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Proc. n.º 475/03
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - A., notificado do Acórdão n.º 65/04, prolatado nestes autos, que indeferiu a reclamação por ele deduzida nos termos do art. 78º-A, n.º 3, da LTC, contra a decisão sumária proferida pelo relator que negou provimento ao recurso interposto para o Tribunal Constitucional, dele reclama, pedindo a sua aclaração e arguindo vícios de inexistência e de nulidade, concluindo pelo seguinte modo:
«1. Entende o ora requerente existir uma inconstitucionalidade da decisão proferida em conferência, por falta de previsão Constitucional de tal forma de funcionamento do Tribunal Constitucional, determinando a invalidade ou inexistência da decisão nesses moldes proferida.
2. Existe uma total omissão de pronúncia quanto à maior parte dos argumentos apresentados pelo ora requerente, que não poderão almejar resposta em remissões para anterior jurisprudência atento o seu carácter inovador, nunca antes debatido e decidido.
3. A decisão cuja aclaração ora se reclama padece do vício de falta de fundamentação, porquanto a mesma não remete para nenhum acórdão do Tribunal Constitucional onde a questão já houvesse sido discutida e decidida, o que determina a nulidade da decisão e até inconstitucionalidade da mesma.
4. Existe uma grave obscuridade da decisão, pois a falta de resposta às questões suscitadas em sede de reclamação para a conferência, não permite ao requerente perceber qual o caminho de raciocínio intelectual que serviu de base para os Ex.mos Senhores Juízes Conselheiros terem chegado à conclusão plasmada no acórdão.
5. A decisão cuja aclaração se reclama, afigura-se manifestamente obscura uma vez que relativamente às questões suscitadas não foi tomada qualquer posição expressa ou sequer remissiva que importe um esclarecimento cabal ao ora requerente, ficando este sem conhecer o motivo pelo qual viu indeferido o julgamento do recurso.
NESTES TERMOS:
- Requer a V. Ex.a que proceda a uma aclaração do Acórdão n.º 65/2004, tendo por escopo os argumentos supra aduzidos.».
2 - O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no Tribunal Constitucional respondeu ao pedido, nos termos seguintes:
«1 - A presente reclamação carece ostensivamente de qualquer fundamento sério.
2 - Na verdade, a decisão recorrida não padece de qualquer obscuridade que careça de ser aclarada.
3 - Por outro lado, é evidente que a intervenção da conferência no julgamento de recursos não viola qualquer preceito constitucional.
4 - Tal como não viola a Constituição a possibilidade de este Tribunal fundamentar, por remissão para anteriores acórdãos, as decisões que tome sobre questões já dirimidas.».
B – A fundamentação
3.1 - Entende o reclamante que o acórdão proferido pela conferência, ao abrigo do disposto nos n.os 3 e 4 do art. 78º-A, da LTC, é inconstitucional por falta de previsão constitucional de tal forma de funcionamento do Tribunal Constitucional, estando, consequentemente, eivado do vício de invalidade ou de inexistência. Mas não tem razão. Ao prever, logo no n.º 1 do seu art. 224º, que “a lei estabelece as regras relativas à sede, à organização e ao funcionamento do Tribunal Constitucional”, a Constituição está a deixar ao legislador ordinário a possibilidade de prever a intervenção do relator e da conferência de três juízes na decisão de certas questões, nos termos que vieram a ser contemplados no art.º
78º-A, da LTC. Essa intervenção corresponde, pura e simplesmente, em uma forma de funcionamento do Tribunal, entre as todas abstractamente possíveis de conjecturar. O n.º 2 do mesmo artigo equivale a uma explicitação daqueles termos em que o funcionamento do Tribunal se pode traduzir, salvo no que concerne ás decisões de fiscalização abstracta da constitucionalidade e da legalidade em que impõe a regra de funcionamento de não poderem ser tomadas em secção. É de notar, por outro lado, que, ao falar em funcionamento por secções, o texto constitucional não obriga a que as secções tenham sempre a mesma composição de membros, ou seja, que não possa haver mais do que um tipo de secções. Essa é uma matéria deixada à discricionariedade constitutiva do legislador ordinário. Daí que este pudesse eleger diversos modos de secções, apelidando umas de conferência e outras de secções. Tanto legítima, do ponto de vista constitucional, é a opção legislativa ordinária anterior à Lei n.º 13-A/98, de 26 de Janeiro, como a introduzida por esta lei. Sendo assim, a decisão reclamada foi proferida por um órgão do Tribunal que se encontra constituído em termos constitucionais e se mostra dotado, igualmente em termos constitucionais, de atribuições para o acto de julgamento que praticou.
3.2 - Sustenta, ainda, o recorrente que “existe uma total omissão de pronúncia quanto à maior parte dos argumentos apresentados pelo ora Requerente, que não poderão almejar resposta em remissões para anterior jurisprudência atento o seu carácter inovador, nunca antes debatido e decidido”.
Ao contrário do que o recorrente entende, a eventual falta de consideração de argumentos que sejam alegados para sustentar a solução de uma determinada questão [aqui, de direito] não constitui qualquer nulidade da decisão judicial, apenas podendo afectar a sua correcção jurídica ou a sua convincência doutrinária. O que é pedido ao tribunal é que decida certa questão
[aqui, de direito] e que o faça de forma fundamentada, que o mesmo é dizer, de modo que os destinatários da decisão [e os tribunais de recurso] saibam os fundamentos que levaram o espírito do julgador a decidir no sentido apontado e não outro (arts. 205º, n.º1, da CRP, e 659º e 668º, n.º 1, alíneas b), e c), do CPC). A maior ou menor amplitude da fundamentação, desde que suficiente para racionalmente justificar a decisão, e a sua maior ou menor pertinência ou adequação jurídicas, já não têm que ver com a validade formal da decisão mas com a sua correcção ou susceptibilidade de aceitação científica.
Sendo assim, nada impede que na resposta à questão - no caso, a de saber se é compatível com o princípio do asseguramento de todas as garantias de defesa consagrado no art. 32º da CRP, a norma do art. 400º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal (CPP), quando entendida na acepção interpretativa de que, para efeitos de admissibilidade de recurso da Relação para o Supremo Tribunal de Justiça, em processo por crime a que seja aplicável [...] pena de prisão não superior a cinco anos, mesmo em caso de concurso de infracções”, esta expressão legal deve ser entendida não em função do “limite máximo da soma das penas abstractas aplicáveis aos vários crimes, mas sim da soma das penas concretamente aplicadas a cada um deles” - o Tribunal se aproprie das razões aduzidas em outra decisão anterior e conclua no mesmo sentido, desprezando, porventura, argumentos que antes não foram trazidos a lume pelo outro recorrente, quando considere que não é de dar uma resposta diferente à mesma questão. Em tal caso, não haverá, como se disse, qualquer omissão de pronúncia, mas quando muito um défice de convincência doutrinária ou científica. No caso sub judicio, todavia, nem essa situação existe, já que o acórdão reclamado deu resposta ao que o recorrente diz tratarem-se de argumentos novos na parte final da decisão. Na verdade, o que o recorrente apelida de “argumentos novos” são aspectos que se prendem com definição da norma suspeitada de inconstitucionalidade, tal qual a mesma foi determinada por via interpretativa e aplicada pela decisão recorrida, sendo certo, todavia, que essa definição se assume como um dado ou pressuposto definido para o Tribunal Constitucional, não tendo o Tribunal Constitucional que entrar em linha de conta com a existência de qualquer erro na determinação do seu sentido e na sua aplicação. Sendo exteriores à questão da identidade do objecto de ambos os recursos ( o presente recurso e aquele em que foi proferida a decisão remetida) - ou seja, a norma cuja constitucionalidade se questiona - os argumentos agora aduzidos pelo recorrente relativamente aos termos como tal norma deveria ter sido entendida pela decisão recorrida, é evidente que eles nada de novo trazem para a decisão da questão de constitucionalidade, como bem se disse na parte final da decisão reclamada.
3.3 - E pelas razões expendidas, também não se pode imputar à decisão de que ora se reclama qualquer vício de falta de fundamentação relativo
à falta de consideração dos ditos novos fundamentos. Se a sua não valoração não
é susceptível de inquinar a validade da decisão judicial, muito menos o será a sua não expressa menção. De qualquer modo, como se disse, sempre a decisão aclaranda não passou em claro essa matéria. Improcede, pois, também, a terceira conclusão da reclamação.
3.4 - Relativamente à matéria referida nas duas últimas conclusões do seu articulado de reclamação - de aclaração da decisão - não se vê como é que, do ponto de vista racional, o recorrente possa fundamentar e articular entre si a existência de obscuridade do discurso decisório do acórdão reclamado, que só pode dizer respeito ao sentido de matéria conhecida, com a não pronúncia ou falta de resposta “às questões suscitadas em sede de reclamação para a conferência”, que assim só podem ter por objecto matéria não conhecida [mas que, na sua óptica, se deveria conhecer], em termos de sustentar existir aí uma obscuridade da decisão. A alegação sofre de uma contraditio racional. Mas independentemente desta contradição nos termos, sempre cabe dizer que, em boa verdade, o recorrente não aponta qualquer passo do discurso do acórdão reclamado cujo sentido do pensamento do julgador diga não entender. E a funcionalidade do meio processual do pedido de aclaração por obscuridade da decisão é este. Não existe, pois, nada a aclarar.
C – A decisão
4 - Destarte, atento tudo o exposto, este Tribunal Constitucional decide indeferir os pedidos de declaração de inexistência e de nulidade do acórdão reclamado, bem como o pedido da sua aclaração.
Custas pelo recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 15 UC.
Lisboa, 10 de Março de 2004
Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos