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Proc. n.º 727/03
1ª Secção Relatora: Maria Helena Brito
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
I
1. No Tribunal de Comércio de Lisboa, A. e outros intentaram providência cautelar não especificada contra B. e Conservador do Registo Comercial de Lisboa.
Em 28 de Maio de 2002 (fls. 143 e seguintes), foi proferido despacho através do qual se decidiu:
– ao abrigo do disposto nos artigos 234º, n.º 4, alínea b), e
234º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, indeferir liminarmente o procedimento cautelar no que toca aos pedidos formulados contra o Conservador do Registo Civil de Lisboa, por ilegitimidade;
– ao abrigo do disposto nos artigos 234º, n.º 4, alínea b), e
234º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, indeferir liminar e parcialmente o procedimento cautelar no que toca aos pedidos de que a requerida B. seja intimada a abster-se de fazer novas diligências para transferir a respectiva matrícula para fora de Lisboa enquanto não for julgada a acção de que este procedimento será apenso, a promover de imediato a convocação da sua assembleia geral de accionistas para reunir em Lisboa, em local legalmente permitido, para prestação de contas relativamente aos exercícios de 1997 a 2001, e a acatar os efeitos decorrentes do acórdão do STJ de 24/05/01, reconhecendo à primeira requerente a legitimidade que lhe é conferida pelo artigo 57º do CVM;
– determinar que a providência passe a ser tramitada como procedimento cautelar nominado de suspensão de deliberações sociais;
– indeferir o pedido apresentado pelos requerentes no sentido de as providências serem decretadas com dispensa de contraditório.
A. e outros interpuseram recurso desse despacho para o Tribunal da Relação de Lisboa, tendo concluído assim as suas alegações (fls. 236 e seguintes):
“Nos termos do disposto no art° 690º, n° 1, do CPC, indicam-se os fundamentos por que os recorrentes pedem a anulação das decisões recorridas:
1ª. Na identificação do objecto do litígio, há erros de escrita e omissões cuja rectificação e suprimento se requer em virtude de terem influído nas decisões proferidas (cf. art°s 659°, n° 1, e 667° do CPC);
2ª. O despacho recorrido enferma de nulidade por omissão de conhecimento sobre pedido final, e conhecimento de questões que não foram postas à apreciação do tribunal – o que importa violação do art° 660°, n° 2, e vícios do art° 668°, n°
1, al. d), do CPC [...];
3ª. O despacho recorrido violou o disposto no art° 26° do CPC, e 31° do CPA, ao julgar a 2ª requerida parte ilegítima;
4ª. As decisões recorridas sobre manifesta improcedência de providências requeridas, com fundamento em: a) colisão com o disposto no artº 1486° do CPC, b) esvaziamento do objecto da acção principal, c) encontrar-se já a correr inquérito do artº 67° do CSC, d) insuficiência de fundamentação do periculum in mora, e) não se ver qual a acção principal a intentar no mesmo tribunal a que tal pedido corresponda violam a invocada norma do art° 234°-A, n.º 1, 1° segmento, do CPC, pois tais pretensos vícios processuais não respeitam a razões de procedência (mérito).
5ª. As decisões de manifesta improcedência violam a norma efectivamente contida no 1° segmento do n° 1, do art° 234°-A, do CPC, também porque não existe improcedência – muito menos manifesta;
6ª. Uma vez cumprido o disposto no art° 386°, n° 1, do CPC, todas as providências requeridas terão de ser julgadas procedentes para que se cumpra a garantia constitucional da tutela jurisdicional efectiva dos direitos fundamentais violados e ameaçados de novas lesões;
7ª. Não é passível de registo a mera deliberação de alteração da sede social de uma sociedade, pelo que o julgamento em contrário violou o disposto no art° 3° do CRC;
8ª. A norma efectivamente plasmada no art° 392°, n° 3, 1° segmento, do CPC respeita a providência – não a procedimento, como erradamente foi entendido no despacho recorrido;
9ª. A norma efectivamente plasmada no art° 392°, n° 3, 2° segmento, do CPC permite a cumulação de providências cautelares – não a «convolação» de procedimentos;
10ª. Nenhuma norma processual permite a «convolação» operada nos autos, redutora da garantia constitucional de tutela jurisdicional efectiva de direitos fundamentais dos requerentes;
11ª. São inconstitucionais as normas identificadas no corpo das alegações, aplicadas nas decisões recorridas.”
A recorrida B. também produziu alegações nesse recurso (fls. 279 e seguintes), tendo concluído do seguinte modo:
“1ª - As omissões e lapsos de escrita do douto despacho recorrido que foram invocados pelos Agravantes nas suas alegações ou são inexistentes ou de todo irrelevantes.
2ª - O douto despacho recorrido não padece de qualquer nulidade processual, e designadamente não incorreu em omissão de pronúncia nem se pronunciou sobre questões cujo conhecimento lhe estivesse vedado.
3ª - À luz do critério legal, e dos interesses a ele subjacentes, o Conservador do Registo Comercial não é parte legítima nos presentes autos.
4ª - As medidas cautelares requeridas contra a Agravada que foram objecto de liminar indeferimento são, todas elas, manifestamente improcedentes.
[...]
8ª - Uma vez que, com as providências requeridas, mais não se pretende do que evitar a execução de uma deliberação social, o douto despacho recorrido fez correcta aplicação dos arts. 381°, n.º 3 e 392°, n.º 3 do C.P.C. ao determinar que o procedimento cautelar passasse a tramitar como procedimento nominado de suspensão de deliberações sociais.
9ª - A tramitação do processo cautelar como procedimento cautelar comum não pode servir aos Agravantes para escaparem à inexorável caducidade do alegado direito de requerer a suspensão da deliberação de 28.03.2001.
10ª - O douto despacho recorrido não fez aplicação de nenhuma norma ferida de inconstitucionalidade. Termos em que deverá negar-se provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar-se o douto despacho recorrido.”
2. A fls. 270 e seguintes, vieram ainda A. e outros, notificados de um despacho proferido a fls. 256 e 257, requerer a reforma da decisão sobre custas e o esclarecimento sobre o teor da decisão tomada pelo juiz, a fls. 257, a propósito da falta de notificação à parte contrária das alegações de recurso apresentadas pelos recorrentes, nos termos do artigo 229º-A do Código de Processo Civil. No requerimento sustentaram, entre o mais, que “ao legislador ordinário encontra-se constitucionalmente vedado emitir preceitos legais de conteúdo de tal modo indeterminado como o que foi entendido ser o do artº 16º do CCJ, de que foi extraída a norma aplicada na decisão reformanda”.
Por despacho de 7 de Outubro de 2002 (fls. 299 e seguintes), foi indeferida a requerida reforma da decisão de fls. 256 quanto a custas.
Deste despacho vieram A. e outros interpor recurso de agravo para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 302), tendo assim concluído as alegações respectivas (fls. 305 e seguintes):
“1ª - A aclaração do despacho de fls. 256/7, feita pelo despacho de 7.10.02, veio tornar claro que o fundamento da tributação dos agravantes em 2 Ucs, a fls.
256, é apenas o facto de o seu mandatário não haver notificado o mandatário da agravada B., e de a secretaria haver feito o processo concluso antes de ter notificado oficiosamente à outra agravada.
2ª - A aclaração do despacho de fls. 256/7, feita pelo despacho de 7.10.02, faz acrescer à evidência do lapso manifesto na determinação da norma jurídica aplicável, na qualificação jurídica dos factos, e na consideração dos elementos que constam do processo a imporem decisão tributária diversa da proferida a fls.
256, a irregularidade processual decorrente de diferentes termos a quo para responder, não previstos no art° 743°, n° 2, do CPC.
3ª - Não se tendo pronunciado sobre as questões efectivamente postas ao tribunal pelos reclamantes, por seu requerimento de fls. 270 a 275, designadamente sobre a inconstitucionalidade da dimensão normativa conferida ao art° 16° do CCJ, impõe-se que o despacho de 7.10.02 seja declarado nulo.
4ª - A factualidade em que assenta a tributação dos agravantes, no despacho aclarado, de fls. 256, em 2 Ucs, é inexistente.
5ª - Tal factualidade pode ser substituída ao abrigo do disposto no art° 712°, n° 1, do CPC, pela que os autos documentam: alegações de recurso antes de verificada oposição dos requeridos e antes de constituído mandatário por um deles.
6ª - As normas do art° 229°-A, n° 1, do CPC, não são aplicáveis ao caso.
7ª - Aplicáveis são as normas dos art°s 229°, n° 2, 743°, n° 2, e 137° do CPC, relativamente a actos que competem à secretaria.
8ª - Resulta do despacho de aclaração, não ter sido a urgência do procedimento – contrariamente ao que se refere a fls. 256 – que determinou a decisão de ordenar
à secretaria notificasse a parte contrária: foi o reconhecimento de que, in casu, a notificação oficiosa constitui a solução legal.
9ª - A dimensão normativa com que foi feita aplicação do art° 16° do CCJ é inconstitucional por violar as normas e os princípios constitucionais referidos no corpo das alegações, designadamente por permitir o confisco.
10ª - Alterada a factualidade em que assenta a decisão tributária de fls. 256, impõe-se a revogação desta.”
A recorrida B. produziu as contra-alegações de fls. 318 e seguintes, nas quais concluiu do seguinte modo:
“1ª - Não deve conhecer-se do objecto do presente recurso, por ser irrecorrível o despacho que indefere o requerimento de reforma.
2ª - Mesmo que se entenda que o pedido de aclaração deduzido a fls. 275 e segs. abrange também o douto despacho de fls. 256 (e não somente o de fls. 257), certo
é que os Agravantes, ainda que pudessem esperar pela decisão desse pedido para requererem a reforma, efectivamente deduziram desde logo tal pedido, a fls. 270, pelo que não podem agora deduzir novo pedido de reforma e recorrer do indeferimento do pedido de reforma.
3ª - O despacho recorrido não se pronunciou, nem tinha de pronunciar-se, sobre a pretensa inconstitucionalidade do art. 16° C.C.J..
4ª - No despacho de fls. 256 não foi feita qualquer aplicação de «dimensão normativa inconstitucional» do art. 16° do C.C. J..
5ª - O douto despacho recorrido não assentou em qualquer factualidade inexistente que careça de ser substituída, nem errou na determinação da norma aplicável. Termos em que a) deve declarar-se extinto o presente recurso, não se conhecendo do seu objecto, ou, se assim não se entender, deve julgar-se improcedente o recurso interposto e, consequentemente, confirmar-se o douto despacho recorrido e o de fls. 256; b) deve negar-se provimento ao pedido de reforma da douta decisão recorrida.”
3. Por despacho de 12 de Novembro de 2002 (fls. 312 e seguinte), foi proferida nova condenação dos recorrentes em custas, por terem dado causa a um incidente e a actividade processual inútil.
Deste despacho foi também interposto recurso de agravo por A. e outros para o Tribunal da Relação de Lisboa (fls. 314). Nas alegações respectivas (fls. 324 e seguintes), concluíram assim os recorrentes:
“[...]
2ª - Inexiste, no procedimento cautelar intentado, «Oposição» e, muito menos,
«Contestação».
3ª - A fls. 305 não se encontra exposição dos fundamentos com que foram requeridas as providências de fls. 139/140, pelo que tal peça processual não consubstancia «articulado».
4ª - A fls. 305 encontra-se peça dependente e complementar da impugnação feita por requerimento de fls. 256, pelo que tal peça não constitui «requerimento autónomo».
5ª - Inexiste «incidente» e «actividade processual inútil» causados pelos Agravantes ou pelo seu mandatário; o que o despacho impugnado refere como tal, é acto material espontâneo do Tribunal.
6ª - A inexistência da factualidade referida no despacho de 12.11.02, pode ser declarada por essa Relação ao abrigo do disposto no artº 712°, n° 1, do CPC; a qualificação jurídica dos factos materiais ocorridos, como «contestação» e como
«articulado», e a sua subsunção ao artº 229°-A, n° 1, do CPC, viola o disposto nos artºs 151°,152°, n° 2, 229°, n° 2, e 229°-A, n.º l, do mesmo diploma legal, e 9°, n.ºs 2 e 3, do Código Civil.
7ª - A dimensão normativa com que foi aplicado o artº 16° do CCJ é inconstitucional.
8ª - A retenção do recurso interposto a fls. 230, motivado em 12.7.02, a fls.
236 a 254, em violação do disposto no artºs 382° do CPC, e 20°, n° 4, da Constituição, por facto não imputável aos Agravantes nem ao seu mandatário, consubstancia denegação de justiça.”
4. Por acórdão de 1 de Abril de 2003 (fls. 338 e seguintes), decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa:
“Determinar que:
(a) na al. b), a fls. 143, in fine, e a fls. 146, 2º parágrafo, 2ª linha, em lugar da expressão prevenir passe a constar permitir.
(b) se acrescente na alínea b) a fls. 143 no último parágrafo, a expressão: das respectivas pastas, livros ou extractações, logo após a palavra Lisboa.
(c) onde, por manifesto lapso, se escreveu: Desde o início de 1998 ... convocam deve ler-se Desde o início de 1998 ... não convocam. Julgar improcedente o recurso em tudo o mais.
[...].”
Lê-se nesse acórdão, para o que aqui releva, o seguinte:
“[...] II. Nulidade do despacho A assinalada omissão de conhecimento da al. b) das medidas cautelares no sentido de que a 1ª requerida seja intimada a requerer a anulação do pedido de averbamento à respectiva matrícula a que corresponde a ap. ------, de
05.04.2000, feito à Conservatória do Registo Comercial de Lisboa... Sucede que, como se diz na decisão recorrida, tal pedido constitui mera decorrência da não execução de uma deliberação social aqui também pedida, sendo certo que o mesmo já foi formulado perante a Conservatória. Pedindo-se que uma determinada deliberação não seja executada, caso o seu objecto esteja também sujeito a registo, a não realização desse registo cabe no primeiro pedido. Por isso, só após a decisão quanto ao primeiro dos pedidos se definirá a sorte da questionada pretensão. Ora, a mesma ainda não foi objecto de decisão visto que o presente recurso vem interposto do despacho liminar. III. 1-7 e 9 Pretensa Legitimidade da 2ª requerida Em sede de recurso a recorrente sustenta, em síntese, que os Conservadores podem ser parte activa e passiva. Neste caso, a legitimidade decorre da circunstância de ter sido requerido um procedimento necessário para acautelar o efeito útil da acção, tendo todo o interesse em ser convencida pelo Tribunal de que não tem o direito de lavrar na matrícula da primeira requerida acto cuja consumação esta já iniciou, que é produto de deliberação nula...; tendo todo o interesse em contradizer já que, enquanto entidade administrativa, encontra-se vinculada à observância do disposto no artº 31 do CPA (ex vi artº 2/5); decorrendo para a segunda requerida prejuízo jurídico decorrente da inibição do artº 31 do CPA, no caso de procedência da causa; inexiste título jurídico válido para a 2ª requerida deferir o que a 1ª requerida lhe requereu, respaldando-se na (a) inexistência de escritura pública de alteração do pacto social da 1ª requerida;
(b) inexistência de secretário na 1ª requerida; (c) inexistência de registo de designação de secretário; (d) inexistência de publicação de designação e de registo de secretário para a 1ª requerida. O critério para aferir da legitimidade resulta do artº 26 do CPC, prendendo-se em primeira linha com o interesse directo em demandar ou contradizer, os quais, por seu turno, se exprimem, respectivamente pela utilidade derivada da procedência da pretensão e pelo prejuízo decorrente da perda da acção (sendo que são considerados titulares do interesse relevante os sujeitos da relação material controvertida tal como é definida pelo A. na p.i.). Face a este preceito é o requerimento inicial que servirá de matriz para aferir da legitimidade da segunda requerida. A matéria alegada quanto a esta consta de fls. 13, não sendo concretizado qualquer fundamento que possa clarificar a dedução de pretensão autónoma. Por isso, o objecto do conhecimento tem de circunscrever-se aos termos inicialmente alegados. Assim sendo, afigura-se-nos inteiramente correcto o decidido a fls. 145 e 146: o petitório quanto à 2ª requerida é mera decorrência da sorte do presente procedimento, não tendo autonomia. E se for deferido o procedimento requerido, obviamente o Conservador deverá obediência ao que vier a ser decidido nos termos gerais. O objecto da pretensão não é o registo mas a deliberação cujo vício de nulidade se arguiu. Seja como for, sempre se dirá que a decisão não põe minimamente em causa que os Conservadores, sendo o caso, possam ser parte activa e passiva em acções de registo; o artº 31 do CPA não é aplicável visto não estarmos perante questão prejudicial. Quanto aos vícios da deliberação que agora, em sede de recurso, se autonomizam, não conferem, em si mesmos, qualquer legitimidade ao Conservador do Registo Comercial para intervir como parte (vg. artºs 85/3/b. e 446-B CSC e fls. 83 e seguintes). III. 8. Ao contrário do sustentado pelos recorrentes não há excesso de pronúncia, visto que a alusão, no despacho recorrido, a que se na acção principal nunca poderá ser parte o Conservador, não poderá também ele sê-lo na respectiva providência, constitui mero argumento para justificar a posição seguida, não contendo nem podendo conter, como é óbvio, qualquer cerceamento de direitos processuais que as partes entendam assistir-lhes.
[...].”
A propósito das pretensas inconstitucionalidades suscitadas pelos recorrentes, disse o Tribunal da Relação de Lisboa:
“As normas aplicadas foram-no com um sentido que não coincide com o que dele retiram os recorrentes, pois em parte alguma do despacho recorrido se colhe que:
(a) pode o juiz deixar de conhecer de questões que lhe foram postas para apreciação; (b) pode o Tribunal conhecer de questões não postas à sua apreciação; (c) afastar a possibilidade de o Conservador poder ser parte legítima passiva (argumentos com base nos quais está construído o juízo de inconstitucionalidade, mas que, a nosso, ver não têm apoio na materialidade do despacho recorrido, mas na assinalada desconformidade de sentido). Nenhuma norma da Lei Fundamental foi, pois, violada.
[...].”
5. Notificados deste acórdão, vieram A. e outros requerer que fosse
(fls. 356 e seguintes):
“A) Suprida a nulidade processual por falta de notificação dos despachos de sustentação e de subida dos autos com efeito no impedimento de os recorrentes juntarem prova do trânsito em julgado em 24.10.2001, do acórdão do STJ de
24.05.2001, B) Declarado nulo todo o processado subsequente, C) Em qualquer caso, declarado nulo o acórdão reclamado, D) Suprida a sua nulidade mediante prolação de um novo acórdão, E) Feita a rectificação dos erros materiais supra, F) Esclarecidas as obscuridades/ambiguidades supra, G) Reformada a decisão final do acórdão reclamado tendo em consideração que
* As decisões constantes do acórdão do STJ de 24.05.2001, declarando a pertença e restituindo aos requerentes a posse sobre 2668 acções B. bloqueadas em
23.12.97, transitaram em julgado em 24.10.2001,
* Inexiste assembleia geral universal de accionistas da B., de 28.03.2001,
* Inexiste deliberação da assembleia geral de accionistas da B. sobre alteração do seu pacto social e da sua sede,
* Não tem objecto o procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais em que foi convolado o procedimento requerido.”
A recorrida sustentou que deveria indeferir-se, na totalidade, o requerimento dos agravantes (fls. 375 e seguintes).
Em 3 de Junho de 2003, o Tribunal da Relação de Lisboa proferiu o seguinte acórdão (fls. 383 e seguintes):
“[...] Invocada nulidade processual. Afigura-se-nos que, no essencial, a pretensão dos recorrentes se limita a aflorar a posição que não obteve vencimento. O argumento do trânsito em julgado (fls. 351) não é principal mas meramente adjuvante. Entendemos, pois, não se verificar qualquer nulidade. II. e III. Quanto aos alegados vícios do Acórdão
1. Nulidades
1.1. Dizem os reclamantes ter havido omissão de conhecimento da invocada questão de omissão de aspas aquando da referência a deliberação. Porém, não se detecta qualquer nulidade, pois a questão mostra-se conhecida no ponto 1.2. do Ac. a fls. 345.
1.2. Quanto à pretensa omissão de conhecimento do erro de escrita reportado ao pedido formulado a fls. 139 b), a questão mostra-se decidida no ponto 1.2. do Acórdão (fls. 345).
1.3 e 1.4. O sentido do Acórdão afigura-se-nos claro, lido no contexto do despacho recorrido e das alegações e bem assim da disposição legal nele referida
(fls. 345).
1.5. Os recorrentes revelam, no nosso entender, mera discordância quanto ao sentido interpretativo conferido pelo Acórdão quer às alegações quer ao despacho recorrido.
1.6. O Acórdão conclui não... haver propriamente lapso de transcrição do despacho mas mera desconformidade... no uso de expressões, remetendo para o juízo interpretativo do julgador.
2., 3. e 4. Salvo o devido respeito e segundo o nosso juízo interpretativo, os requerentes pretendem decisão em sentido oposto ao decidido. É, pois, insindicável, nesta sede.
5 (1) - fls. 365. Seguimos aqui o entendimento de que os Acórdãos não têm que conhecer de todas as problemáticas à volta das questões essenciais suscitadas nas conclusões de recurso, afigura-se-nos ter conhecido de todas as questões que relevam em sede de recurso.
5. (2) - fls. 366 - Entendemos que, perante os termos das alegações mais não cumpria conhecer em matéria de constitucionalidade. Conclui-se, assim, não enfermar o Acórdão de qualquer nulidade.
[...].”
Consequentemente, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu:
“1. Atende-se parcialmente a reclamação, determinando se proceda às correcções efectuadas nos pontos IV. 1. e 3. a), b) e c) e VI. 1. e 3., por forma a que: a) a fls. 399, última linha, onde consta desde o inicio de 1998 que a 1ª requerida ou o seu órgão de fiscalização convocam os seus accionistas para reunirem em Assembleia Geral, passa a constar desde o inicio de 1998 que nem a
1ª requerida nem o seu órgão de fiscalização convocam os seus accionistas para reunirem em Assembleia Geral; b) fls. 345, 1.3., onde consta a requerida passa a constar os recorrentes. c) fls. 346, 1.4. e 346, 5., 1° e 2° parágrafos, onde se lê a requerida, passa a constar os recorrentes. d) A fls. 345, na 6ª linha, onde consta 14, deve ler-se 12. e) A fls. 346, linha 2, onde consta 45, passa a constar 145.
2. Desatende-se, no mais, a reclamação.”
6. Inconformada, A. interpôs recurso para o Tribunal Constitucional deste acórdão e do acórdão de 1 de Abril de 2003 (supra, 4.), nos seguintes termos (fls. 392 e seguintes):
“I- É o presente requerimento formulado ao abrigo do disposto nos artºs 280°, n°
1, al. b), da Constituição da República (CRP, doravante) e 70°, n° 1, al. b), da mesma Lei n° 28/82. II - As normas cuja inconstitucionalidade pretende que o Tribunal Constitucional aprecie, as normas e princípios constitucionais violados e as peças processuais em que tais normas foram aplicadas, são, respectivamente:
1. A norma segundo a qual pode o juiz deixar de conhecer de questões que lhe foram postas pelas partes, na interpretação feita dos artºs 660°, n° 2, 1ª parte, e 668°, n° 1, al. d), 1° segmento, do Código do Processo Civil (CPC, doravante), por violar o disposto nos artºs 20°, n.ºs 1, 4 e 5, 202°, n° 2, e
268°, n° 4, e os princípios plasmados nos artºs 2° e 13°, da CRP, conforme alegado no recurso para a Relação, a fls. 248/9, e 254, 11ª conclusão, aplicada nos acórdãos de 01.04.03 (fls. 338 a 353) e 03.06.03 (pontos 5(1) e 5(2)).
2. A norma segundo a qual pode o tribunal conhecer de questões não postas à sua apreciação pelas partes, na interpretação feita dos artºs 660°, n° 2, 2ª parte, e 668°, n° 1, al. d), 2° segmento, do CPC, por violar o disposto nos artºs 20°, n.ºs 1, 4 e 5, 202°, n.° 2, e 268°, n.° 4, e os princípios plasmados nos artºs
2° e 13°, da CRP, conforme alegado no recurso para a Relação, a fls. 249 e 254,
11ª conclusão, aplicada no acórdão de 01.04.03 (fls. 338 a 353).
3. A norma segundo a qual o Conservador do Registo Comercial não é parte legítima em procedimento cautelar destinado a prevenir a violação de direitos fundamentais de interessado em registo que já lhe foi requerido mas cuja apreciação e decisão ainda não ocorreram, na interpretação feita dos artºs 26° do CPC, e 31° Código do Procedimento Administrativo, por violar o disposto nos artºs 20°, n.ºs 1, 4 e 5, 205°, n° 2, 266°, 268°, n° 4, e 271°, n° 1, da CRP, conforme alegado no recurso para a Relação, a fls. 249/50, e 254, 11ª conclusão, aplicada no acórdão de 01.04.03 (fls. 338 a 353).
4. A norma segundo a qual pode o juiz, com fundamento em que já se encontra a correr inquérito do artº 67° do Código das Sociedades Comerciais, julgar manifestamente improcedente pedido de injunção judicial para que uma sociedade promova junto das entidades competentes para a convocação da sua assembleia geral de accionistas, o suprimento de omissões de convocação de assembleias gerais anuais, por violar o disposto nos artºs 20°, n.ºs 1, 4, e 5, e 202°, n°
2, e os princípios plasmados nos artºs 2°, 9°, als b) e d), 12° e 13°, da CRP, conforme alegado no recurso para a Relação, a fls. 250/1, e 254, 11ª conclusão, aplicada no acórdão de 01.04.03 (fls. 338 a 353).
5. A norma segundo a qual pode o juiz julgar manifestamente improcedente o pedido de emissão de injunção judicial contra sociedade emitente de acções, para que esta cesse o impedimento ao exercício dos direitos nela incorporados, reconhecidos por sentença judicial transitada em julgado, com fundamento em que tais factos não constituem fundamentação mínima em sede de periculum in mora, por violar o disposto nos artºs 20°, n.ºs 1, 4 e 5, 202°, n° 2, e 205°, n° 2, e os princípios plasmados nos artºs 2°, 9°, als b) e d), 12°, 13°, 17° e 18°, da CRP, conforme alegado no recurso para a Relação, a fls. 251 e 254, 11ª conclusão, aplicada no acórdão de 01.04.03 (fls. 338 a 353).
6. A norma segundo a qual pode o juiz julgar manifestamente improcedente o pedido de emissão de injunção judicial contra sociedade emitente de acções, para que permita o exercício dos direitos nelas incorporados, declarados por sentença judicial transitada em julgado, com fundamento no desconhecimento da existência de acção correspondente a intentar no mesmo tribunal, por violar o disposto nos artºs 20°, n.ºs 1, 4 e 5, 202°, n.° 2, e 205°, n.° 2, e os princípios plasmados nos artºs 2°, 9°, als b) e d), 17º e 18°, da CRP, conforme alegado no recurso para a Relação, a fls. 252 e 254, 11ª conclusão, aplicada no acórdão de 01.04.03
(fls. 338 a 353).
7. A norma segundo a qual pode o juiz «convolar» procedimento cautelar contendo vários pedidos cumuláveis subsumíveis à forma de processo cautelar comum dos artºs 381° e ss do CPC, em procedimento cautelar nominado dos artºs 396° e 397° do CPC, por violar o disposto nos artºs 20°, n.ºs 1, 4 e 5, e 202°, n.° 2, e o princípio constitucional do dispositivo decorrente da garantia constitucional da autonomia privada plasmada nos artºs 1°, 2°, 18°, 26°, n.° 1, 46°, n.° 1, 61°, n° 1, e 62°, n.° 1, da CRP, conforme alegado no recurso para a Relação, a fls.
252 e 254, 11ª conclusão, aplicada no acórdão de 01.04.03 (fls. 338 a 353).”
O recurso para o Tribunal Constitucional foi admitido por despacho de fls. 398.
7. Nas alegações que produziu perante o Tribunal Constitucional (fls.
419 e seguintes), concluiu assim a recorrente A.:
“1ª - Os acórdãos recorridos não resolveram nenhuma das questões de facto e de direito relativas à decisão de 1ª instância – inclusive de inconstitucionalidade normativa – que lhe foram postas nas alegações de recurso, nem as de nulidade reclamadas – processual e de sentença – que lhe foram postas por requerimento de fls. 356-372. Tal omissão deve-se ao entendimento de que, com a reclamação de tais questões, os requerentes pretendem decisão em sentido oposto ao decidido, e de que os acórdãos não têm que conhecer de todas as problemáticas à volta das questões essenciais suscitadas nas conclusões de recurso. Tal interpretação e aplicação dos preceitos dos artºs 660°, n° 2, 1ª parte, e 668°, n° 1, 1° segmento, do CPC, expressa dimensão normativa inconstitucional dos mesmos, por violação das normas e dos princípios dos artºs 2°, 13°, 20°, nos 1, 4 e 5, 202°, n° 2, e 268°, n° 4, da CRP.
2ª - Os acórdãos recorridos ocuparam-se de questões não postas na acção cautelar comum de que emerge o recurso sobre que recaíram, estranhas à respectiva causa de pedir e ao correspondente pedido, que não são de conhecimento oficioso, e confirmaram os fundamentos da decisão de 1ª instância relativos a tais questões. Tal excesso de pronúncia assenta em interpretação inconstitucional dos preceitos dos artºs 660°, n° 2, 2ª parte, e 668°, n° 1, al. d) 2° segmento, do CPC, segundo a qual tal conhecimento é permitido para justificar julgamento liminar de iligetimidade de requerida (entidade pública) por antecipação ao julgamento da ilegitimidade desta na acção principal subsequente, e indeferimento liminar de pedidos de tutela jurisdicional cautelar relativamente a direitos reconhecidos por decisão judicial transitada em julgado, e que tal conhecimento não gera nulidade nem a sua reclamação é de atender por revelar pretensão de decisão oposta ao decidido. Tal dimensão normativa viola as normas e os princípios dos artºs 1°, 2°, 13°, 20°, n.ºs 1, 4 e 5, 202°, n.° 2, e 268°, n.°
4, da CRP.
3ª - O julgamento liminar de ilegitimidade da requerida entidade administrativa, relativamente a pedidos contra ela formulados, de abstenção de prática de actos ofensivos dos direitos e interesses legalmente protegidos dos requerentes, abstrai do direito à tutela jurisdicional efectiva, conferido por preceito constitucional directamente aplicável, do facto da ameaça e da ofensa a tais bens jurídicos provir directamente de actos cuja prática lhe é imputada, da obrigação legal de ela se abster de os praticar enquanto a sua apreciação se encontrar dependente de decisão judicial, e da responsabilização a que ela se encontra sujeita pelos prejuízos decorrentes da sua prática. Assim, a dimensão normativa extraída dos artºs 26° do CPC, e 31º, do CPA, é inconstitucional por violar as normas e os princípios dos artºs 20°, n° 1, 4 e 5, 205°, n° 2, 266°,
268°, n° 4, e 271°, 1, da CRP.
4ª - Segundo as normas aplicadas nas decisões recorridas, o pedido cautelar visando obter a intimação da 1ª requerida para promover a convocação da assembleia geral dos seus accionistas, é manifestamente improcedente; uma das razões de tal manifesta improcedência é o facto de não ter sido requerido por dependência do processo de inquérito judicial instaurado por terceiro. Tal dimensão normativa das disposições conjugadas dos artºs 234°-A do CPC, e 67° do CSC, é inconstitucional por violar as normas e os princípios dos artºs 2°, 9°, als b) e d), 12°, 13°, 20°, n.ºs 1, 4 e 5, e 202°, n.° 2, da CRP.
5ª - As decisões recorridas julgaram manifestamente improcedente o pedido de intimação da 1ª requerida a acatar os efeitos decorrentes do acórdãos do STJ de
24.5.2001, com fundamento em que tal pedido não surge minimamente justificado em sede de periculum in mora, não se ver qual a acção principal a intentar no mesmo tribunal a que o pedido cautelar corresponda, e não ter sido instaurado por dependência do inquérito do artº 67° do CSC instaurado por terceiro. Tais decisões foram tomadas ao abrigo do disposto nos artºs 234°-A, n° 1, e 387°, n.º
1, do CPC. A dimensão normativa com que tais preceitos foram aplicados, é inconstitucional por violar as normas e os princípios dos artºs 2°, 9°, als b) e d), 12°, 13°, 17°, 18°, 20°, n.ºs 1, 4 e 5, 202°, n.° 2 e 205, n.° 2, da CRP.
6ª - As decisões recorridas julgaram manifestamente improcedente o pedido de intimação da 1ª requerida a promover a convocação da assembleia geral dos seus accionistas – permitindo, desse modo o exercício dos direitos sociais incorporados nas acções de que os requerentes são titulares – com fundamento em que existe um processo próprio – o do artº 1486° do CPC – tal providência esvaziara de conteúdo o resultado a alcançar através da acção principal, e não se ver qual seria ela. Para o efeito, foram invocados os preceitos dos artºs
234°-A, n° 1, e 383°, n° 1, do C PC. A dimensão normativa com que tais preceitos foram aplicados é inconstitucional por violar as normas e os princípios dos artºs 2°, 9°, als b) e d), 17°, 18°, 20°, n.ºs 1, 4 e 5, 202°, n.° 2, 205°, n.°
2, e 268° n.° 4, da CRP.
7ª- As decisões recorridas «convolaram» a acção cautelar comum instaurada no
âmbito do artº 381°, n° 1, do CPC, em procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais do artº 396°, n° 1, do mesmo código, recusando-se a conhecer dos factos integrantes da causa de pedir , e do pedido constantes do requerimento inicial. Para tanto, invocaram os preceitos dos artºs 392°, n° 3, e
265°-A, do CPC. A dimensão normativa com que tais preceitos foram aplicados, é inconstitucional por violar as normas e os princípios dos artºs 1°, 2°, 18°, n.ºs 1 e 3, 20°, n.ºs 1, 4 e 5, 26°, n.° 1, 37°, n.ºs 1 e 2, 61°, n.° 1, 62°, n.° 1, e 202°, n.° 2, da CRP.”
A recorrida B. também apresentou alegações perante o Tribunal Constitucional (fls. 470 e seguintes), nas quais formulou as seguintes conclusões:
“a. O douto acórdão recorrido não fez aplicação de nenhuma norma ferida de inconstitucionalidade, pelo que deve ser confirmado na íntegra. b. Não foi aplicada nos autos com o sentido alegado pelos Recorrentes a suposta norma extraída das disposições conjugadas dos arts. 660º, n.º 2, 1ª parte e
668°, n.º 1, d), 1° segmento do C.P.C., pois que foi irrecorrivelmente decidido não ter sido omitida pronúncia sobre nenhuma das questões relevantes em sede de recurso, e em lado nenhum do douto acórdão recorrido se afirmou que o Tribunal pode não conhecer de questões postas pelas partes. c. As «questões» que o art. 660º , n.º 2 do C.P.C. obriga a resolver são as que previamente foram objecto de enunciação pelo Tribunal, nos termos dos arts.
713°, n.º 2 e 659°, n.º 2. Nessa enunciação, não está o Juiz adstrito a uma completa e exaustiva transcrição de todos os termos utilizados pelas partes nos seus articulados, requerimentos ou alegações, não padecendo de qualquer inconstitucionalidade a faculdade conferida pelas normas referidas de decidir quais as questões que merecem efectivamente ser resolvidas pelo Tribunal, pois que tal releva estritamente do exercício da função jurisdicional. d. Não existe qualquer inconstitucionalidade no entendimento sustentado no douto acórdão de 3.06.03 quanto a não terem os acórdãos que conhecer de todas as problemáticas à volta das questões essenciais suscitadas nas conclusões de recurso pois o que se lhes impõe é, justamente, o conhecimento das questões colocadas, e não de cada um dos argumentos utilizados pelo Recorrente. e. Não se mostra aplicada nos autos qualquer pretensa norma extraída dos arts.
660º, n.º 2, 2ª parte, e 668°, n.º 1, d), 2° segmento do C.P.C. com o sentido que os Recorrentes alegam, pelo que não pode sustentar-se a inconstitucionalidade da mesma. f. A ter sido aplicada tal norma, só existiria a inconstitucionalidade ficcionada pelos Recorrentes se decorresse de algum preceito da Constituição que os juízes estão impedidos de aduzir fundamentos para as decisões que proferem, ou de fornecer um enquadramento jurídico dos fundamentos e dos pedidos diverso do articulado pelos litigantes, preceito que não se enxerga. g. Não foi dada pelo douto acórdão recorrido interpretação inconstitucional ao art. 26° do C.P.C., pois de nenhum preceito ou princípio constitucional decorre que um Conservador do Registo Comercial deva ser parte num procedimento no qual não tem interesse em contradizer, em que não pode ajuizar da nulidade ou anulabilidade da deliberação impugnada e de cuja procedência não lhe advém qualquer prejuízo. h. Não pode pretender-se que, sempre que é discutida em Tribunal a validade de um qualquer acto sujeito a registo, em qualquer domínio que seja, devam por esse facto os Conservadores ser chamados ao processo, sob pena de estes terem de autenticamente assentar praça nos Tribunais e abdicar da função da qual são incumbidos. i. Não padece de qualquer inconstitucionalidade a interpretação dada no douto acórdão recorrido ao art. 31° do C.P.A.. j. As normas ditas extraídas do art. 234°-A, n° 1, do C.P.C. em conjugação com a do art. 67° do C.S.C. e dos arts. 234°-A, n.º 1, e 383°, n.º 1, do C.P.C. que se mostram aplicadas nos autos não são inconstitucionais. k. Não é inconstitucional o art. 383°, n.º 1 do C.P.C. pois que ele apenas traduz algo que é da essência dos procedimentos cautelares, nomeadamente que estes visam a obtenção de uma tutela provisória do direito ameaçado, a qual é qualitativamente distinta da tutela definitiva que só por meio da acção principal, com os seus requisitos específicos e as devidas exigências probatórias, pode ser obtida. Obter em via cautelar a convocação de assembleia geral, ou a prestação de contas de uma sociedade, não seria menos, respectivamente, do que executar a decisão definitiva de uma acção principal de convocação de assembleia geral ou de um processo de inquérito para prestação de contas. l. Não foi aplicada nos autos qualquer norma pretensamente extraída dos arts.
234°-A, n.º 1, e 387°, n.º 1, do C.P.C. com o sentido imputado pelos Recorrentes, pelo que não há que falar em qualquer inconstitucionalidade a esse respeito. m. Não padece de qualquer inconstitucionalidade o entendimento sustentado no douto acórdão recorrido de que não há que intimar a Recorrida a respeitar uma decisão proferida numa providência cautelar na qual não foi parte nem relativamente à qual se verifica qualquer efeito reflexo do caso julgado, além de nada se ter demonstrado quanto a qualquer periculum in mora. n. Não é inconstitucional a norma dita extraída dos arts. 392°, n.º 3, e 265°-A, do C.P.C. que permite ao juiz convolar o procedimento cautelar comum requerido num outro que especificamente previne o risco de lesão invocado, porquanto tal faculdade se insere de pleno no exercício da função jurisdicional, e com ela não é violado o princípio do dispositivo, correcta e actualisticamente entendido.”
8. Notificada para se pronunciar sobre as questões prévias suscitadas pela recorrida (cfr. despacho da relatora de fls. 515), veio a recorrente tecer considerações prévias sobre o conceito de norma para efeito do disposto no artigo 280º, n.º 1, al. b), da Constituição e, bem assim, responder o seguinte
(fls. 519 e seguintes):
“[...] II – Pretensas «questões prévias» suscitadas pela recorrida
1. A primeira pretensa «questão prévia», já acima ficou impugnada. Com efeito, não se toma indispensável que a decisão recorrida tivesse afirmado que o Tribunal pode não conhecer de questões postas pelas partes, para se constatar que tal norma foi efectivamente aplicada. No que toca a pretensa inexistência de resolução de questões postas ao tribunal, dão-se aqui, com a devida vénia, por reproduzidas as questões elencadas nos n.ºs
2, 2.1, 2.2, 3, 3.1, 3.2, 3.3, 3.4, 5, 5.1, 5.2, 6, 7, 8 da parte I das alegações produzidas perante esse Tribunal, que ficaram por resolver. Quanto à justificação normativa para o Acórdão recorrido delas não ter conhecido, ela encontra-se na transcrição que a própria recorrida faz na parte do corpo das alegações correspondente à sua conclusão b.: «os acórdãos não têm que conhecer de todas as problemáticas à volta das questões essenciais suscitadas nas conclusões de recurso». Não é pelo facto de tal norma se encontrar enunciada em termos um tanto ou quanto «rebarbativos», salvo o devido respeito, que ela deixa de constituir o comando jurídico contido no artº 660°, n° 2, 1ª parte, do CPC, segundo o entendimento e aplicação que deste é feito no acórdão recorrido, com o correlativo efeito na extensão da norma do artº 668°, n° 1, al. d), 1° segmento, do mesmo código.
É, pois, insofismável que o tribunal a quo fez aplicação dos preceitos legais em causa, com o sentido que foi sindicado, como a própria recorrida o reconhece.
2. A segunda pretensa «questão prévia» consta da sua conclusão e., segundo a qual não se mostra aplicada nos autos qualquer pretensa norma extraída dos artºs
660º, n° 2, 2ª parte, e 668°, n° 1, d), 2° segmento, do C.P.C., com o sentido que os recorrentes alegam. A recorrida não explica na referida conclusão, por que entende não se mostrar aplicada a norma sindicada. E também não se vê que o tenha feito no corpo das alegações. Se bem se entende o que aí refere, limita-se a negar que tenha havido
«excesso de pronúncia». Porém, constitui factualidade insofismável que o tribunal a quo se ocupou de questões não suscitadas pelas partes. Elas encontram-se identificadas nos n.ºs
3.1, 3.2, 3.3 e 3.4 da parte II das alegações de recurso. A questão de constitucionalidade consiste em saber se a norma revelada com tal actividade jurisdicional viola ou não as normas ou os princípios constitucionais previamente invocados perante a Relação, e, depois, reiterados perante esse Alto Tribunal. No Acórdão recorrido foi expressamente entendido que o tribunal peticionado a resolver um procedimento cautelar, pode julgar da legitimidade de requerido por via da resolução antecipada da questão da legimitidade do mesmo na eventual subsequente acção principal (cf. fls. 349). E foi com esse sentido que foi interpretado e aplicado o artº 660°, n° 2, 2ª parte, do CPC, com o correlativo efeito na extensão da norma do artº 668°, n° 1, al. d), 2° segmento, do mesmo código.
3. A terceira pretensa «questão prévia» consta da sua conclusão l., segundo a qual não foi aplicada nos autos qualquer norma pretensamente extraída dos artºs
234°-A, n° 1, e 387°, n° 1, do C.P.C. com o sentido imputado pelos recorrentes. A recorrida não explica na supra referida conclusão, por que não teria sido aplicada a norma sindicada. E não se vê, igualmente, que o tenha feito na correspondente parte do corpo das alegações. Nestas expraia-se em considerações que nada têm a ver com a questão da inconstitucionalidade suscitada a que se refere a conclusão 5ª das alegações da recorrente. Mas é insofismável que a decisão de indeferimento liminar de pedido cautelar
(cf. fls. 140, al. e), fls. 147, 4° e 5° parágrafos, e fls. 148, al. b)) visando a efectivação dos direitos reconhecidos por Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.5.2001, já transitado, e a sua confirmação a fls. 351 e 353, se funda em explicitações normativas dos artºs 234-A, n° 1, e 387°, n° 1, do C PC. E o sentido de tais normas viola as normas e os princípios constitucionais invocados na conclusão 5ª das alegações da recorrente.
4. É, pois, patente a falta de substância e de pertinência das questões suscitadas pela recorrida.
5. Salvo o devido respeito por eventual opinião em contrário, nada obsta ao conhecimento das questões de inconstitucionalidade normativa suscitadas nos autos, cuja apreciação foi requerida a esse Alto Tribunal.”
Cumpre apreciar.
II
9. Tendo o presente recurso sido interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional, este Tribunal só pode dele conhecer quanto às normas ou interpretações normativas efectivamente aplicadas na decisão recorrida, desde que a questão da respectiva inconstitucionalidade tenha sido suscitada de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida.
9.1. A norma identificada no n.º 1 do ponto II do requerimento de interposição do presente recurso (supra, 6.) não foi, tal como sustenta a recorrida (supra, 7.), aplicada na decisão recorrida.
Com efeito, o tribunal recorrido não considerou que o juiz podia deixar de conhecer de questões que lhe foram colocadas pelas partes, pois que partiu do pressuposto de que não subsistia qualquer questão a conhecer, sendo necessário distinguir entre “problemáticas” e “questões” (supra, 5.).
Não tendo tal norma sido aplicada na decisão recorrida, não pode, quanto a ela, conhecer-se do objecto do presente recurso, por falta de um dos seus pressupostos processuais (cfr. artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional).
9.2. Relativamente à norma identificada no n.º 2 do ponto II do requerimento de interposição do presente recurso (supra, 6.), não foi, também ela, aplicada na decisão recorrida, tendo portanto a recorrida razão a este propósito (supra, 7.).
Na verdade, o tribunal recorrido não perfilhou o entendimento segundo o qual o tribunal pode conhecer de questões não colocadas à sua apreciação pelas partes, na medida em que partiu do pressuposto de que não existia qualquer questão da qual se tivesse conhecido sem ter sido suscitada pelas partes (supra, 4. e 5.).
Não tendo tal norma sido aplicada na decisão recorrida, não pode, quanto a ela, conhecer-se do objecto do presente recurso, por falta de um dos seus pressupostos processuais (cfr. artigo 70º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional).
9.3. Quanto à questão identificada no n.º 4 do ponto II do requerimento de interposição do presente recurso (supra, 6.), considera-se que ela não constitui objecto idóneo de recurso para o Tribunal Constitucional, pois que mais não traduz do que a própria aplicação do direito ao caso concreto, a que procedeu o tribunal recorrido.
Embora o recurso para o Tribunal Constitucional, interposto ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, não esteja confinado a normas em si mesmas consideradas, abrangendo também normas em certa vertente interpretativa, a verdade é que nunca pode convolar-se num recurso destinado a aferir a conformidade constitucional de decisões judiciais.
Ora a dimensão enunciada, quanto a este ponto, no requerimento de interposição do recurso confunde-se com a própria decisão recorrida, da qual a recorrente discorda, pelo que não pode ser sindicada nesta sede.
Não pode assim conhecer-se do objecto do presente recurso, no que a esta questão diz respeito.
9.4. Quanto às questões identificadas nos n.º s 5 e 6 do ponto II do requerimento de interposição do presente recurso (supra, 6.), idênticas considerações devem ser tecidas.
Elas não revestem natureza normativa, confundindo-se com a própria aplicação do direito ao caso concreto, pelo que, quanto a elas, não pode também conhecer-se do objecto do presente recurso.
10. Restam as normas identificadas no n.º 3 e no n.º 7 do ponto II do requerimento de interposição do recurso (supra, 6.).
10.1. Relativamente à norma identificada no n.º 3, aceita-se o entendimento da recorrida segundo o qual de nenhum preceito ou princípio constitucional decorre que um Conservador do Registo Comercial tem legitimidade num procedimento cautelar destinado a prevenir a violação de direitos fundamentais de interessado em registo que já lhe foi requerido mas cuja apreciação e decisão ainda não ocorreram.
De todo o modo, a recorrente não demonstrou que a consideração do Conservador como parte ilegítima conduziu a que a providência concretamente requerida ficasse desprovida de efeito útil ou que, com tal entendimento, se tivesse posto em causa a possibilidade de o Conservador ser parte activa e passiva em acções de registo: aliás, é a própria decisão recorrida a afirmar tal possibilidade (supra, 4.).
Considera-se, pois, infundado o presente recurso quanto a esta questão.
10.2. Quanto à norma identificada no n.º 7, não se alcança em que medida a convolação criticada pela recorrente ofendeu os vários direitos e princípios que enumera, maxime o direito de acção, que é aquele que mais pertinentemente poderia ser invocado.
Ora não se alcançando em que medida a ausência de convolação traria
à recorrente maiores benefícios, e rejeitando-se também o entendimento segundo o qual a efectivação do direito de acção postula a rigidez do processo, forçoso é concluir no sentido da improcedência do presente recurso, no que a tal norma respeita.
III
11. Nestes termos, e pelos fundamentos expostos, o Tribunal Constitucional decide:
a) Não conhecer do objecto do recurso, no que se refere às normas identificadas nos n.ºs 1, 2, 4, 5 e 6 do ponto II do requerimento de interposição do recurso; b) Negar provimento ao recurso, no que se refere às normas identificadas nos n.º s 3 e 7 do ponto II do requerimento de interposição do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em vinte e cinco unidades de conta.
Lisboa, 13 de Abril de 2004
Maria Helena Brito Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Carlos Pamplona de Oliveira Luís Nunes de Almeida