no âmbito da fundamentação, a fls. 261 v.º:
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Fica-se com a certeza que o tribunal da condenação procedeu à indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a respectiva convicção.
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3.ª) Questão: As nulidades das alíneas a) e c) do art.º 379º do C.P.Penal
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Todavia, diz o Recorrente, ao contrário do que é exigido pelo art.º
374.º, n.º 1, al. d) do C.P.Penal, o relatório do acórdão posto em crise não faz qualquer menção destes factos alegados pelo arguido, em sua defesa e das conclusões da contestação.
Foi, pois, afectado e violado o princípio da parificação da acusação e da defesa em todos os actos do processo, ou o princípio da igualdade de armas
(art,º 2.º, n.º 2, al. 3 da Lei n.º 43/86, de 29-06);
Foi violado o art.º 97.º, n.º 4 do C.P.Penal, por deficiente fundamentação do acórdão em análise, ao não atender à perspectiva da defesa.
Foram violados os art.ºs 71º e 72.º do C. Penal;
Foram violados os art.ºs 369.º, n.º 1 e 371.º, n.º 2, ambos do C.P.Penal.
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Ora, sucede que o facto por si alegado de que agira para impedir que a sua mulher lhe fugisse com o filho consta realmente da sua contestação, mas já não figura nas conclusões extraídas.
Fazendo o preceit[o] - art.º 374.º, n.º 1, al. d) - alusão à indicação, ainda por cima sumária, das conclusões contidas na contestação, parece óbvia, então, a falta de razão do arguido.
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Por outro lado, ainda, e dum ponto de vista mais substancial, já se viu ter ficado provado, a este propósito, que o comportamento do arguido foi tomado apenas pela raiva de estar iminente a sua separação da mulher.
Já quanto às suas condições económicas e sociais e à caracterização da sua personalidade, o Tribunal a quo expressou-se assim:
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No tocante à personalidade, a mesma encontra-se bem retratada no douto acórdão questionado:
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No concernente à sua conduta - ante e post crimina, a mesma foi levada em conta através da análise do certificado do registo criminal (cfr. Fls 261 v.º, no capítulo da Fundamentação).
Refere ainda o Recorrente não se ter o tribunal a quo pronunciado sobre as despesas que tem no novo casamento, com quem vive, como vive, o valor da pensão que paga para o filho.
Efectivamente não se pronunciou, mas porquê? Não sabemos, nem podemos saber, limitado que está o recurso à matéria de direito.
O que sabemos, isso sim, é que os Srs. Juízes recorridos formaram as suas convicções, determinantemente, com base na análise crítica e na apreciação do Depoimento do Arguido, quanto às suas condições de vida e quanto à sua personalidade (cfr. Fls 216º v.º).
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Notificado do acórdão de que partes se encontram transcritas, fez o arguido juntar aos autos requerimento onde se pode ler:-
‘A, arguido nos autos à margem referenciados, não se conformando com o douto acórdão de fls. ..., del[e] vem INTERPOR RECURSO - Art. 72º, nº 1, al. b) da L.T.C., Para o Tribunal Constitucional, Fundado na al. b) do nº 1 do Art. 70º da L.T.C.,
- Em ordem a ver apreciada a inconstitucionalidade, rectius, a conformidade com a [C]onstituição da interpretação que na douta decisão recorrida foi dada às seguintes normas:
1 - a) nº 2 do Art. 374º, nº 4 do Art. 97º e a al. a) do nº 1 do Art. 379º, todos do C. Processo Penal, a última indicada, quando conjugada com a primeira; b) Na interpretação que o Supremo Tribunal de Justiça fez destas normas, mostram-se violadas as normas que se contêm na 1º parte do nº 1 do Art. 32º já que o dever de fundamentação das decisões constitui uma das principais garantias de defesa do arguido, o nº 1 do Art. 205º que o consagra e o próprio direito ao recurso consagrado na 2ª parte do nº 1 do Art. 32º, normas estas todas da Constituição da República Portuguesa. c) A inconstitucionalidade ora apontada, foi suscitada nos autos, a fls. 19 do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, sob III, 3., e, nas conclusões, a fls. 43. sobre II.
2 - a) al. 3 do n.º 2 da Lei nº 43/86 de 29/06, nº 1, al.s d) e e) do nº 2 do Art. 71º e Art. 73º, do Código Penal, nº 1 do Art. 369º, nº 2, in fine, do Art.
371º, nº 4 do Art. 97º, al. d) do nº 1 e nº 2 do Art. 374º do C. Processo Penal, bem como as alíneas a) e c) do nº 1 do Art. 379º do mesmo código, quando conjugadas com as apontadas normas do Art. 374º, b) A interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, daquelas normas viola desde logo a primeira parte do nº 1 do Art. 32º da C.R.P., já que a sua correcta interpretação constitui uma garantia de defesa do arguido, bem como o princípio do contraditório, ínsito no nº 5 do mesmo artigo, e, uma vez mais, o nº 1 do Art. 205º, bem como o direito ao recurso consagrado na segunda parte do nº 1 do Art. 32º, enquanto o prejudica irremediavelmente. c) A questão que ora se levanta foi suscitada a fls. 23 e 24 do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, sob IV, 5.,6.,7. e 8. e, nas conclusões. a fls. 44, sob III.
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O recurso intentado interpor por intermédio do requerimento parcialmente acima transcrito, foi admitido por despacho lavrado em 23 de Outubro de 2002 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Assinale-se, em primeiro lugar, que o requerimento de interposição de recurso para este Tribunal não obedece à totalidade dos requisitos ínsitos nos números 1 e 2 do artº 75º-A da indicada Lei, justamente porque, pretendendo-se a apreciação da conformidade com a Constituição de determinados normativos da forma como foram interpretados pelo aresto impugnado, mister seria que naquele requerimento fosse indicado qual o sentido normativo que foi acolhido por tal decisão (cfr. a título meramente exemplificativo, o Acórdão nº 178/95 deste Tribunal, publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º volume, 1118).
Uma tal insuficiência poderia, porém, ser colmatada se se lançasse mão do prescrito no nº 6 do dito artº 75º-A e caso o ora recorrente, cabalmente, viesse a indicar aquele sentido normativo que reputava como feridente da Lei Fundamental. Ponto era, todavia, que, in casu, se congregassem os demais requisitos pressupositores do recurso, já que, se uma tal congregação não ocorrer, a formulação do convite a que se reporta aquela disposição postar-se-ia como a realização de um acto perfeitamente inútil.
Ora, é essa a situação que, no caso sub iudicio, se depara.
Na verdade, se bem se atentar, os conjuntos normativos cuja conformidade com a Constituição o impugnante deseja ver sindicados por este Tribunal (e pressupondo que no requerimento de interposição de recurso a menção aos preceitos que os contêm foi exactamente a mesma a que se reportou a motivação do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça no particular de suscitação da sua desarmonia com normas ou princípios constantes da Lei Fundamental) prendem-se, essencialmente, com duas questões:-
- uma, a de saber se, em caso de dúvida (recte, de séria dúvida) quanto à matéria fáctica, é constitucionalmente lícita uma interpretação do primeiro desses conjuntos de onde resulte que, havendo uma contraposição entre a versão àquela matéria dada pelo arguido e a constante da acusação, o tribunal opte por dar por provada esta última;
- outra, a de saber se é constitucionalmente censurável a interpretação do segundo dos indicados conjuntos de onde se extraia que a sentença não tenha de atender à perspectiva da defesa, expressa na contestação e na argumentação carreada por aquela defesa.
Ora, como facilmente deflui da ampla transcrição que acima se efectuou do aresto querido recorrer, o Supremo Tribunal de Justiça, de todo em todo, não levou a efeito uma e outra das interpretações indicadas.
De facto, quanto à primeira questão, é nítido que aquele Alto Tribunal se expressou no sentido de ter como perfeitamente correcta a ideia segundo a qual, no caso de dúvida, o tribunal deveria optar por dar como provada a versão fáctica apresentada pelo arguido em detrimento da versão sustentada pela acusação. O que se passou foi que, no caso submetido à sua apreciação, concluiu que se não extraía da decisão então sob recurso que tivesse havido qualquer estado de dúvida no espírito dos julgadores e, muito menos, de dúvida insanável, pelo que, em face desse circunstancialismo, nunca seria possível operar o princípio in dubio pro reo, pois que este implica, obviamente, a existência de uma dúvida.
No que tange à segunda questão, identicamente o Supremo Tribunal de Justiça não levou a cabo uma interpretação da qual resultaria que uma sentença só tenha de atender à matéria constante do libelo, desvalorizando ou nem sequer atendendo à matéria esgrimida pela defesa, designadamente aos factos e circunstâncias vertidos na contestação. Antes, e pelo contrário, torna-se claro que o Supremo Tribunal de Justiça aceitou como curial e exigível que se deveria atender à matéria aduzida pela defesa. Simplesmente, teria que se ater aos factos que se deram por provados no tribunal de 1ª instância, já que se estava perante um recurso restrito à matéria de direito e, além disso, de qualquer forma, concluiu que o acórdão então impugnado se encontrava devidamente fundamentado quanto à matéria de facto, com base na análise crítica das provas, e que dos factos trazidos pela defesa, uns se deram por provados e outros não.
Não foi, por conseguinte, neste particular, seguida a interpretação normativa que, do ponto de vista do recorrente, era tida como conflituante com o Diploma Básico.
Nestes termos, e porque a dimensão interpretativa seguida pelo aresto sub specie quanto aos preceitos indicados no requerimento de interposição do recurso, não traduziu o sentido que o impugnante tinha como inconstitucional, não se poderá, minimamente, dizer que tenha havido, no caso em apreço, por banda da decisão que se deseja questionar perante o Tribunal Constitucional, uma qualquer aplicação, explícita ou implícita, directa ou indirecta, de norma ou de normas cuja enfermidade constitucional foi suscitada.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
Da transcrita decisão reclamou o arguido mediante extenso requerimento, dele se extractando, no que ora releva, as seguintes asserções que fundamentaram essa reclamação:-
'...................................................................................................................................................................................................................................................................................... Na decisão sumária ora reclamada, diz-se serem essencialmente duas as questões que motivaram a interposição do recurso. É certo. Simplesmente, Ao contrário do que se lê na aludida decisão, não foi a eventual violação do princípio ‘in dubio pro reo’ que motivou a interposição do presente recurso, no que refere à primeira questão. Essa, constava da primeira conclusão do recurso, a fls. 41, sob I e de fls. 7 a
14 do texto respectivo, sob II e nem sequer foi mencionada no requerimento de interposição. O que se trazia a este Tribunal, era a questão de saber se, perante factos dados por provados e logo assentes, de uma mesma sentença, a inculcarem uma conclusão diversa da que nela se extrai, a correcta interpretação, de acordo com a Constituição, do nº 2 do Art. 374º e do nº 4 do Art. 97º, dispensam o Tribunal de descrever e fundamentar, em ordem a permitir ao Tribunal superior ‘uma avaliação segura e cabal do porquê da decisão e do processo lógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decísório’ de se ter julgado - aqui, em termos de matéria de facto - de uma forma e não de outra.
2- É evidente que, de acordo com Cristina Líbano Monteiro, funcionando o dever de fundamentação das decisões judiciais como contraforte do princípio ‘in dubio pro reo’ , existe sempre e forçosamente uma certa ligação entre aquele dever e este principio. Não era, nem será no entanto, na procedência da presente reclamação, essa a questão que pretendemos ver sindicada por este Mais Alto Tribunal.
3- A segunda questão que se pretende ver apreciada neste Tribunal prende-se com a interpretação que é dada às normas referidas no requerimento de interposição de recurso, sob 2-, já que
3.1- Por um lado, considera ser imperativo, na correcta interpretação da al. d) do nº 1 do Art. 374º do C. P. Penal, a inserção, no relatório, da indicação das conclusões contidas na contestação, enquanto peça fundamental destinada a assegurar o princípio do contraditório, assim delineando e demonstrando que o Tribunal exerceu actividade investigatória sobre todo o objecto do processo e não apenas sobre o libelo acusatório; - como vimos supra, é o próprio S. T.J. quem, na sua decisão, exclui factos alegados na contestação, com relevo para a decisão, por não terem sido objecto do contraditório na audiência e logo, por não terem ali sido objecto de apreciação.
3.2- Por outro, que esses factos, todos os factos alegados na contestação com potencialidade para influir no exame ou na decisão da causa, constem da enumeração a que refere o nº2 do Art. 374º do C. P. Penal, enquanto provados, ou não provados, bem como a indicação das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, com descrição do processo 1ógico-mental que serviu de suporte ao respectivo conteúdo decisório, como impõe, também, a correcta interpretação do nº 4 do Art. 79º do C. P. Penal,
3.3- Sob pena de, em ambos os casos, a sentença dever considerar-se nula, na correcta interpretação das al. a) e c) do Art. 379º do C. P. Penal e se considerarem violados os princípios do contraditório e da igualdade de armas, consagrados no nº 5 do Art. 32º da C.R.P., e na al. 3) do Art. 2º da Lei nº
43/86 de 29/06, ao acolher-se o entendimento de que, importante para a decisão da causa, é apenas a matéria constante do libelo acusatório.
3.4- Por último, impor a interpretação conforme a constituição do nº 2 do Art.
71º e Art. 72º do C. P. Penal, bem como os correspondentes processuais ínsitos no nº 1 do Art. 369º e nº 2, in fine, do Art. 371º do C. P. Penal, o dever de o Tribunal oficiosamente sindicar sobre todas as circunstâncias que depuserem a favor do agente ou contra ele, nomeadamente sobre as suas condições pessoais e situação económica, a conduta anterior e posterior ao facto, a sua personalidade e as suas condições de vida, a sua relação posterior com o ofendido e seus familiares, a reacção social actual em relação ao que se passou, por forma a aquilatar da necessidade da pena, mais a mais quando, como é o caso, alguns destes factos e com potencialidade para influir no exame e decisão da causa foram alegados na contestação.
4- Tudo isto só pode ser feito com o detalhe, o estudo e a ponderação de um recurso sério, interposto não com fins dilatórios, mas de procura de uma Justiça que só uma interpretação conforme à Constituição da República Portuguesa das normas ap1icadas na decisão recorrida pode conferir, em alegações, no prazo previsto na lei para a sua produção.
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Notificado da reclamação apresentada, o Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se no sentido da manifesta improcedência da mesma.
Cumpre decidir.
2. A reclamação sub specie não abala minimamente o que se considerou na decisão em apreço.
Na realidade, ainda que se entenda que a primeira das questões que o ora reclamante pretendia ver apreciada não era aquela que foi elencada também em primeiro lugar na decisão ora reclamada, mas antes uma questão que se ligava com o problema de saber se, dando um tribunal que curava de um crime por provados determinados factos que inculcariam (obviamente na perspectiva do recorrente) uma conclusão diversa da que na decisão desse tribunal foi extraída, não teria o mesmo de descrever o processo lógico e mental que conduziu a essa conclusão (e duvida-se, desde logo, que essa questão fosse, aquando do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, equacionada como uma questão normativa perspectivada do ponto de vista da sua desarmonia com a Lei Fundamental), o que
é certo é que aquele Alto Tribunal, no acórdão desejado recorrer, não fez, de todo em todo, qualquer interpretação dos artigos 97º, nº 4, 374º, nº 2, e 379º, nº 1, alínea a), todos do Código de Processo Penal, de onde resultasse minimamente essa interpretação.
São, neste particular, ilustrativos da afirmação anterior os passos transcritos daquele aresto e que constam da decisão ora reclamada, nomeadamente onde aí se diz que o 'que o Recorrente fez, no fundo, no fundo, foi impugnar a convicção adquirida pelo tribunal a quo sobre determinados factos em contraposição com a convicção que ele próprio adquiriu sobre esses mesmos factos. Em todo o caso há-de convir que a decisão questionada foi tomada em consciência, e após livre apreciação crítica (cfr. artº. 127.º do C.P.Penal)', que 'já sobre o cumprimento do art.º 374.º, n.º 2 do C.P.Penal por parte do douto Colectivo, em relação a este facto (como de resto em relação aos demais), ninguém duvidará que o mesmo foi efectivo', pois bastava 'ler este texto, exarado no âmbito da fundamentação, a fls. 261 v.º (seguindo-se a transcrição do que no acórdão tirado no tribunal colectivo de Oliveira de Azeméis foi dito) e que, perante isso, ficava-se 'com a certeza que o tribunal da condenação procedeu à indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a respectiva convicção'.
Pelo que tange à segunda questão tratada na decisão sub iudicio, nenhuma das considerações carreadas no requerimento consubstanciador da reclamação (que, aliás, não são facilmente entendíveis, já que se limitam a esgrimir com argumentação jurídica de índole infra-constitucional, não demonstrando minimamente que o Supremo Tribunal de Justiça tenha acolhido uma interpretação da qual recorresse que a sentença condenatória só teria de atender
à matéria da acusação, desvalorizando ou nem sequer atendendo à matéria invocada pela defesa, ou de oficiosamente sindicar sobre o circunstancialismo depoente a favor do arguido), não tem a virtualidade de pôr em crise o que em tal decisão foi escrito quanto a este ponto.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em quinze unidades de conta. Lisboa, 15 de Janeiro de 2003 Bravo Serra Maria Fernanda Palma José Manuel Cardoso da Costa