Imprimir acórdão
Proc. n.º 94/04
3ª Secção Relator: Conselheiro Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I. Relatório
1. Por decisão da 8ª Vara Criminal do Círculo de Lisboa, de 14 de Outubro de
2002, foi o ora reclamante, A., condenado” como autor de um crime de homicídio simples, praticado com excesso de legítima defesa, previsto pelos artºs 131º,
32,º 33º, n.º 1 e 73º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão”.
2. Inconformado com esta decisão o arguido recorreu para o Tribunal da Relação de Lisboa, que negou provimento ao recurso. Ainda inconformado, tentou o recorrente interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, por acórdão da conferência, de 22 de Maio de 2003, decidiu, embora com o voto de vencido de um dos Conselheiros intervenientes, rejeitar o recurso, escudando-se na seguinte fundamentação:
“[...]2. Nos termos do n.º 1 do art.º 411º, do C.P.P., aplicável a todos os recursos ordinários, o prazo para a interposição do recurso é de 15 dias, e conta-se, no caso de se tratar de sentença – ou acórdão (v.o art.º 97º, n.º 1 do C.P.P.) -, do respectivo depósito na secretaria. Ora “in casu”, o acórdão da Relação foi, sem dúvida, depositado na respectiva secretaria em 18 de Fevereiro de 2003, pois foi nesta data que foi publicada a decisão do acórdão – v. acta de fls. 667 – tal como foi publicamente anunciado na audiência de julgamento efectuada em 11 de Fevereiro de 2003, com a presença, nomeadamente, da advogada do arguido – acta de fls. 644. Face à data do depósito do acórdão, o prazo de interposição do recurso terminava em 5 de Março de 2003 e em 10 dos mesmos mês e ano com o pagamento da multa, nos termos do artº 145º,nº 5 do Código Proc. Civil, aplicável “ex vi” do artº 107º, n.º 5 do C.P.P.. Porém, o presente recurso só foi interposto em 12-3-2003, como se alcança da telecópia de fls. 681, ou seja, o recurso foi interposto para além do termo final (com multa) do respectivo prazo. Por conseguinte, por ser intempestivo, o recurso não é admissível, pelo que tem de ser rejeitado nos termos dos art.ºs 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1 do C.P.P., sendo certo que este Supremo Tribunal não está vinculado pela decisão que admitiu o recurso – n.º 3 do citado art.º 414º. Acresce que, ainda que o recurso fosse tempestivo outras razões existem para rejeitar o recurso. Assim, estamos perante um acórdão da Relação de Lisboa que confirmou a decisão da 1ª instância, dado que negou provimento ao recurso. Trata-se pois, de uma decisão proferida pela referida Relação, em recurso, da qual só se pode recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça se a mesma for recorrível. É o que dispõe a al. b) do art.º 432º do C.P.P., remetendo para o disposto no art.º 400º do mesmo diploma. No presente caso, apenas o arguido interpôs recurso para este Supremo Tribunal. Assim, há que ter em conta o disposto no art.º 409º do C.P.P. no que concerne à proibição da “reformatio in pejus”, segundo a qual, interposto recurso da decisão final somente pelo arguido - que é o caso que ora releva - o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes – v. o n.º 1 do referido art.º 409.º. Isto significa que a pena aplicável pelo tribunal de recurso – mormente a de prisão (v. o n.º 2 daquele art.º 409.º) – a cada um dos crimes por cuja prática o arguido for condenado não pode ser superior à pena aplicada pelo tribunal recorrido a cada um dos mesmos crimes – v. os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 11-4-2002 (proc.º nº 150/02 – 3ª Secção) e de 27-3-2003 (2 acs.), (proc.ºs n.ºs 859/03 – 5ª Secção e 870/03 – 5ª Secção), os últimos com os mesmos relator e adjuntos). Ora “in casu”, a Relação ao confirmar o acórdão da 1ª instância, aplicou ao arguido, aqui recorrente, a pena de quatro anos de prisão pela prática de um crime de homicídio simples, com excesso de legítima defesa. Assim, por um lado, dado que a pena aplicável, pela via de novo recurso – agora para o S.T.J. – ao crime em causa não pode exceder a que foi aplicada pela Relação – quatro anos de prisão -, não é admissível o presente recurso, face ao disposto no art.º 400º, n.º 1, al.ª e), do C.P.P., pelo que o mesmo ainda teria de ser rejeitado, nos termos dos art.ºs 414º, n.º 2 e 420º, n.º 1 do C.P.P.. Por outro lado, estamos perante um acórdão condenatório que confirmou a decisão da 1ª instância, em processo por crime ao qual, pela via de novo recurso, não pode ser aplicável pela Relação, pelo que face ao disposto no art.º 400º, n.º 1, al.ª f), do C.P.P., também não é admissível o presente recurso, que, assim, ainda teria de ser rejeitado por este motivo, nos termos dos art.ºs 414º, n.º 2 e 420º, nº 1 do C.P.P..
3. Pelo exposto, acorda-se em rejeitar o recurso. [...]”
3. Na sequência desta decisão o arguido veio aos autos, em 2 de Junho de 2003, para, ao abrigo do disposto nos artigos “118º, 1 e 2 e 123º do C.P.P.” arguir a nulidade do acórdão, reclamando simultaneamente, “por cautela de patrocínio”, ao abrigo do artigo 405º do Código de Processo Penal, para o Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça. Nesta peça processual alegou, então, que a interpretação do artigo 411º do Código de Processo Penal vertida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça é inconstitucional, por violação do n.º 1 do artigo
20º e dos n.ºs 1 e 6 do artigo 32º, ambos da Constituição, invocando, nomeadamente, o Acórdão n.º 87/2003 do Tribunal Constitucional. Do mesmo modo, ainda nesta peça, veio arguir a inconstitucionalidade do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal.
4. O Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 16 de Outubro de 2003, considerando que a “reclamação não se enquadra minimamente na previsão das disposições supra referidas” (artigo 405º do CPP), decidiu dela não conhecer.
5. Novamente inconformado o arguido voltou aos autos, em 29 de Outubro de 2003, agora requerendo ao Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que remetesse os autos à 5ª Secção, para que esta conhecesse da arguição de nulidade, renovando a arguição das inconstitucionalidades suscitadas no requerimento daquela arguição de nulidade. Simultaneamente, sempre “ por mera cautela de patrocínio” e “apenas no pressuposto [de] que não seja reparada a irregularidade da deliberação tomada e atempadamente arguida pelo recorrente, o qual para além do mais suscitou questões que relevam da interpretação sufragada e tida por inconstitucional”, interpôs o recorrente recurso para o Tribunal Constitucional, através de um requerimento, cujo teor, na parte relevante, é o seguinte:
“[...]Vem, por mera cautela de patrocínio e apenas no pressuposto que não seja reparada a irregularidade da deliberação tomada e arguida pelo recorrente, o qual para além do mais, suscitou questões que relevam da interpretação sufragada e tida por inconstitucional, ao abrigo do preceituado pelos artºs 70° /1/ b) e g) da Lei do Tribunal Constitucional, Interpor recurso junto deste Tribunal Constitucional para apreciação das seguintes questões:
[...]
15.Em síntese, e em suma, o recorrente entende que o acórdão cuja irregularidade suscitou sufraga uma interpretação do art.º 411.º / 1 do C.P.P. que cerceia injustificadamente e sem nenhum fundamento as garantias de defesa do arguido, designadamente quanto à contagem de prazo do recurso.
16. Consequentemente, esta interpretação do texto legal é inconstitucional por violar o disposto nos n.° 1 do artigo 20.º n.° 1 e 6 do artigo 32.° da C.R.P., conforme foi já decidido pelo Tribunal Constitucional, no Proc. 395/2002, Ac.
87/2003/T.Const, publicado no DR II Série, 23 de Maio de 2003.
17. Acresce que, o recorrente entende que é interpretação igualmente inconstitucional fixar um sentido ao artigo 400.º/1/f) do C.P.P. de não admitir a recorribilidade de acórdãos cuja pena concretamente fixada seja inferior a oito anos, ainda que a moldura penal do crime praticado seja igual ou superior a oito anos, por expressamente violar as garantias de defesa do arguido vertidas no art.º 32°/1 da C.R.P.
18. O Senhor .Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça não apreciou, nenhuma das questões invocadas.
19. À luz do preceituado pelo artigo 70.°/1/b) e g) da Lei de Processo do Tribunal Constitucional, cabe recurso para o Tribunal Constitucional que expressamente se interpõe para apreciação das interpretações sufragadas cuja inconstitucionalidade o recorrente arguiu.
[...]”
6. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 11 de Dezembro de 2003, indeferiu a arguição de nulidade, alegando, nomeadamente, que “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (artigo 666°, n.º1 do CPC)”, pelo que “não pode, por conseguinte, o tribunal debruçar-se, de novo, sobre a fundamentação jurídica da decisão, em ordem a uma modificação do julgado, naturalmente no sentido proposto pelo recorrente”. Transitado este acórdão, foi, então, admitido, no STJ, o presente recurso para o Tribunal Constitucional.
7. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso. É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
“[...]. Independentemente da questão de saber se, face às vicissitudes processuais que acima se deixaram referidas, o presente recurso de constitucionalidade foi interposto atempadamente, desde já se dirá que, não vinculando a decisão que admitiu o recurso o Tribunal Constitucional (cfr. artigo 76º, n.º 3, da LTC), não é possível conhecer-se do seu objecto. De facto, de acordo com o requerimento de interposição do recurso, que supra já transcrevemos na parte relevante, o recorrente pretende ver apreciada a inconstitucionalidade das interpretações sufragadas pela decisão recorrida, em relação à alínea f) do n.º 1 do artigo 400º e ao n.º 1 do artigo 411º, ambos do Código de Processo Penal. Pela forma como vem redigido aquele requerimento, é manifesto que a invocação da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional se refere à questão de constitucionalidade relativa à norma constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, enquanto que a invocação da alínea g) do n.º 1 daquele mesmo artigo da LTC se reporta à questão de constitucionalidade respeitante à norma contida no n.º 1 do artigo 411º do mesmo Código. A verdade, porém, é que, como se disse e vai sumariamente ver-se, não pode conhecer-se do objecto do recurso. Vejamos então.
8. O acórdão recorrido rejeitou o recurso tentado interpor com três fundamentos, cada um deles suficiente para conduzir a tal resultado: por ser intempestivo, por não ser admissível “face ao disposto no art.º 400º, n.º 1, al.ª e), do C.P.P” e ainda porque, “face ao disposto no art.º 400º, n.º 1, al.ª f), do C.P.P., também não é admissível”. Ora, se é certo que o recorrente questiona, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade – o qual delimita o respectivo objecto – a conformidade constitucional da norma sobre a tempestividade do recurso e da contida na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, o que é certo é que o não faz em relação à norma constante da alínea e) do mesmo artigo do Código de Processo Penal. Ora, conforme este Tribunal tem repetidamente afirmado (cfr., entre outros, os Acórdãos n.ºs 337/94, 498/96 e 3/2000 – publicados, respectivamente, no Diário da República, II Série, de 4 de Novembro de 1994, de 22 de Julho de 1996 e de 8 de Março de 2000 -, e os Acórdãos n.ºs 283/97, 556/98, 490/99 - disponíveis na página Internet do Tribunal, no endereço http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), o recurso de constitucionalidade desempenha uma função instrumental. Isso significa, como se afirmou no Acórdão n.º 498/96, já citado, “que o interesse no conhecimento de tal recurso há-de depender da repercussão da respectiva decisão na decisão final a proferir na causa. Não visando os recursos dirimir questões meramente teóricas ou académicas, a irrelevância ou inutilidade do recurso de constitucionalidade sobre a decisão de mérito torna-o uma mera questão académica sem qualquer interesse processual, pelo que a averiguação deste interesse representa uma condição da admissibilidade do próprio recurso”. Por seu turno, no acórdão n.º
556/98, também já citado, afirmou-se que “o recurso de constitucionalidade é um recurso instrumental, só fazendo sentido dele conhecer quando a decisão que o resolve se pode projectar com utilidade sobre a causa”, concluindo-se assim “que dele se não deva conhecer quando se não verifique qualquer efeito útil do mesmo sobre ela”. Assim, no caso concreto, ainda que o presente recurso fosse integralmente provido, sempre subsistiria um outro motivo de rejeição do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o que revela a inutilidade do julgamento respectivo, uma vez que nenhuma repercussão teria na decisão recorrida. Deste modo, não é possível conhecer do objecto do recurso.
9. Agora, apenas se acrescentará que, por outro lado, a admissibilidade do recurso previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82 pressupõe, designadamente, que o recorrente tenha suscitado, durante o processo, a questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada, constituindo desde há muito jurisprudência assente neste Tribunal (veja-se, entre muitos nesse sentido, os Acórdãos nºs 62/85, 90/85 e 450/87, in Acórdãos do Tribunal Constitucional., 5º vol., p. 497 e 663 e 10º vol., pp. 573, respectivamente) que, em princípio, tal implica que a questão de constitucionalidade seja suscitada antes da prolação da decisão recorrida. Em consequência, tem este Tribunal afirmado repetidamente que, em regra, o requerimento de arguição de nulidade não constitui meio ou momento processualmente adequado para suscitar, pela primeira vez, a questão de inconstitucionalidade - como, in casu, aconteceu. Ora, tendo a questão de inconstitucionalidade da norma contida na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal sido suscitada apenas no requerimento de arguição de nulidade, o Tribunal Constitucional, embora já se tenha pronunciado sobre essa norma, sempre no sentido da sua não inconstitucionalidade (vejam-se os Acórdãos n.ºs 451/2003 e 490/2003, disponíveis na página Internet do Tribunal, em http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), não pode, neste processo, conhecer de tal questão, dado ela não ter sido suscitada pelo recorrente, durante o processo, conforme exige a alínea b) do n.º 1 do art. 70º da lei do Tribunal Constitucional, ao abrigo da qual é interposto o recurso, neste ponto.
10. E, não sendo, em qualquer caso, possível conhecer-se do recurso no que se refere à alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal, sempre se revelaria inteiramente inútil, pelas razões já enunciadas supra, e ainda que estivessem preenchidos todos os pressupostos exigidos pela alínea g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, conhecer da inconstitucionalidade da norma constante do n.º 1 do artigo 411º do Código de Processo Penal, na exacta dimensão em que foi aplicada pela decisão ora recorrida.[...]”
8. Inconformado com esta decisão, o recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, n.º 3 da LTC, a presente reclamação para a conferência, que fundamenta nos seguintes termos:
“[...] Notificado da decisão sumária proferida, e por não se conformar com a mesma
Vem, ao abrigo do preceituado pelo art. 78°-A/3 da LTC (na redacção da Lei n°
13-A/98 de 26 de Fevereiro), Reclamar para a conferência da Secção O que faz nos termos e com os seguintes fundamentos: A). Da cronologia dos recursos, arguição e reclamação
1. O Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Justiça do acórdão da Relação de Lisboa que manteve a decisão condenatória da primeira instância.
2. Este recurso foi rejeitado por, e em síntese, ter sido considerado inadmissível a sua interposição à luz do preceituado pelo artigo 400°/1/e) do C.P.P. e ainda inadmissível a sua interposição ao abrigo do artigo 400°/1/f) do C.P.P., conforme sustentado pelo Recorrente.
3. O acórdão que rejeitou o recurso não foi tirado por unanimidade. E assim,
4. O Recorrente arguiu a irregularidade da deliberação tomada, por mesma não observou o estatuído pelo artigo 420°/2 do C.P.P.
5. Requereu que fosse declarada a nulidade da mesma, conforme dispõem os artigos
118°/1 e 2 e 123° do C.P.P. Acresce que,
6. Na mesma peça processual - e por cautela de patrocínio - o Recorrente apresentou uma reclamação pela rejeição do recurso.
7. Nessa reclamação recolheu os contra-argumentos que teve por válidos para refutar os que tinham sido avançados para rejeitarem o recurso.
8. Foi então nessa peça que o recorrente, pela primeira vez, suscitou a inconstitucionalidade da interpretação seguida quanto aos art.º 411°/1 do C.P.P. face aos art.ºs 20°/1 e 32°/1 e 6 da C.R.P. - isto no que respeitava à contagem do prazo para recurso.
9. Suscitou ainda a inconstitucionalidade da interpretação defendida da alínea f) do n.º1 do art.º 400° do C.P.P.
10. Inadvertidamente o recorrente endereçou a sua arguição de irregularidade da deliberação e reclamação de rejeição de recurso a entidade incompetente para o efeito: o Sr. Juiz Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
11. Declarada a incompetência deste para conhecer das matérias vertidas na peça supra-identificada, o recorrente requereu a remessa dos autos à 5ª Secção para apreciação da irregularidade invocada, bem como das interpretações tidas por inconstitucionais sufragadas já apontadas pelo recorrente e de novo reiteradas no requerimento então formulado. B). Da instrumentalidade do presente recurso de constitucionalidade
12. Sustenta o Senhor Juiz Conselheiro Relator que, e citamos, 'no caso concreto, ainda que o presente recurso fosse integralmente provido, sempre subsistiria um outro motivo de rejeição do recurso interposto para o ST J , o que revela a inutilidade do julgamento respectivo, uma vez que nenhuma repercussão teria na decisão recorrida. ' E
13. A sua posição é abrigada no facto de o acórdão recorrido ter enumerado três motivos de rejeição e o recorrente apenas 'atacar' dois deles.
14. No entanto, salvo o devido respeito - que é muito - pela douta opinião expressa, o argumento invocado pelo Supremo Tribunal de Justiça no que concerne
à inadmissibilidade do recurso à luz do artigo 400°/l/e) do C.P.P. merece a mesma objecção de princípio que é formulada face à alínea f) do mesmo artigo e número. Aliás,
15. A declaração de voto de vencido do Sr. Juiz Conselheiro Carmona da Mota trata ambas as alíneas indistintamente colocando a questão da 'gravidade abstracta do crime (aferida, legalmente, pela «pena aplicável») e não a sua concreta gravidade (aferida, judicialmente, pela «pena aplicada») que determina a recorribilidade ou irrecorribilidade, para o STJ, dos acórdãos proferidos em recurso pelas Relações.
16. Idêntico entendimento é sufragado, por exemplo, pelo Dr. Maia Gonçalves [1]:
“As alíneas e) e f), referindo-se a pena aplicável e não a pena aplicada, manifestamente que não aludem à pena que foi efectivamente aplicada, mas à moldura geral abstracta, respeitando-se porém os limites do art.º 16°/3'.
17. Vale isto por dizer que apreciação que venha ser feita da interpretação seguida e cuja inconstitucionalidade foi expressamente invocada terá idêntica sorte quanto à alínea e) do mesmo preceito. Consequentemente,
18. Apreciada a invocada inconstitucionalidade, seguramente que a decisão que recaia sobre esta projectar-se-á com toda a utilidade sobre a causa, nela se englobando a apreciação das alíneas e) e f) do art.º 400°/1 do C.P.P. C). Da oportunidade da suscitação da inconstitucionalidade
19. O recorrente invocou, desde o primeiro momento, a inconstitucionalidade das interpretações defendidas no acórdão que rejeitou o recurso apresentado: primeiro, fê-lo perante o Senhor Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça; depois perante a 5ª Secção. E
20. Nesse segundo requerimento que formulou, arguiu a inconstitucionalidade da decisão que aplicava norma já anteriormente julgada inconstitucional por este Tribunal.
21. De novo, o Recorrente permite-se discordar da posição doutamente defendida pelo Sr. Juiz Conselheiro Relator quando este afirma que o Tribunal Constitucional 'não pode, neste processo, conhecer de tal dado ele não ter sido suscitada pelo recorrente, durante o conforme exige a alínea b) do n.º1 do art.º
70° da Lei do TC, ao abrigo da qual é interposto o recurso, neste ponto. Com efeito
22. O recorrente suscitou a constitucionalidade normativa do art.º 400º/1/f) do C.P.P assim que foi confrontado com tal interpretação - face ao acórdão que rejeitou o recurso interposto, invocou a inconstitucionalidade das interpretações defendidas na arguição/reclamação. Entretanto
23. A sua arguição/reclamação teve a tramitação que supra se descreveu; E
24. Foi seguida de requerimento no qual se pediu a remessa dos autos à secção para ser apreciado; E
25. Onde, de novo, reiterava e acrescentava argumentos à questão da constitucionalidade normativa.
26. O requerimento do recorrente mereceu o contraditório do Ministério Público, junto do S.T.J., o qual não se pronunciou sobre as questões suscitadas quanto às constitucionalidades normativas.
27. Por fim, e por acórdão de 11 de Dezembro de 2003, foi decidido que:
'Não pode, por conseguinte, o tribunal debruçar-se, de novo, sobre a fundamentação jurídica da decisão, em ordem a uma modificação do julgado, naturalmente no sentido proposto pelo recorrente. O ali decidido quanto aos pontos em causa, bem ou mal, é agora inatacável, ao menos por banda do tribunal reclamado. E nessa medida não pode deixar de improceder este outro aspecto da pretensão do requerente.'
28. Note-se que o Recorrente apesar de ver indeferida a sua pretensão não tributado em custas. E
29. Ficará para todo o sempre na ignorância quanto ao alcance da utilizada 'o ali decidido quanto aos pontos em causa, bem ou mal'. No entanto,
30. O que importa sublinhar é que o Recorrente inconstitucionalidades alegadas quando com elas se confrontou de imediato e durante a pendência do processo. Aliás,
31.Em sede de relatório do acórdão de 11 de Dezembro de 2003, os Senhores Juízes Conselheiros sintetizam que o “recorrente veio arguir irregularidade de tal deliberação, com os seguintes fundamentos:
. a deliberação de rejeição exige unanimidade de votos;
. a tempestividade do recurso;
. a recorribilidade da decisão impugnada;
. a inconstitucionalidade das interpretações dos artigos 411º/1 e 400/1/f) do C.P.P., levadas a efeito no acórdão referenciado.
32. Não obstante, os Senhores Juízes Conselheiros não conhecerem de todas as questões invocadas e designadamente não conhecerem das questões que elencaram sob as alíneas b) a d), pelo que, porventura, terão violado o preceituado pelos artºs 660/2, 666º/3 e 668º/1/d) do C.P.C. aplicáveis ex. vi o estatuído pelo artº. 4º do C.P.P. [...]”
9. Notificado para responder, querendo, à reclamação apresentada, o Ministério Público pronunciou-se nos seguintes termos:
“[...]1 - A presente reclamação não abala os fundamentos da decisão reclamada, no que toca à inverificação dos pressupostos do recurso de constitucionalidade.
2 – Na verdade, assentando a decisão recorrida em vários fundamentos alternativos e autónomos, é evidente que a estratégia processual do recorrente – ao limitar o recurso para o Tribunal Constitucional a dois desses três fundamentos – condena de forma irremediável a utilidade do recurso.
3 – Já que a decisão recorrida sempre subsistiria incólume com base na norma que o recorrente não curou de incluir no elenco das alegadamente inconstitucionais – e delimitando o requerimento de interposição do recursoo objecto deste e os poderes cognitivos do Tribunal Constitucional.”
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
10. Na decisão sumária reclamada concluiu-se que não era possível conhecer do objecto do recurso porque, tendo o acórdão recorrido rejeitado o recurso tentado interpor com três fundamentos, cada um deles suficiente para conduzir a tal resultado, o recorrente questionou a constitucionalidade das normas que serviram de base a apenas dois deles, pelo que, “ainda que o presente recurso fosse integralmente provido, sempre subsistiria um outro motivo de rejeição do recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça, o que revela[va] a inutilidade do julgamento respectivo, uma vez que nenhuma repercussão teria na decisão recorrida.” Mais se considerou, ainda, que, por outro lado, “tendo a questão de inconstitucionalidade da norma contida na alínea f) do n.º 1 do artigo 400º do Código de Processo Penal sido suscitada apenas no requerimento de arguição de nulidade, o Tribunal Constitucional, embora já se tenha pronunciado sobre essa norma, sempre no sentido da sua não inconstitucionalidade (vejam-se os Acórdãos n.ºs 451/2003 e 490/2003, disponíveis na página Internet do Tribunal, em http://www.tribunalconstitucional.pt/jurisprudencia.htm), não pode, neste processo, conhecer de tal questão, dado ela não ter sido suscitada pelo recorrente, durante o processo, conforme exige a alínea b) do n.º 1 do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional, ao abrigo da qual é interposto o recurso, neste ponto”.
O recorrente vem reclamar desta decisão.
Alega, no essencial, que, embora não tenha suscitado a questão da constitucionalidade da alínea e) do n.º1 do art.º 400° do Código de Processo Penal, “o argumento invocado pelo Supremo Tribunal de Justiça no que concerne à inadmissibilidade do recurso à luz do artigo 400°/l/e) do C.P.P. merece a mesma objecção de princípio que é formulada face à alínea f) do mesmo artigo e número”. Daí que, em seu entender, “a apreciação que venha ser feita da interpretação seguida e cuja inconstitucionalidade foi expressamente invocada terá idêntica sorte quanto à alínea e) do mesmo preceito”, pelo que “apreciada a invocada inconstitucionalidade, seguramente que a decisão que recaia sobre esta projectar-se-á com toda a utilidade sobre a causa, nela se englobando a apreciação das alíneas e) e f) do art.º 400°/1 do C.P.P.” Além disso, embora apenas tenha suscitado as questões de constitucionalidade no requerimento que dirigiu, “por cautela de patrocínio”, ao abrigo do artigo 405º do Código de Processo Penal, para o Conselheiro Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, alega que o fez “quando com elas se confrontou de pronto e de imediato e durante a pendência do processo”.
11. Acredita o reclamante que, não obstante não ter suscitado perante este Tribunal a questão da constitucionalidade da alínea e) do artigo 400º do Código de Processo Penal, se o Tribunal Constitucional julgasse a questão relativa à norma contida na alínea f) do mesmo artigo e número, “seguramente que a decisão que recaia sobre esta [se projectará] com toda a utilidade sobre a causa nela se englobando a apreciação das alíneas e) e f) do art.º 400°/1 do C.P.P”, pelo que não seria inútil o conhecimento do recurso nesse ponto. Não é, porém, inequívoca a formulação utilizada pelo reclamante. Com efeito, não resulta claro se o que entende é que o Tribunal Constitucional deve conhecer da questão de constitucionalidade da norma contida na alínea f) citada e estender o juízo que fizer à alínea e) do mesmo preceito ou se lhe bastará apreciar a alínea f), crendo o reclamante que essa decisão se projectará, porventura porque não deixará de ser tida em conta pelo Supremo Tribunal de Justiça, num juízo sobre a alínea e).
Ora, independentemente de qualquer juízo sobre esta convicção do recorrente, o facto é que, no caso dos autos, nunca se poderia conhecer do presente recurso.
Por um lado, porque, baseando-se a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (que não o voto de vencido) em vários fundamentos alternativos e autónomos, não é legítimo concluir que, abalado algum deles, soçobre necessariamente qualquer outro.
Por outro lado, porque, a questão de constitucionalidade deve ser suscitada antes da prolação da decisão recorrida e não depois dela, “quando com ela[] se confrontou de pronto e de imediato.”
Assim, também pelas razões constantes da decisão reclamada, que mantêm inteira validade e em nada são infirmadas pela presente reclamação, não pode conhecer-se do objecto do recurso que o recorrente pretendeu interpor.
III - Decisão
Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 (vinte) unidades de conta.
Lisboa, 5 de Março de 2004
Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida
[1] Processo penal, pp. 757, Almedina, Coimbra, 2001.