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Processo nº 346/2002
3ª Secção Relatora: Maria dos Prazeres Pizarro Beleza
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
1. A fls. 533, foi proferida a seguinte decisão sumária:
«1. A e B recorreram para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Março de 2002, de fls. 498, 'por violação dos arts. 58º e 59º da Constituição da República Portuguesa'. Convidados, nos termos conjugados do disposto nos nºs 1, 5 e 6 do artigo 75º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, a indicar qual é a norma cuja inconstitucionalidade pretendem que o Tribunal Constitucional aprecie, os recorrentes vieram responder que 'é o art. 18º da LCT'. O recurso foi admitido, em decisão que não vincula este Tribunal (nº 3 do artigo
76º da Lei nº 28/82).
2. O acórdão recorrido foi proferido no âmbito de uma acção emergente de contrato individual de trabalho que os ora recorrentes (entre outros trabalhadores) instauraram contra C , impugnando as sanções disciplinares de oito dias de suspensão, com perda de retribuição, que lhes foram impostas, e pedindo as indemnizações referidas nos autos. A acção foi julgada parcialmente procedente pela sentença do Tribunal do Trabalho de Lisboa de 20 de Maio de
1998, de fls. 299, que, por considerar desproporcionadas as sanções aplicáveis, determinou a respectiva anulação e condenou a ré no pagamento das retribuições e no valor das refeições perdidas, com os juros devidos; os demais pedidos de indemnização foram, contudo, julgados improcedentes. Esta sentença foi objecto de recursos interpostos, quer pelos autores, quer pela ré. Por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15 de Novembro de 2000, de fls.
403, foi provido o recurso da ré e negado provimento aos recursos interpostos pelos autores. Para o que agora releva, o Tribunal da Relação de Lisboa, neste ponto concordando com a 1ª instância, entendeu que configura infracção disciplinar 'o comportamento dos Autores que se traduziu na recusa de acatamento da solicitação feita pela entidade patronal de que estes lhe indicassem, para fins de actualização de registos do pessoal da empresa, os seus domicílios particulares actuais e número de telefone se existir'. Considerou, todavia, que o dever assim infringido decorre do disposto no artigo 18º da LCT, que consagra 'o princípio de que entidade patronal e trabalhadores são mútuos colaboradores' e que, contrariamente ao sustentado por alguma doutrina, se não encontra revogado. E, portanto, que tal conduta dos autores, 'quer por violação dos seus deveres de lealdade e obediência (art.21º nº 1 al.c) e da da LCT), quer por omissão de seu dever de mútua colaboração (art. 18º da LTC)', configura uma infracção disciplinar; e considerou, igualmente, que não foi desadequada, nem quanto à escolha, nem quanto à medida, a sanção que, consequentemente, lhes foi aplicada. De novo inconformados, os autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, que confirmou o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa. Para o que agora releva, o Supremo Tribunal de Justiça, conhecendo da questão suscitada pelos recorrentes de que, 'ao decidir como decidiu a apelação da Ré, com base na vigência do art. 18º da LCT, o acórdão recorrido violou o art. 58 e
59 da Constituição, por se encontrar revogada aquela disposição legal'
(conclusão 1ª das alegações então apresentadas), pronunciou-se nos seguintes termos:
'3. Os Autores invocam ainda violação do disposto nos artigos 58, 59 e 37 da Constituição da República Portuguesa por o acórdão recorrido ter aplicado um preceito legal já revogado, no caso o artigo 18, do Decreto-Lei nº
49.408 e por a punição dos Recorrentes consistir na sua divergência de opinião quanto ao que entendem ser os seus domicílios particulares. De nenhuma parte do acórdão recorrido consta ou se conclui que os Autores foram punidos pelo exercício do direito de opinião. Com efeito a punição, como resulta do acórdão, não surgiu por os Autores terem manifestado a opinião de que não tinham que dar a sua direcção particular isto é da sua residência, mas por não a terem fornecido o que é questão diferente. E é tão diferente da limitação ao exercício do direito de expressão que eles expressaram livremente o seu pensamento. No que se refere à violação do disposto nos artigos 58 e 59, da Constituição, por se ter aplicado um preceito legal pretensamente revogado é caso para dizer que a inconstitucionalidade reveste várias espécies ou modalidade mas não se pode confundir com qualquer pretensa errada decisão. Dir-se-á que a invocação do disposto no art. 18º, do Decreto-Lei nº 49.408 nunca consubstancia questão não abordada. Aquele artigo foi invocado para fundamentar, sob o ponto de vista jurídico, a solução tomada. Confundi-la com qualquer questão, posta ou não pelas partes, ou de que se pudesse ou não conhecer, é ignorar o disposto nos artigos 659, número dois e
664, ambos do Código de Processo Civil, aplicáveis à apelação, face ao disposto no artigo nº 713, número dois, do mesmo código. Se uso indevido do citado artigo 18 tivesse havido, que não houve, tratar-se-ia de aplicação errada daquele preceito e não violação dos direitos constitucionais invocados. O certo porém é que aquele artigo 18 não está revogado e tanto assim é que não vem indicado diploma que o tenha revogado, mesmo implicitamente. As passagens citadas de ilustres juristas não têm que ver com a problemática em causa, mas com outras questões. Improcedem desta forma as conclusões 1 e 6.'
3. O Tribunal Constitucional não pode, porém, conhecer do objecto do presente recurso, por não ter sido suscitada, 'durante o processo', a inconstitucionalidade de nenhuma norma contida no artigo 18º da LTC. Com efeito, o que os recorrentes acusaram de inconstitucionalidade foi sempre o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, que consideraram infringir a Constituição por ter aplicado uma norma revogada. Basta ler as alegações apresentadas no recurso de revista, cujas conclusões são estruturadas como uma lista de preceitos constitucionais e legais alegadamente violados pelo acórdão recorrido, para verificar que em parte alguma das mesmas alegações se acusa de inconstitucionalidade qualquer norma contida no citado artigo 18º. Ora o recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade destina-se à apreciação de normas aplicadas pela decisão recorrida não obstante ter sido suscitada a sua inconstitucionalidade 'durante o processo', no caso do recurso previsto na l. b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, e não das próprias decisões que as tenham eventualmente aplicado. Assim resulta da Constituição e da lei, e assim tem sido repetidamente afirmado pelo Tribunal (cfr. a título de exemplo, os acórdãos nºs 612/94, 634/94 e 20/96, publicados no Diário da República, II Série, respectivamente, de 11 de Janeiro de 1995, 31 de Janeiro de
1995 e 16 de Maio de 1996). Só na resposta de fls. 531 é que os recorrentes indicaram como objecto do recurso 'o art. 18º da LCT'; só após essa resposta se tornou possível a este Tribunal verificar se estavam ou não reunidos os pressupostos de admissibilidade do presente recurso, concluindo, então, pela negativa. Não tendo sido invocada durante o processo – ou seja, colocada 'de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer' (nº 2 do artigo 72º da Lei nº
28/82) – a inconstitucionalidade de nenhuma norma contida nesse preceito, o Tribunal Constitucional não pode tomar conhecimento do objecto do recurso. Estão, pois, reunidas as condições para que se proceda à emissão da decisão sumária prevista no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro. Assim, decide-se não conhecer do objecto do recurso. Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 6 ucs. por cada um.»
2. Inconformados, os recorrentes vieram reclamar para a conferência, nos termos previstos no nº 3 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, sustentando não ser exacto que não tenham suscitado «'durante o processo' a inconstitucionalidade de nenhuma norma contida no art. 18º da LCT'». Para o efeito, transcrevem parte das alegações apresentadas no recurso de revista, na qual afirmaram 'A decisão, quanto à apelação da Ré, está eivada da inconstitucionalidade. Com efeito, o douto acórdão recorrido levantou, nessa parte, questão que até aí não tinha sido abordada, ou seja, a da força vinculativa do art. 18º da LCT. Quanto a esse ponto estamos com Liberal Fernandes (...) segundo o qual tal disposição ‘não goza presentemente de força vinculativa, quando muito poderá ter conteúdo programático, na medida em que constitui emanação directa do princípio consagrado no art. 35 da Constituição de 1933 nos termos do qual, trabalhadores e empregadores se encontravam solidariamente subordinados à realização do interesse geral da produção nacional’ e daí ‘ser mais consentâneo com o ordenamento actual considerar integralmente revogada aquela norma da LCT’. Assim também Jorge Leite (...) e mesmo Coutinho de Almeida (...). Partindo do princípio de tal ‘união’ em que o trabalhador é subjacente, chega-se
à conclusão, sem dúvida brilhante, nas desactualizada e inconstitucional a que chegou o douto acórdão recorrido'.
E acrescentam que 'ao dizer-se que o acórdão recorrido aplicou lei inconstitucional, não se referiu só à inconstitucionalidade da interpretação como também à inconstitucionalidade da própria norma'.
Notificada para se pronunciar, querendo, sobre a reclamação, a recorrida não respondeu.
3. A verdade, todavia, é que a reclamação não pode ser atendida. É que, em rigor, a inconstitucionalidade apontada pelos reclamantes, nomeadamente na passagem que transcrevem das suas alegações de revista, consistiria na aplicação de uma norma revogada, e não em qualquer norma que constasse do artigo
18º em questão.
Nestes termos, e pelas razões indicadas na decisão reclamada, que se confirma, indefere-se a presente reclamação.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 15 ucs. por cada reclamante. Lisboa, 16 de Janeiro de 2003 Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Alberto Tavares da Costa Luís Nunes de Almeida