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Proc. n.º 247/87 Plenário Relatora: Maria Helena Brito
Acordam, em plenário, no Tribunal Constitucional:
I
1. Em 15 de Junho de 1987, o Ministério Público propôs no Tribunal Constitucional, contra o partido político Força de Unidade Popular – FUP, com sede central na Rua -------------------------------, em Lisboa, a presente acção de extinção com processo ordinário, ao abrigo do disposto no artigo 21º, alíneas c) e d), do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro, pedindo que fosse decretada a respectiva extinção e ordenado o cancelamento da inscrição do partido no registo dos partidos políticos existente no Tribunal Constitucional.
Como preliminar desta acção, o Ministério Público instaurara no Tribunal Constitucional, em 9 de Abril de 1987, um procedimento cautelar (cfr. processo n.º 86/87, deste Tribunal) em que requeria, ao abrigo do artigo 399º do Código de Processo Civil, que fosse decretado o encerramento de todas as sedes do mencionado partido político que se encontrassem abertas, a proibição de reabertura das sedes que se mantivessem encerradas, bem como a proibição de abertura de novas sedes. No Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 162/87, de 14 de Maio (a fls. 273 e seguintes do referido processo n.º 86/87), vieram tais providências a ser efectivamente decretadas.
Com a petição inicial da presente acção de extinção de partido político, foram juntos 4 documentos:
a) Certidão do acórdão do Tribunal Criminal da Comarca de Lisboa, de 20 de Maio de 1987, proferido nos autos de querela n.º 23/85 (Documento n.º 1, a fls.
23 e seguintes); b) Certidão dos documentos apreendidos em 19 de Junho de 1984 ao réu A. nos mencionados autos de querela (Documento n.º 2, a fls. 270 e seguintes); c) Certidão de fotocópias das transcrições dactilografadas desses documentos apreendidos (Documento n.º 3, a fls. 387 e seguintes); d) Certidão de outras fotocópias dessas transcrições (Documento n.º 4, a fls. 702 e seguintes).
Alegou o Ministério Público, na petição inicial, que o fim real do partido réu seria ilícito e contrário à ordem pública, tendo sido sistematicamente prosseguido por meios ilícitos e contrários à ordem pública. Tal conclusão resultaria, segundo o Ministério Público, dos seguintes factos:
“[...]
1º O partido réu requereu, em 28 de Julho de 1980, a sua inscrição como partido político, no competente registo ao tempo existente no Supremo Tribunal de Justiça (e que transitou para este Tribunal Constitucional, por força do artigo
107º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro), o que foi deferido por despacho de 31 de Julho de 1980 do Presidente daquele Supremo Tribunal – fl. 1 e 5 do processo n.º 26-P.P. deste Tribunal Constitucional.
2º O requerimento de inscrição foi acompanhado, como impõe o n.º 4 do artigo 5º do Decreto-Lei n.º 595/74, dos «Estatutos Provisórios» do partido, que indicavam como seus princípios e objectivos fundamentais “promover a unidade popular no seio do povo português para a construção do Socialismo” e “praticar a solidariedade com todos os povos do mundo que lutam pela sua libertação e pelo Socialismo” (artigo 3º), e como órgãos dirigentes a nível nacional o Conselho Nacional, o Conselho Político e o Gabinete Executivo (artigo 6º) – fls. 2 e 3 do aludido processo n.º 26-P.P.
3º Conforme consta do acórdão de 20 de Maio de 1987 do 4º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, proferido no processo de querela n.º 23/85 (documento n.º 1), foi dado como provado que a ideia de criação do partido réu foi lançada por A., em 30 de Janeiro de 1980, e concretizada em 28 de Março seguinte através de um acordo constitutivo subscrito pelo mesmo A., por representantes do M.E.S., O.U.T., P.C.(m-l)P., P.C.P.(R), P.R.P., U.C., U.D.P. e quatro independentes
(fls.118 v.º do doc. n.º 1).
4º A criação do partido réu insere-se no desenvolvimento de um plano, designado por «Projecto Global» engendrado em finais de 1979 e começos de 1980 por diversas entidades, agrupadas entre si de livre vontade, agindo concertadamente, de forma articulada e estruturada, continuada no tempo, mediante a inserção em estruturas próprias (fls.115 v.º do doc. n.º 1).
5º Esse «Projecto Global» tinha como finalidades, entre outras, criar condições que permitissem aos seus integrantes, a prazo e mediante a insurreição armada, tomar o poder e instalar o poder popular através da institucionalização do que designavam por democracia directa e basista, e subverter o funcionamento das instituições do Estado consagradas na Constituição, pois tal se trata de uma das condições adequadas à referida insurreição armada (fls. 115 v.º do doc. n.º 1).
6º O «Projecto Global» estava estruturado com quatro componentes:
– a componente da organização política de massas – «OPM»;
– a componente civil armada – «ECA»;
– a componente dos quartéis – «Q»;
– a componente individual – «O», «OSCAR» ou «UNIDADE» (fls. 120 v.º do doc. n.º
1).
7º A componente individual era personalizada por A., como elemento aglutinador, e, na fase inicial do Projecto, como motivação e garantia da viabilidade desse Projecto Global (fls. 121 v.º do doc. n.º 1).
8º A componente «quartéis» era constituída por militares do quadro permanente
(Q.P.) e do quadro não permanente (Q.N.P.), oficiais, sargentos e praças, estruturada organicamente com uma direcção nacional, direcções regionais e de zona (fls. 121 v.º do doc. n.º 1).
9º A componente civil armada, internamente designada por ECA, considerada como o embrião do exército revolucionário, tinha na base grupos constituídos por vários elementos actuantes (também designados por equipas de intervenção ou
«comandos»), com um ou vários responsáveis por zona e por sector, órgãos regionais de direcção e um órgão de cúpula – a Direcção Militar (também conhecida por DIMA); as acções violentas e armadas desta componente foram publicamente reivindicadas com a designação «Organização FP – 25 de Abril» (fls.
121 do doc. n.º 1).
10º A componente «OPM» (organização política de massas) foi integrada de início pela OUT; posteriormente, houve nesta componente a coexistência da OUT e da FUP
(num período em que os dirigentes de ambos os agrupamentos políticos eram os mesmos, reunindo-se ora sob a sigla OUT ora sob a sigla FUP); finalmente, após um processo de discussão interna de cerca de três anos, vem a ser a FUP o partido político que constitui a componente legalizada que aparece no Projecto Global como OPM (fls. 120 v.º do doc. n.º 1).
11º A OUT («Organização Unitária de Trabalhadores») foi criada em Congresso realizado, em Abril de 1978, na Marinha Grande, e principalmente dinamizado pelo PRP («Partido Revolucionário do Protelariado»), que visava o alargamento da sua base de apoio e se dissolveria na nova Organização (fls. 117 v.º do doc. n.º 1).
12º Nas resoluções aprovadas em plenário nesse Congresso (declaração de princípios, bases programáticas, programa de luta imediata e estatutos) refere-se a violência revolucionária armada – e a criação do exército popular
(significando a criação e desenvolvimento de um exército de civis armados, com material de guerra e outro) como forma adequada à conquista do poder (fls. 117 v.º do doc. n.º 1).
13º Foi neste contexto que foi criado o partido réu, tendo o então dirigente da OUT, B., sido imposto por A. para integrar o Gabinete Executivo da FUP, sendo os demais membros deste órgão personalidades independentes (fls. 118 v.º do doc. n.º 1).
14º O dia 20 de Abril de 1980 marca o início da actividade pública da componente ECA (FP-25), quando esta, através de elementos seus e de elementos da OUT, aos quais pedira colaboração, fez explodir por vários locais do país cargas explosivas: cerca de cem petardos, difundindo simultaneamente o seu manifesto ao povo trabalhador, donde constam os seus propósitos, publicitando-se como «Forças Populares 25 de Abril – FP-25» e reivindicando a acção; entre os propósitos anunciados contam-se o de avançar organicamente com um exército revolucionário, o de enquadrar militarmente as massas trabalhadoras no assalto ao poder da burguesia, o de responder revolucionariamente a toda a repressão contra os trabalhadores, e o de proceder ao que designam por «recuperação de fundos e material logístico» (fls. 119 do doc. n.º 1).
15º Seguem-se-lhe diversas acções violentas:
– em 5 de Maio de 1980, assaltos às filiais do Banco C. e do D., no C-----------, donde são subtraídos, pela força de armas de guerra, 5.141.982$00, e é voluntariamente assassinado um 1º cabo da Guarda Nacional Republicana – acção reivindicada pela Organização «ECA/FP-25»;
– em 9 de Maio de 1980, em B----------, foi encontrado um engenho explosivo dentro de um contentor de lixo;
– em 13 de Maio de 1980, três elementos da organização «ECA/FP-25» cometem, em A---------, os factos descritos no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Maio de 1983, publicado no «Boletim do Ministério da Justiça», n.º 327, pág.
458, tendo sido voluntariamente assassinado um soldado da Guarda Nacional Republicana (fls. 119 e v.º do doc. n.º 1).
16º Face a esta série de acções violentas, elementos do Gabinete Executivo da FUP, não oriundos do PRP/OUT, exigiram que houvesse uma demarcação pública da FUP em relação às FP-25, o que gerou discussão interna na FUP, tendo, no entanto, em 16 de Maio de 1980, em conferência de imprensa, sido divulgado um comunicado com esse objectivo (fls. 120 do doc. n.º 1).
17º Nessa época – Maio de 1980 – a componente ECA/FP-25 e a organização OUT estavam em sintonia no que concerne às finalidades do «Projecto Global», situação que era desconhecida dos restantes elementos que constituíram o então executivo da FUP oriundos de outros partidos que não da OUT e do PRP, os quais, porém, acabariam por abandonar a FUP (fls. 120 do doc. n.º 1).
18º Verificado o abandono dos elementos não oriundos da OUT PRP, a FUP ficou reduzida aos elementos da OUT/PRP e veio a ficar em sintonia completa com a componente ECA/FP-25 que concerne às finalidades do «Projecto Global» (fls. 120 do doc. n.º 1).
19º Para a concretização destas finalidades, as diversas componentes do
«Projecto Global» empenharam-se em:
– agregar cidadãos civis e militares para levar a cabo tais objectivos;
– proceder à importação, fabrico, compra, guarda e utilização de armas de guerra;
– apropriar-se de armamento contra a vontade dos donos, designadamente pistolas, espingardas automáticas, metralhadoras, morteiros, granadas, explosivos, bombas, relógios para accionar bombas, detonadores, miras telescópicas e munições;
– levar a cabo voluntariamente acções de que resultou a morte de outrem, acções de que resultaram ofensas corporais para outrem, acções de que resultou a intimidação de outrem, acções de que resultou a apropriação de coisas móveis de outrem, e acções de que resultou a destruição de bens de outrem;
– levar à prática, voluntariamente, actos de intimidação contra empresários e gestores de empresa, gerando neles e em pessoas de categoria sócio-profissional e afim e nas respectivas famílias, medo e insegurança;
– levar à prática, voluntariamente, actos de intimidação contra agentes da autoridade pública, gerando neles medo e insegurança;
– para estes actos de intimidação, empregar disparos de armas de fogos e lançamento de granadas que, voluntariamente, causaram a morte ou ofensas corporais nas pessoas visadas; exibir armas; enviar manuscritos com ameaças sérias de atentados contra a vida, integridade física e bens das pessoas; colocar engenhos explosivos, nomeadamente em viaturas, para o rebentamento através do seu accionamento devida e previamente preparado; preparar locais de ocultação de pessoas a sequestrar, privando-as de liberdade sem o seu consentimento, para a obtenção de dinheiro (fls. 116 do doc. n.º 1).
20º Neste Projecto Global, à componente legalizada OPM – que, como se referiu, a FUP integrou, primeiro em conjunto com a OUT, depois sozinha – competia, a coberto da institucionalização legal:
– intervir na agudização e desenvolvimento de conflitos sociais;
– em termos de propaganda, dar cobertura às acções tácticas (acções tácticas que assumem, por vezes, natureza violenta, mediante o recurso a armas de fogo por parte de elementos de ECA/FP-25), utilizando para isso as informações, as realizações culturais, a intervenção sindical e as publicações;
– promover o desenvolvimento e alargamento da base de apoio do «Projecto Global»;
– adquirir imóveis e móveis, como sedes, veículos automóveis e máquinas;
– distribuir fundos e efectuar pagamentos mensais aos seus elementos;
– obter informações (fls. 122 v.º e 123 do doc. n.º 1).
21º Representantes das direcções das componentes OPM (FUP) e ECA (FP-25), um elemento simbolizando a componente «Quartéis» e a componente individual A. tinham assento num órgão de cúpula no âmbito do «Projecto Global», designado por DPM (Direcção Político-Militar) ou DE (Direcção Estratégica), funcionando como
órgão-síntese das direcções das quatro componentes e que promovia a sua articulação, emitindo orientações geradas por consenso, para dar realização ao
«Projecto Global» (fls. 112 do doc. n.º 1).
22º Entretanto, a FUP realiza, em 5 e 6 de Março de 1983, no Vimeiro, o seu 1º Congresso, no qual são aprovados novos estatutos, que alteram substancialmente os primitivos, quer ao nível dos objectivos programáticos, quer ao nível dos
órgãos dirigentes, que passam a ser a Comissão Nacional, a Comissão Política e o Secretariado Permanente (fls. 3 e segs. do processo de providência cautelar apenso).
23º Estes estatutos não foram depositados neste Tribunal Constitucional, em flagrante violação do disposto no artigo 8º do Decreto-Lei n.º 595/74.
24º A nível programático salienta-se que, segundo os novos estatutos, «na actual situação, a grande tarefa que se coloca (...) à FUP é (...) a luta permanente pelos objectivos da Revolução Socialista. Esta Revolução (...) só será possível pelo recurso destas [classes trabalhadoras] à violência revolucionária armada», o que significa que o partido réu insere como modo de levar a cabo a tarefa que se propõe o recurso à violência revolucionária armada (fls. 6 do processo de providência cautelar apenso).
25º No mesmo Congresso foi aprovado um novo símbolo, cujo registo, porém, foi recusado por despacho de 30 de Maio de 1983 do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento em que a arma (metralhadora) dele constante, com o significado, dado pelos próprios requerentes (cfr. fls. 24 do Processo n.º
26-P.P. deste Tribunal), de exprimir «a convicção de que os trabalhadores só atingirão o poder e o socialismo pelo recurso à violência, implicava incitamento
à violência, finalidade que «contraria a nossa Lei Fundamental e o princípio básico expresso no artigo 1º do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro, segundo o qual os partidos políticos devem agir com o objectivo de participar democraticamente na vida política do País e de concorrer, de acordo com as leis constitucionais e com os seus estatutos e programas publicados, para a formação e expressão da vontade política do povo, intervindo, nomeadamente, no processo eleitoral mediante a apresentação ou o patrocínio de candidaturas» (fls. 26 v.º e 27 do processo citado).
26º Esse despacho transitou em julgado e, por isso, determinou o indeferimento de idêntico pedido de mudança de símbolo, por acórdão de 11 de Agosto de 1983 deste Tribunal Constitucional (fls. 35 a 37 do citado processo n.º 26-P.P.).
27º Foi, pois, em completa consonância com os seus objectivos programáticos explicitamente enunciados nos Estatutos de 1983, que o partido réu, FUP, enquanto tal – e não apenas através de dirigentes seus actuando a título individual – integrou a organização terrorista auto-designada de «Projecto Global», o que é exuberantemente documentado pelos «cadernos» de A., em que este indiferenciadamente anotava o que se passava nas reuniões da DPM (Direcção Político-Militar do «Projecto Global») e da Comissão Política (COMPOL ou CPOL) da FUP – documentos n.ºs 2 (manuscritos), 3 (transcrição dactilografada do
«caderno de capa verde») e 4 (transcrição dactilografada do caderno de «capa preta»).
28º Além das reuniões da DPM, realizaram-se, em 1984, por duas vezes, reuniões com elementos que ocupavam lugares de responsabilidade nas diversas componentes do «Projecto Global», reuniões que tiveram a designação de «Conclave» ou «PDEC» e foram rodeadas de grande secretismo, com os presentes encapuçados e identificados por números (fls. 122 do doc. n.º 1).
29º No «Conclave» ou «PDEC» de 6 e 7 de Abril de 1984 foi aprovado, com pequenas alterações, um documento intitulado «O papel da luta armada – violência de massas», apresentado por um elemento da ECA/FP-25, que viria a ser apreendido nas sedes da FUP (fls. 123 e v.º do doc. n.º 1).
30º Nesse documento, refere-se a análise, definição, execução e reivindicação de acções violentas e armadas que são classificadas em diversos níveis de violência
(fls. 123 v.º do doc. n.º 1).
I - Ameaças, destruição ou ataque a bens de pessoas:
– a aplicar especialmente no caso em que existam contradições de classe abafadas, podendo, neste caos, a acção violenta agudizar situações e provocar lutas;
– devem ser as organizações armadas locais a analisar, executar e reivindicar ou não, dentro da táctica do Projecto; II - Ataque não mortal a pessoas:
– a aplicar especialmente no caso em que a luta dos trabalhadores tenha sido derrotada ou onde haja situações repressivas;
– devem ser as organizações armadas de zona a analisar, executar e reinvindicar ou não, dentro da táctica do projecto;
III - Atentados contra a vida de inimigos:
– constituem punição de ataques do Poder ao Projecto, de traidores do Projecto e de agentes de actos que prejudiquem os trabalhadores e os revolucionários, podendo abranger punição contra elementos do sistema judicial, forças militarizadas, aparelho do Estado e patrões;
– deve ser a DIMA (órgão de cúpula da ECA/FP-25) ou um seu executivo a analisar, executar e reivindicar ou não dentro da táctica do projecto, mas a partir de Planos de Trabalho aprovados ao nível da DPM com a caracterização dos objectivos
(perfil dos inimigos a abater). IV - Eliminação de traidores, colaboradores e sabotadores do projecto:
– a definir e executar pelo Tribunal (da organização terrorista), reivindicado ou não pelo mesmo, dentro da táctica do Projecto; V - Acções contra o poder:
– a aplicar especialmente para alimentar a instabilidade no sistema;
– a definir, executar e reivindicar (ou não, dentro da táctica do Projecto) pela DPM; VI - Recuperação de fundos ou material:
– a definir e executar pela DIMA, organizações locais e de zona;
– a reivindicar pela DIMA ou seu executivo em casos excepcionais ou em balanços gerais, se estiver dentro da táctica do Projecto; VII - Acções de Apoio, solidariedade e intercâmbio para com os povos em luta:
– a definir e executar pela DIMA e DPM; VIII - Acções de propaganda:
– a definir e executar pela DPM ou DIMA (lutas sectoriais).
31º Nas reuniões dos órgãos dirigentes da FUP discutiu-se e projectou-se a concretização do «Projecto Global», as funções e articulação das quatro componentes do mesmo, a obtenção e distribuição de fundos e tácticas de actuação, a evolução de concretização dos objectivos do «Projecto Global», no qual o partido réu participava enquanto tal (fls. 128 v.º do doc. n.º 1).
32º Em 9 de Abril de 1983, realizou-se uma reunião da Comissão Política (COMPOL) da FUP, na qual se fizeram referências à ECA e à DE (Direcção Estratégica), bem como à eleição para este órgão, e se afirmou a necessidade de intervir tacticamente a nível de «Projecto Global» com acções exemplares (fls. 132 e v.º do doc. n.º 1).
33º Na reunião da COMPOL da FUP de 28 de Maio de 1983 foi proposto fazer uma reunião alargada das componentes do «Projecto Global», designada por «Conclave», para alargar a discussão de problemas no âmbito do «Projecto Global» (fls. 33 do doc. n.º 1).
34º Na reunião de 16 de Julho de 1983 da DPM (Direcção Político-Militar) do
«Projecto Global» foi relatada uma «recuperação de fundos» no montante de
12.350.000$00, tendo logo sido afectados 11.297.000$00 para a ECA/FP-25 e
1.000.000$00 para a OPM (FUP) (fls. 33 do doc. n.º 1).
35º Na reunião do Secretariado da FUP de 21 de Agosto de 1983 foram aprovados pagamentos e distribuição de verbas e o membro desse Secretariado, E., referiu que, sempre que possível, casas e automóveis da FUP deviam ficar, por questão de segurança, em nome de camaradas de confiança, os quais assinariam uma declaração de venda à FUP, em papel selado e com assinatura reconhecida, que ficaria entregue à direcção da FUP e metido em cofre, na qual se afirmaria já ter sido recebida a totalidade do dinheiro da venda (fls. 133 v.º do doc. n.º 1).
36º Na reunião da Comissão Política da FUP, de 1 de Outubro de 1983, fizeram-se referências ao «Conclave» do «Projecto Global» e foi aprovado que se discutisse a nível da DPM (Direcção Político-Militar) do «Projecto Global» a elaboração de comunicado relembrando a data da morte do elemento da ECA/FP-25, Guerreiro, e a realização de acção a reivindicar (fls. 134 v.º do doc. n.º 1).
37º Na reunião da Direcção Político-Militar do «Projecto Global», de 17 de Dezembro de 1983, foram dadas informações da OPM (FUP) relativas ao seu sector de organização à estrutura comercial (fls. 135 v.º e 136 do doc. n.º 1).
38º Em 14 e 15 de Janeiro de 1984 realizou-se uma reunião da Comissão Política da FUP onde foi analisado o insucesso da «acção F.» (não deflagração, por avaria técnica, de engenho explosivo colocado sob veículo automóvel do administrador da Fábrica F., em G-----------), executada e reivindicada pela ECA/FP-25 (fls. 136 do doc. n.º 1).
39º Em 4 e 5 de Fevereiro de 1984 realizou-se uma reunião da Comissão Política da FUP, onde se discutiram questões de segurança dos elementos dirigentes da componente OPM devido a informações de que estaria prevista uma operação policial sobre esta e da possibilidade de a FUP ser classificada como associação de malfeitores, decidindo-se caber à DPM (Direcção Político-Militar do Projecto Global) a responsabilidade de reunir logo após as prisões para tomar decisões e convocar a Comissão Política da FUP (fls. 136º v.º do doc. n.º 1).
40º Em 7 de Fevereiro de 1984, em Lisboa, elementos da ECA/FP-25 apoderaram-se de cerca de 108.000.000$00 transportados numa carrinha do «---------------», tendo tal operação sido levada a cabo no âmbito do «Projecto Global» e logo reivindicado pela organização sob a sigla FP-25; logo após tal acção, em 13 de Fevereiro de 1984, reuniu-se o Secretariado da FUP, apenas com dois pontos de agenda, sendo um deles o desbloqueamento de verbas (foram atribuídos à FUP
4.460.000$00) e o outro a preparação da DPM (fls. 138 v.º do doc. n.º 1).
41º Em 6 e 7 de Abril de 1984 realizou-se novo «Conclave» (ou PDEC) do «Projecto Global», onde foi discutido o passado, o presente e o futuro das componentes existentes no âmbito desse Projecto, tendo a discussão por base 28 documentos, havendo a salientar que:
– na acta sobre o balanço da «Organização Revolucionária» se referem as actuações positivas e negativas da OPM/FUP, anotando-se a sangria de quadros da OPM/FUP para o trabalho na «estrutura» (expressão que designou a ECA/FP-25), o que foi criticado;
– no documento n.º 23 prevê-se que a DPM (Direcção Político-Militar do projecto Global) seja o conjunto dos representantes da componente, e entre estas refere-se a FUP;
– no documento n.º 24 refere-se que o «Projecto Global» é um projecto insurreccional e que a convergência das componentes num colectivo de Direcção Político-Militar, promovendo a indispensável coesão político-ideológica, garante a unificação da luta e a síntese das várias componentes (fls. 141 v.º a 143 do doc. n.º 1).
42º Na reunião de 5 e 6 de Maio de 1984 da Comissão Política da FUP foi discutido o balanço e as implicações do PDEC (Conclave) anteriormente referido, e decidido que deviam ser eleitos três membros da OPM/FUP para a DPM (Direcção Político-Militar do projecto Global) (fls. 144 do doc. n.º 1).
43º Na reunião de 2 e 3 de Junho de 1984 da Comissão Nacional da FUP foi aprovada a candidatura de A. às eleições presidenciais, devendo este assunto ser aprofundado na DPM e nele se empenhando as quatro componentes do «Projecto Global» (fls. 145 v.º do doc. n.º 1).
44º Nas sedes da FUP foram apreendidos documentos das restantes componentes, nomeadamente documentos debatidos no PDEC (ou Conclave) de 6 e 7 de Abril de
1984, documentos manuscritos por A. relativos à sua participação nesse Conclave, e «croquis» de instalações militares e documentos militares classificados de secretos (fls. 146 v.º do doc. n.º 1).
45º Aquando da prisão de G., na sede da FUP, na Rua ---------------, em Lisboa, foram-lhe encontrados e apreendidos vários documentos onde se referem as componentes e sub-componentes ou frentes de luta no âmbito do Projecto Global, nomeadamente a acta, manuscrita por si, da reunião da DPM de 4 de Junho de 1984
(fls. 182 v.º do doc. n.º 1).
46º A componente OPM/FUP dispunha de viaturas que foram utilizadas ao seu serviço como apoio à concretização do «Projecto Global», designadamente os veículos automóveis «---------» -----------, «----------» --------,
«------------------» -----------, «-----------» ------------,
«-----------------» -----------, «------------------» -------------,
«-----------» ------------- (fls. 185 a 187 do doc. n.º 1).
47º O aludido acórdão do 4º Juízo Criminal de Lisboa deu como provado que os réus aí mencionados se agruparam e visavam, para além do mais, derrubar o regime constitucional democrático português e impor, pela força das armas, um outro regime, actuando concertadamente na concretização desse propósito; assim, não exerceram o direito constitucional de associação, antes violaram o artigo 46º, n.ºs 1 e 4, da Constituição, e cometeram o crime previsto no artigo 288º do Código Penal (organização terrorista) (fls. 208 do doc. n.º 1).
48º Entre os réus condenados contam-se sete dos oito componentes do Secretariado Permanente da FUP (conforme elenco constante de fls. 21 do processo n.º 26-P.P. deste Tribunal), a saber: B., E., H., I., J., L. e M. (fls. 208 do doc. n.º 1).
49º Porém, como exuberantemente se documentou, foi o próprio partido réu, enquanto tal, que se integrou como componente da organização terrorista
«Projecto Global», e, por isso, no aludido acórdão se declararam perdidos a favor do Estado todos os móveis, máquinas e restantes objectos e valores existentes nas sedes da FUP (fls. 235 do doc. n.º 1).
[...].”
2. Ordenada a citação do partido réu (fls. 774), veio este na contestação pedir a absolvição da instância ou, se assim não se entendesse, que fosse julgada improcedente e não provada a acção, alegando o seguinte (fls. 782 e seguintes):
“I. Questões prévias A. 1ª Questão prévia; ilegitimidade activa.
1º A presente acção é proposta pelo representante do Procurador-Geral da República no Tribunal Constitucional. Ora,
2º Constitui princípio geral do direito público português considerar válidas a substituição e as delegações apenas quando expressamente consentidas por lei. Assim,
3º A lei ordinária, para as actividades não políticas, permite o funcionamento do mecanismo da representação, genericamente admitido na Constituição – art.º
224º, n.º 1 – e melhor explicitado no n.º 2 do art.º 10º da Lei n.º 39/78, de 5 de Julho.
4º Constituem, nessa perspectiva, aplicações da lei ordinária, as normas contidas no n.º 2 do art.º 11º da Lei n.º 39/78, citada e no art.º 44º da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro.
5º A competência, cometida ao Ministério Público, para requerer a extinção de partidos políticos é de natureza política.
6º Essa competência é insusceptível de ser exercida por substituição ou delegação. Deste modo,
7º Nesta acção o Ministério Público deveria ter formulado o pedido através da pessoa do Procurador-Geral da República.
8º Não o tendo feito, o pedido vem formulado com falta de legitimidade.
9º Por essa razão o pedido não deveria ter sido admitido, face ao disposto no n.º 1 do art.º 52º da Lei n.º 28/82, citada, aplicável por via analógica.
10º Orientação semelhante – a propósito da declaração, com força obrigatória geral, da inconstitucionalidade de normas – foi adoptada pelo Tribunal Constitucional no seu Acórdão n.º 7/83, de 26 de Julho (vide Acórdãos do Tribunal Constitucional, 1º Volume (1983), Lisboa, 1986, pp. 63-65).
B. 2ª questão prévia: inexistência de caso julgado condenatório.
11º Os factos essencialmente invocados nos fundamentos da causa de pedir e do pedido têm o seu suporte no acórdão proferido em 20 de Maio de 1987, no âmbito do processo de querela n.º 23/85, do 4º Juízo Criminal de Lisboa. Ora,
12º É público e notório que desse acórdão condenatório foi interposto, pela defesa, recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa. Além do que,
13º Com a petição inicial não é apresentada certidão do seu trânsito em julgado
(que não se verifica como se diz anteriormente).
14º Nem do carácter não suspensivo do recurso. Aliás,
15º A eficácia suspensiva desse tipo de recursos decorre da própria lei, face ao disposto no art.º 658º, 1º do Código de Processo Penal. Assim,
16º Não há condenação definitiva quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, conforme decorre da norma contida no art.º 153º do Código de Processo Penal.
17º A expressão «existência e qualificação do facto punível» é entendida pela doutrina criminalista como traduzindo «o mais lato sentido das palavras» (vide Eduardo Henriques da Silva Correia, A Teoria do Concurso em Direito Criminal, Coimbra, 1983, pp. 403 e ss.).
18º A não ser assim, ficaria esvaziado de conteúdo o princípio da «reapreciação» dos actos jurisdicionais por parte de outros juízos, ou princípio do duplo grau de jurisdição decorrente do art.º 215º da Constituição, em conjugação com os preceitos da lei ordinária que estabelecem o direito ao recurso.
19º Como o Tribunal da Relação é um Tribunal de instância (no caso de segunda instância) e tem poderes para a reapreciação total,
20º Os factos, dados como provados naquele acórdão condenatório não podem ter-se como definitivamente assentes.
21º Não fazendo pois parte do mundo jurídico, como factos concretos a invocar em sede de acção não penal.
22º Não sendo invocáveis, a presente acção está afectada, no essencial dos seus fundamentos, quanto à atendibilidade da pretensão formulada.
C. 3ª questão prévia: caso julgado da inscrição.
23º A FUP requereu a sua inscrição de harmonia como art.º 5º do Dec-Lei n.º
595/74, de 7 de Novembro. Ora,
24º Ao tempo da apresentação desse requerimento – 28.7.80 – a decisão da inscrição ou não inscrição cabia, em primeira instância, ao presidente do Supremo Tribunal de Justiça, devendo ser publicada na 2ª série do Diário da República.
25º Dessa decisão cabia recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em sessão plena, a interpor pelo partido ou partidos interessados ou pelo Ministério Público.
26º O prazo para a interposição desse recurso era de 8 dias a contar da publicação da decisão.
27º O recurso tinha de ser decidido no prazo de 3 dias.
28º Como da decisão da inscrição não foi interposto recurso, aquela veio a tornar-se definitiva.
29º Não pode agora vir a invocar-se o conteúdo estatutário de acto de inscrição para efeitos de causa de extinção do partido político. Assim,
30º São irrelevantes para o mérito da causa os factos vertidos nos art.ºs 1º e
2º da petição inicial.
D. 4ª questão prévia: o mero efeito de anotação da alteração estatutária ou programática.
31º No art.º 22º da petição inicial é referida a aprovação de novos estatutos no Congresso da FUP de 5 e 6 de Março de 1983, no Vimeiro.
32º Logo se referindo que os mesmos não foram depositados. Ora,
33º Conforme considera a doutrina «a alteração estatutária ou programática é sempre possível e sem outros limites senão os que condicionam a existência partidária» (Marcelo Rebelo de Sousa, Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português, Braga, 1983, p. 427).
34º Nesse âmbito, é de se observar o princípio da livre alteração partidária.
35º Prescrevendo a lei o dever de comunicação para mero efeito de anotação
(Ibid., p. 427). Assim,
36º Da não comunicação formal dessas alterações estatutárias e programáticas não pode retirar-se outro efeito ou consequências.
37º Para além do não funcionamento, no plano da sua eficácia jurídica, perante terceiros.
E. 5ª questão prévia: a falta de um dos pressupostos de responsabilidade: o nexo de causalidade.
38º As causas de extinção consideradas na petição inicial – basicamente a ilicitude do fim e a ilicitude dos meios – têm de decorrer de actividades da própria FUP.
39º Só relativamente a essas actividades funcionará o nexo de causalidade, pressuposto indispensável à relação de imputação.
40º Trata-se duma causalidade complexa, devendo as acções em que ela se traduz decorrer da orientação dos órgãos dirigentes do partido político FUP.
41º É pois necessário uma orientação institucional do partido, assente na ilicitude.
42º Não sendo caracterizadora dessa orientação a acção individual de algum ou de alguns dos seus membros, dirigentes ou não.
43º A FUP também não pode responder pela orientação e pelas acções doutras organizações ou pessoas.
44º Mesmo relativamente às quais tenha afinidades ideológicas.
45º Independentemente da posição crítica que assuma face a elas. Assim,
46º A FUP não pode responder pela orientação da ECA, das FP.25, de Quartéis ou de qualquer outra.
47º Não está demonstrado que o Projecto Global seja uma organização, no sentido duma estrutura institucionalizada.
48º E que a FUP desenvolvesse a sua actividade segundo orientações superiores, de carácter super-estrutural.
49º Não está demonstrado que a DPM, a que se alude na petição inicial, seja um
órgão que emita comandos ordenativos para a FUP.
50º Não tem razão de ser procurar-se, no âmbito doutras organizações, as motivações das causas de extinção da FUP.
F. 6ª questão prévia: a invasão da área de liberdade interna dos partidos
51º No Estado de Direito Democrático que emerge da Constituição de 1976 os partidos políticos expressam direitos e funções decorrentes do funcionamento da vida social e política. Assim,
52º São elementos necessários para a formação e expressão da vontade popular, conforme decorre do art.º 10º, n.º 2, da Constituição.
53º Ocupando, em sede de direitos fundamentais, lugar destacado, quanto aos direitos de constituição e de participação (Vide J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista e ampliada, 2º volume, Coimbra, 1985, p. 76).
54º Os partidos políticos são associações de direito privado, com um estatuto constitucional, «configurado como direito subjectivo, direito político e liberdade fundamental» (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 3ª edição, Coimbra, 1983, pp. 365-366).
55º Conforme entende conhecida orientação da doutrina constitucionalista: «a Constituição reconhece a liberdade de formação dos partidos políticos como um direito fundamental (art.º 51º) e concede-lhes um estatuto privilegiado em relação ao direito geral de associação; não estabelece, além disso, um controlo ideológico-programático mas apenas um controlo externo de liberdade constitucional» (José Joaquim Gomes Canotilho, ob. cit., pp. 365). Ora,
56º A liberdade externa dos partidos desdobra-se na liberdade de fundação de partidos políticos e na liberdade de actuação partidária.
57º A liberdade interna dos partidos revela-se em duas áreas fundamentais : «a)- sobre os partidos não pode haver qualquer controlo ideológico-programático; b)- não é admissível um controlo sobre a organização interna do partido» (José Joaquim Gomes Canotilho, ob. cit., p. 367).
58º Os limites à actividade partidária são apenas a violação dos princípios de independência nacional e da democracia política (n.º 2, art.º 10º da Constituição).
59º É esse o limite constitucional à liberdade da actuação dos partidos (vide J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 2ª edição revista e ampliada, 1º volume, Coimbra, 1984, p. 103).
60º Para além desses limites, só as organizações de ideologia fascista podem incorrer em «inimizade constitucional» (vide José Joaquim Gomes Canotilho, ob. cit., p. 368). Ora,
61º Essa «inimizade constitucional» fundada na restrição ao direito de associação estabelecida no n.º 4 do art.º 46º da Constituição visa fundamentalmente evitar a reconstituição das organizações políticas do antigo regime, designadamente daquelas cuja extinção foi logo prevista pelo Programa do MFA (vide Parecer n.º 11/77, in Pareceres da Comissão Constitucional, Vol. II, p, 17).
62º A petição inicial, apenas em abstracto invoca o art.º 46º, n.º 4 (art.º 47º da p.i).
63º Sem contudo afirmar e demonstrar como e a que tipo de organização – segundo a previsão legal dessa proposição normativa – se ajusta a FUP.
64º Também a promoção da violência e os fins ilícito-penais são limites constitucionais à liberdade de associação (art.º 16º, n.º 1, da Constituição).
65º Também nesse âmbito cabe à entidade requerente a demonstração dessa promoção da violência e dessa ilicitude penal relativamente à FUP.
66º Por iniciativa (e actuação) dos órgãos dirigentes da FUP.
67º Não bastando pois a referência, por mera articulação, não demonstrada, com outras organizações. Assim,
68º As alusões ideológicas e programáticas, para além dos limites indicados, não podem servir de substracto factual às causas extintivas do partido político FUP.
69º Não relevando para a causa de pedir na presente acção. G. 7ª questão prévia: violação do princípio da presunção da inocência.
70º Um dos fundamentos da presente acção reside na condenação criminal de sete ou oito membros do Secretariado Permanente da FUP (art.º 48º da p.i.). Ora,
71º É princípio constitucional a presunção da inocência até ao trânsito em julgado da sentença de condenação, inscrito no n.º 2 do art.º 32º da Constituição.
72º Um dos aspectos em que se expressa o conteúdo desse princípio é a proibição da inversão do ónus da prova em detrimento do arguido. Porém,
73º Na acção ora proposta é claramente desaplicado aquele princípio.
74º Pois parte-se duma presunção da culpabilidade de pessoas singulares.
75º Para, invertendo o ónus da prova, procurar afectar a razão de ser do partido político FUP através duma causa extintiva.
76º As garantias de processo criminal são direitos fundamentais (art.º 18º da Constituição).
77º Os direitos fundamentais prevalecem sobre meros interesses de carácter processual.
78º Conforme assinala José Joaquim Gomes Canotilho «a lei move-se dentro do
âmbito dos direitos fundamentais e considera-se como exigência de realização concreta de direitos fundamentais» – Tese 7.1 quanto à vinculação do legislador pelos direitos fundamentais – (Constituição Dirigente e Vinculação do Legislador, Contributo Para a Compreensão das Normas Constitucionais Programáticas, Coimbra, 1982, p. 483). Assim,
79º Esse fundamento é também inaproveitável para a justificação válida da causa de pedir.
H. Das consequências das questões prévias
80º Bastaria a verificação das questões prévias suscitadas para pôr em crise a pretensão formulada na presente acção. Na verdade,
81º Logo nos pressupostos – formais e materiais da própria acção – está inviabilizada a formação de qualquer das causas extintivas invocadas.
82º Em todo o caso, procede-se a seguir à sua impugnação, antes de mais, por razões de patrocínio. Deste modo,
II. Impugnando.
83º Não tem razão o requerente quanto às razões invocadas sobre a ilicitude dos meios e dos fins do partido político FUP. Assim,
84º A FUP não elaborou nem se inseriu num plano de intervenção armada.
85º Não programou uma insurreição armada.
86º E não visou a subversão das instituições do Estado decorrentes da Constituição.
87º A FUP não articulou actividades ou sequer projectos de intervenção com as FP.25.
88º Nem com qualquer estrutura armada.
89º A FUP nunca foi, ela própria, uma estrutura armada.
90º A FUP não conhecia a constituição e a estruturação duma componente
«Quartéis»,
91º Bem como a constituição e estruturação duma componente ECA.
92º A FUP não identificou a ECA com as FP.25,
93º Nem prescruta a identidade entre as actividades duma e doutra dessas organizações.
94º Não se alcança como a FUP vise cobrir actividades ilícitas doutras organizações.
95º É ela própria um partido político legal.
96º A FUP integra o património político e cultural da associação política OUT mas não se confunde com ela.
97º Essa integração significa, basicamente, a assumpção das suas reflexões e preocupações ideológicas.
98º A FUP não tem que aqui discutir a constituição e as vicissitudes que acompanharam a vida social da OUT,
99º Associação política que é pessoa jurídica distinta e que não figura como sujeito processual na presente acção.
100º Não se alcança como a FUP conheça a formação das FP.25,
101º Bem como as decisões que determinaram as suas operações,
102º Podendo, porém, reflectir sobre essa organização e a sua actividade pública, no exercício do direito de crítica que assiste a qualquer cidadão e aos partidos políticos. Deste modo,
103º As notas e apontamentos que existirem no âmbito da FUP, sobre essa reflexão, exprimem a opinião dos seus autores.
104º Só os comunicados dos seus órgãos dirigentes exprimem a posição da FUP.
105º A FUP não sabe, nem tem de saber se as acções violentas enumeradas no art.º
15º da petição são das FP.25
106º E não promoveu – ou a qualquer título determinou –, apoiou ou aprovou essas acções ou outras com a mesma tipologia.
107º A FUP nada tem a ver com o funcionamento e as vicissitudes que acompanharam o PRP.
108º A FUP não determinou a sua acção em obediência a objectivos como os enumerados no art.º 19º da petição inicial,
109º Nem deu cobertura às acções tácticas das FP. 25,
110º Nem sequer sabia quais eram essas acções tácticas.
111º A Direcção da FUP nunca articulou, em DPM, com as FP.25 ou sequer, aí se reuniu, com esta organização.
112º A FUP nunca propôs a violência revolucionária armada imediata,
113º Como não programou esse tipo de «praxis».
114º A FUP não promoveu o incitamento à violência.
115º Não está demonstrado que o Projecto Global seja uma organização,
116º Como não está demonstrado que o seu «carácter terrorista» decorra dos cadernos de A. (docs. n.ºs 2, 3 e 4 da petição inicial).
117º Não está demonstrado que o «Conclave» ou «PDEC», tenha tomado deliberações, aprovando documentos na especialidade, com virtual exequibilidade.
118º O facto de o documento «O papel de luta armada – violência de massas» ter sido apreendido nas sedes da FUP
119º Não significa que a FUP o tenha aprovado e pretendido executar.
120º A FUP não proferiu deliberações sobre esse documento e os níveis de violência enumerados no art.º 30º da petição inicial.
121º Não decorre demonstrado que nas reuniões dos órgãos dirigentes da FUP referenciadas e enumeradas a partir do art.º 31º da petição inicial se deliberasse determinar e/ou aprovar actividades ilícitas e/ou das FP.25
122º As intervenções que ocorreram no âmbito dessas reuniões apenas traduzem as posições e preocupações dos seus autores. Assim,
123º Os dois cadernos de A. – de capa verde e de capa preta – contêm registos de apontamentos que abrangem o período decorrido entre 5.2.82 e 4.6.84 (docs. n.ºs
2, 3 e 4 da petição inicial)
124º Tais apontamentos registam opiniões suas e a sua interpretação sobre as de outros relativamente a temáticas diversas, abrangendo informações, discussões e deliberações manifestadas em lugares diversos, nomeadamente órgãos dirigentes da FUP.
125º O apuramento do significado de tais apontamentos há-de decorrer da apreensão do sentido da praxis política de A. e da percepção das formas de expressão de linguagem (e do discurso) de carácter político e ideológico.
126º Há que apurar o discurso político real a partir do discurso político formal,
127º O significado de certas mensagens e outras formas de linguagem (semântica política),
128º Bem como da relacionação das mensagens no discurso (sintaxe política),
129º E as utilizações e os efeitos das mensagens políticas (vide Ricardo Leite Pinto, «Algumas Considerações Sobre a Comunicação Política no Sistema Político Português», Revista Jurídica, n.º 2 e 3/85, AAFDL, Lisboa, pp. 56-59).
130º Sempre haveria que averiguar se tais registos expressaram a vontade da pessoa colectiva FUP, através de adequadas deliberações dos seus órgãos colegiais. Ora,
131º Na petição inicial não se procede a essa averiguação e subsequente demonstração, não se operando a desconstrução do discurso.
132º Esses registos de apontamentos traduzem as percepções de A. sobra a sua própria visão imediata das questões colocadas por si e pelos outros.
133º Eles não traduzem, em rigor, as posições assumidas pela FUP. Ora,
134º A função dos documentos decorre, não do documento em si, mas da relação que possa ter com os factos probandos.
135º A interpretação das provas reais – documentos – exige um respeito absoluto pela objectividade da prova.
136º No caso do documento referido como aprovado em Conclave, sempre importaria fazer a crítica externa – crítica da proveniência e da reconstituição – e a crítica interna ou da credibilidade – interpretação, competência, veracidade, rigor e testemunhos – (Pierre Salmon, História e Crítica, Coimbra, 1979, pp.
120 e ss.).
137º Essas críticas externa e interna não são feitas.
138º Como diz Betti, «o texto a que um pré-conhecimento dá sentido não existe simplesmente para fortalecer a opinião que previamente sustentávamos; pelo contrário, temos que partir do princípio de que o texto tem algo a dizer-nos, que nós ainda ignoramos mas que existe, independentemente da acção de o compreendermos» (Apud Richard Palmer, Hermenêutica, Lisboa, 1985, p. 66).
139º O que o Ministério Público fez, em tal documento, é adequá-lo à sua
«certeza» já pré-concebida.
140º Essa atitude acrítica não lhe permite a compreensão do documento.
141º Para se aferir da actividade da FUP dentro dos parâmetros da licitude constitucional é irrelevante tratar-se duma expressão política minoritária e/ou não parlamentar ou mesmo extra-parlamentar.
142º O n.º 2 do art.º 117º da Constituição reconhece o direito da oposição democrática às minorias.
143º Esse direito não abrange a oposição parlamentar mas também a oposição extra-parlamentar.
144º Não é ilícita a crítica do parlamentarismo.
145º Nessa perspectiva situam-se autores conhecidos como Loewenstein, para quem a democracia constitucional depende doutras liberdades, como o livre acesso aos meios de comunicação (in Teoria de la Constitución, Ed. Barcelona, 1976, p.
418),
146º Ou a «crítica esquerdista» de Agnoli, para quem o parlamentarismo está no centro da involução do Estado de Direito para um Estado Autoritário (vide José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, pp. 380-381).
147º As atitudes críticas, mesmo radicais, não significam a subversão do Estado Democrático nem invadem a esfera da ilicitude.
148º Nos EUA e no Canadá há grupos de cidadãos que advogam a desobediência civil
– organização de mecanismos de resistência à autoridade – (vide Cristian Bay e Charles Walker, Desobediência Civil, teoria e prática, ed. Lisboa, 1986) – e não foram sujeitos a dissolução judicial.
149º Em Espanha, o Herri Batasuna, partido político que assumiu a identidade ideológica de teses da ETA, não foi submetido a dissolução.
150º Temos pois, nas ordens jurídicas democráticas, situações que, à luz do direito constitucional comparado, não guarda[m] menor distância do que a FUP face ao exercício maioritário do Poder. Deste modo,
151º Não se alcançam razões para se comprovar a ilicitude dos fins e/ou a ilicitude dos meios na actividade desenvolvida pelo partido político FUP,
152º Que integram as causas de dissolução consideradas na petição inicial.
[...].”
3. O Ministério Público replicou (fls. 800 e seguintes), alegando o que segue:
“[...]
1ª «questão prévia»: a ilegitimidade activa
5. O Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro, que regulamentou a actividade dos partidos políticos, não insere, designadamente no seu artigo 21º, qualquer norma relativa à legitimidade activa para a acção de extinção judicial de partidos políticos, pelo que havia então que recorrer, por força do disposto no n.º 2 do seu artigo 1º, às normas constantes do Decreto-Lei n.º 594/74, da mesma data, que regulamentou o direito de associação.
6. Nos termos do n.º 1 do artigo 8º deste Decreto-Lei n.º 594/74 cabia ao Ministério Público legitimidade para requerer a declaração judicial de extinção das associações pelos fundamentos indicados no n.º 2 do precedente artigo 6º, designadamente pelo fundamento previsto nas suas alíneas d) e e) – ser o fim real da associação ilícita ou contrário à moral pública ou ser sistematicamente prosseguido por meios ilícitos, contrários à moral pública.
7. A matéria da extinção das associações está hoje regulada nos artigos 182º,
183º e 184 do Código Civil (os dois primeiros na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de Novembro), e, nos termos do n.º 2 do artigo
183º, pode ser pedida em juízo pelo Ministério Público ou por qualquer interessado a declaração judicial de extinção das associações, nos casos previstos no n.º 2 do artigo 182º, designadamente quando o seu fim real não coincida com o fim expresso no acto de constituição ou nos estatutos (alínea b)), quando o seu fim seja sistematicamente prosseguido por meios ilícitos ou imorais (alínea c)), ou quando a sua existência se torne contrária à ordem pública (alínea d)).
8. Resulta, pois, do exposto, que a legitimidade activa para a acção judicial de extinção de partidos políticos recai no Ministério Público (neste sentido: Marcelo Rebelo de Sousa, Os Partidos Políticos no Direito Constitucional Português, Livraria Cruz, Braga, 1983, pág. 432), e deve ser exercitada pelo representante dessa magistratura junto do tribunal competente para conhecer do pedido – no caso, o representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, que foi quem subscreveu a petição inicial.
9. Quando a lei quer atribuir certo poder, dever ou faculdade, não ao Ministério Público no seu todo, mas especificamente à pessoa do Procurador-Geral da República, menciona esta última designação: é o que acontece com a faculdade de requerer a fiscalização abstracta sucessiva da constitucionalidade de quaisquer normas (artigo 281º, n.º 1, alínea a), da Constituição – hipótese versada nos acórdãos n.ºs 7/83 e 8/83 deste Tribunal), de requerer a extinção de organizações que perfilhem a ideologia fascista (artigo 6º, n.º 2, da Lei n.º
64/78, de 6 de Outubro), etc.
10. Nos termos da actual Lei Orgânica do Ministério Público (Lei n.º 47/86, de
15 de Outubro – que revogou a Lei n.º 39/78, de 5 de Julho, que o réu invoca na sua contestação como se a mesma ainda estivesse em vigor), compete ao Procurador-Geral da República representar o Ministério Público no tribunal referido no artigo 213º da Constituição, ou seja, no Tribunal Constitucional
(artigo 10º, n.º 1), podendo, porém, ser substituído nessas funções por um procurador-geral-adjunto (artigo 11º, n.º 2).
11. Foi nessa qualidade de representante do Ministério Público no Tribunal Constitucional, por substituição do Procurador-Geral da República, e não na qualidade de representante deste último (que o réu lhe atribui no artigo 1º da contestação), que o signatário subscreveu, com inteira legitimidade, a petição inicial.
12. Improcede, assim, a primeira «questão prévia» suscitada pelo réu.
2ª «questão prévia»: inexistência de caso julgado condenatório
13. Em parte alguma da petição inicial se afirma que o acórdão de 20 de Maio de
1987 do 4º Juízo Criminal da Comarca de Lisboa, proferido no processo de querela n.º 23/85 (documento n.º 1 anexo àquela petição), transitou em julgado.
14. Quando se tornar definitiva a condenação proferida nessa acção penal, a mesma constituirá, nos termos do artigo 153º do Código de Processo Penal, «caso julgado, quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas acções não penais em que se discutam direitos que dependam da existência da infracção».
15. Enquanto não sobrevier esse trânsito em julgado, não deixa, por isso, o acórdão condenatório invocado de constituir um elemento de prova, quer em si mesmo, quer quanto os factos que reputou provados – elemento de prova que, na perspectiva do autor, é suficiente para também nesta acção se julgarem provados os factos articulados na sua base, mas que, como é sabido, o tribunal valorará livremente (artigo 655º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
16. O que de modo algum se descortina é como do articulado sob os n.ºs 11º a 22º da contestação se pode extrair o efeito da absolvição da instância pretendida pelo réu.
17. Improcede, assim, a segunda «questão prévia» suscitada pelo réu.
3ª «questão prévia»: caso julgado da inscrição
18. Em parte alguma da petição inicial se baseia o pedido de extinção do partido réu no «conteúdo estatutário do acto de inscrição», pois não se vislumbrou, nem se vislumbra, qualquer ilegalidade no teor dos primeiros estatutos (provisórios) do partido, únicos existentes no respectivo processo de registo.
19. O mesmo juízo de legalidade já não pode ser aplicado aos novos estatutos do partido réu, aprovados em 1983 e nunca apresentados no Tribunal Constitucional para anotação (cfr. artigos 22º e seguintes da petição inicial), e é no teor ilícito destes novos estatutos – que não nos primitivos – que, em parte, se funda a presente acção.
20. De qualquer forma, jamais o «caso julgado» da inscrição de um partido pode impedir a apresentação do pedido da extinção do mesmo se sobrevierem – como no caso sobrevieram – factos justificativos deste pedido.
21. De novo não se descortina como podiam as afirmações constantes dos artigos
23º a 30º da contestação conduzir à absolvição da instância.
22. Improcede, assim, a terceira «questão prévia» suscitada pelo réu.
4ª «questão prévia»: o mero efeito de anotação da alteração estatutária ou programática
23. Regista-se a expressa confissão do réu de que:
– procedeu à aprovação de novos estatutos no Congresso do Vimeiro, de 5 e 6 de Março de 1983 (artigo 31º da contestação);
– tinha o dever de comunicar ao Tribunal Constitucional essa alteração estatutária (artigo 35º);
– não cumpriu esse dever (artigo 36º);
– o que implica a ineficácia jurídica dos novos estatutos perante terceiros
(artigo 37º).
24. Como sustenta o autor que os réus citam parcialmente, «o Decreto-Lei n.º
595/74 só prevê expressamente a comunicação das alterações programáticas (artigo
8º, n.º 3), mas resulta da lógica global do estatuto jurídico do partido político a exigência da comunicação de qualquer alteração introduzida nos elementos que representam requisitos formais de obrigatório preenchimento antes da criação de partidos políticos» (Marcelo Rebelo de Sousa, obra citada, pág.
427, nota 743).
25. Logo, o réu tinha o dever de comunicar a alteração dos estatutos, o que não fez.
26. Não é exacto que nesse âmbito tinha inteira liberdade, como sugere no artigo
34º, pois, como refere o mesmo autor logo a seguir à truncada citação que dele é feita no artigo 33º da contestação, «nomeadamente não é possível qualquer alteração que implique ou tenha subjacente a modificação da natureza específica dos partidos políticos, nos elementos que acima enunciámos na explicitação da respectiva definição» (obra e locais citados).
27. Não pode, assim, um partido, em sede de alteração estatutária, inserir nos novos estatutos disposições que seriam inadmissíveis se constassem dos originais e susceptíveis de acarretar a sua não inscrição ou o pedido da sua extinção.
28. É exactamente isto que sucede com os novos estatutos do réu e é por isso que este sempre os sonegou ao conhecimento deste Tribunal Constitucional.
29. Com repercussões quanto à validade da sua representação processual, questão que oportunamente se suscitará.
30. De qualquer forma, não se vê como é que o articulado nos artigos 31º a 37º da contestação podia alguma vez levar à absolvição do réu da instância.
31. Improcede, pois, a quarta «questão prévia» suscitada pelo réu.
5ª. «questão prévia»: a falta de um dos pressupostos de responsabilidade; o nexo de causalidade
32. Alegou-se na petição e provar-se-á no processo que a FUP, enquanto estrutura partidária, era uma das componentes da organização terrorista denominada
«Projecto Global».
33. Sendo este um dos fundamentos do pedido da sua extinção.
34. A matéria contida nos artigos 38º a 50º é, assim, matéria de impugnação e não de excepção, como erradamente a qualifica o réu.
35. Logo, improcede a quinta «questão prévia» suscitada pelo réu.
6ª. «questão prévia»: a invasão da área de liberdade interna dos partidos
36. A liberdade de actuação dos partidos não é ilimitada: ela deve respeitar os princípios da independência nacional e da democracia política (artigo 10º, n.º
2, da Constituição), não pode ser destinada a promover a violência nem ter fins contrários à lei penal (artigo 46º, n.º 1, da Constituição), nem traduzir-se na criação de associações armadas (artigo 46º, n.º 4, da Constituição).
37. O partido réu, ao integrar uma organização terrorista armada, fazendo apelo e efectivo uso da violência armada, cometendo gravíssimos crimes de direito comum, com o fim de subverter as instituições democráticas, não respeitou aquelas limitações constitucionais à liberdade de actuação dos partidos: desrespeitou o princípio da democracia política, promoveu a violência, perseguiu fins criminosos, converteu-se numa associação armada.
38. Por isso o Ministério Público requereu a sua extinção judicial.
39. De novo não se vislumbrando como as afirmações feitas nos artigos 51º a 69º da contestação podem conduzir à absolvição da instância.
40. O que de novo leva à improcedência da sexta «questão prévia» suscitada pelo réu.
7ª «questão prévia»: violação do princípio da presunção de inocência
41. O princípio da presunção de inocência não obsta ao conhecimento do facto de que existe uma decisão condenatória e de que nessa decisão judicial se consideraram provados certos factos, que, no entender do autor, constituem um dos fundamentos do pedido de extinção do partido réu.
42. Como já se referiu, quando essa decisão condenatória transitar, os factos nela apurados constituirão caso julgado no presente processo, e aí não haverá qualquer violação do princípio de presunção de inocência, pois este só vale até ao trânsito em julgado da condenação (artigo 32º, n.º 2, da Constituição).
43. Até lá, cabe ao Tribunal Constitucional apreciar livremente os factos articulados pelas partes, pelo que não se vê como pode resultar ferido tal princípio.
44. Mais uma vez, o réu confunde matéria de excepção com alegações jurídicas, pois não se percebe como das afirmações contidas nos artigos 70º a 79º da contestação se pode extrair o resultado da absolvição da instância.
45. Improcede, pois, por último, tal como as anteriores, a sétima «questão prévia» suscitada pelo réu.
[...].”
4. Em 22 de Janeiro de 1988, o Ministério Público requereu a junção aos autos de certidão dos acórdãos da Relação de Lisboa, de 25 de Novembro de 1987, de 2 de Dezembro de 1987 e de 16 de Dezembro de 1987, proferidos nos autos de recurso crime n.º 7675 da 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, emergentes dos já mencionados autos de querela n.º 23/85 (fls. 816).
Tais acórdãos da Relação de Lisboa encontram-se respectivamente a fls. 818 e seguintes, 1101 e v.º e 1102.
Mais requereu o Ministério Público, na mesma data, que o Tribunal Constitucional ordenasse, nos termos do n.º 1 do artigo 279º do Código de Processo Civil, a suspensão da instância, com os fundamentos seguintes (fls. 816 e v.º):
“A causa de pedir da presente acção assenta, embora não exclusivamente, na participação do partido réu na organização terrorista denominada «Projecto Global». Grande parte dos factos que integram essa causa de pedir foram dados como provados no processo crime onde foram proferidos o acórdão junto com a petição inicial e os acórdãos da Relação cuja junção ora se requer. Embora, em rigor, a decisão da presente causa não esteja directamente dependente do desfecho final do aludido processo crime, é óbvio que a previsível superveniência, em prazo relativamente curto, de caso julgado sobre o objecto desse processo crime evitará ao Tribunal Constitucional o consumo de numerosíssimas sessões de produção de prova, meramente repetitivas das realizadas no Tribunal Criminal de Lisboa, e que, com toda a probabilidade, não se concluiriam antes do trânsito em julgado da sentença condenatória penal. Impõe-se, pois, aguardar por este trânsito, dado que a condenação definitiva proferida na acção penal constituirá, na presente acção, «caso julgado, quanto à existência e qualificação de facto punível e quanto à determinação dos seus agentes» (artigo 153º do Código de Processo Penal de 1929), e, assim, terá directa influência na elaboração da especificação e do questionário (na hipótese de se entender que a causa não pode ser logo decidida no saneador). Pelo exposto, requer-se que a presente instância seja suspensa até ao trânsito em julgado da decisão final do processo de querela n.º 23/85 da 1ª Secção do 4º Juízo Criminal de Lisboa.”
O partido réu não respondeu aos mencionados requerimentos do Ministério Público.
5. Em 21 de Abril de 1988, foi proferido despacho pelo então relator no Tribunal Constitucional, considerando improcedentes as questões prévias que haviam sido suscitadas pelo partido réu, nos seguintes termos (fls. 1105 e seguinte):
“1. O Tribunal é competente, e o processo é próprio, não enfermando de nulidades de que cumpra conhecer.
2. As partes têm capacidade judiciária, são legítimas e acham-se devidamente representadas.
É certo que veio o Réu suscitar a questão da «ilegitimidade activa», por a acção haver sido proposta pelo Procurador-Geral-Adjunto em funções neste Tribunal, e não pelo Procurador-Geral da República. Mas tal questão carece, realmente, de fundamento. Desde logo, não se trataria aí de uma questão de «legitimidade», já que, cabendo esta, no caso, ao Ministério Público – como resulta da combinação do disposto nos arts. 1º, n.º 2, e 21º, alíneas c) e d), do Decreto-Lei n.º 595/74, de 7 de Novembro, com o disposto no art. 8º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 594/74, da mesma data (cfr. hoje, o art. 183º, n.º 2 do Cód. Civil) –, é justamente essa entidade a autora da acção. A existir alguma irregularidade, ela estaria antes, pois, na indevida
«representação» do Ministério Público pelo Procurador-Geral-Adjunto. Mas tão pouco tal irregularidade se verifica, como sem dificuldade se mostra. É que, tratando-se, na espécie, de uma competência do Ministério Público «em abstracto»
(enquanto entidade ou instância à qual são cometidas as funções indicadas no art. 224º, n.º 1, da Constituição), e não de uma competência específica, e política, do Procurador-Geral da República (como pretende o Réu), cabe o seu exercício ao representante daquela entidade no Tribunal competente, já que essa
é uma representação plena e integral, abarcando tudo quanto couber nas atribuições da mesma entidade. Ora, cometida legalmente a representação do Ministério Público no Tribunal Constitucional ao Procurador-Geral da República, mas podendo este delegá-la no Vice-Procurador-Geral ou num Procurador-Geral-Adjunto (art. 44º da Lei do Tribunal Constitucional), claro é que, ocorrendo – como ocorre – esta última delegação, fica o Procurador-Geral-Adjunto em quem a mesma recaia investido na plenitude daquela representação, e portanto, também, do poder de representação necessário para a propositura da presente acção. No caso em apreço, em suma, está-se perante uma hipótese a que não é aplicável a doutrina do Acórdão n.º 7/83, deste Tribunal, invocado pelo Réu.
3. Para além da questão acabada de considerar, suscita o Réu as seguintes outras
«questões prévias», pretendendo que a sua procedência deverá conduzir à absolvição da instância: inexistência de caso julgado condenatório (da sentença crime invocada na petição inicial); caso julgado da sua inscrição como partido político; mero efeito de anotação da alteração estatutária ou programática (de um partido político); falta de nexo de causalidade; e, por último, invasão da
área da liberdade interna dos partidos. A verdade, porém, é que, como se alcança da contestação, todas essas questões têm manifestamente a ver com a subsistência do pedido, ou o relevo e a prova dos factos alegados pelo Autor, pelo que improcedem como excepções dilatórias que devam conduzir à consequência pretendida pelo Réu. E quanto à excepção do «caso julgado da inscrição» do Réu como partido político, se é de verdadeiro caso julgado que aí se trata, claro que a mesma tão pouco pode valer (e nem isso, ao fim e ao cabo, o Réu pretende) como excepção peremptória, preclusiva da presente acção de extinção. Não procedem, assim, as questões prévias invocadas pelo Réu. E tão pouco ocorrem quaisquer questões prévias ou excepções que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
[...].”
Tal despacho foi notificado às partes, que o não impugnaram.
6. Em 28 de Novembro de 1988, o Ministério Público requereu a junção aos autos de certidão do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 22 de Junho de
1988, proferido nos já mencionados autos de querela n.º 23/85, e do qual havia sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional (fls. 1111).
O referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça encontra-se a fls.
1113 e seguintes.
7. Em 24 de Janeiro de 1989, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 121/89, no qual decidiu suspender a instância na presente acção até que no processo de querela n.º 23/85 da 1ª Secção do 4º Juízo Criminal houvesse decisão final com trânsito em julgado, em síntese pelos seguintes fundamentos
(fls. 1256 e seguintes):
“[...]
4. São no essencial procedentes as razões invocadas pelo MºPº, uma vez que, regulando-se os autos do processo de querela em causa pelo Código de Processo Penal de 1929, afigura-se que o caso julgado que nele se forme se imporá nos termos do invocado art. 153º desse Código. Mas, ainda quando assim não houvesse de entender-se – e neste contexto não será despropositado lembrar que no actual Código de Processo Penal não se contém norma idêntica à daquele art. 153º – sempre haveria de considerar-se que a pendência de tais autos de processo crime constitui, por si só, «motivo justificado» (nos termos do já citado art. 279º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil) para que o prosseguimento da presente acção aguarde o desfecho daquele processo.
[...].”
8. Em 20 de Novembro de 1989, o Ministério Público requereu a junção aos autos da certidão do novo acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em
13 de Setembro de 1989, nos já mencionados autos de querela n.º 23/85 (fls.
1264).
Tal acórdão encontra-se a fls. 1266 e seguintes.
9. Em 8 de Junho de 2001, o Ministério Público veio “dar conhecimento aos autos da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que determinou o arquivamento, por extinção do procedimento criminal, dos autos em que era imputado aos arguidos o crime de «associação criminosa», a qual transitou em julgado”, do “teor da decisão proferida, em 1ª instância, no processo n.º 396/91 e respectivos apensos” e, bem assim, “sugerir que – dada a relevância da matéria de facto aí apurada para o litígio a dirimir nesta causa, a sua conexão manifesta com o processo de querela n.º 23/85 e a circunstância de alguns processos a ele apendiculados serem anteriores à instauração da presente acção – se mantenha a suspensão da instância até ocorrer trânsito em julgado da decisão de mérito que venha a ser proferida naquele processo criminal, proferindo-se, para tal, nova decisão, nos termos do artigo 279º, n.º 1, do Código de Processo Civil” (fls. 1535 e seguintes).
A decisão do Supremo Tribunal de Justiça a que o requerimento do Ministério Público se refere [o acórdão de 28 de Maio de 1998] encontra-se a fls. 1539 e seguintes.
Por sua vez, a decisão proferida, em 1ª instância, no processo n.º
396/91 e respectivos apensos [o acórdão da 3ª Vara Criminal de Lisboa, de 6 de Abril de 2001], encontra-se a fls. 1543 e seguintes.
10. Em 4 de Julho de 2001, o Tribunal Constitucional proferiu o Acórdão n.º 325/2001, no qual se decidiu, de acordo com o disposto no artigo 279º, n.º
1, do Código de Processo Civil, manter a suspensão da instância nos presentes autos até que ocorresse o trânsito em julgado da decisão de mérito que viesse a ser proferida no processo crime n.º 396/91 que correu termos na 3ª Vara Criminal de Lisboa, pelos seguintes fundamentos (fls. 1980 e seguintes):
“[...]
2. - Pelo Acórdão n.º 121/89 deste Tribunal, tirado na sequência de um outro requerimento do representante do Ministério Público neste Tribunal, foi determinada a suspensão da instância nos presentes autos «até que no processo de querela n.º 23/85 da 1ª Secção do 4º Juízo Criminal haja decisão final com trânsito em julgado» (cfr. págs. 1256/1258), situação em que ainda se mantém o processo.
3. - Face às circunstâncias do caso, é manifesto que a pendência do processo crime n.º 396/91 (3ª Vara Criminal de Lisboa), com evidente relevo para o caso em apreço, não pode deixar de constituir, por si só, um «motivo justificado» para que o prosseguimento da presente acção aguarde o termo daquele processo, pelo que a sugestão constante do requerimento do Exmo. Procurador-Geral Adjunto não só tem inteira pertinência como se justifica plenamente face à fundamentação aduzida.
[...].”
11. Em 4 de Novembro de 2003, o Ministério Público requereu a junção aos autos de certidão do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no processo de querela n.º 396/91 (que correu termos na 3ª Vara Criminal de Lisboa e que, entretanto, havia transitado em julgado), “e cuja matéria de facto, tida por provada, a fls. 8296 e segs., releva para a dirimição da presente acção, nos termos do artigo 153º do Código de Processo Penal de 1929” (fls. 1986).
O mencionado acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que foi proferido em 25 de Junho de 2003, encontra-se a fls. 2428 e seguintes. Ao conteúdo de tal acórdão se fará oportunamente referência pormenorizada (infra,
13.).
Ordenada, por despachos de fls. 2598 v.º e seguinte e de fls. 2602 e v.º, a notificação do partido réu “para se pronunciar, querendo, no prazo de trinta dias”, não veio este a apresentar qualquer resposta.
Cumpre apreciar.
II
12. Decididas, com força de caso julgado, as questões prévias suscitadas pelo réu na contestação (supra, 5.), e não se verificando qualquer outra excepção dilatória susceptível de conduzir à absolvição da instância, cumpre determinar se é possível, neste momento, conhecer do mérito da acção.
Nos termos do artigo 153º do Código de Processo Penal de 1929 – preceito invocado pelo Ministério Público no requerimento de suspensão da instância de fls. 816 (supra, 4.), bem como no requerimento, a fls. 1986, de junção aos autos de certidão do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 2003, proferido no processo de querela n.º 396/91 e já transitado em julgado (supra,
11.) – “a condenação definitiva proferida na acção penal constituirá caso julgado, quanto à existência e qualificação do facto punível e quanto à determinação dos seus agentes, mesmo nas acções não penais em que se discutam direitos que dependam da existência da infracção”.
O artigo 674º-A do Código de Processo Civil, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro, dispõe, por sua vez, que “a condenação definitiva proferida no processo penal constitui, em relação a terceiros, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime, em quaisquer acções civis em que se discutam relações jurídicas dependentes da prática da infracção”.
Atendendo a que, nos termos do artigo 25º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º
329-A/95, de 12 de Dezembro, às decisões proferidas após a entrada em vigor deste diploma é aplicável o disposto no artigo 674º-A do Código de Processo Civil, conclui-se que a relevância, no presente processo, do mencionado acórdão transitado do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 2003, proferido no processo de querela n.º 396/91, é regulada por este preceito do Código de Processo Civil e não pelo artigo 153º do Código de Processo Penal de 1929.
Ou seja, a condenação definitiva contida nesse acórdão constitui, na presente acção, presunção ilidível no que se refere à existência dos factos que integram os pressupostos da punição e os elementos do tipo legal, bem como dos que respeitam às formas do crime: com efeito, a presente acção é uma acção não penal na qual se discutem relações jurídicas dependentes da prática das infracções descritas no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 25 de Junho de 2003.
Ora, aquando da junção aos autos deste acórdão, o partido réu foi notificado para se pronunciar, querendo (supra, 11.); não tendo apresentado qualquer resposta e, portanto, não se tendo pronunciado acerca dos factos aqui descritos, conclui-se que não pode considerar-se ilidida a presunção de que trata o artigo 674º-A do Código de Processo Civil.
O mesmo é dizer que se encontra provada no presente processo a existência de factos suficientes, como se verá, para determinar a procedência da presente acção, pelo é possível conhecer já do mérito da causa.
Note-se, por último, que a aplicação do artigo 674º-A do Código de Processo Civil (tal como, aliás, a do artigo 153º do Código de Processo Penal de 1929), em nada colide com o princípio da presunção da inocência, pois que pressupõe trânsito em julgado de sentença penal condenatória: por isso, não tem qualquer interesse abordar a questão suscitada a este propósito, pelo réu, na contestação
(supra, 2.).
13. No (transitado em julgado) acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Junho de 2003, a fls. 2428 e seguintes (supra, 11.), confirmou-se integralmente o acórdão da 3ª Vara Criminal de Lisboa, de 6 de Abril de 2001, de fls. 1543 e seguintes (supra, 9.).
Neste acórdão da 3ª Vara Criminal de Lisboa, deliberara o Tribunal Colectivo, entre o mais:
“[...] c) – julgar o réu N., como autor material de um crime de homicídio, na forma tentada, p. e p. pelos artigos 131º, 22º e 23º do Código Penal; e d) – condená-lo na pena de 3 (três) anos de prisão; e) – suspender a execução desta pena pelo período de 3 (três) anos; f) – condená-lo a pagar ao ofendido O., a título de indemnização civil, por danos morais, a quantia de Esc. 500.000$00 (quinhentos mil escudos); g) – julgar o réu P., como cúmplice, de um crime de homicídio agravado pelo terrorismo, p. e p. pelos artigos 131º, 288º, n.º 2, alínea a), e 289º, 27º e
74º do Código Penal; e h) – condená-lo na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão; i) – suspender a execução desta pena pelo período de 3 (três) anos; j) – condená-lo a pagar aos herdeiros da vítima Q., a título de indemnização civil pelo direito à vida daquele, a quantia de Esc. 8.000.000$00 (oito milhões de escudos);
[...].”
E é a seguinte a matéria de facto dada como provada no referido acórdão da 3ª Vara Criminal (fls. 1852 e seguintes), depois reproduzida no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25 de Junho de 2003 (fls. 2466 e seguintes), e que assume relevo para o presente processo:
“[...]
2- Os réus R. (3°), S. (4°), T. (5°), U. (6°), N. (8°), V. (11°), X. (13°), P.
(19°), Z. (26°), AA. (27°), AB. (28°), AC. (29°), AD. (30°), AE. (31°), AF.
(32°), AG. (33°), AH. (34°), AI. (35°), AJ. (36°), AL. (37°), AM. (44°), AN.
(56°) e AO. (70°) foram julgados e condenados no processo 779/85 do 4° Juízo Criminal de Lisboa – 1ª Secção, pelo crime de organização terrorista, confirmado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.06.88, já transitado.
3- Pertenceram à mesma Organização terrorista, autopublicitada «Forças Populares
25 de Abril – FP-25» os réus AP. (1°), AQ. (2°), R. (3°), S. (4°), T. (5°), U.
(6°), AR. (7°), N. (8°), AS. (9°), V. (11°), AT. (12°), X. (13°), AU. (14°), AV.
(15°), AX. (17°), AZ. (18°), P. (19°), BA. (20°), BB. (21°), BC. (22°), BD.,
(23°), BE. (24°), BF. (25°), Z. (26°), AA. (27°), AB. (28°), AC. (29°), AD.
(30°), AE. (31°), AF. (32°), AG. (33°), AH. (34°), AI. (35°), AJ. (36°), AL.
(37°), BG. (38°), BH. (39°), BI. (42°), AM. (44°), H. (45°), I. (46°), L.
(49.º), B. (51°), A. (53°), E. (54°), BJ. (55°), AN. (56°), BL. (57°), BM. (58°) e AO. (70°).
4- Estes réus e outros indivíduos ainda não identificados, em finais de 1979, começos de 1980, estavam agrupados entre si, de livre vontade e perfeitamente conscientes, com intenção por todos compartilhada de darem concretização a um plano, que foi engendrado por uns e aceite depois pelos outros, todos agindo concertadamente na concretização desse plano, de forma articulada e estruturada, e continuada no tempo, mediante a inserção em estruturas próprias.
5- Os réus designaram tal plano por «Projecto Global».
6- O «Projecto Global» tinha como finalidades: a) - Obstar a um golpe de Estado de cariz fascista; b) - Criar condições que permitissem aos réus e outros não identificados, a prazo e mediante a insurreição armada, tomar o Poder; c) - Subverter o funcionamento das instituições do Estado, consagradas na Constituição, pois tal se tratava de uma das condições adequadas à referida insurreição armada.
7- Para atingir as finalidades referidas, o «Projecto Global» previa o recurso à violência armada.
8- Para alcançarem esses objectivos os réus pretendiam, na concretização daquele Projecto e a longo prazo, criar e desenvolver um exército de civis armados com material de guerra e outro.
9- Pretendiam também agregar cidadãos civis e militares para levarem a cabo os referidos objectivos.
10- Proceder à importação, fabrico, compra, e utilização de armas de guerra.
11- Alguns dos réus no âmbito do «Projecto Global» e para concretizar os objectivos de todos, apropriaram-se de armamento contra a vontade dos donos, designadamente pistolas, espingardas automáticas, metralhadoras, morteiros, granadas, explosivos, bombas, relógios para accionar bombas, detonadores, miras telescópicas e munições.
12- No âmbito do «Projecto Global» e para concretizar as suas finalidades, foram levadas a cabo, por membros da Organização, consciente e voluntariamente, acções violentas de que resultou a morte de outrem, acções de que resultaram ofensas corporais para outrem, acções de que resultou a intimidação de outrem, acções de que resultou apropriação de coisas móveis de outrem e acções de que resultou a destruição de bens de outrem.
13- Na concretização do «Projecto Global», membros da Organização – presos ou soltos e articuladamente entre si fizeram reuniões assíduas.
14- As reuniões tiveram lugar sob as mais variadas siglas e nas estruturas e
órgãos da Organização terrorista.
15- No âmbito do «Projecto Global» e para a sua execução, membros da Organização levaram à prática, voluntariamente, actos de intimidação contra empresários e gestores de empresas, gerando neles e em pessoas de categoria sócio-profissional afim e nas respectivas famílias medo e insegurança.
16- Actos de intimidação contra agentes da autoridade pública, gerando neles medo e insegurança.
17- Nos referidos actos voluntários de intimidação contra empresários, gestores de empresa e agentes da autoridade pública, foram empregues armas de fogo e granadas disparadas sobre pessoas que, por causa desses disparos, sofreram a morte e ofensas corporais.
18- Estes actos de intimidação concretizaram-se também mediante avisos sérios de atentados contra a vida, integridade física e bens das pessoas, pela exibição de armas, envio de manuscritos com mensagens susceptíveis de provocar o receio da concretização dos propósitos neles contidos pela colocação de engenhos explosivos nomeadamente em viaturas, para o rebentamento através do seu accionamento, devida e previamente preparados.
19- Previam também a ocultação de pessoas, privando-as da sua liberdade, sem o seu consentimento, para obtenção de dinheiro, o que designaram também por
«engarrafamentos».
20- As já referidas condutas voluntárias de intimidação contra empresários, gestores de empresas, e agentes de autoridade pública, implicavam a utilização de bombas, granadas, armas de fogo – designadamente pistolas de calibre 9 mm – espingardas automáticas e metralhadoras – engenhos explosivos, morteiros e outro material de guerra.
21- Para levarem à prática as suas finalidades violentas, membros da Organização detiveram aquele referido armamento, algum do qual já apreendido.
22- Membros da Organização, concertados entre si, decidiram voluntária e conscientemente, levar à prática, o que fizeram, a factualidade referida, distribuindo entre si as várias tarefas necessárias para o efeito, por forma a que todos queriam, aceitavam e determinavam reciprocamente as actuações de cada um, sempre executadas em nome de todos e só por isso praticados.
23- Membros da Organização, elementos do grupo conhecido publicamente por
«FP-25», para alcançarem os seus propósitos, já articulados, pretendiam e levaram à prática crimes, actuando concertadamente em estruturas diversas, cada uma delas com função própria no todo – Organização terrorista – convergente às demais, nelas se inserindo, e desenvolvendo a actividade necessária, essencial e determinante para a concretização dos objectivos criminosos.
24- A actuação dos membros da Organização em cada uma das estruturas foi determinante e simultaneamente determinada pela actuação dos demais.
25- A Organização estruturava-se pela seguinte forma: a) – Uma componente de aparência legal político-partidária, integrando uma Organização política de massas – OPM/OUT/FUP; b) – Uma componente civil e armada – ECA/FP-25, cujas acções violentas e armadas do grupo lhe competia levar a cabo e eram publicitadas com reivindicação sob a sigla «FP-25»; c) – Uma componente «Quartéis», constituída por militares, a relançar pelo réu A. e pela sub-componente JAR – Juventude Autónoma Revolucionária – a partir da reunião a que deram nome de PDEC/CONCLAVE e que teve lugar em 6 e 7 de Abril de
1984; d) – Uma componente individual, personalizada pelo réu A., também designada por
«O», «ÓSCAR» e «Unidade».
26- Estas componentes dotadas de órgãos próprios e integradas pelos réus e outros, actuando num desempenho interligado de comportamentos essenciais à concretização de várias actividades criminosas, articulavam-se ainda com sub-componentes ou frentes de luta, também essenciais à concretização de propósitos criminosos.
27- Havia concertação nos órgãos e pessoas de cada uma das componentes e sub-componentes do grupo, as quais, com frequência, reciprocamente se auxiliavam para a realização do plano comum que apelidavam de «Projecto Global».
28- As referidas sub-componentes eram:
1 - Sub-componente comercial IEP – Importações e Exportações de Portugal;
2 - Juventude Autónoma Revolucionária – JAR –;
3 - A CLCR – Comissão de Luta Contra a Repressão, actualmente conhecida pela sigla SCR;
4 - A CNASPEL – Comissão de Solidariedade Internacional.
29- Na concretização dos propósitos criminosos comuns do grupo, cada uma das componentes, sub-componentes e respectivos elementos, desempenhavam a sua missão específica e necessária à concretização do objectivo de todos.
30- À componente OPM, primeiramente integrada pela OUT e depois pela FUP, competia a intervenção, a coberto da institucionalização legal, na agudização e desenvolvimento de conflitos sociais, dando cobertura às acções tácticas, o que foi levado à prática.
31- Tais acções tácticas assumiram por vezes natureza violenta mediante o recurso a armas de fogo por parte de elementos da ECA.
32- À componente OPM competia ainda, além do mais, promover o desenvolvimento e alargamento da base de apoio do «Projecto Global», aquisição de imóveis e móveis para a Organização, distribuir fundos e efectuar pagamentos mensais aos seus elementos.
33- À componente ECA competia, no essencial, a realização de acções armadas e violentas, designadamente assaltos a bancos e a empresas, designados por
«recuperação de fundos», e ainda a execução de atentados, mortais ou não, mediante disparo de armas e rebentamento de explosivos.
34- Competia-lhe ainda a colocação e accionamento de bombas e engenhos explosivos.
35- ... bem como proceder a cortes de estrada, proceder à fabricação e viciação de documentos essenciais para a identificação de veículos contra a vontade dos respectivos donos.
36- A componente A., «ÓSCAR», «O», ou «Unidade» surgiu como aproveitamento táctico da figura carismática do herói nacional na «revolução de Abril» e símbolo da Liberdade.
37- Esta componente era fortemente determinante da cooptação de elementos para o Projecto, através da invocação do seu nome, como elemento proeminente no âmbito do «Projecto Global».
38- A sub-componente JAR integrava-se no «Projecto Global» prosseguindo as finalidades deste, dando a sua adesão e apoio às componentes em cujo seio se encontravam organizados no âmbito do «Projecto Global» e delas recebendo apoio material e logístico.
39- A CLCR era uma sub-componente ou frente de luta existente no âmbito do
«Projecto Global», que prosseguia os fins deste, recebendo meios materiais, sedes e dinheiro no âmbito da Organização terrorista, procedendo a entregas de dinheiro aos detidos, evadidos «recuados» e seus familiares e procedendo também a pagamento de honorários aos seus advogados.
40- A sub-componente CNASPEL, frente de solidariedade e de relações internacionais, tinha por função estabelecer contactos com organismos ou entidades estrangeiras, e desenvolvia a sua função no «Projecto Global» no campo das relações internacionais, para obter solidariedade para a consecução dos fins da Organização terrorista.
41- Na sua estrutura orgânica, a componente OPM tinha o Congresso como órgão de cúpula, funcionando no intervalo dos Congressos a Comissão Central, tendo esta uma Comissão Política que funcionava entre os seus plenários, dela fazendo parte o Secretariado Permanente, os responsáveis políticos e os respectivos nacionais do sector.
42- A componente ECA – Estrutura Civil Armada – tinha na sua base grupos constituídos por vários elementos actuantes e esses grupos eram também designados por equipas de intervenção ou «Comandos».
43- Esta componente tinha um ou vários responsáveis por zona – Zona Norte, Centro, de Lisboa, Alentejo e Sul – e tinha ainda um ou vários responsáveis pelo sector.
44- Tendo órgãos regionais de direcção.
45- E um órgão de cúpula: - A Direcção Militar também conhecida por DIMA.
46- A componente «Quartéis» era concebida como constituída por militares do Quadro Permanente – QP – e do Quadro não Permanente – QNP –, oficiais, sargentos e praças e seria estruturada organicamente no «Projecto Global» com uma Direcção Nacional, Direcções Regionais e de Zona, Comandos paralelos e células de unidade.
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