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Processo n.º 147/04
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1.Em 3 de Março de 2004 foi proferida nos presentes autos decisão sumária de não conhecimento do recurso de constitucionalidade. Tal decisão sumária foi do seguinte teor:
«I. Relatório
1. Em 15 de Novembro de 2002, o Tribunal do Círculo da Maia proferiu acórdão em que condenou, entre outros, A., esta como autora do crime de branqueamento de capitais previsto e punido pelo artigo 23º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, e de uma contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 211º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, com referência ao artigo 36º do Decreto-Lei n.º 13/90, de 8 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.º 64/91, de 8 de Fevereiro, tendo-a sentenciado a 8 anos de prisão e ao pagamento de uma coima de € 15 000. Tendo os diversos arguidos interposto recurso para o Tribunal da Relação do Porto, veio este, por acórdão de 3 de Junho de 2004, a, entre o mais, conceder provimento parcial ao recurso da ora recorrente, diminuindo-lhe a pena aplicada para 6 anos e 6 meses de prisão, e mantendo no mais, quanto a ela, o acórdão recorrido.
2. Para o que importa, a arguida, ora recorrente, apresentou, em 25 de Junho de
2003, recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, que, porém, por Acórdão de 9 de Outubro de 2003, tirado em conferência, decidiu rejeitá-lo, por se tratar de recurso de “um acórdão condenatório que confirmou a decisão da 1ª instância, em processo por crimes aos quais, pela via de novos recursos – agora para este Supremo Tribunal – não é aplicável pena de prisão superior às já aplicadas pela Relação, pelo que, face ao disposto no art. 400º, n.º 1, al. f), do C.P.P., conjugado com o art. 409º do mesmo diploma, não são admissíveis os presentes recursos (a decisão é, pois, neste caso, irrecorrível)”. Esta decisão – que teve um voto de vencido, no sentido de considerar os recursos admissíveis – invocou anterior jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça
(Acórdãos de 11 de Abril de 2002, tirado no processo n.º 150/02, da 3ª Secção; de 27 de Março de 2003, tirado nos processos n.ºs 859/03 e 870/03, ambos da 5ª Secção; de 5 de Junho de 2003, no processo n.º 2150/03, da 5ª Secção; e de 3 de Julho de 2003, no processo n.º 2445/03, da 5ª Secção), tal como já o fizera, no seu parecer, o Procurador-Geral Adjunto em funções nesse Supremo Tribunal, invocando os acórdãos daquele Tribunal “de 20 de Março de 2002, Processo n.º
137/02, 3ª Secção, de 13 de Fevereiro de 2003, Processo n.º 384/03, 5ª Secção, de 3 de Abril de 2003, Processo n.º 613/03, 5ª Secção, de 27 de Março de 2003, Processo n.º 870/03, 5ª Secção, de 30.04.03, Processo n.º 752/2003, 3ª Secção, de 26.06.03, no processo n.º 1797.03, da 5ª Secção”.
3. Desta decisão veio a arguida apresentar recurso para o Tribunal Constitucional em 23 de Outubro de 2003, por lhe não ser “possível interpor recurso ordinário nos presentes autos, salvo para uniformização de jurisprudência”, suscitando as seguintes questões de constitucionalidade:
“A interpretação dada ao art. 400º-1-f) do C. P. Penal pelo douto acórdão recorrido tornaria esta norma inconstitucional por violação do art. 32º - 1 da Constituição da República (...). O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto violou ainda os artigos 32º-1, 2 e 8, e 34º, 4 da Constituição da República, tornando a sua interpretação [d]os arts.
118º-3 e 126º, 3 do Código de Processo Penal inconstitucional por violação daquelas disposições constitucionais.” Acrescentou ter suscitado “todas as questões” nas alegações para o Tribunal da Relação do Porto e para o Supremo Tribunal de Justiça. Na mesma data de apresentação do requerimento de recurso de constitucionalidade, a arguida apresentou também arguição de nulidade do dito acórdão do Supremo Tribunal de Justiça por entender que este exigia, nos termos do artigo 420º, n.º
2, do Código de Processo Penal, unanimidade de votos. E, simultaneamente, apresentou ainda recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, nos termos do artigo 437º do Código de Processo Penal, para o Pleno das Secções Criminais, invocando oposição entre, por um lado, o acórdão recorrido e os pronunciados pelo Supremo Tribunal de Justiça em 26 de Junho de 2003 e em 16 de Janeiro de
2003, e, por outro lado, os proferidos pelo mesmo Supremo Tribunal em 13 de Fevereiro de 2003, 22 de Maio de 2003, em 2 de Julho de 2003 (recurso 1882/03.3) e em 27 de Março de 2003 (recurso 870/03-5). O Ex.mo Conselheiro-relator no Supremo Tribunal de Justiça despachou, em 18 de Dezembro de 2003, sobre os três requerimentos da arguida da seguinte forma:
- quanto ao recurso de constitucionalidade, proferindo o despacho de aperfeiçoamento previsto no n.º 5 do artigo 75º-A da Lei do Tribunal Constitucional;
- quanto à arguição de nulidade, determinando vistos simultâneos e agendando-a para a conferência seguinte;
- quanto ao recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, determinando a organização de processo próprio. A arguida veio, em 8 de Janeiro de 2004, dar resposta ao primeiro despacho, indicando os elementos em falta no seu requerimento de recurso de constitucionalidade (e a alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de
15 de Dezembro, como disposição ao abrigo do qual o recurso era interposto), e especificando, quanto à “norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o tribunal aprecie”, que
'Pretende ver-se apreciada a questão da constitucionalidade da norma constante do artigo 400º, n.º 1, alínea f) do Código de Processo Penal, com a interpretação que lhe foi dada por este Supremo Tribunal de Justiça (e não como mero lapso se referiu no anterior requerimento de interposição de recurso, em que se referiu a decisão da Relação do Porto), (...), segundo a qual é de rejeitar o recurso interposto para o STJ sempre que a pena concretamente aplicada seja inferior a 8 anos, não se considerando a moldura penal em abstracto mesmo que superior a 8 anos).' Em 15 de Janeiro de 2004 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu em conferência, na sequência de anteriores decisões no mesmo sentido, que a “unanimidade dos votos prevista no artigo 420º, n.º 2, do CPP apenas é exigível nos casos de rejeição do recurso por ser manifesta a sua improcedência e não quando essa rejeição é imposta por razões de natureza formal e, designadamente, por ser irrecorrível a decisão impugnada.” Com este fundamento, indeferiu a reclamação. Em 29 de Janeiro de 2004 o Conselheiro-relator admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, tendo os autos sido remetidos a este Tribunal. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
4. O presente recurso foi admitido – em decisão que, como se sabe (artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), não vincula o Tribunal Constitucional
–, mas, analisados os autos, verifica-se que é de proferir decisão sumária, nos termos do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, por este Tribunal não poder tomar conhecimento do recurso.
5. Com efeito, considerando o conjunto de decisões do Supremo Tribunal de Justiça que, anteriormente à data da apresentação do recurso por parte da ora recorrente para esse mesmo Tribunal (em 25 de Junho de 2003), já tinham adoptado a interpretação da norma do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, que impugna como inconstitucional – cfr., além da maioria dos identificados anteriormente, designadamente, ainda os Acórdãos de 8 de Maio de
2003, no processo n.º 1224/03; de 15 de Maio de 2003, no processo n.º 1109/03; de 22 de Maio de 2003, no processo n.º 787/03; de 5 de Junho de 2003, no processo n.º 1527/03; de 12 de Junho de 2003, no processo n.º 2129/03; e da mesma data, no processo n.º 1873/03 –, dúvidas parecem não restar de que sobre a ora recorrente recaía o ónus de definir e conduzir uma estratégia processual adequada, traduzida na consideração das várias possibilidades interpretativas da mesma norma, sobre o âmbito dos recursos, e na adopção das necessárias cautelas processuais (cfr., neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º
479/89, publicado no Diário da República [DR], II Série, de 24 de Abril de
1992), e que tal se reconduziria, no caso, a, como impunha o n.º 2 do artigo 72º da Lei do Tribunal Constitucional, ter suscitado perante o próprio Supremo Tribunal de Justiça a inconstitucionalidade da interpretação normativa em questão, que vedava o recurso para esse mesmo Supremo Tribunal. É que, diversamente, por exemplo, da situação decidida no Acórdão n.º 1/2004
(disponível em www.tribunalconstitucional.pt), não estamos, no presente caso, perante uma daquelas “situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que o recorrente não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes de proferida a decisão recorrida ou que, tendo essa oportunidade, não lhe era exigível que suscitasse então a questão de constitucionalidade.” Ora, muito embora a ora recorrente tivesse declarado, quer no requerimento de interposição do recurso, quer na resposta ao convite de aperfeiçoamento deste, que suscitara uma tal questão nas suas alegações de recurso, a verdade é que não o fez – nem podia tê-lo feito – nas que dirigiu “para o Tribunal da Relação do Porto” (porque a norma em causa só limita o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça), e que também o não fez – embora, como se disse, devesse tê-lo feito – nas que dirigiu ao Supremo Tribunal de Justiça, antes do acórdão de 9 de Outubro de 2003 – e não é possível nestes autos apurar se o fez (ou irá fazer) nas alegações que eventualmente foi (ou será) chamada a apresentar, caso o recurso para a fixação de jurisprudência que entretanto interpôs venha a passar a fase de exame preliminar (cfr. artigos 440º-442º do Código de Processo Penal).
6. Em todo o caso, é certo que, para o presente recurso de constitucionalidade, a suscitação, nessa sede, da inconstitucionalidade da interpretação em causa da norma do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, é de todo irrelevante. Acresce, na verdade, outro fundamento, que, só por si, levaria também ao mesmo juízo de impossibilidade de se conhecer do presente recurso. É que, como se relatou, no momento de interposição do recurso de constitucionalidade já fora proferida decisão a indeferir a reclamação, mas ainda estava (e ainda está) em tramitação o recurso de uniformização de jurisprudência, mercê do que parece ser uma interpretação lata do n.º 1 do artigo 438º do Código de Processo Penal. Ora, se é verdade que só são admitidos recursos de constitucionalidade ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional quando a decisão recorrida já não admita recurso ordinário
(artigo 70º, n.º 2, da mesma Lei), desde a nova redacção dada aos artigos 70º, n.ºs 2 e 6, e 75º, n.º 2, dessa Lei, que se reconhece que os recursos para uniformização de jurisprudência, mesmo quando sejam de considerar ordinários, não têm de ser intentados (ou de ser alvo de renúncia), antes de interposto o recurso de constitucionalidade. Mas se não se impõe a precedência em relação a este, tal não significa que seja possível interpor os dois recursos simultaneamente, como já se decidiu por diversas vezes neste Tribunal – cfr. Acórdãos n.ºs 411/00 (publicado em Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol.
48º, pp. 703-707) e 253/01 (acessível em www.tribunalconstitucional.pt), e a decisão sumária proferida no processo n.º 352/00. Naquele acórdão n.º 253/01 pode ler-se, a este propósito:
“Diz-nos, com efeito, o n.º 2 deste artigo 70º que os recursos previstos naquela alínea b) do n.º 1 – destinados a apreciação de norma aplicada em decisão judicial, cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo – apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já se terem esgotado todos os recursos ordinários que no caso cabiam, salvo os destinados à uniformização de jurisprudência. Surpreendiam-se divergências jurisprudenciais quanto a saber se o recurso de uniformização, a não ser admitido, mormente por se entender não se verificar a alegada oposição de julgados, precludia ou não a possibilidade de interpor recurso de constitucionalidade. Com as alterações introduzidas na Lei n.º 28/82, pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, particularmente ao aditar-se ao artigo 70º o n.º 6, o problema ficou resolvido negativamente, ou seja, no sentido de não recair sobre a parte o ónus de esgotar os recursos ordinários que, como fim específico, visam alcançar a uniformização de jurisprudência no âmbito de dada ordem jurisdicional. Assim, pode a parte optar por, em vez de recorrer logo para o Tribunal Constitucional, se dirigir ao Pleno do STA [no caso, das Secções Criminais do STJ], no objectivo de uniformizar jurisprudência, não vendo precludida a possibilidade de impugnar a decisão perante o Tribunal Constitucional se, porventura, o Pleno se pronunciar desfavoravelmente à sua pretensão, conhecendo, designadamente, de mérito.
4. O interessado, na verdade, requereu, por um lado, a reforma do acórdão (...) e, simultaneamente interpôs recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do STA, por oposição de julgados, invocando o disposto nos artigos 24º, alínea b), do ETAF e 103º, n.º 1, alínea a), da LPTA. E, por outro lado, recorreu para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do citado artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82. Mas, sendo assim, é manifesto que o facto de ter recorrido, também, para o Pleno da Secção do STA (não se discutindo, aqui e agora, se o podia fazer), significa não ter sido proferida, ainda, a última palavra sobre o litígio em causa, no
âmbito da jurisdição administrativa, o que levaria a concluir não se encontrar verificado, ainda, aquele pressuposto de prévia exaustão, necessário para a admissibilidade do recurso de constitucionalidade. A este propósito, observou-se em recente Acórdão deste Tribunal – o n.º
411/2000, de 3 de Outubro de 2000, ainda por publicar – que, perante a opção feita, mantém-se a viabilidade de recurso ordinário, que só esgotaria após a decisão do Pleno (e sempre haveria possibilidade de recorrer para o Tribunal Constitucional, de acordo com o n.º 6 do artigo 70º da Lei n.º 28/82). Ou seja, representar-se-ia nesta situação – e a ser recebido o recurso para o Pleno – outro fundamento para não conhecer do objecto do recurso, a não preceder o primeiramente consignado.”
É esta igualmente a situação no presente caso: perante a efectiva (e voluntária) utilização do recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, está ainda por proferir a
“última palavra” sobre o litígio na ordem jurisdicional em causa, devendo aguardar-se a decisão que venha a ser proferida pelo Supremo, podendo a recorrente então impugná-la, se for caso disso, perante o Tribunal Constitucional, nos termos do regime estabelecido nos citados artigos 70º, n.º
6, e 75º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional.
7. Conclui-se, pois, que não estão, de momento, preenchidos os requisitos do recurso de constitucionalidade que se pretendeu interpor, porque não foi suscitada, perante o tribunal a quo, como podia, e devia, ter sido, a inconstitucionalidade da interpretação que este veio a adoptar para a norma do artigo 400º, n.º 1, alínea f), do Código de Processo Penal, e porque, tendo-se interposto recurso para uniformização de jurisprudência, que está pendente, se não esgotou a última palavra dentro da ordem judicial de que emergiu o recurso
(sem prejuízo do recurso que possa eventualmente ainda vir a ser interposto da decisão a proferir pelo plenário das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça).»
2.Notificada desta decisão, a recorrente veio reclamar para a conferência ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, dizendo, depois de descrever o andamento do processo e de retomar passagens da transcrita decisão sumária:
«(...)
3. Quanto à argumentação aduzida pelo Ex.mo Relator Conselheiro, é necessário fazer um conjunto de observações. Se sobre a Recorrente incumbia o ónus de analisar a (ampla e divergente) jurisprudência do STJ quanto à norma ora em crise, a interposição do recurso para aquela instância não revela outra coisa, que não isso mesmo. Na verdade, tendo em conta a pluralidade de entendimentos que circundam a norma constante do art. 400º, n.º 1, al. f), do CPP, seria perfeitamente legítimo esperar que o recurso fosse aceite e conhecido por aquela instância. Por outro lado, o Tribunal Constitucional já se debruçou por diversas ocasiões sobre a norma contida naquele artigo, e mesmo nesta instância, parece não existir uniformidade no sentido a lhe ser atribuído. No Acórdão 490/03 (proc.
201/03, 2ª secção, de 22 de Outubro de 2003, em que foi Relator, o Conselheiro Benjamim Rodrigues, e onde participou o actual Relator, Conselheiro Paulo Mota Pinto, e retirado de www.tribunalconstitucional.pt), pretendia-se saber se o disposto no art. 400º, n.º 1, al. f), do CPP, enquanto condicionador da admissibilidade de recurso para o STJ à pena abstractamente aplicável a cada um dos crimes praticados pelo arguido no caso de concurso de crimes, viola ou não, o direito de recurso consagrado no art. 32º, n.º 1, da CRP, pode ler-se, “in fine”: “Acontece ainda, que no caso em concreto, nem sequer se atinge, com o cúmulo de penas efectivado, o patamar de 8 anos. a partir do qual seria porventura justificado colocar a questão de se saber se a exclusão do recurso não ofenderia outros parâmetros constitucionais.” – negrito e sublinhado nosso. Tendo em conta as divergências jurisprudenciais nesta matéria, como é que é possível imputar à Recorrente o conhecimento a priori, da orientação jurisprudencial que vai ser sufragada num determinado momento, em detrimento dos demais? Aliás, no sentido de considerar que, perante a inexistência de uma corrente jurisprudencial perfeitamente sedimentada, acerca de uma determinada interpretação normativa, decidiu este Tribunal no Acórdão 495/03, processo
525/03, 3ª secção, retirado de www.tribunalconstitucional.pt que:
“Em primeiro lugar, e no que diz respeito à questão de saber se pode ou não considerar-se oportunamente suscitada a inconstitucionalidade, entende-se que não era efectivamente exigível ao reclamante que antecipasse a interpretação que o acórdão recorrido adoptou para as normas questionadas. Desde logo, porque não corresponde a uma interpretação que seja sistematicamente seguida; a divergência de interpretações é, aliás, demonstrada pela circunstância de o recurso ter sido admitido pelo Tribunal da Relação.” Desta forma, o primeiro dos vícios apontados pelo Relator Conselheiro deve ser considerado sanado, a partir do momento em que esta deve ser configurada como uma daquelas situações excepcionais em que não é de exigir à Recorrente a prévia invocação da inconstitucionalidade perante a instância em que está pendente a causa.
4. A segunda questão levantada pelo Sr. Conselheiro Relator é a de estando pendente recurso para UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA o Pleno das Secções Criminais não seria admissível o presente recurso. Tal entendimento vai, salvo devido respeito, contra a lei expressa. Na verdade, dispõe o art. 70º-2 da Lei n.º 28/82, de 15.11, que:
“Os recursos previstos nas alíneas b) e f) do número anterior apenas cabem de decisões que não admitam recurso ordinário, por a lei o não prever ou por já haverem sido esgotados todos os que no caso cabiam, salvo os destinados a uniformização da jurisprudência.” Ora o recurso aqui em questão foi interposto nos termos da referida alínea b) do n.º 1 do art. 70º, pelo que, mesmo estando pendente o recurso para uniformização de jurisprudência (o que não sucede, neste momento, aliás, como abaixo vai escrito) sempre seria admissível o recurso aqui em causa.
5. Por outro lado, existe neste caso uma situação absurda e injusta: é que por Acórdão proferido em 19 de Fevereiro de 2004, em conferência no STJ, e em exame preliminar, aquela instância decidiu não conhecer da oposição de julgados, porquanto estava pendente recurso para o TC, e por via de tal, a decisão recorrida não era definitiva, tendo a recorrente de aguardar o resultado do recurso constitucional. Ou seja, estamos perante uma situação em que ambas as instâncias recusam o poder de julgar a questão, aduzindo o mesmo argumento – pendência da causa num outro tribunal. Mas como o Supremo Tribunal de Justiça se escusou a conhecer da questão da oposição de julgados, e aí se pronunciar sobre a constitucionalidade do art.
400º, n.º 1, al. f), só a esta instância caberá conhecer desta questão.» O representante do Ministério Público junto deste Tribunal, notificado da reclamação deduzida, pronunciou-se nos seguintes termos:
“1 – A presente reclamação é manifestamente improcedente, em nada abalando as razões expostas pela reclamante os fundamentos da decisão reclamada.
2 – Na verdade, cumpria à reclamante ter suscitado antecipadamente à consideração do Supremo a questão de constitucionalidade que só colocou no
âmbito do recurso de constitucionalidade que interpôs – dada a possibilidade manifesta de o Supremo vir a optar pela corrente jurisprudencial menos favorável aos seus interesses.
3 – Por outro lado, no momento da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, fundado na alínea b) do n.° 1 do artigo 70° da Lei n.° 28/82, estava pendente – por iniciativa da própria reclamante – recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência, sendo evidente que a decisão ali proferida não pode legitimar a dupla e simultânea utilização pela recorrente de ambos os meios impugnatórios.” Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos
3.Consultando o teor da presente reclamação, verifica-se que ela não logra abalar os fundamentos em que se baseou a decisão sumária transcrita. Na verdade, e em primeiro lugar, é a própria reclamante que reconhece existir uma “pluralidade de entendimentos que circundam a norma constante do art. 400º, n.º 1, al. f)”, do Código de Processo Penal. Como resulta dos arestos citados na decisão reclamada, tal pluralidade era já, aliás, perfeitamente apreensível, no próprio Supremo Tribunal de Justiça, à data em que a recorrente alegou perante esse Tribunal, não tendo esta, porém, suscitado a questão da inconstitucionalidade do entendimento normativo que agora impugna perante o Tribunal Constitucional. Tal suscitação era, porém, exigível à recorrente, não sendo dispensada apenas pela invocação de dúvidas sobre a questão de fundo da constitucionalidade da norma em causa, pois que, pelo contrário, é justamente um requisito para se poder vir a conhecer dessa questão de fundo. A presença, na doutrina e na jurisprudência, de divergência de posição já formuladas também não dispensa a suscitação da inconstitucionalidade, sendo, pelo contrário, sinal claro de que esta suscitação era possível. Assim, notou-se, por exemplo, já no Acórdão n.º 587/98, retomando jurisprudência anterior reiteradamente confirmada:
“Como se decidiu no Acórdão n.º 352/94 (publicado no Diário da República, II série, de 6 de Setembro de 1994), deve entender-se a exigência de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo, ‘não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)’, mas ‘num sentido funcional’, de tal modo ‘que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão’,
‘antes de esgotado o 'poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita’. É este o único sentido do dito requisito que corresponde à natureza da intervenção do Tribunal Constitucional em via de recurso, para reapreciação, portanto, de uma questão suscitada antes da prolação da decisão recorrida, de modo a permitir ao juiz a quo pronunciar-se sobre ela (ver também o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República, II série, de 20 de Junho de 1995). Esta orientação, como também se salientou nos Acórdãos citados, sofre restrições apenas em situações excepcionais, anómalas, designadamente, se a norma cuja inconstitucionalidade se invoca, e que a decisão recorrida aplicou, foi publicada quando o recorrente já não dispunha de oportunidade processual para suscitar a questão de inconstitucionalidade, ou se se estiver em face de uma verdadeira ‘condenação surpresa’, de todo inesperada e imprevista, não sendo, portanto, exigível ao recorrente que antevisse a possibilidade de aplicação da norma questionada. Como, todavia, se salientou no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 479/89
(Diário da República, II Série, de 24 de Abril de 1992) ‘terá de ponderar-se que não pode deixar de recair sobre as partes em juízo o ónus de considerarem as várias possibilidades interpretativas das normas de que se pretendem socorrer, e de adoptarem, em face delas, as necessárias cautelas processuais (por outras palavras, o ónus de definirem e conduzirem uma estratégia processual adequada). E isso também logo mostra como a simples ‘surpresa’ com a interpretação dada judicialmente a certa norma não será de molde (ao menos, certamente, em princípio) a configurar uma dessas situações excepcionais em que seria justificado dispensar os interessados da exigência da invocação da inconstitucionalidade antes de se esgotar o poder jurisdicional do tribunal a quo sobre a questão para cuja resolução é relevante a norma impugnada [...]. Mas, se alguma vez tal for de admitir, então haverá de sê-lo apenas numa hipótese em que a interpretação judicial seja tão insólita e imprevisível que seria de todo desrazoável dever a parte contar (também) com ela.’ Impende, pois, sobre o recorrente o ónus de avaliar e pesquisar as possíveis interpretações susceptíveis de vingar no julgamento do caso concreto, actuando depois com o ‘esquema de orientação processual’ ou com o método mais adequado à defesa dos seus interesses. Designadamente, não podem os reclamantes invocar legitimamente ‘surpresa’ na interpretação perfilhada na decisão recorrida quando a doutrina e a jurisprudência se dividem quanto à interpretação da norma impugnada (neste sentido, ver os Acórdãos n.ºs 333/92, 259/93 – inéditos –,
232/94, 367/96 e 595/96 – publicados, respectivamente, no Diário da República, II série, de 22 de Agosto de 1994, 10 de Maio de 1996, e 22 de Julho de 1996).” Não pode, pois, considerar-se preenchido o requisito consistente na adequada suscitação, durante o processo, da questão de constitucionalidade da norma em causa.
4.Ao indicado acresceu, porém, um outro fundamento, na decisão reclamada, só por si bastante também para se não poder tomar conhecimento do recurso: a circunstância de, no momento da interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, fundado na alínea b) do n.° 1 do artigo 70° da Lei do Tribunal Constitucional, estar pendente, por ter sido interposto pela própria reclamante, recurso extraordinário de uniformização de jurisprudência. Ora, como resulta da jurisprudência deste Tribunal (designadamente, dos Acórdãos n.ºs 411/00 e
253/01, este último transcrito, na parte relevante, na decisão reclamada), tal
“dupla e simultânea utilização” do recurso de constitucionalidade e do recurso para uniformização de jurisprudência não permitida pela previsão do artigo 70º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, que apenas permite a imediata interposição do recurso de constitucionalidade, não exigindo, para o esgotamento dos recursos ordinários que no caso cabiam, a interposição de recurso de uniformização de jurisprudência. Como, porém, resulta também da jurisprudência deste Tribunal, em caso de efectiva interposição, simultaneamente com o recurso de constitucionalidade, do recurso de uniformização de jurisprudência, não pode tomar-se logo conhecimento do primeiro, por ainda não ter sido proferida a
“última palavra dentro da ordem judicial de que emergiu o recurso”. Sem prejuízo do recurso que possa eventualmente ser interposto após a decisão a proferir naquele recurso para uniformização de jurisprudência, é evidente que a decisão proferida posteriormente neste não pode legitimar, como que “retroactivamente”, a dupla e simultânea utilização, pela recorrente, dos dois meios impugnatórios, levando a que se deva tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade anteriormente interposto. Também por esta razão, não podia, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso, pelo que há que confirmar a correspondente decisão sumária, ora reclamada.
III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar a recorrente em custas, com 20 (vinte) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 31 de Março de 2004 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Rui Manuel Moura Ramos