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Procº nº 721/2002.
3ª Secção. Relator:- BRAVO SERRA.
1. Em 25 de Novembro de 2002 proferiu o relator decisão com o seguinte teor:-
'1. Nos autos de expropriação litigiosa que correram seus termos pelo
2º Juízo de competência especializada cível do Tribunal de comarca Santo Tirso e que, por sentença proferida naquele Juízo em 7 de Novembro de 2001, vieram a ser reformados, tendo a expropriada A vindo a apresentar reclamação da conta de custas que naqueles autos fora efectuada, foi tal reclamação indeferida por despacho de 31 de Dezembro de 2001, o que motivou a mesma a do assim decidido recorrer para o Tribunal da Relação do Porto, o qual, por acórdão de 21 de Março de 2002, negou provimento ao recurso.
De novo inconformada recorreu a expropriada para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo, na alegação adrede produzida, formulado as seguintes
«conclusões»:-
‘1ª.
A acumulação e apropriação de bens , nas formações sociais que já vêm de antigo, é condição de realização e defesa da integridade moral e física da pessoa humana, cuja garantia é dada pelo direito de propriedade. Por isso, só em situações excepcionais, o direito de propriedade cede perante outros direitos.
Para outro direito prevalecer sobre o direito de propriedade, o direito do prevalecente deve estar colimado à garantia de interesses ou finalidades que configurem uma axiologia (ética) superior.
2ª.
Por força dos interesses pessoais que tutela, o direito de propriedade
é um direito absoluto ‘erga omnes’; o direito, cujo exercício o sacrifica, deverá ter idêntica natureza.
O critério do sacrifício do direito de propriedade ao exercício doutro direito é o critério das valências axiológicas dos interesses em oposição (p. ex., o bem material cederá perante o bem vida).
3ª.
A sacrificação do direito de propriedade, contra a vontade do proprietário, concretiza-se por uma ablação à sua esfera jurídico-patrimonial e um despojamento de meios de realização pessoal e de defesa da integridade moral
(abalo ao prestígio) e física (maior exposição à dureza do meio social) do despojado.
A ablação do direito de propriedade, contra a vontade do seu titular,
é por isso uma violência moral e física, que, pelo menos abala a sua dignidade.
4ª.
Para a definição do direito de propriedade, convergem os princípios
ético-jurídicos consignados nos artºs. 1305º. do C.C., artºs. 62º., 1º., 2º. e
20º.1 da C.R.P., artº. 17º. 1 da Decl. Un. Dtos. Hom., e artº. 1º. do Prot. nº.
1, Conv. Eur. Dtos. Homem.
5ª.
A expropriação do bem pertencente a qualquer pessoa só se justifica em casos extremos. Quando os interesses a prosseguir através do bem expropriado sejam indiscutivelmente mais relevantes e não possam ser prosseguidos de outra forma.
O beneficiário deve, contudo, indemnizar integralmente - até à medida do possível - o lesado com o acto de violência, que o sacrifício do seu bem representa.
6ª.
Para a definição da expressão do valor da indemnização, convergem os princípios descritos nos artºs. 483º. 1 e 562º. e segts. do C.C., o artº. 62º.2 da C.R.P., bem como as normas invocadas na conclusão 4ª.
7ª.
Tendo-se em conta os valores protegidos pelo direito de propriedade, bem como a medida postulada pelo direito à indemnização, como forma de atenuar o sofrimento do despojado, a defesa dos interesses deste não pode estar sujeita a quaisquer custas, nem condicionada a outros sacrifícios patrimoniais (normas invocadas nas concl. anteriores).
8ª.
A expropriação por utilidade pública é feita a favor do Estado, que não paga custas judiciais. O expropriado só pode defender-se nos tribunais. O Estado cobra custas pelos serviços dos tribunais.
É imoral que o Estado ataque o património alheio sem pagar custas, e que o atacado, para se defender, tenha que lhe pagar custas (artº. 13º. da C.R.P.)
9ª.
Por isso as normas dos C.C.J. que consagram o dever dos expropriados pagarem custas contendem com as normas constitucionais e supra-ordinárias atrás invocadas, pelo que são inconstitucionais. Pelo que só por preconceito, sem quebra do respeito devido, é defensável que o expropriado pague custas.
Sem prescindir:
10ª.
O valor da expropriação, para efeitos de custas, não pode ser superior ao da indemnização, e a taxa de justiça só pode ser uma. Doutro modo, o expropriado ficava limitado e condicionado no exercício do seu direito de defesa, e sujeito a pagar mais do que o valor da indemnização.
O disposto nos artºs. 8º. 1, s), 18º. 1 f) e 126º do C.C.J. revogado, mas aplicável a este caso, inculca esta interpretação, não só pela sua letra mas pela natureza do caso,
11ª.
Assim não se entendendo, a conta deve ser unitária, e feita à luz daquelas normas do Cód. revogado.
12ª.
O artº. 4º. do Dec. Lei nº. 224-A/96, de 26.11., é inconstitucional quando pretende que se aplique aos casos da espécie que correm em juízo, p[or]que viola o disposto no artº. 103º.3, 2ª. parte da C.R.P.
A taxa de justiça é uma imposição, pois não é um preço (que resulta das normas de possibilidade) nem uma proibição.
Decorrendo de uma norma de imposição, a sua característica determinante define a taxa como imposto.
Se a taxa de justiça fosse entendida como preço, tal norma era imoral, porque arbitrária, e violaria o disposto nos artºs. 334º. e 762º. e 12º.1 do C.C.
13ª.
Ainda sem prescindir, sempre as custas dos recursos não podem ser superiores a metade do devido na 1ª. Instância. O espírito do sistema é este. Doutro modo, as custas nos Tribunais Superiores poderiam ser de montante mais elevado, nomeadamente quando as devidas em 1ª. Instância fossem de ¼ da tabela.
Como o douto recurso recorrido violou o disposto nas normas invocadas, deve ser revogado no sentido de dar acolhimento ao alegado nestas alegações.
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 1 de Outubro de 2002, negou provimento ao recurso, para tanto tendo, nos termos dos artigos 713º, nº
5, 749º e 762º, todos do Código de Processo Civil, remetido para os fundamentos da decisão então impugnada, ou seja, o acórdão lavrado no Tribunal da Relação do Porto.
Ora, nesse acórdão proferido no indicado tribunal de 2ª instância, pode ler-se, em dados passos e para o que ora releva:-
‘............................................................................................................................................................................................................................................
II - A decisão a tomar assenta no seguinte:
O presente processo deu entrada em juízo antes de 1.1.97.
Subiu em recurso ao STJ, o qual se pronunciou por acórdão de 7.10.97.
Foi ainda interposto recurso para o Tribunal Constitucional.
Baixado o processo [à] 1ª instância, foi ali elaborada a conta, tendo-se reduzido a taxa de justiça para metade, quer relativamente às custas da
1ª instância quer relativamente às do recurso.
A expropriada reclamou nos termos de folhas 7 e seguintes do I vol., sustentando a aplicação do Código das Custas de 1962 e as reduções de taxa de justiça e de procuradoria, nele previstas, incluindo quanto aos recursos.
III - Conforme entendimento que não se questiona, os recursos visam a apreciação de questões e não a apreciação delas ‘ex novo’ (cfr-se prof. Castro Mendes, Recursos, 28).
Na reclamação da conta, que apresentou, e que se encontra junta a folhas 7 e seguintes do I Volume, a ora recorrente não levantou a questão de não serem devidas custas. Situou-se sempre na redução do montante destas.
Por isso, a matéria das conclusões 1º a 9º não cabe nos limites objectivos do presente recurso e, como tal não poderá ser conhecida.
IV - Em qualquer caso, sempre se dirá que nunca seria em sede de reclamação da conta que se poderia discutir a condenação ou não condenação em custas. Esta tivera lugar em decisões judiciais anteriores, transitadas em julgado, e o preceito a ter em conta, em primeira linha, seria o artº 205º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa, que consagra a obrigatoriedade de acatamento das decisões judiciais.
V - O modo de cálculo do valor dos processos de expropriação, para efeitos tributários, não sofreu alteração do Código das Custas Judiciais de 1962 para o vigente. O que determinava a alínea s) do nº 1 do artº 8º determina agora a alínea s) do nº 1 do artº 6º.
Igualmente não houve alterações à redução da taxa de justiça como vamos referir infra.
VI - De qualquer modo, a elaboração da conta com referência ao Código das Custas Judiciais de 1997 foi correcta.
..............................................................................................................................................................................................................................................
VII - O tomar, então, como ponto de referência, o momento da decisão condenatória em custas (ou mais precisamente do seu trânsito em julgado) determina a não consideração de retroactividade, ainda que parte da actividade que determinou a taxa de justiça tenha ocorrido na vigência de lei anterior.
Reportando-se, como se reporta, a este ponto de referência, o nº 1 do artº 4º do DL nº 224-A/96, de 26.11, não é inconstitucional.
VIII . No caso presente - já ficou dito em II - a condenação em custas foi proferida depois da entrada em vigor do novo Código das Custas.
Acatou-se o comando do artº 4º, nº 1 referido e acatou-se bem.
IX - Mas, se acaso se entendesse ser de aplicar a lei anterior o montante da taxa de justiça não era diferente. O artº 18º, nº 1 f) dispunha que a taxa de justiça era reduzida a metade, nas expropriações, em recurso da decisão arbitral e agora a alínea j) do artº 14º impõe a mesma redução (a qual foi levada a cabo - cfr-se ainda a informação, a folhas 19 do I vol.).
X - A recorrente invoca ainda o artº 126º do Código revogado. Mas tal preceito, na parte que dispunha que as custas devidas pelo expropriado saíam do produto de expropriação - até por força de interpretação sistemática - dizia respeito apenas ao modo de cobrança destas, à garantia do seu pagamento e não impunha limite às mesmas, traduzido no montante a receber pela expropriação.
Em qualquer caso - diga-se - o montante indemnizatório fixado, de
53.707.100$00 (cfr-se folhas 271 verso do I vol.), está bem acima do valor das custas.
XI - Resta o último argumento da recorrente, quando entende que a metade da taxa de justiça fixada para os recursos se reporta a metade da devida em primeira instância e não a metade da fixada na tabela anexa ao Código das Custas.
Tal argumento é contrariado pela letra do próprio artº 18º, nº 2 do Código das Custas (já vindo, no que nos interessa, do nº 1 do artº 35º do Código anterior), quando alude ‘a metade da constante da tabela’.
Só uma interpretação correctiva, de todo por todo, injustificada, poderia conduzir ao pretendido.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Notificada do acórdão tirado em 1 de Outubro de 2002 pelo Supremo Tribunal de Justiça, fez a recorrente juntar aos autos requerimento onde disse:-
‘A, Agravante melhor identificada nos autos em epígrafe, notificada do douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 01.10.2002, vem:
1.º
Interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nos art.ºs 75-A e 70/,.º 1 alíneas b) e f) da Lei do Tribunal Constitucional, por violação dos art.ºs 1º, 2º, 13º, 20/n.º 1, 62º/n.ºs 1 e 2, e 103º/n.º 3 -
2.ª parte da C.R.P., art.º 4º do Dec. Lei n.º 224-A/96, de 26.11. art.ºs 12º/n.º
1, 334º, 483º/n.º 1, 562º e ss., 762º e 1305º do C.C. e 8º(n.º 1 alíneas s),
18º/n.º 1 alínea f) e 126º do C.C.J..
Mais refere que as acima mencionadas violações legais e constitucionais foram suscitadas na reclamação final de custas do processo, em
1.ª Instância, nas alegações do recurso de Apelação para o Tribunal da Relação do Porto, sobre a decisão final sobre a aludida reclamação e nas alegações do recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça sobre a decisão final do recurso de Apelação atrás referido’.
O recurso veio a ser admitido por despacho lavrado em 24 de Outubro de 2002 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Não obstante tal despacho, porque o mesmo não vincula o Tribunal Constitucional (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A daquela Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Em primeiro lugar, anote-se que, como deflui do transcrito requerimento de interposição de recurso, foi eleito, como respectivo objecto, o aresto tirado pelo Supremo Tribunal de Justiça, o qual, na óptica da impugnante, teria, ele mesmo, violado as disposições legais elencadas naquele mesmo requerimento.
Ora, como se sabe, o objecto dos recursos de fiscalização da constitucionalidade e ilegalidade são normas constantes do ordenamento jurídico infra-constitucional e não outros actos emanados do poder público, tais como as decisões judiciais qua tale consideradas.
E que, naquele requerimento, não é minimamente indicada qual a norma cuja incompatibilidade com normas ou princípios constitucionais ou com leis de valor reforçado, de estatuto de Região Autónoma ou de lei geral da República, é questão acerca da qual se não podem suscitar quaisquer dúvidas.
2.1. Por outro lado, no que tange ao recurso esteado na alínea f) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, é evidente que se não congregam, in casu, os requisitos pressupositores do mesmo.
Na verdade, não se lobriga, de todo em todo, que esteja em causa a aplicação de qualquer norma com fundamento em ilegalidade por violação de lei de valor reforçado, a aplicação de uma norma ínsita num diploma regional com fundamento em ilegalidade por violação de estatuto de uma Região Autónoma ou de uma lei geral da República, ou a aplicação de uma norma emanada de um órgão de soberania com fundamento em ilegalidade por violação de estatuto de uma Região Autónoma (violações essas que, antecedentemente à prolação da decisão tomada pelo Supremo Tribunal de Justiça, tivessem sido invocadas pela recorrente).
2.2. De outra banda, ainda, mesmo que porventura se entendesse (o que unicamente se concebe para efeitos meramente argumentativos), tendo em conta o que foi referido nas «conclusões» 1ª a 9ª da alegação do agravo interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, que a recorrente, com as asserções utilizadas, desejou suscitar uma questão de inconstitucionalidade reportadamente a normativos (que nessa alegação, note-se, nunca identificou ou enunciou, pelo que, em face desta circunstância, se poderá asseverar que não foi, neste particular, suscitada questão de inconstitucionalidade de modo processualmente adequado - cfr. nº 2 do artº 72º da Lei nº 28/82) dos quais se extraísse que nos processos de expropriação litigiosa eram devidas custas pelo expropriado, o que
é certo é que o acórdão ora intentado impugnar não convocou minimamente, como suporte jurídico da decisão nele tomada, esses mesmos normativos.
Efectivamente, ao estear-se na fundamentação carreada ao acórdão prolatado no Tribunal da Relação do Porto (fundamentação essa que se encontra, na sua quase totalidade, acima transcrita), é límpido que foi entendido que das condenações em custas levadas a efeito pelas várias decisões tomadas nos autos não havia de curar, por isso que as mesmas resultaram de decisões judiciais já transitadas em julgado, consequentemente ficando firmes essas condenações, sendo que o que, então, estava em causa era, e tão só, uma reclamação de uma conta de custas.
Sequentemente, e por falta de aplicação desses (eventuais) normativos, não poderia ser admitido o recurso a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, por carência de um dos seus requisitos, justamente aquele que consiste, na aplicação, na decisão intentada recorrer perante o Tribunal Constitucional, da norma cuja desconformidade com a Lei Fundamental foi (teria sido) suscitada.
2.3. Por último, ainda que se sustentasse (o que, igualmente, só se aceita para efeitos argumentativos) que, com o que foi dito na «conclusão» 12ª da aludida alegação, a recorrente queria suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa referentemente à norma do artº 4º (recte, do nº
1 do artº 4º - ao que se supõe) do Decreto-Lei nº 224-A/96, de 26 de Novembro
(que aprovou o ora vigente Código das Custas Judiciais), são, neste ponto, desde logo, aplicáveis as considerações que acima - parágrafos segundo e terceiro do ponto 2. desta peça - se efectuaram.
A isto acresce que, no mínimo, é incompreensível (se não, mesmo, ininteligível) que quem pugne pela desarmonia constitucional de uma dada norma, venha a afirmar, como a impugnante o faz no requerimento de interposição de recurso, que a decisão judicial que deseja colocar sob a censura do Tribunal Constitucional violou aquele mesmo preceito.
2.4. De todo o modo, e independentemente do que imediatamente acima se veio de dizer, mesmo que, no caso sub specie, estivessem reunidos os necessários requisitos para se poder efectuar a análise, sob o ponto e vista da invocada enfermidade constitucional, do indicado normativo (enfermidade essa que residiria, por um lado, em a denominada taxa de justiça ser erradamente perspectivada não como uma taxa e não como um imposto), ainda assim uma tal questão justificaria a prolação de decisão tomada ao abrigo do nº 1 do artº
78º-A da Lei nº 28/82 - e no sentido do improvimento do recurso -, dada a abundantíssima jurisprudência deste Tribunal no sentido de essa enfermidade não ocorrer (cfr., a título meramente exemplificativo, decisões ou fundamentações constantes dos Acórdãos números 277/86, 412/89, 67/90, 352/91,582/94, 583/94,
584/94, 382/94, 1140/96, 1182/96, 357/99, 521/99, 80/2000, 410/2000, 200/2001,
333/2001, 115/2002 e 349/2002).
2.5. E, por outro lado, se se entendesse que a invocada enfermidade
(e sempre tendo em linha de conta que nos colocamos perante uma hipotética situação tão só utilizável para efeitos argumentativos, pois que a situação real dos autos se não pode, de todo, ancorar num caso como o da delineada situação) se reportava a uma esgrimida aplicação retroactiva da taxa de justiça, vista esta como um imposto, haveria, identicamente, que ser proferida decisão, suportada no indicado nº 1 do artº 78º-A, precisamente porque o recurso se apresentava como manifestamente infundado.
De facto, a proibição da retroactividade consagrada no nº 3 do artigo
103º do Diploma Básico só diz respeito aos impostos, pelo que aquele comando constitucional se não imporia a preceitos infra-constitucionais de onde decorresse uma eventual retroactividade de imposição de taxas.
Mas, mesmo que assim não fosse, ou seja, mesmo que a proibição ditada fosse aplicável aos tributos que se caracterizam como taxas, o que é certo é que essa proibição só passou a constar da Lei Fundamental após a Revisão Constitucional operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, sendo que o Decreto-Lei nº 224-A/96 é anterior à Quarta Revisão Constitucional, também o sendo a entrada em vigor do Código das Custas Judiciais por aquele diploma aprovado.
De todo o modo, ainda, e decisivamente, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça (que se baseou na fundamentação utilizada pelo acórdão do Tribunal da Relação do Porto), ao entender ter sido correcta a aplicação das disposições do vigente Código das Custas Judiciais à elaboração da conta, fê-lo, não porque defendesse que se aplicaria retroactivamente aquele Código, mas sim porque a dívida de custas só surgiu com a prolação (recte, com o trânsito) das decisões judiciais que, no caso, tinha ocorrido após a entrada em vigor do indicado corpo de leis.
Não houve, desta arte, qualquer aplicação ou interpretação de onde decorra a aplicação retroactiva das disposições do novo Código das Custas Judiciais.
3. Em face do exposto, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se a impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em cinco unidades de conta'.
Da transcrita decisão reclamou a recorrente, dizendo, no que ora importa:-
'.......................................................................................................................................................................................................................................................................................
8. Por isso há razões para a apreciação do recurso.
9. E, contra isso, não valem, com ressalva do respeito devido, os argumentos aludidos - meramente aludidos - de haver jurisprudência deste Alto Tribunal para considerar a norma em causa constitucional, e que as decisões tinham sido proferidas quando essa norma estava em vigor .
..........................................................................................................................................................................................................................................................................................
11.
Tem sido considerado que as custas judiciais têm a natureza de taxa devida por um serviço prestado pelo Estado aos cidadãos que demandam justiça dentro do território da sua jurisdição, ou pelos que são demandados nessa área. E por isso se vem dizendo que as taxas, ao contrário do imposto, não se perfilam
‘como prestação coactiva’; ainda que, tal como o imposto, seja ‘primordialmente pecuniária’ (Saldanha Sanches).
Ou seja: taxa e imposto coincidem quanto à pecuniariedade; divergem quanto à coactividade.
No entendimento corrente. Que, pelo seu nominalismo, pouco demonstra. Como se vai tentar demonstrar .
12.
A taxa de justiça não pode ser comparada à taxa de utilização de uma auto-estrada, da obtenção da licença de um cão, da licença de construção de um prédio, etc.
Nem sequer à taxa moderadora dos serviços de saúde ou às propinas de frequência de uma escola.
Por várias razões.
13.
A taxa de justiça respeita a uma actividade intrinsecamente comunitária. (Intencionalmente não dizemos Estatal, porque a administração da Justiça deveria ser uma função autónoma da Comunidade, para julgar , sem quaisquer constrangimentos ou condicionamentos o próprio Estado. Ignorar isto, é ignorar o que povoa o consciente colectivo).
A Administração da Justiça é uma actividade pública; mesmo nos casos em que a sua administração é deferida a privados, não perde essa natureza.
Por ser uma actividade pública deveria ser gratuita (que é diferente da punição da litigância de má fé ou pagamento do serviço quando utilizada sem necessidade).
Os impostos existem para financiar a satisfação de necessidades públicas, que são pessoas que só se individualizam no momento em que, através delas, a necessidade é concretamente experimentada. Por isso o direito ao imposto, que é uma prestação patrimonial-pecuniária, não tem um directo correspectivo ou contrapartida patrimonial.
Mas tem um correspectivo indirecto: é a sua utilização na satisfação de carências públicas, em que o beneficiário, tal como o credor do imposto, não deve uma correspectiva patrimonialidade, quando recebe a prestação pública ao prestador .
14.
Esta actividade pública não pode ser paga como qualquer outra actividade. Sendo até certo que os critérios de cálculo são os do mais puro mercantilismo. Pois, mais que o trabalho exercido e as dificuldades técnicas do processo, considera-se o valor da acção como critério de cálculo (e, por isso, a execução de uma letra de 5 000 000 de euros dá o mesmo trabalho que a de 15 000 euros; mas a simples execução desta, apesar a equivalência do valor monetário atribuído, dá muito menos trabalho e menos dificuldades que, p. ex., uma investigação da paternidade, para além da incomensurável maior importância desta).
Considerando esta perspectiva, para o Estado, que é o colector das custas, mormente a partir das acção ordinárias, tendo-se como paradigma o processo civil, em forma ordinária, cuja valor mínimo é de 14 963.94 euros, o que interessa ao Estado é que o valor seja o mais elevado possível; pois, a partir daquela quantia, as dificuldades técnicas ou trabalho dispendido, não têm qualquer relevância.
Tal como o comissionista ou o agente comercial, feito o contacto com o cliente, o que importa é o valor da compra. Quanto mais elevado este for, maior é a comissão.
Este critério, importa diz[e]-lo com clareza, não se compagina com a ideia de Justiça. Doutro modo, o ‘maior dos bens’, como proclamava Hesíodo, pode ser o mais caro, (pecuniariamente) dos bens.
E, como todos sabemos (saber experienciado); quanto mais caro for o bem menos são os que os fruem.
E isto não é um mero problema legislativo! Esta abordagem revela que as custas judiciais, em que não há correspondência entre o serviço e o preço, não são propriamente uma taxa.
15.
Que as custas judiciais não são uma taxa, demonstra-se ainda por outra perspectiva.
Quem utiliza a auto-estrada ou os serviços de saúde paga a taxa da respectiva utilização, ou seja, a contrapartida do beneficio que recebeu. Por isso, paga quem colhe o beneficio.
No processo judicial as coisas não são assim. O Tribunal, ao declarar o direito do caso, dá razão ao titular do direito e condena aquele que pôs esse direito em causa a respeitá-lo. Mas condena-o também em custas.
A sensação dinal é esta: fez-se justiça.
Deste acto resultou o beneficio público de que a função social ou comunitária foi cumprida. Esta necessidade ou carência social foi satisfeita.
Mas individualizou-se naquele que, nesse momento, experimentava a carência. Tal como noutras circunstâncias idênticas, de satisfação de necessidades públicas (cf., supra, nº. 13), o beneficiário não paga nada pela prestacão que recebeu.
16.
O vencedor não pagou nada, mas pagou o perdedor dir-se-[á]. Mas a verdade é que não pagou quem tirou beneficio da actividade judicial, e, por isso, o conceito de taxa não explica o fenómeno.
Porque pagou quem perdeu!
E isso não é injusto (salvo quanto ao critério monetarista ou mercantilista do ‘preço’).
É pois patente que pagou quem deu causa à acção, ou seja, quem violou o direito.
Mas isto não é contrapartida positiva. É um sacrifício idêntico ao infligido àquele que viola bens protegidos penalmente (quando a pena é uma multa) ou pelas contra-ordenações (quando a pena é uma coima) .
Isto é uma evidência.
As custas judiciais são uma pena!
E, por isso, os Senhores Juizes, nas sentenças judiciais, dizem:
‘condeno o Réu (ou o Autor) no pagamento das custas’.
17.
Sendo a taxa de justiça uma punição, que ataca o património do condenado, provavelmente a norma em apreço até contende com outras normas constitucionais, em termos orgânicos outras.
Que a Recorrente reconhece não ter alvitrado.
Todavia, inconstitucionalidade, não o Tribunal Constitucional, levantada a está impedido de a reconhecer quando ela decorre da violação doutras normas constitucionais.
E, neste caso, possivelmente, terão sido violadas as disposições das als. c) ou d) do art2. 1652. da C.R.P .
O que levaria à implosão de todas as disposições do C.C.J.
III
18.
Na decisão sob reclamação - douta e merecedora de todo o respeito -, foi dito que a proibição dos impostos retroactivos só passou a vigorar na Constituição a partir da 4ª. revisão constitucional e que o Dec.-Lei nº.
224-A/96 é anterior, e que a prolação das decisões ocorreram na vigência do novo Código das Custas.
Os argumentos têm o seu peso, mas não são decisivos.
19.
Da primeira das aludidas premissas, ainda que não claramente assumida, exsuda a ideia de que o Exmº. Senhor Juiz Conselheiro, Relator deste processo, aceitava o princípio da retroactividade das leis fiscais, antes da alteração que a proíbe.
Se assim é, e com ressalva do respeito devido, não parece que tenha razão.
Contra esse entendimento, poder-se-[á] esgrimir, topicamente, com o seguinte:
- uma imposição retroactiva, pelo imprevisto sacrifício que comporta, é injusta e pode causar sérias lesões ao sacrificado;
- a ideia de orçamentação de receitas e despesas é uma ideia do futuro e não do passado;
- o imposto retroactivo ataca o património consolidado do contribuinte, por isso contende com o direito de propriedade sobre os seus bens;
- o imposto vive paredes-meias com o pro[i]bido, por isso, tal como este, postula uma definição anterior ao facto, o que inculca que a Constituição, ao nível teleológico, e sobre esta matéria, enfermava de uma lacuna latente, cuja integração só pode ser feita pela via da proibição dos impostos retroactivos.
20.
A segunda premissa também não pode ser sufragada. Quer se entenda que o novo C.C.J. consagra (como o anterior) um imposto, uma taxa ou uma pena.
Também em tó[p]ticos, dir-se-[á]:
- como imposto, é retroactivo, porque a relação est[a]beleceu-se com o facto jurídico que lhe deu origem: a intentação da acção;
- Como taxa, originada num facto já existente (qual ‘contrato’), com a relação jurídica assim constituída, é inaceitável a modificação do preço, no decurso da relação, por aquele que disse quando a relação se constituiu, qual o preço que cobrava (‘rebus sic stantibus’, ou direito adquirido);
- como pena, também não pode ser retroactivamente alterada
IV
21.
Permita-se-nos uma palavra final quanto à taxa de justiça aplicada no douto despacho em que foi decidido não tomar conhecimento do recurso.
Numa acção cível, em processo ordinário, que contém os articulados, audiência preliminar, despacho saneador, que pode ser julgada em Tribunal Colectivo ou com gravação da prova, resposta aos quesitos e prolação da sentença, cujo valor seja de 3 800 000$00 (18 954,32 euros), a taxa de justiça é de 80 000$00 (399,04 euros).
A taxa de justiça aplicada, na douta decisão recorrida, é desproporcionada, porque idêntica à daquele tipo de processo.
Por isso deve ser reduzida ao mínimo legal. Termos em que a presente reclamação deve ser recebida, de modo a que os autos sigam os seus termos, com as alegações da Reclamante e decisão final deste Alto Tribunal. Caso assim se não entenda, mas sem prescindir, a taxa de justiça do douto despacho reclamado deve ser reduzida para o mínimo legal'.
Ouvidos os recorridos Ministério Público e a B, veio unicamente a primeira entidade propugnar pelo manifesto indeferimento da reclamação, já que, de uma banda, quanto ao recurso fundado na alínea f) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, não se verificavam os pressupostos da sua admissibilidade e, quanto à questão conexionada com o entendimento segundo o qual a taxa de justiça se deveria perspectivar como um imposto, não se vislumbravam elementos que, quanto a esse particular, apontassem para diversa conclusão da seguida pela jurisprudência deste Tribunal, sendo certo que, assim, não se via em que medida
é que a aplicação das normas legais vigentes à data da prolação da decisão e que ditou a condenação em taxa de justiça pode ofender o princípio da não retroactividade da lei fiscal, tanto mais que se tratava de um diploma editado antes da Revisão Constitucional de 1997.
Cumpre decidir.
2. Não se lobriga da extensa reclamação apresentada pela recorrente qualquer razão curial que ponha em causa, minimamente que seja, os fundamentos carreados à aprecianda decisão sumária e que conduziu à não tomada de conhecimento do objecto do recurso, fundamentos esses que aqui se acolhem, pelo que, no particular daquele não conhecimento, o decidido é de manter.
E de manter serão também as hipotéticas situações aventadas nos pontos 2.4. e 2.5., quanto à última, maxime, pela razão aduzida, de modo definitivo, no penúltimo parágrafo desse ponto 2.5., sendo que, quanto à primeira, os fundamentos invocados se não vislumbram, na óptica deste Tribunal, com suficiente consistência jurídico-constitucional para pôr em causa a sua postura anterior no sentido de que a designada «taxa de justiça» não deve ser perspectivada como um imposto, ou sofrer tratamento constitucional idêntico ao que este deve revestir.
2.1. O montante da condenação em custas da ora reclamante levado a efeito pela decisão em apreço obedeceu plenamente ao disposto no nº 2 do artº 6º e no nº 1 do artº 9º, ambos do Decreto-Lei nº 303/98, de 7 de Outubro, não se revelando minimamente desproporcionada a fixação do respectivo montante em cinco unidades de conta. De outra banda, não se depara motivo algum motivo para, no caso sub specie, ser reduzido o montante fixado.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se a reclamante nas custas processuais, fixando em quinze unidades de conta a taxa de justiça. Lisboa, 16 de Janeiro de 2003- Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida