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Proc. nº 790/02
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. A, (ora recorrente) impugnou no Tribunal Tributário de 1ª Instância do Porto a liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1991, que lhe foi efectuada pelos serviços fiscais.
2. Por sentença do Mm.º Juiz daquele Tribunal, foi a impugnação julgada improcedente.
3. Inconformada com essa decisão a impugnante recorreu para o Tribunal Central Administrativo pedindo a revogação da sentença.
4. Entendendo não terem as alegações sido apresentadas no prazo legal, foi o recurso julgado deserto por despacho do relator. Deste despacho a impugnante reclamou para a conferência, que desatendeu a reclamação.
5. Novamente inconformada a impugnante recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, tendo, a concluir a alegação de recurso que então apresentou, dito, designadamente, o seguinte:
'(...)
13ª - A exiguidade do prazo de 10 dias para apresentação das alegações, tal como vem perfilhado no Acórdão a quo, sempre configuraria uma interpretação e aplicação inconstitucional da Lei, por se tratar de um prazo ostensivamente exíguo ou inadequado a um cabal exercício das garantias contenciosas;
14ª - Tal restrição não é admissível do ponto de vista constitucional, por na prática constituir manifesta negação do direito fundamental de acesso à via judiciária, com a consequente inconstitucionalidade do preceito que consagrasse tal prazo (Vide, neste sentido, em especial o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 437/97/T, de 21/7/97, in DR, II Série, de 23.01.98);
(...)'.
6. O Supremo Tribunal Administrativo, por acórdão de 2 de Outubro de 2002, decidiu negar provimento ao recurso, decisão que fundamentou, na parte ora relevante, nos seguintes termos:
'(...) O acórdão recorrido desatendeu a reclamação para a conferência do despacho do relator que julgou deserto o recurso por falta de alegações no prazo legal, considerando ser de 10 dias o prazo para apresentação de alegações. Pretende a recorrente que tal prazo é o de 30 dias previsto no artigo 106º da LPTA. Tal artigo respeita aos recursos de decisões jurisdicionais respeitantes ao contencioso administrativo. Ora o caso aqui em recurso respeita a uma decisão proferida num recurso de decisão de uma impugnação pelo que terá de seguir as normas específicas dos recursos tributários. Nos termos do artigo 174º, n.º 2, do Código de Processo Tributário, que vigorava à data da interposição do recurso para o Tribunal Central Administrativo, em conjugação com o artigo 6º, n.º 1, al. b) do DL 329-A/95, era de 10 dias o prazo para apresentação das alegações de recurso. Existindo pois na legislação tributária norma expressa a prever o prazo de interposição dos recursos no respectivo contencioso, não há que fazer apelo a normas da LPTA ou do Código de Processo Civil que só supletiva e eventualmente poderiam ser aplicáveis. Improcede por tudo isto o alegado pela recorrente quanto à aplicação ao caso vertente de outro prazo que não o que o Código de Processo Tributário prevê. E nem se vê, nem a recorrente explicita, em que é que a fixação de um prazo de 10 dias para apresentar alegações constitui uma restrição constitucionalmente inadmissível manifestamente denegatória do direito fundamental de acesso à via judiciária. Não assiste portanto, também nesta parte, razão à recorrente'.
7. Desta decisão foi interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, recurso, para apreciação da inconstitucionalidade 'da norma contida no art. 171º, n.º 3, do C.P.T., aprovado pelo Dec.-Lei n.º 154/91, de 23/4', por alegada violação dos artigos 2º, 9º, al. b) e 20º, nºs 1 e 5 da Constituição.
8. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 78º-A da Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 402 a 405). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'O recurso previsto na al. b), do n.º 1, do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pressupõe, além do mais, que a decisão recorrida tenha efectivamente aplicado no julgamento do caso, como ratio decidendi, a norma cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada. Ora, como vai sumariamente ver-se, tal não aconteceu nos presentes autos. Refere o recorrente, no requerimento de interposição do recurso, pretender ver apreciada a inconstitucionalidade 'da norma contida no art. 171º, n.º 3, do C.P.T., aprovado pelo Dec.-Lei n.º 154/91, de 23/4'. A verdade, porém, é que a decisão recorrida - para concluir ser de 10 dias, contados da notificação para o efeito ordenada pelo juiz no Tribunal Central Administrativo, o prazo para alegar -, manifestamente não aplicou esse preceito, mas, como nela expressamente se refere, os artigos 174º, n.º 2, do Código de Processo Tributário (à data em vigor), e 6º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro. Dessa forma, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso de constitucionalidade que o recorrente pretendeu interpor, por não estarem preenchidos os seus pressupostos legais de admissibilidade'.
9. É desta decisão que vem interposta, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que o reclamante fundamenta da seguinte forma:
'1º) Salvo o devido respeito por melhor entendimento, a decisão sumária sob Reclamação, além de desacertada, é tanto injusta quanto desprestigiante para este Tribunal Constitucional.
2º) É que, ainda que algum acerto ainda assim meramente formal, se pudesse assacar à decisão sob reclamação, e no modesto modo de ver da Recorrente, não pode; sempre o sacrifício da substância em favor da mera forma, seria de repudiar vivamente.
3º) Aliás, este é o entendimento que vem sendo maioritária e correntemente dominante na melhor jurisprudência dos nossos mais Altos Tribunais.
4°) O Direito Constitucional da Recorrente a uma efectiva decisão de mérito, não se compadece minimamente com uma procura, como que à lupa, de um argumento pequenino para justificar o não conhecimento (do fundo) do recurso.
5º) As normas ali afrontadas e, porque umbilicalmente ligadas entre si, são claramente as contidas nos Arts. 171°, n° 3, e 174°, n° 2, ambas do C.P.T.; e, ainda que se entendesse existir alguma falta de clareza na individualização da norma a sindicar pelo TC, não estava o Mm° Juiz Conselheiro-Relator impedido ou dispensado de convidar a Recorrente ao aperfeiçoamento do seu articulado.
6º) Para melhor compreensão das razões da Recorrente e fazendo agora um périplo cronológico de todo o processo, desde o seu início, verifica-se que: a) Após a decisão proferida na 1ª Instância Tributária e interposição do respectivo recurso para o Tribunal Central Administrativo, neste, o Mmº Juiz Desembargador-Relator julgou o recurso deserto com base no Artº 171º, nº 4, do C.P.T., claro está, por referência ao prazo estabelecido no Artº 171º, nº 3 (e não ao Artº 174º, nº 2), do mesmo diploma; b) Tal normativo (Artº 171°, n° 3} continuou a ser o fundamento à Reclamação apresentada para a Conferência do T.C.A., apresentada sob registo de 06.07.
2001; c) No acórdão do TCA (de 23.10.2001) ali se refere expressamente o Art 171°,n° 3 do C.P.T., e foi com base nesta norma que a Reclamação da Recorrente ali foi desatendida; d) Depois, a mesma norma continuou a ser invocada pela Recorrente, agora no Agravo interposto no S.T.A. (vide os itens 3. E 5. E, conclusões 3ª e 21ª); e) A norma do Artº 174º, n.º 2, do C.P.T., foi invocada ex novo (não pela recorrente, mas) pelo S.T.A no Acórdão recorrido.
= No entanto, cumpre aqui salientar que, a norma que ab initio vinha sendo invocada pelas Instâncias em sucessivas decisões postergadoras da pretensão judiciária da Recorrente, sempre foi a do Artº 171º, nº 3, e não como fácil e objectivamente se alcança = a do Artº 174º, nº 2, do C.P.T., adoptada pelo Tribunal (S.T.A.) recorrido; sendo que se afigura uma opção desacertada deste Alto Tribunal que, não deverá prejudicar as legítimas aspirações e interesses da Recorrente.
7º) Em coerência com o acabado de explicitar, a Recorrente no seu requerimento de interposição de recurso para este T.C indicou expressamente a norma do Artº
171º, n.º 3, do C.P.T.; sendo certo, que, nas alegações e conclusões de recurso apresentadas neste T.C., sempre que se lhe afigurou pertinente, não deixou de afrontar também o Artº 174, n.º 2, do mesmo diploma; vide nomeadamente nos itens
2, 3, 3.1, 5, 7 e 9 das Alegações e, nas Conclusões 2ª, 3ª, 6ª, 8º, 14ª, 18º e
21ª.
8º) Ora, mesmo que se entendesse que daqui resultava alguma confusão, ou falta de clareza, para aferir da concreta norma a sindicar a sua
(in)constitucionalidade, como já acima se referiu, o Mmº Juiz Conselheiro-Relator não estava impossibilitado ou dispensado de, no uso das seus poderes/deveres (funcionais), em despacho liminar convidar a Recorrente a vir esclarecer...
9º) É que, para além de tudo quanto acima se alegou e de que se não prescinde, não pode deixar de ter-se como umbil[i]calmente ligadas as duas normas referidas
(Arts. 171º, n.º 3 e n.º 2, do 174º), já que ambas tratam do mesmo recurso e do mesmíssimo prazo (8 dias, hoje 10); a única diferença, é a escolha da instância onde a Recorrente pretenda apresentar as alegações; e,
10) Assim sendo, como é efectivamente, a declaração de inconstitucionalidade de uma delas, arrasta a inconstitucionalidade da outra: daí que se não veja razão séria ou motivo jurídico substantiva e suficientemente válido para a decisão sumária, negatória do conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto'.
10. Notificada para responder, querendo, à reclamação do recorrente, a recorrida nada disse. Cumpre apreciar e decidir. III – Fundamentação
11. Na decisão sumária de fls. 402 a 405, ora reclamada, decidiu o Relator não ser possível conhecer do objecto do recurso de constitucionalidade interposto através do requerimento de fls. 396 e 397, por a decisão recorrida não ter efectivamente aplicado, como ratio decidendi, a norma cuja inconstitucionalidade a recorrente pretendia, nos termos daquele requerimento, ver apreciada (o artigo
171º, n.º 3, do C.P.T., aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril) mas, como nela expressamente se refere, os artigos 174º, n.º 2, do C.P.T. e 6º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro.
12. A ora reclamante, não contestando verdadeiramente que assim foi - i.e., que no requerimento de interposição do recurso solicita a apreciação da inconstitucionalidade do artigo 171º, n.º 3, do C.P.T., quando os preceitos efectivamente aplicados pela decisão recorrida foram os artigos 174º, n.º 2, do mesmo diploma e o artigo 6º, n.º 1, al. b), do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro – alega, contudo, o seguinte: a) que é 'formal' o argumento utilizado na decisão reclamada para não conhecer do objecto do recurso; b) que ainda que se entendesse existir alguma falta de clareza na individualização da norma a sindicar pelo Tribunal Constitucional, não estava o Relator impedido ou dispensado de convidar a Recorrente ao aperfeiçoamento do seu articulado; c) que nas alegações de recurso apresentadas no Tribunal Constitucional não deixou de afrontar também o artigo 174º, n.º 2, do C.P.T., como resulta dos itens 2, 3, 3.1, 5, 7 e 9 das alegações e conclusões 2ª, 3ª, 6ª, 8ª, 14ª, 18ª e
21ª; d) que as normas estão umbilicalmente ligadas em termos de que a declaração de inconstitucionalidade de uma delas arrasta a inconstitucionalidade da outra.
13. A verdade, porém, é que não lhe assiste qualquer razão.
13.1 Quanto à alegação de que se trata da utilização de uma razão formal para não conhecer de uma questão de mérito há que começar por evidenciar que, em boa verdade, se trata de um não argumento. Na realidade, é efectivamente inquestionável que em matéria de recursos (e, como é evidente, não apenas no que se refere ao recurso para o Tribunal Constitucional) a lei prevê entre o quadro das decisões possíveis as que não conhecem do objecto do recurso em função do não cumprimento de ónus processuais de que a mesma faz depender a sua admissibilidade.
Mas, em bom rigor, nem é exactamente isso que acontece nos presentes autos, em que não estamos perante a verificação de meros obstáculos processuais ou formais ao conhecimento do mérito do recurso. O que se passa, diferentemente, é que é ao recorrente - e só a ele - que compete eleger o objecto da sua impugnação, não podendo o Tribunal substituir-se-lhe conhecendo, oficiosamente, da constitucionalidade de uma norma que por aquele não foi indicada. Como se ponderou, mais recentemente, no Acórdão n.º 240/02 (ainda inédito): 'A lei confere aos interessados os meios necessários para defenderem, judicialmente, os seus direitos e nenhum princípio constitucional ou legal impõe que o julgador se substitua às partes, devidamente representadas por profissionais do foro, no que só a elas compete fazer e no modo ou estratégia que entenderam adequado para aquele efeito'.
13.2 E também não tem razão quando sustenta que em função da falta de clareza na individualização da norma a sindicar pelo Tribunal Constitucional, deveria o Relator convidar a Recorrente ao aperfeiçoamento do seu articulado. É que, ao contrário do que é pressuposto pelo argumento da recorrente, não estamos perante um requerimento de interposição do recurso pouco claro na identificação da norma impugnada, mas, diferentemente, perante um requerimento que indica, claramente, como objecto do recurso uma norma que não foi aplicada. Mas deveria, ainda assim, ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento? Certamente que não. Na verdade, o artigo 75º-A, n.º 5, da LTC, estabelece os casos em que deve ser proferido despacho de aperfeiçoamento e limita-os às hipóteses em que o requerimento de interposição do recurso 'não indicar alguns dos elementos previstos no presente artigo'. Ora, como é evidente, não é o que se verifica nos presentes autos, em que o requerimento de fls. 396 e 397 indica todos os elementos exigidos pelos nºs 1 e 2 daquele preceito. No já citado Acórdão n.º 240/02, depois de se referir que é ao recorrente que compete eleger o objecto da sua impugnação, não podendo o Tribunal substituir-se-lhe conhecendo da constitucionalidade de uma norma que por aquele não foi indicada, ponderou-se ainda, com interesse para os presentes autos: ' E
é isto que, no rigor das coisas, aconteceria se, como a recorrente parece pretender, o relator proferisse despacho de um suposto «aperfeiçoamento», dando conta ao recorrente do que entendia ser a norma aplicada na decisão impugnada e permitindo que ele viesse, depois, eleger essa norma como objecto da sua impugnação sub specie constitutionis'.
13.3. E também não infirma a decisão reclamada a demonstração de que nas alegações de recurso apresentadas - extemporaneamente, refira-se - no Tribunal Constitucional a recorrente não deixou de questionar igualmente o artigo 174º, n.º 2, do C.P.T.
É que, como o Tribunal tem repetidamente afirmado, é o requerimento de interposição do recurso que fixa o respectivo objecto, não podendo o recorrente, nas alegações ou em qualquer peça processual subsequente ampliar esse objecto a outras normas [cfr. nesse sentido, entre muitos outros, os Acórdãos nºs 366/96
(Diário da República, II Série, de 10 de Maio de 1996), 324/99 (Diário da República, II Série, de 25 de Outubro de 1999), ou, mais recentemente, o Acórdão n.º 286/00 (este ainda inédito)].
13.4 Finalmente, também não procede a alegação de que 'as normas estão umbilicalmente ligadas em termos de que a declaração de inconstitucionalidade de uma delas arrasta a inconstitucionalidade da outra'. O que, quando muito, se pode dizer, é que as razões para se concluir pela inconstitucionalidade ou não de uma poderiam igualmente valer para concluir pela inconstitucionalidade ou não da outra. Mas, como é evidente, tal não impede que estejamos perante preceitos diferentes aplicáveis a situações processuais também elas distintas, pelo que, ao contrário do que sugere o recorrente, um eventual julgamento no sentido da inconstitucionalidade de uma delas não arrasta (no sentido de que não se projecta automaticamente) a inconstitucionalidade da outra. III – Decisão Por tudo o exposto, decide-se indeferir a presente reclamação. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 7 de Março de 2003 Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida