Imprimir acórdão
Proc. 76/03
1ª Secção Relator: Consº Carlos Pamplona de Oliveira
Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
A recorre para este Tribunal, ao abrigo da alínea a) do nº.1 do artigo 70º da LTC, do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que teria recusado a aplicação do artigo 668º nº3 do Código de Processo Civil com fundamento em inconstitucionalidade. O recurso não foi, porém, admitido naquele Tribunal nos seguintes termos:
'À data em que deu entrada o requerimento (20 de Maio de 2002), atento o disposto no artigo 75 da Lei 28/82, de 15.11, quer o Acórdão do S.T.J., quer o acórdão da Relação já haviam transitado em julgado. Acresce que, no acórdão da Relação, (...) não se recusou, tacitamente, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação do nº3 do artigo 668º nº3 do C.P.C. Com efeito a anulação da decisão funda-se no disposto no artigo 712º nº4 do C.P.Civil.'
É contra este despacho que o Requerente reclama, dizendo em suma:
'...o acórdão da Relação (...) que entendeu anular a decisão do Tribunal de Oeiras por padecer a mesma de falta de fundamentação de facto e de direito, invoca expressamente para o efeito o artigo 205º, nº1, da Constituição, segundo o qual as decisões dos tribunais são fundamentadas 'nos casos e nos termos previstos na lei'. Referindo ainda que a exigência de fundamentação tem natureza imperativa, constituindo um princípio geral consagrado na Constituição para as decisões judiciais, pelo que o não acatamento do dever de fundamentação inquina a decisão com nulidade de conhecimento oficioso, por violação de normas imperativas, de interesse público com fundamento constitucional (faz-se notar que em momento algum refere o Exmo. Senhor Desembargador qual o preceito, ou preceitos, que determinam a validade desta afirmação). Sucede que a nulidade a que se refere o artigo 668º, nº1, alínea b), do CPC não
é uma nulidade de conhecimento oficioso, não obstante o disposto no nº1 do artigo 205º da Constituição. Apesar de o número 1 do artigo 205º da Constituição dispor que 'as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei', não é suficiente para afastar o regime do artigo 668º do CPC, não implicando que a nulidade a que este preceito se refere seja de conhecimento oficioso, bastando, para que desiderato do imperativo constitucional seja alcançado, que o preceito em causa infira de nulidade a decisão não fundamentada. (...) Pelo que, efectivamente, a decisão da Relação recusou implicitamente, com fundamento em inconstitucionalidade, a aplicação deste artigo 668º, nº 3, do CPC, o que consubstancia a situação prevista na alínea a) do n.º 1 da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro. Vem agora o Exmo. Senhor Desembargador Relator referir que a anulação da decisão do Tribunal de Oeiras pela Relação de Lisboa não teve como fundamento a recusa de aplicação, implícita, do artigo 205º, nº1, da Constituição, mas sim o artigo
712º, nº4, do CPC. Preceito este do Código de Processo Civil que é invocado pela primeira vez. De facto, na decisão recorrida, são indicados os artigos 158º, 653º, 659º e
668º, nº1, alínea b), do CPC, em referência ao dever do Juiz em fixar a matéria de facto, fazer o juízo critico das provas, discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes e aplicar o direito aos factos dados como provados, concluindo pela decisão final.
(...) O Exmo. Desembargador invoca, ainda, como causa de indeferimento do requerimento de interposição de recurso a circunstância de tanto o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, como o da Relação de Lisboa, terem transitado em julgado, facto que tornaria o recurso intempestivo. (...) Ocorre que o recurso para o Tribunal Constitucional tem como objecto a decisão da Relação de Lisboa, perante a conclusão do Supremo Tribunal de Justiça de se considerar impedido de conhecer da decisão impugnada em sede de recurso.' O Ministério Público, ouvido nos termos do n.º2 do artigo 77º da LTC, sustenta que o recurso é tempestivo, por força da aplicação do preceituado no artigo 75º, n.º2 da LTC, mas que se não verificam, neste caso, os pressupostos de admissibilidade do recurso fundado na alínea a) do n.º1 do artigo 70º da LTC. Vejamos.
A Reclamante tem toda a razão ao sustentar que o seu recurso é tempestivo.
É que, se nos termos do artigo 75º, n.º1 da LTC, o prazo de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional é de 10 dias, iniciando-se o respectivo cômputo com a notificação da decisão recorrida, certo é que o n.º2 do mesmo preceito ressalva os casos de não admissão dos recursos ordinários por irrecorribilidade, fazendo iniciar-se aquele prazo de 10 dias da data em que se torna definitiva a decisão de não admissão. Foi, sem dúvida, o que sucedeu no presente caso. De facto, a ora Reclamante, após ter sido notificada da decisão do Supremo Tribunal de Justiça que não conheceu do objecto do recurso, apresentou dentro daquele prazo de 10 dias o requerimento de interposição do presente recurso de constitucionalidade visando impugnar o acórdão proferido na Relação de Lisboa. O recurso não pode, pois, ser rejeitado com fundamento em intempestividade. Todavia, nos termos do artigo 70º, n.º1, alínea a) da LTC o recurso das decisões dos tribunais que recusem a aplicação de qualquer norma com fundamento em inconstitucionalidade é restrito à apreciação dessa questão. Impõe-se, portanto, que a decisão recorrida haja desaplicado, com fundamento em inconstitucionalidade, uma determinada norma. A Reclamante sustenta que nestas circunstâncias se encontra a decisão de que pretende recorrer, pois a Relação de Lisboa recusara a aplicação, ainda que implicitamente, da norma constante do artigo 668º, n.º3 do CPC. Verifica-se, porém, que o apelo feito naquele aresto aos preceitos e princípios constitucionais que dizem respeito ao grau de exigência da fundamentação das decisões judiciais traduz-se num mero argumento adjuvante do resultado interpretativo a que anteriormente chegara acerca das normas do processo civil respeitantes aos poderes cognitivos da Relação ao pretender sindicar a matéria de facto em causa.
Na verdade, como refere o Ministério Público '... face ao teor do acórdão de fls. 194 – a ratio decidendi da solução alcançada pela Relação terá sido a norma constante do art. 712º, n.º4, do CPC', interpretada em termos de ser lícito à Relação anular oficiosamente a decisão proferida na 1ª instância quando repute a matéria de facto apurada deficiente, obscura e contraditória ou considere indispensável à boa composição do litígio a ampliação dessa matéria. Ora, ao contrário do que alega a Reclamante, este preceito não foi pela primeira vez invocado - no processo - no despacho reclamado, porque já tinha sido expressamente invocado no acórdão de fls. 194 que decidira a arguição de nulidade. Não pode, pois, entender-se que o acórdão recorrido tenha recusado, ainda que implicitamente, a aplicação do artigo 668º, n.º3, do CPC com fundamento em inconstitucionalidade, conforme pretende a Reclamante. Em consequência, não ocorre o pressuposto que legitima o recurso previsto no artigo 70º, n.º1, alínea a) da LTC, norma em que se estriba a Reclamante no presente recurso; não merece, nesta parte, censura o despacho que o não admitiu. Pelo exposto, acordam em indeferir a reclamação, condenando a Reclamante nas respectivas custas. Taxa de justiça: 15 Uc. Lisboa, 26 de Fevereiro de 2003 Carlos Pamplona Oliveira Maria Helena Brito Luís Nunes de Almeida