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Proc. nº 762/2002
2ª Secção Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Conferência no Tribunal Constitucional
1. Nos presentes autos de fiscalização concreta da constitucionalidade, vindos do Tribunal da Relação do Porto, em que figuram como recorrentes A, B e C e como recorridos o Ministério Público e D, foi interposto recurso de constitucionalidade nos seguintes termos: Normas cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada:
– Arts. 412°, n° 3 e 4, 101°, n° 2, ambos do CPP, na medida em que foram interpretadas e aplicadas no sentido que ónus da transcrição da gravação de prova incumbia aos arguidos recorrentes;
– Art. 144° do CP de 1982 conjugado com o art. 2° do CP de 1985, na medida em que foram interpretadas no sentido de não ter ocorrido despenalização da conduta integradora do crime de ofensas corporais com dolo de perigo; Princípios e normas constitucionais considerados violados: princípio da garantia de defesa em processo criminal (art. 32°, n° 1, da CRP); princípio do contraditório (art. 32°, n° 5, da CRP); princípio da legalidade (art. 29° da CRP). Peça processual onde foi suscitada a questão da inconstitucionalidade: motivações de recurso apresentadas pelos ora recorrentes na 1ª instância
(Tribunal Judicial de Lamego, 1º Juízo, proc. n° 05/01). A Relatora proferiu Decisão Sumária, ao abrigo do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional, no sentido do não conhecimento do objecto do recurso relativo às normas dos artigos 412º, nºs 3 e 4, e 101º, nº 2, do Código de Processo Penal, uma vez que tal questão não foi suscitada durante o processo, e no sentido de julgar manifestamente infundada a questão relativa aos artigos
144º e 2º do Código Penal (fls. 905).
2. Os recorrentes vêm agora reclamar para a Conferência, ao abrigo do artigo
78º-A, nº 3, da Lei do Tribunal Constitucional, sustentando que o acórdão do Tribunal da Relação do Porto constitui uma decisão imprevisível e inesperada, na parte em que considerou que impendia sobre os recorrentes o ónus de proceder à transcrição da prova gravada. O Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência da reclamação. Cumpre apreciar e decidir.
3. Os reclamantes apenas impugnam na presente reclamação a parte da Decisão Sumária na qual se concluiu pelo não conhecimento do objecto do recurso relativo
às normas dos artigos 412º, nºs 3 e 4, e 101º, nº 2, do Código de Processo Penal. Não é portanto impugnada a decisão que julgou manifestamente infundada a questão relativa aos artigos 144º e 2º do Código Penal. Os reclamantes, após afirmarem, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, que suscitaram a questão que pretendem ver apreciada nas alegações de recurso para o Tribunal da Relação do Porto, vêm na presente reclamação sustentar que não tiveram oportunidade processual de suscitar essa questão, consistente na interpretação segundo a qual impende sobre os recorrentes o ónus da transcrição da prova gravada. Ora, tal questão, relativa à interpretação do direito infraconstitucional, não é nova na jurisprudência (nomeadamente, na jurisprudência constitucional). Com efeito, o Tribunal Constitucional já se pronunciou sobre a mesma questão, tendo concluído pela não inconstitucionalidade de norma de conteúdo idêntico ao da norma que os recorrentes impugnam (Acórdão nº 677/99, de 21 de Dezembro – D.R., II Série, de 28 de Fevereiro de 2000). Assim, em face da orientação jurisprudencial existente e da própria jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido da não inconstitucionalidade, era objectivamente configurável e previsível para os recorrentes que o Tribunal da Relação do Porto pudesse vir a acolher a solução que efectivamente acolheu, não sendo procedente afirmar que tal decisão constitui uma 'decisão surpresa' no sentido em que o Tribunal Constitucional tem definido essa noção para o efeito de dispensa do ónus de suscitação durante o processo da questão de constitucionalidade normativa (cf. Acórdão nº 155/95, de
15 de Março – D.R., II Série, de 20 de Junho de 1995). Nessa medida, impendia sobre os reclamantes o ónus da suscitação da questão de constitucionalidade normativa que pretendem ver apreciada. Não tendo cumprido tal ónus, não se verificam os pressupostos processuais do recurso interposto, pelo que a presente reclamação é improcedente.
4. Em face do exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação, confirmando a Decisão Sumária reclamada.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 UCs., cada. Lisboa, 26 de Fevereiro de 2003 Maria Fernanda Palma Benjamim Rodrigues Luís Nunes de Almeida