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Proc. n.º 562/03
2ª Secção Conselheiro Benjamim Rodrigues
Acordam, em conferência, no Tribunal Constitucional:
A – O relatório
1 - A., com os demais sinais dos autos, reclama para a conferência, nos termos do art. 78º-A, n.º 3, da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual versão (doravante LTC), da decisão sumária do relator que decidiu não conhecer do recurso.
2 - A decisão reclamada é do seguinte teor:
«1. A., melhor identificada nos autos, impugnou, junto do Tribunal Judicial de Ponte de Lima, a decisão da Delegação de Viana do Castelo da Direcção Geral de Viação que lhe aplicou uma coima pela prática de uma contra-ordenação prevista e punível pelo artigo 13º, n.º 1, do Código da Estrada.
1.1. Tendo em conta o requerimento apresentado, o Juiz do Tribunal de 1ª Instância, proferiu o seguinte despacho:
“De acordo com o disposto [n]o art.º 59º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 17 de Outubro, actualizado pelo DL n.º 244/95, de 14 de Setembro, o recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima deve apresentar alegações e conclusões sob pena de ser rejeitado, por não respeitar as exigências de forma [...].
Contudo, nos termos do Acórdão n.º 265/2001 do Tribunal Constitucional [...], a rejeição do recurso, com fundamento no art. 63º, n.º 1, deverá ser precedida de convite ao recorrente, a fim deste formular as conclusões em falta.
Nesta conformidade, convida-se a arguida/recorrente para, no prazo de 10 dias, apresentar novo requerimento de recurso, observando as exigências formais, sob pena de, não o fazendo, o recurso ser rejeitado”.
1.2. A recorrente apresentou, então, um “novo requerimento de recurso” – cfr. fls. 19 a 22 v.º –, tendo o Juiz, perante a ausência de conclusões desse requerimento de interposição, “rejeit[ad]o o recurso apresentado, por não respeitar as exigências de forma” – cfr. despacho de fls. 32.
1.3. Não se conformando com tal decisão, a arguida interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, concluindo a sua motivação nos termos que infra se transcrevem:
«1.º Em 17 de Janeiro de 2003 a arguida fez uma exposição escrita dirigida ao M.º Juiz do Tribunal Judicial de Ponte de Lima e apresentou-a à autoridade administrativa que lhe aplicava uma coima e a sanção acessória de inibição de conduzir.
2.º A arguida tomou esta posição porque não se conformava com os factos relatados no auto n.º 3.2701292.7 da Delegação de Viana do Castelo da Direcção Geral de Viação e muito menos com a decisão final desta autoridade administrativa.
3.º A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
4.º Essa impugnação designa-se por recurso de impugnação, é feita por escrito, apresentada dentro de um certo prazo estabelecido na lei e dela deve constar alegações e conclusões.
5.º A impugnação judicial da decisão de uma autoridade administrativa não é um recurso próprio e a lei não impõe, neste caso, que a motivação enuncie especificamente os fundamentos do recurso e termine pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido, para alem das demais exigências no caso de o mesmo versar sobre matéria de direito e/ou matéria de facto.
6.º Estes requisitos formais têm de ser cumpridos somente na hipótese de recurso da sentença judicial ou do despacho que aprecie a impugnação da decisão da autoridade administrativa.
7.º A arguida, a fls. impugnou judicialmente a decisão da autoridade administrativa:
- para além de contestar os factos de que vinha acusada, alegou outros e concluiu […];
- igualmente requeria que, no caso de improcedência da sua defesa, e em face do exposto, se entendesse que «a simples censura do facto e a ameaça de inibição de conduzir realizam, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição» e, a final, concluía que a sanção de inibição de conduzir deveria ser suspensa […].
8.º Esta peça processual cumpria com os requisitos formais impostos pela lei para a impugnação judicial da decisão de uma autoridade administrativa.
9.º Como assim não aconteceu, a D. Decisão recorrida violou o disposto nos artigos 59º, 63º, 74º, n.º 1 e 4 do DL n.º 433/82 de 27.10 (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95 de 14.09) [...]».
1.4. E, respondendo ao parecer do Ministério Público – que pugnava pela improcedência do recurso –, a arguida veio ainda afirmar que:
“[…]
6. quando os presentes autos se referem a um processo contra-ordenacional que só subsidiariamente segue os termos do processo penal,
7. e o qual se iniciou, não atacando uma decisão judicial, mas impugnando uma decisão de uma autoridade administrativa.
8. porque assim é e a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima
é susceptível de impugnação judicial […]
9. designada impropriamente por recurso de impugnação […],
10. não exigindo a lei contra-ordenacional que a motivação daquela impugnação enuncie especificamente os fundamentos do recurso e termine pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido – como impõe o art.º 412º CPP,
11. mas tão somente determina o cumprimento desses requisitos formais e tramitação na hipótese de recurso da sentença judicial ou do despacho que aprecie a impugnação da decisão da autoridade administrativa[…].
12. Aliás estão tipificados na lei criminal os recursos ordinários – que são perante a Relação […] e o Supremo Tribunal de Justiça, e os extraordinários – da fixação de Jurisprudência […] e da Revisão […] – não estando previstos, em parte alguma, Recursos de Impugnação. Por todas estas razões – a que ainda se podem acrescentar a economia processual e os direitos e garantias da defesa da arguida – a impugnação judicial da arguida feita a fls… (com a força da sua motivação, estribada na indicação das normas jurídicas violadas e na devida conclusão pela sua inocência e ainda requerendo, que no caso de improcedência da sua defesa, se decidisse pela suspensão da sanção de inibição de conduzir) deveria ter sido admitida […]”.
1.5. O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão datado de 2 de Junho de
2003, decidiu rejeitar o recurso interposto pela arguida – cfr. fls. 64 a 68.
1.6. Novamente inconformada, a arguida interpôs recurso para este Tribunal – admitido por despacho de fls. 86 –, fazendo acompanhar – integrando – o requerimento de interposição de uma “motivação” concretizada nas seguintes
“conclusões”:
“[…]
6. in casu, não se trata da impugnação de uma decisão judicial, nem se pretende a alteração ou anulação do despacho ou sentença de um Tribunal,
7. mas apenas refutar a decisão de uma autoridade administrativa que foi tomada sem audição ou sequer defesa por parte da arguida – pois a única defesa que lhe assiste é, precisamente, a impugnação por via judicial!…
8. Deveria, portanto, ter sido admitida a impugnação judicial formulada pela arguida, seguindo-se os demais termos processuais… e o despacho de rejeição da mesma ter sido revogado.
9. Como assim não aconteceu, o D. Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 59º, 63º, 74º, n.º 1 e 4 do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27.10 (com as alterações introduzidas pelo DL n.º 244/95 de 14.09), nos art.os 3º, 427º, 432º,
437º e 449º do C. Processo Penal e ainda no art.º 32º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa. Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis deve conceder-se provimento ao recurso e, em consequência, declarar-se a ilegalidade/inconstitucionalidade da decisão recorrida por haver desconformidade entre o teor da mesma e as disposições legais e constitucionais, mormente as que consagram ao arguido, nos processos de contra-ordenação, o direito de defesa […].”
1.7. Em face deste requerimento de interposição de recurso de constitucionalidade, foi proferido, pelo Relator, um despacho no sentido de “dar cabal cumprimento ao disposto no art. 75.º-A, n.º 1, da LTC”.
1.8. A arguida/recorrente veio, na sequência desse despacho “aditar o seguinte
às suas conclusões”:
“10. O presente recurso para o Tribunal Constitucional é interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do art.º 70.º da LTC […],
11. e o que se pretende é que o Tribunal Constitucional aprecie e declare a inconstitucionalidade da norma que resulta das disposições conjugadas dos artigos 59º, n.os 1 e 3, 60º, n.º 1, 61º, n.º 1, 62º, n.º 2 e 63º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 433/82 de 27 de Outubro, quando interpretada no sentido de que, no processo contra-ordenacional a impugnação judicial da decisão de uma autoridade administrativa que aplica uma coima, em que se pede «a absolvição da prática da contra-ordenação de que a arguida vem acusada e, se assim se não entender e ao abrigo do disposto no art.º 142.º do Cód. Estrada e no art. 50º do Cód. Penal, a suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias em que a arguida foi condenada pelo chefe de divisão da delegação de Viana do Castelo da Direcção Geral de Viação» é um recurso próprio que deve apresentar alegações e conclusões, sob pena de ser rejeitado, por não respeitar as exigências de forma;
[…]
14. A interpretação, in casu, é desconforme à Lei Fundamental por violação do art.º 32º n.º 10, em conjugação com o n.º 1 do artigo 18º, ambos da Constituição da República Portuguesa,
15. sendo certo que a recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade da interpretação do Tribunal recorrido nas suas alegações de recurso para o V. Tribunal da Relação de Guimarães […]”.
Apreciando e decidindo.
2. Importa, em primeiro lugar, perante o caso sub judicio, apurar se estão preenchidos os pressupostos processuais necessários para que o Tribunal Constitucional possa tomar conhecimento do recurso, posto que, em qualquer caso, o facto de o recurso ter sido admitido no tribunal a quo não vincula este Tribunal (art.º 76º, n.os 2 e 3 da LTC).
2.1. Ora, o presente recurso de constitucionalidade foi interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70º, da Lei do Tribunal Constitucional, e, como se sabe, são requisitos para se poder tomar conhecimento deste tipo de recurso, além da aplicação como ratio decidendi, pelo tribunal recorrido, da(s) norma(s) cuja constitucionalidade se impugna e do esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, que a inconstitucionalidade normativa tenha sido suscitada durante o processo. O alcance desta última exigência – a suscitação da questão da inconstitucionalidade normativa durante o processo – tem sido, em diversas ocasiões, esclarecido por este Tribunal. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º
352/94 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 6 de Setembro de 1994) afirmou-se que esse requisito deve ser entendido “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que
(a mesma questão de constitucionalidade) respeita”. Igualmente, no Acórdão n.º
560/94 (publicado no Diário da República, 2ª Série, de 10 de Janeiro de 1995) considerou-se que «a exigência de um cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é
[...] “uma mera questão de forma secundária”. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão». Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, em que se procede a um controlo difuso da constitucionalidade, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da questão de
(in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado
(ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º
155/95, publicado no Diário da República, II Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º 192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000). Como ensina Cardoso da Costa (A jurisdição constitucional em Portugal, in Estudos em homenagem ao Professor Doutor Afonso Rodrigues Queiró, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, I, 1984, pp. 210 e ss.),
«quanto ao controlo concreto – ao controlo incidental da constitucionalidade
(…), no decurso de um processo judicial, de uma norma nele aplicável – não cabe o mesmo, em primeira linha, ao Tribunal Constitucional, mas ao tribunal do processo. Na verdade, não obstante a instituição de uma jurisdição constitucional autónoma, manteve-se na Constituição de 1976, mesmo depois de revista, o princípio, vindo das Constituições anteriores (…), segundo o qual todos os tribunais podem e devem, não só verificar a conformidade constitucional das normas aplicáveis aos feitos em juízo, como recusar a aplicação das que considerarem inconstitucionais (…). Este allgemeinen richterlichen Prüfungs - und Verwerfungsrecht encontra-se consagrado expressamente (…), e com o reconhecimento dele a Constituição vigente permanece fiel ao princípio, tradicional e característico do direito constitucional português, do “acesso” directo dos tribunais à Constituição (…). Quando, porém, se trate de recurso de decisão de aplicação de uma norma (…) é ainda necessário que a questão da inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo, em consequência do que o juiz tomou posição sobre ela (…). Compreende-se, na verdade, que a invocação da inconstitucionalidade unicamente ex post factum (depois de proferida a decisão) não seja suficiente para abrir o recurso para o Tribunal Constitucional (sob pena, além do mais, de se converter num mero expediente processual dilatório)». Tal doutrina, como se salientou naquele Acórdão n.º 354/94, apenas sofre
“restrições” em situações excepcionais ou anómalas, nas quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo insólita e imprevisível. Usando os termos do recente Acórdão n.º 192/2000, “quem pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido o acórdão da conferência de que recorre...”. E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s) articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados pelo juiz. Ao encararem ou equacionarem, na defesa das suas posições, a aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da “(in)validade” da norma em face da Lei Fundamental.
2.2. No caso dos presentes autos é manifesto que a recorrente não suscitou adequadamente qualquer problema de inconstitucionalidade normativa que o Tribunal Constitucional devesse conhecer ao abrigo do disposto no art. 280º, n.º
1, al. b), da Constituição e no art. 70º, n.º 1, al. b), da LTC. Na verdade, nas diversas peças processuais, supra transcritas – e não apenas nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, onde a recorrente afirma ter suscitado “a inconstitucionalidade da interpretação do Tribunal recorrido” –, apenas se contestam as próprias decisões judiciais em crise, nunca tendo sido equacionada pela recorrente, fosse perante o Tribunal Judicial de Viana do Castelo, fosse perante o Tribunal da Relação de Guimarães, a inconstitucionalidade de qualquer norma, em termos de o tribunal a quo ter de pronunciar-se sobre esse específico problema.
Em bom rigor – e tendo sobretudo em atenção que, como se afirmou no Acórdão n.º
215/02 deste Tribunal, “o objecto do recurso é fixado pelo respectivo requerimento, não podendo aceitar-se a inclusão de outra(s) norma(s) no âmbito do recurso, diversas das referidas no respectivo requerimento, aproveitando para tal a resposta ao convite previsto nos n.os 5 e 6 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional. Como se salientou no Acórdão n.º 20/97 (publicado no DR, II série, de 1 de Março de 1997), ‘existe uma relação de complementaridade – que não se substituição – entre o requerimento de recurso e a intervenção processual em cumprimento de despacho proferido ao abrigo do n.º 5 do artigo
75º-A da Lei do Tribunal Constitucional (...). O que não pode é o recorrente aditar ao conjunto de normas indicadas no requerimento de interposição do recurso um outro conjunto de normas. Tal como nas alegações de recurso se não pode ampliar o seu objecto, não é legítimo fazer-se tal ampliação a pretexto do suprimento de deficiências do requerimento. Aliás, outro entendimento equivaleria a transformar o requerimento de interposição do recurso numa mera formalidade, que acarretaria tantas mais vantagens quanto mais vaga fosse, na medida em que se adiava a delimitação do objecto do recurso bem para lá do prazo de apresentação deste’. (…) Não é, pois, aceitável que aproveite a resposta a um convite para indicar este enunciado preciso, destinado apenas a complementar as indicações constantes do requerimento de recurso, para, diferentemente do que se pedia, indicar normas diversas, que pretende ver também apreciadas pelo Tribunal Constitucional”. De anotar, ainda, que nem no próprio requerimento de interposição de recurso é contestada a constitucionalidade de qualquer norma, limitando-se a recorrente a imputar à própria decisão recorrida a violação da Constituição (“o D. Acórdão recorrido violou o disposto (…) no art. 32º, n.º 10 da Constituição da República Portuguesa (…) deve[ndo] declarar-se a ilegalidade/inconstitucionalidade da decisão recorrida por haver desconformidade entre o teor da mesma e as disposições legais e constitucionais”), sendo que, no presente caso, é manifesto que a recorrente dispôs de oportunidade processual idónea para suscitar a inconstitucionalidade da(s) norma(s) que constituíram a ratio decidendi do Acórdão recorrido.
3. Assim sendo e não existindo na nossa jurisdição constitucional a figura do
“recurso de amparo” ou da “queixa constitucional”, decido:
a) não conhecer do objecto do recurso; b) condenar a recorrente em custas com 5 UC de taxa de justiça.».
3 - Como fundamento da sua reclamação a reclamante alega, em síntese, que:
«[...]
9° Atendendo a que a Reclamante, não podia adivinhar o teor da decisão do M.mº Juiz a quo – com a qual ficou, aliás, bastante surpreendida – não dispunha a mesma, nesse momento, da oportunidade processual para suscitar a questão da inconstitucionalidade.
10° Todavia, fê-lo logo que pode e de forma adequada suscitou a questão da inconstitucionalidade normativa na motivação do recurso – ou seja, durante o processo e num momento em que o Tribunal ainda podia dela conhecer por não se ter esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que respeita – pelo contrário se estar a mesma a iniciar –.
11º Assim sendo, não se tratava, in casu, da figura do «recurso de amparo» e podia e devia o mesmo Tribunal da Relação ter tomado posição quanto a este assunto no D. acórdão proferido a fls. ,
12° E por isso veio, novamente, a Reclamante interpor recurso desta decisão judicial, desta vez para o Tribunal Constitucional,
13° recurso esse que foi admitido, tendo os autos subidos a este V. Tribunal,
14° Posteriormente foi a Reclamante notificada “para dar cabal cumprimento ao disposto no artº 75°-A, n° 1, da LTC bem como, se for caso disso, ao disposto nos números seguintes do mesmo preceito, devendo ter ainda em conta que lhe cabe definir a norma objecto de recurso de fiscalidade concreta de constitucionalidade”,
15° não se podendo acusá-la de ter vindo «aditar ao conjunto de normas indicadas no requerimento de interposição de recurso um outro conjunto de normas»,
16° quando a Recorrente se 1imitou a cumprir uma notificação e a exercer um direito legal,
17º e no final decidir-se “não conhecer do objecto do recurso» e «condenar a recorrente em custas com 5 UC de taxa de justiça”».
4 - O Ex.mo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Constitucional pronunciou-se, no seu parecer, no sentido do indeferimento da reclamação, dado a mesma ser “manifestamente infundada”, “sendo evidente que a reclamante nunca suscitou, ao longo do processo, alguma questão de inconstitucionalidade normativa, idónea para suportar o recurso que interpôs para o Tribunal Constitucional”.
B – A fundamentação
5.1 - Como decorre dos termos da sua reclamação, a reclamante refuta a decisão sumária com base em dois argumentos distintos. Por um lado, diz não ter tido a oportunidade de suscitar a questão de inconstitucionalidade perante o juiz de 1ª instância, “por não poder advinhar o teor da sua decisão, com a qual ficou, aliás, bastante surpreendida”, mas tê-lo feito na motivação do recurso para a Relação. Por outro, sustenta que, tendo alegado a questão de inconstitucionalidade no requerimento complementar de interposição de recurso, apresentado em consequência de convite do relator neste Tribunal Constitucional, não se pode «acusá-la de ter vindo “aditar ao conjunto de normas indicadas no requerimento de interposição do recurso um outro conjunto de normas”, “quando a recorrente se limitou a cumprir uma notificação e a exercer um direito legal”». Não há que relevar, face ao disposto no art. 70º, n.º 2, da LTC e ao facto de a reclamante ter recorrido para a Relação, o facto de não ter suscitado a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal de 1ª instância e a circunstância de a decisão de tal tribunal ter constituído para ela uma decisão surpresa. O que seria determinante, para se poder conhecer da questão de inconstitucionalidade da norma definida no art. 11º do seu requerimento complementar de interposição de recurso - «a norma que resulta das disposições conjugadas dos arts. 59º, n.os 1 e 3, 60º, n.º 1, 611º, n.º 1, 62º, n.º 2 e 63º, n.º 1, todos do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, quando interpretada no sentido de que, no processo contra-ordenacional a impugnação judicial da decisão de uma autoridade administrativa que aplica uma coima, em que se pede “a absolvição da prática da contraordenação de que a arguida vem acusada e, se assim se não entender e ao abrigo do disposto no art. 142º do Cód. Estrada e no art. 50º do Cód. Penal, a suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 30 dias em que a arguida foi condenada pelo chefe de divisão da delegação de Viana do Castelo da Direcção Geral de Viação” é um recurso próprio que deve apresentar alegações e conclusões, sob pena de ser rejeitado, por não respeitar as exigências de forma» - por violação do art. 32º, n.º 10, conjugadamente com o art. 18º, n.º 1, ambos da Constituição, era que a reclamante a tivesse suscitado na motivação do recurso para a Relação ou que a aplicação da norma por este tribunal de 2ª instância fosse de todo “insólita” ou
“imprevisível”. Todavia, o que é certo é que a reclamante, ao contrário do que afirma, não suscitou, na motivação do recurso para a Relação, nem a questão de constitucionalidade que ora diz ter feito, nem qualquer outra, tendo-se antes limitado a contestar a correcção da decisão judicial. E, por outro lado, também não pode considerar-se que a interpretação e aplicação do direito feitas pela Relação sejam de todo insólitas ou imprevisíveis, ou relativamente às quais fosse desrazoável e inadequado exigir ao interessado um prévio juízo de prognose relativo à sua aplicação, em termos de se poder antecipar à prolação da decisão, suscitando logo a questão de inconstitucionalidade. E não pode, porque o acórdão da Relação secundou a interpretação e aplicação das normas legais que a instância recorrida havia feito. A reclamante poderia, pois, sem grande esforço, suscitar a questão de inconstitucionalidade. Sendo assim, há que concluir que bem decidiu a decisão sumária reclamada este ponto da reclamação.
5.2 - Vejamos agora o segundo fundamento da reclamação. Ao contrário do defendido, o convite efectuado à recorrente pelo relator neste Tribunal Constitucional para “dar cabal cumprimento disposto no art. 75º-A, n.º 1, da LTC, bem como, se for caso disso, ao disposto nos números seguintes do mesmo artigo”, não concede qualquer direito ao conhecimento do recurso. Trata-se de um despacho dado em consequência de um exame liminar dos autos e que tem, por isso, o sentido de não afastar, in limine, qualquer possibilidade que possa existir do prosseguimento do recurso, mediante o suprimento das exigências ou requisitos processuais deste tipo de recurso constitucional que se mostram estabelecidos naquele artigo. Construído sob a consideração de um dever judicial de cautela, e porque não antecipa qualquer posição do Tribunal quanto ao conhecimento do recurso, não impede que este venha depois, em consequência de um exame mais aprofundado e reflectido dos autos, a concluir pela exclusão de todas as hipóteses do recurso poder prosseguir. E é o que se passa no caso sub judice.
Não sendo, nas circunstâncias concretas do caso sub judicio, o momento de interposição do recurso altura ainda adequada de suscitação da inconstitucionalidade em face das razões atrás expendidas, não se poderá relevar a circunstância de a reclamante - mesmo desprezando os termos em que a questão fora antes colocada nas conclusões da motivação do recurso com que fez acompanhar o respectivo requerimento de interposição, e não neste (como seria próprio), dado que, aí, questionou a constitucionalidade da decisão judicial em si própria - ter conseguido, no requerimento complementar de interposição, problematizar a questão de inconstitucionalidade relativamente à norma então – e só então - por si definida.
Também por esta razão a decisão reclamada é de manter.
C – A decisão
6 - Destarte, atento tudo o exposto, decide este Tribunal Constitucional indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 15 UC.
Lisboa, 10 de Março de 2004 Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Rui Manuel Moura Ramos