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Proc. nº. 351/02
1ª Secção Relator: Consº. Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 – Por decisão do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições de Trabalho (IDICT) – Delegação de Coimbra - de 5.07.2001 o A foi condenado como autor de uma contra-ordenação laboral (artigo 10º do Decreto-Lei nº. 421/83, na redacção dada pelo artigo 14º da Lei nº. 118/99, em conjugação com o Despacho publicado no Diário da República, II Série de 17.11.1992 punível nos termos dos artigos 7º, nº. 4 e 9º, nº. 1, al. d), da Lei nº. 116/99) a pagar uma coima de Esc. 1 500 000$00, considerando a gravidade da infracção e o grau de culpa do arguido.
Inconformado, interpôs recurso para o Tribunal de Trabalho de Coimbra tendo arguido inconstitucionalidades, à semelhança do que fizera na contestação ao auto de notícia lavrado nos autos pelo IDICT.
O Tribunal de Trabalho de Coimbra por sentença de 23.10.2001 manteve a condenação e a coima aplicada pelo IDICT (cfr. fls. 238 a 248).
O acoimado interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, tendo concluído a sua alegação nestes termos:
'1. O artigo 125º do CPA não é aplicável ao caso dos autos pois o direito contraordenacional é um ramo do direito penal – é um direito especial – e não direito administrativo;
2. O Governo foi autorizado a legislar ao abrigo da al. u) do nº1 do artigo 168º da CRP e não da al. d) daquela disposição da Lei Fundamental;
3. Assim, o artigo 125º do CPA, é inconstitucional, por violação do artigo 165º nº1 al. d) da CRP se, e na exacta medida em que, a sua previsão incluir o caso dos autos.
4. A decisão do senhor Delegado do Idict deve ser considerada nula por lhe ser aplicada o artigo 379º do Código Penal por remissão do artigo 41 do Regime Geral das Contra Ordenações, ou serem tais disposições consideradas inconstitucionais por violação dos direitos de defesa do arguido previstos no artigo 32º nº 10 da CRP.
5. É por isso nula ou inexistente a decisão proferida nos autos pelo Senhor Delegado do Idict de Coimbra.
6. À data em que foi proferida a decisão recorrida, bem como actualmente, a competência para aplicação de coimas correspondentes às contra-ordenações laborais é exclusiva do Inspector-Geral do Trabalho, de harmonia com o disposto no artigo 4º nº2, al. c) do D.L. 102/2000 de 2 de Junho.
7. O D.L. 102/2000 de 2 de Junho é material, orgânica e formalmente inconstitucional na parte em que atribui ao Senhor Inspector-geral do Trabalho competência para aplicação de coimas, cfr. artigo 4º, nº2, al.c), e à Inspecção Geral do Trabalho o desenvolvimento da acção sancionatória, cfr. 6º a 13º do citado diploma.
8. Tais inconstitucionalidades advêm do facto da matéria neles vertida integrar regime geral de actos ilícitos de ordenação social e respectivo processo, sendo que por isso teria que ser objecto de Lei da Assembleia da República ou de Decreto Lei do Governo se este para tal estivesse autorizado, conforme resulta da conjugação dos artigos 165º nº1 al. d), e 198º, ambos da CRP..
9. O despacho de delegação de poderes 8616/2001 de 2 de Abril, publicado no Diário da República II Série, de 24 de Abril de 2001 por ter como norma habilitante o artigo 4º nº2 al.c) e nº3 do Decreto Lei 102/2000, é consequentemente inconstitucional, não podendo ter efeito qualquer decisão proferida ao seu abrigo.
10. A falta de registo do fundamento de trabalho suplementar antes de terminada a sua prestação não constitui qualquer contra ordenação porquanto não está tipificada na lei.
11. Considerar que o artigo 10º nº2 do DL 421/83 tipifica a falta de registo de trabalho suplementar antes do seu término como contra ordenação é manifestamente inconstitucional e viola o artigo 165º nº1 al.d) da CRP.
12. O fundamento encontrava-se registado no registo informático do trabalho suplementar, pelo que, ainda que a sua omissão integrasse contra-ordenação, não foi cometida qualquer infracção.
13. A recorrente não podia registar o descanso compensatório gozado pelo trabalhador porquanto o mesmo efectivamente ainda não gozou qualquer descanso compensatório.
14. O registo do descanso compensatório não faria qualquer sentdoi e por não ter existido faria a recorrente incorrer na comissão de crime de falsas declarações. Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, ordenando-se o arquivamento dos autos como é de inteira justiça'.
A Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra proferiu acórdão em 28.02.2002 em que, remetendo para reiterada e firme jurisprudência ali fixada, negou provimento ao recurso de impugnação, mantendo a decisão recorrida
(cfr. fls. 275 a 282 dos autos).
Veio de novo o arguido recorrer, agora para o Tribunal Constitucional, tendo dito no requerimento de interposição de recurso:
'I. Aplicou ao processo contra ordenacional o artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo admitindo, por conseguinte, que a decisão administrativa estava devidamente fundamentada. A interpretação dada àquele preceito, aplicando-o ao processo contraordenacional, inclui na sua previsão matéria contra ordenacional. Ao incluir tal matéria na previsão daquela disposição torna-se a mesma, e nessa medida, inconstitucional por violação do direito de Defesa concedido ao arguido em processo contra-ordenacional pelo artigo 32º nº. 10 da Constituição da República e por violação da reserva relativa de competência da Assembleia da república consagrada no artigo 165º nº 1 al. d) da Constituição da República. II. Não considerou inconstitucional os artigos 4º nº2 al.c) e 6º, 7º, 8º, 9º,
10º, 11º, 12 e 13º do DL 102/2000, que estabelecem respectivamente a competência do Inspector Geral de Trabalho para aplicar coimas correspondentes às contra-ordenações laborais e actividade sancionatória e inspectiva da Inspecção Geral do Trabalho. Por esse motivo julgou competentes os intervenientes processuais. Aquelas normas respeitam ao processo de ilícito de mera ordenação social e por consequência são da competência da Assembleia da República – reserva relativa – porém constam de um decreto lei sem autorização legislativa, pelo que foi violado o artigo 165º nº1 al. d) da CRP. III. Aplicou o artigo 10º nº2 do Decreto lei 421/83 de 2 de Dezembro, considerando, consequentemente, que o fundamento da prestação do trabalho suplementar tem que ser registado antes do início da mesma prestação. No entanto, Ou a omissão de registo do fundamento antes do termo do trabalho suplementar não integra qualquer contra-ordenação, por não ser essa a interpretação correcta da referida disposição legal, Ou a interpretação dada pela Sentença ora recorrida é conforme ao espírito e letra da lei, pelo que sofre o artigo 10º nº 2 do Decreto Lei 421/83 de 2 de Dezembro do vício de inconstitucionalidade, por violação do artigo 165º nº1 al. d) da Constituição da República Portuguesa, porquanto permite que a omissão de registo do fundamento do trabalho suplementar antes do início do mesmo seja uma infracção tipificada pela Administração Pública, e não pela Assembleia da República ou pelo Governo, em sede de Decreto Lei autorizado. IV. O supra referido Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra é recorrível, por ter aplicado normas inconstitucionais, artigo 70º, nº. 1, alínea b) da lei nº.
28/82, de 15 de Novembro. O Recorrente tem legitimidade para recorrer, nos termos do nº. 1, alínea b) e do nº. 2 do artigo 72º da citada Lei nº. 28/82. Pretende-se pois que o Tribunal aprecie a inconstitucionalidade dos artigos 125º CPA., 4º nº2 al.c) e 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º, 12º e 13º do Decreto Lei 102/2000 de 2 de Junho, e 10º nº 2 do Decreto-Lei 421/83 de 2 de Dezembro. O Recorrente considera que foram violados o artigo 32º nº. 10 e 165º nº1 al. d), da Constituição da República. Para efeitos do disposto no nº 2 do artigo 75º-A da lei nº. 28/82 de 15 de Novembro, diz-se ainda que as questões de inconstitucionalidade a cuja apreciação ora se pretende sujeitar, foram anteriormente suscitadas nas seguintes peças processuais: a. Aplicação do artigo 125º do CPA, violando os artigos 32º nº 10 e 165º nº1 al. d) da CRP: Recurso para a Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra; b. Aplicação dos artigos 4º nº2 al. c) e 6º, 7º, 8º, 9º 10º, 11º, 12º e 13º do DL 102/2000 violando o artigo 165º nº 1 al. d) da CRP: Recurso para a Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra; c. Aplicação do artigo 10º nº2 do Decreto Lei 421/83 de 2 de Dezembro violando o artigo 165º nº 1 al. d) da CRP: Recurso para o Tribunal de Trabalho de Coimbra e Recurso para a Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra.'
Admitido o recurso neste Tribunal, apresentou o recorrente as suas alegações, concluindo como segue:
'1. O artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo é inconstitucional se interpretado no sentido de que a sua previsão inclui matéria contra ordenacional. Naquela interpretação o artigo 125º, concebido ao abrigo de uma autorização legislativa que não abrange o artigo 165º nº 1 al. d) da CRP, viola-o, porquanto a autorização legislativa ao abrigo do qual foi feito não abrange a al. d) do citado nº 1 do artigo 165º, mas sim a al. u) do mesmo nº e artigo da Lei Fundamental.
2. O DL 102/2002 de 2 de Junho é material, orgânica e formalmente inconstitucional na parte em que atribuí ao Senhor Inspector-geral do Trabalho competência para aplicação de coimas, cfr. artigo 4º, nº 2, al. c), e à Inspecção Geral do Trabalho o desenvolvimento da acção sancionatória, cfr. 6º a
13º do citado diploma.
3. Tais inconstitucionalidades advêm do facto da matéria neles vertida integrar regime geral de actos ilícitos de ordenação social e respectivo processo, sendo que por isso teria que ser objecto de Lei da Assembleia da República ou de Decreto Lei do Governo se este para tal estivesse autorizado, conforme resulta da conjugação dos artigos 165º nº.1 al. d), e 198º, ambos da CRP..
4. O artigo 10º nº2 do Decreto Lei 421/83 de 2 de Dezembro é inconstitucional na interpretação que dele fez o Venerando Tribunal da Relação, porquanto viola o artigo 165º nº1 al d) da CRP. Termos em que com o douto suprimento de V. Exªs. devem ser julgados inconstitucionais o artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo quando interpretado no sentido de que é aplicável ao processo contra-ordenacional, os artigos 4º, nº2, al. c) e 6º a 13º do DL 102/2000 de 2 de Junho por estatuírem matéria contra-ordenacional e não terem sido concebidos com a competente lei de autorização, o artigo 10º, nº 2 do DL 421/83 enquanto interpretado no sentido de que a sua previsão tipifica uma contra-ordenação.'
O ora recorrente juntou parecer neste Tribunal.
O Exmº. Procurador-Geral Adjunto em exercício neste Tribunal contra-alegou, pugnando pela improcedência do presente recurso, tendo concluído:
'1 – A reserva de competência legislativa da Assembleia da República em sede de contra-ordenações apenas envolve a definição do 'regime geral' vigente, não implicando a tipificação de cada infracção ou a definição de quais as entidades administrativas competentes para intervir no processo contra-ordenacional.
2 – Não implica qualquer violação dos direitos de audiência e defesa do arguido em processo contra-ordenacional a interpretação normativa que considera subsidiariamente aplicável à fundamentação da decisão da autoridade administrativa o preceituado no artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo, não havendo razão para considerar, do ponto de vista jurídico-constitucional, obrigatória a aplicação subsidiária da norma constante do artigo 374º do Código de Processo Penal, relativo ao dever de fundamentação das decisões judiciais tomadas no âmbito penal.
3 – Termos em que deverá improceder o presente Recurso.'
Cumpre apreciar e decidir.
2 – O Banco recorrente interpôs recurso para este Tribunal ao abrigo do artigo 70º, nº1, alínea b) da Lei nº. 28/82, de 15 de Novembro com as alterações que lhe foram introduzidas pela Lei nº. 13-A/98, de 26 de Fevereiro.
No caso dos autos, o recorrente limita a questão de constitucionalidade à apreciação da 'norma do artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo' quando aplicada em sede de contra-ordenações laborais e ainda das 'normas dos artigos 4º, nº. 2, alínea c), 6º a 13º do Decreto-Lei nº. 102/2000, de 2 de Junho' e 'artigo 10º, nº. 2 do Decreto-Lei nº.
421/83, de 2 de Dezembro', por alegada violação do artigo 165º, nº. 1, alínea d) da Constituição.
3 - Vejamos a primeira questão suscitada.
O recorrente defende nas alegações e nas 5 primeiras conclusões do recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra que o artigo 125º do Código de Procedimento Administrativo 'não é aplicável ao caso dos autos ...' e '(...) é inconstitucional, por violação do artigo 165º nº1 al. d) da CRP se, e na exacta medida em que, a sua previsão incluir o caso dos autos'.
Disse-se, a propósito, na decisão recorrida:
'Na tese da motivação são apontadas de inconstitucionais praticamente todas as disposições normativas a que se faz referência. Desde logo o seria – e entramos já na consideração da temática a que respeitam as três primeiras conclusões – o art. 125º do Código do Procedimento Administrativo, por violação do art. 165º da CRP, que não se aplicará sequer ao caso dos autos ...
(...) Não se contesta que o Direito contra-ordenacional constitui um género do Direito Penal, um direito penal especial.
Não é um direito administrativo ou direito penal administrativo,
(nas palavras de um excerto de argumentação do citado Assento / Acórdão para fixação de jurisprudência nº1/2001, in DR. nº 93, de 20/4/2001, pg 2325), convindo igualmente que o seu natural direito subsidiário é o direito penal e o direito processual penal ... e não o direito administrativo.
Mas a questão não é essa!
Como é sabido, o processo contra-ordenacional assume estruturalmente uma especial natureza mista, com uma clara feição de procedimento administrativo até à fase judicial, de que é clara evidência, v.g., a circunstância de a apresentação dos autos (...) ao Juiz , pelo MºPº, valer como acusação e a impossibilidade de recurso hierárquico da decisão cominatória – vide arts. 59º, nº 1, 62º, 66º e 74º, nº 4, do DL. 433/82, de 27 de Outubro.
Assim, afigura-se-nos que em todas as circunstâncias não expressamente previstas, (e não havendo disposição normativa que a tal se oponha); terá de admitir-se o recurso à disciplina e princípios que genericamente regem esse tipo de procedimento.
Na fase em que o processo se desenvolve no âmbito puramente administrativo (até ao envio dos autos ao MºPº), nada obstará à observância e aplicação supletiva das regras do CPA.
É aplicável ao caso a disciplina do seu art. 125º, que enquanto tal nada tem evidentemente de inconstitucional, nomeadamente por não afrontar o referido art. 165º, nº. 1, d), da CRP, como facilmente se alcança do acima exposto.'
Foi deste modo aplicada, como ratio decidendi, a norma contida no artigo 125º do CPA, que respeita ao requisitos de fundamentação dos actos administrativos em geral.
Mais concretamente, a norma aplicada foi a que se contém no nº 1 daquele preceito legal, uma vez que a questão suscitada pelo recorrente se reportava à fundamentação por remissão da referida decisão punitiva, precisamente a que é admitida, no âmbito dos actos administrativos em geral, por aquela norma.
A tese do recorrente pode sintetizar-se assim: aos requisitos das decisões administrativas punitivas no âmbito de um processo contra-ordenacional só podem ser aplicadas normas editadas ao abrigo do disposto no artigo 165º nº 1 alínea d) da Constituição, ou seja, aquele que inclui na reserva relativa de competência da Assembleia da República legislar em matéria de 'regime geral de punição das infracções disciplinares, bem como dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo', o que não seria o caso.
Sobre esta específica competência da Assembleia da República escreveu-se no Acórdão nº 56/84 in Acórdãos do Tribunal Constitucional 3º vol., págs. 153 e segs.:
'12 – Salvo autorização ao Governo, igualmente pertence à Assembleia da República – artigo 168º, nº 1, alínea d) – a competência para legislar sobre o regime geral de punição dos actos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo. A competência exclusiva do Parlamento limita-se, neste caso, ao regime geral. Razões de ordem histórica e razões de sistema confirmam esta interpretação, de imediato deduzível da letra do preceito.
Na Comissão Eventual para a Revisão Constitucional discutiu-se a nova formulação proposta para a alínea c) do nº 1 do artigo 168º: 'definição dos crimes, penas, medidas de segurança e respectivos pressupostos e regime geral de punição das infracções disciplinares e dos actos ilícitos de mera ordenação social, bem como do processo criminal'. Como entremostra a discussão travada – Diário da Assembleia da República, 2ª sessão legislativa, 2ª série, suplemento ao nº 44, pp.904(1) e 904(2) – acabou por se assentar na sua desmultiplicação em duas alíneas, as actuais alíneas c) e d), ficando, segundo esta última alínea, no domínio da reserva legislativa da Assembleia da República o regime geral do ilícito de mera ordenação social e, pela mesma lógica, o regime geral do respectivo processo ou as suas grandes normas adjectivas.
Esta interpretação é ainda confirmada sistematicamente a dois níveis. Por um lado, é significativo que a alínea d) do nº 1 do artigo 168º, ao invés do que sucede com a alínea c) do mesmo nº 1, se refira expressamente a regime geral. Por outro lado, o artigo 229, alínea m) da Constituição atribui às regiões autónomas o poder de definir actos ilícitos de mera ordenação social e respectiva punição, pelo que ao Governo, e com referência a todo o território do Estado, se não pode deixar de reconhecer igual competência. Mais exactamente, ao Governo, dentro da lei-quadro (Decreto-Lei nº 433/82, emitido no uso da autorização conferida pela Lei nº 24/82, de 23 de Agosto) pertence, no exercício de competência legislativa concorrente com a da Assembleia da República, delinear ilícitos contra-ordenacionais, estabelecer a concernente punição e moldar regras secundárias do processo contra-ordenacional.
Com tudo isto, se não quer significar que ao Governo seja ilícito revogar parcialmente o Decreto-Lei nº 433/82. Ponto é que estejam em equação normas desenquadradas do regime geral, substantivo ou adjectivo, do ilícito de mera ordenação social.'
Esta doutrina veio a ser seguida por uma orientação jurisprudencial sempre uniforme deste Tribunal (cfr. Acórdão nº 158/92 e outros aí citados in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 21º vol., págs. 713 e segs).
E dela resulta, como se viu, que, em matéria adjectiva, só a edição de normas ditas primárias, como fazendo parte do regime geral do ilícito de mera ordenação social, se insere na competência reservada da Assembleia da República.
O Decreto-Lei nº 433/82, editado pelo Governo, sob autorização legislativa, contém essas normas primárias, substantivas e adjectivas; mas não estará obviamente excluído que nesse diploma se contenham outras normas que não comunguem daquela natureza.
Entende-se, porém, que os requisitos das decisões condenatórias constantes do artigo 58º daquele decreto-lei, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, (tal como do artigo 56º do Decreto-Lei nº 421/85, de 26 de Novembro, então vigente que, aprovado pelo Governo no uso de competência própria, estabelecia disposições relativas às contra-ordenações laborais) traduzem uma exigência fundamental em matéria de processo contra-ordenacional.
Com efeito, os direitos de defesa dos acoimados ali tutelados determinam seguramente a qualificação da norma como norma primária do processamento das contra-ordenações, assim integrando o regime geral de punição dos ilícitos de mera ordenação social e do respectivo processo.
Isto não obstante a Lei nº 116/99, de 4 de Agosto, que aprova o regime geral das contra-ordenações laborais, nada dispor a este respeito, o que se deverá ao facto de, nos termos do artigo 2º desse regime, ser subsidiariamente aplicável o regime geral das contra-ordenações.
A verdade, porém, é que se nesse regime geral se impõe que as decisões condenatórias obedeçam a determinados requisitos já nele se não exige a forma por que eles devam ser preenchidos.
E tal como a exigência constitucional de fundamentação expressa dos actos administrativos se não deixa de cumprir com a remissão para peça do processo (v.g. parecer ou proposta) que contenha tal fundamentação também se obedecerá ao disposto no artigo 58º do Decreto-lei nº 433/82 se a decisão condenatória remeter para proposta que contenha os requisitos ali previstos.
Nesta medida, nada impediria que o Governo, no exercício de competência própria, editasse norma que previsse a forma remissiva para se cumprir o disposto no citado artigo 58º do Decreto-Lei nº 433/82.
Mas, assim sendo, não se inserindo na competência reservada da Assembleia da República ao abrigo do disposto no artigo 165º nº 1 alínea d) da Constituição legislar em tal matéria, nada impede que se lance mão do disposto no artigo 125º do Código do Procedimento Administrativo respeitante à admissibilidade da fundamentação dos actos administrativos por remissão, razão por que a norma do artigo 125º do CPA interpretada no sentido de ela ser aplicável às decisões condenatórias em processo contra-ordenacional não a faz incorrer em violação do citado preceito constitucional.
E também não viola os direitos de defesa do arguido (artigo 32º nº
10 da CRP) uma vez que a aludida forma de fundamentação da decisão condenatória não impede – como aliás se vê que, no caso, não impediu – o exercício daqueles direitos, bem sabendo o acoimado os factos por que lhe é imposta uma coima e o direito aplicado.
4 - Sustenta, ainda, o recorrente que o Decreto-Lei nº 102/2000, de 2 de Dezembro, é inconstitucional material, orgânica e formalmente, considerando que
'tais inconstitucionalidades advêm do facto de a matéria neles vertida integrar regime geral de actos ilícitos de ordenação social e respectivo processo, sendo que por isso teria que ser objecto de Lei da Assembleia da República ou de Decreto-Lei do Governo se este para tal estivesse autorizado, conforme resulta da conjugação dos artigos 165º nº1 al. d), e 198º, ambos da CRP.'
Sendo, para o recorrente, todo o diploma mencionado inconstitucional, não deixa ele de destacar as normas constantes dos artigos 4º, nº.2, alínea c) e 6º a 13º.
Subjaz, deste modo, ao entendimento do recorrente a ideia de que as matérias, todas as matérias, que respeitem à punição dos ilícitos de mera ordenação social são da competência legislativa da Assembleia da República
(salvo autorização ao Governo).
Ora, como se disse e é jurisprudência firme deste Tribunal, só é da competência da Assembleia da República (ou do Governo com autorização legislativa) legislar em matéria de regime geral de punição de ilícitos de mera ordenação social e respectivo processo.
O Decreto-Lei nº. 102/2000, de 2 de Dezembro respeita ao desenvolvimento e à protecção das condições de trabalho, em que a Inspecção-Geral do Trabalho 'desempenha uma função indispensável na regularização de aspectos essenciais do mercado de trabalho e contribui para realizar a responsabilidade do estado de assegurar a concorrência económica equilibrada entre as empresas' (cfr. respectivo preâmbulo), não podendo assim afirmar-se que, a matéria que ele (todo ele) regula se insira na competência da Assembleia da República nos termos do artigo 165º nº 1 alínea d) da Constituição.
Mas ainda que centremos a nossa análise nas normas dos artigos 4º, nº2, alínea c) e artigos 6º a 13º do Decreto-Lei supra referido, também aí não assiste razão ao recorrente.
O artigo 4º, nº. 2, alínea c) confere ao Inspector-geral do Trabalho competência para aplicar de coimas, multas e sanções acessórias correspondentes às contra-ordenações e contravenções laborais.
Ora, sobre a competência em razão da matéria para aplicar coimas, o artigo 34º nº 1 do Decreto-lei nº 433/82 limita-se a dispor que ela 'pertencerá às autoridades determinadas pela lei que prevê e sanciona as contra-ordenações'.
Remete-se, assim, para a lei que define um determinado tipo de contra-ordenação, a competência para aplicar a respectiva coima, sendo certo que o Tribunal Constitucional, desde o seu citado Acórdão nº 56/84 (cfr., ainda, Acórdão nº
110/95 in Acórdãos do Tribunal Constitucional 30º vol. págs. 627 e segs.) firmou já doutrina no sentido de que a criação ex novo de contra-ordenações se insere na competência concorrente da Assembleia da República e do Governo.
Não faz, pois, parte do regime geral de punição do ilícito de mera ordenação social a definição das entidades competentes para punir esse ilícito.
Acresce que já a Lei nº 116/99 atribuía, no seu artigo 17º, à Inspecção-Geral do Trabalho a competência para o processamento das contra-ordenações laborais e ao inspector-geral do Trabalho a competência para aplicação das coimas correspondentes, competência esta que poderia ser delegada nos delegados ou sub-delegados do IDICT.
Não se verifica, assim, qualquer inconstitucionalidade na norma do artigo 4º nº
2 alínea c) do Decreto-Lei nº 102/2000
No que concerne às normas constantes dos artigos 6º a 13º do Decreto-Lei nº.
102/2000, de 2 de Dezembro, inseridas no Capítulo II, reportam-se elas à acção inspectiva, matéria que igualmente nada tem que ver com a definição do regime geral das contra-ordenações laborais.
É certo que algumas dessas normas (artigos 6º a 9º) se referem ao processamento das contra-ordenações.
A verdade, porém, é que nenhuma delas, que se possa considerar norma primária adjectiva, altera o que se dispõe no Decreto-Lei nº 433/82, sendo ainda evidente que algumas correspondem mesmo ao disposto nos artigos 19º e 20º da citada Lei nº 116/99 e a que consta do artigo 8º nº 2 manda aplicar ao processamento iniciado com a participação 'o regime geral das contra-ordenações'.
Não se vislumbra, assim, qualquer inconstitucionalidade das citadas normas.
5 – Entende, por fim, o recorrente que 'considerar que o artigo 10º nº2 do DL 421/83 tipifica a falta de registo de trabalho suplementar antes do seu término como contra-ordenação é manifestamente inconstitucional e viola o artigo 165º nº1 al.d) da CRP'.
Ora o que atrás se disse sobre a competência do Governo para definir ex novo contra-ordenações basta para julgar improcedente a alegação de inconstitucionalidade que, uma vez mais, assenta na tese de que a definição de qualquer ilícito contra-ordenacional se insere na reserva relativa de competência da Assembleia da República.
6 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 18 de Março de 2003 Artur Maurício Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa