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Processo n.º 459/98
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
1. Relatório
Por sentença de 29 de Maio de 1974 do Tribunal do Trabalho de Coimbra, confirmada, em recurso, pelo acórdão da então 3.ª Secção do Supremo Tribunal Administrativo, de 13 de Janeiro de 1976, foi a ré Companhia de Seguros ..., condenada a pagar ao sinistrado A – em consequência de acidente de trabalho por este sofrido em 22 de Novembro de 1971, consistente em ter caído de costas e de braços abertos sobre a lâmina de uma serra, ao soltar-se o machado cravado num tronco de madeira que arrastava, na serração onde trabalhava, de que lhe resultou amputação, pelo terço superior, do antebraço esquerdo –, indemnização no montante de 3504$00 pela incapacidade temporária absoluta (ITA) sofrida desde a data do acidente até à data da alta definitiva, ocorrida em 20 de Março de 1972, e a pensão anual e vitalícia de 6510$40, com início em 21 de Março de 1972, atenta a incapacidade permanente parcial (IPP) fixada em 0,65, bem como no fornecimento e renovação normal do aparelho de prótese adequado à incapacidade em causa.
Em 29 de Outubro de 1996, o sinistrado veio requerer a revisão da incapacidade, referindo que à data do acidente tinha apenas 14 anos de idade, pelo que o seu corpo não estava completamente formado, tendo resultado atrofia do coto e do ombro homolateral, e, dado ter 37 anos de idade à data do pedido de revisão da pensão [ tinha, de facto, 39 anos, pois nasceu em 22 de Junho de 1957] , ser previsível 'o agravamento mais rápido das lesões, não só pelo envelhecimento natural, como pelo respectivo desgaste das estruturas já lesadas pelas modificações infligidas pela perda dos 2/3 do membro superior direito'.
Este pedido de revisão foi liminarmente indeferido, por despacho de 12 de Novembro de 1996, com fundamento em que, nos termos da Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, a revisão só poder ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão, e, no caso, 'a sentença que fixou a pensão ao sinistrado transitou em Janeiro de 1976, pelo que decorreu há muito o prazo referido na Base XXII, n.º 2'.
O sinistrado agravou deste despacho para o Tribunal da Relação de Coimbra, que, por acórdão de 8 de Maio de 1997, negou provimento ao agravo.
Deste acórdão recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que também julgou improcedente o recurso, por acórdão de 3 de Março de
1998, tendo o recorrente, em ambas as impugnações, suscitado a questão da inconstitucionalidade material, por violação do princípio da igualdade, da norma do Base XXII, n.º 2, da Lei n.º 2127.
É do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Março de 1998, que, pelo sinistrado, vem interposto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.° da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por
último, pela Lei n.° 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), o presente recurso para este Tribunal Constitucional, terminando as respectivas alegações com a formulação das seguintes conclusões:
'a) A Base XXII, n.° 2, da Lei n.º 2127 estabelece que «a revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores à data da fixação da pensão
...»;
b) A sentença que fixou a pensão do recorrente já transitou em julgado há mais de dez anos, sem que este tenha, durante esse período, requerido a revisão;
c) É certo que uma interpretação literal do supra referido n.° 2 da Base XXII poderia levar a concluir que o recorrente já não pode requerer a revisão da sua pensão;
d) No entanto, essa não foi certamente a intenção do legislador, nem
é esse o espírito da Lei, cujo objectivo é o de minorar o prejuízo que advém da incapacidade de um trabalhador em virtude de um acidente de trabalho ter ficado diminuída;
e) A pensão que o recorrente recebe não é de modo algum suficiente para compensar a modificação da sua capacidade para o trabalho, a qual foi diminuindo ao longo dos anos;
f) É certo que o recorrente teve dez anos para requerer a revisão da pensão que lhe foi fixada e não o fez;
g) Contudo, cumpre salientar que o seu grau de incapacidade foi fixado aos catorze anos, idade em que o corpo do recorrente ainda se encontrava em crescimento, não sendo possível aferir nessa época quais as consequências que tal acidente iria trazer para a sua capacidade de trabalho;
h) Considerando que «o prazo de dez anos para se pedir a revisão da incapacidade por acidente de trabalho conta-se quer da fixação inicial da pensão, quer da primeira ou ulteriores revisões, se estas tiverem lugar, isto é, neste último caso, da fixação da nova incapacidade», acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24 de Março de 1988, Colectânea de Jurisprudência, 1988, tomo II, pág. 291;
i) Ora se a lei admite que de dez em dez anos se podem verificar modificações no grau de incapacidade dos acidentados, tem que admitir que se tenha verificado uma efectiva modificação da capacidade para o trabalho do recorrente, susceptível de alterar a sua pensão;
j) Ao fixar um prazo de dez anos, durante o qual é permitido requerer a revisão da pensão, a lei, certamente, não pensou nos casos semelhantes ao do recorrente, em que o acidente se verificou na infância, e que decorridos dez anos ainda não é possível aferir com exactidão quais as verdadeiras sequelas que a incapacidade acarreta para a vida do trabalhador;
l) Devido ao acidente o recorrente sofre, actualmente, de diversas doenças ósseas;
m) Assim, o acidente que o recorrente sofreu provocou sequelas cujas repercussões têm carácter evolutivo;
n) Pelo que a situação do recorrente é passível de ser enquadrada no n.° 3 da Base XXII;
o) Este entendimento não foi atendido pelo Tribunal recorrido, o qual considerou que «No caso dos autos, mesmo que tivesse de admitir-se que o recorrente padece de doença, ela resultou de um acidente de trabalho, não se lhe aplicando, por isso, a excepção do n.° 3 da Base XXII»;
p) Salvo o devido respeito, esta interpretação não é a mais correcta. Porquanto, o facto de as doenças de que o recorrente padece serem resultado de um acidente de trabalho não as exclui do âmbito do n.° 3 da citada Base, pelo contrário, reforça a sua inclusão no mesmo;
q) Foi o facto de o recorrente ter perdido o seu braço esquerdo, com a consequente compensação pelo braço direito, que levou à alteração estática vertebral e ao desvio da coluna cervical e dorsal. Por outro lado, não restam dúvidas de que estas são doenças ósseas, que no caso do recorrente se ficaram a dever apenas ao acidente laboral que este sofreu, pelo que são doenças profissionais;
r) Deste modo, a situação do recorrente, embora não esteja expressamente prevista na Lei, devido à desadequação desta com a actualidade da vida laboral, deverá ser enquadrada no n.° 3 da Base XXII e, como tal, a revisão da pensão poderá ser requerida a todo o tempo;
s) «As normas que regulam os acidentes de trabalho têm carácter imperativo no sentido de proibir qualquer situação de menores garantias que as resultantes da lei, mas não proíbem que elas sejam reforçadas ou melhoradas», acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 19 de Maio de 1987, Colectânea de Jurisprudência, tomo III, pág. 60;
t) Por outro lado, a norma constante do n.° 2 da Base XXII é claramente inconstitucional;
u) A Lei n.º 2127 foi publicada há mais de trinta anos. É uma das leis mais antigas no âmbito da legislação laboral, o que não se compreende, uma vez que a área laboral é um área extremamente permeável às alterações sociais e, consequentemente, em permanente mutação;
v) Segundo o disposto no n.° 2 da Base XXII, o prazo para requerer a revisão da pensão é de dez anos após a sua fixação. No entanto, dez anos é um período de tempo muito reduzido para aferir da modificação objectiva da capacidade de um acidentado, e mais reduzido é se considerarmos que esse acidentado tinha apenas catorze anos à data do acidente. Aos vinte e quatro anos
é extremamente difícil aferir, com rigor, da real incapacidade do acidentado;
x) Na grande maioria dos casos, o acidentado aos vinte e quatro anos ainda não tem uma profissão estável que lhe permita aferir em que medida a sua capacidade de ganho foi afectada;
z) A Lei n.º 2127 não prevê quer a figura do trabalhador estudante, quer o fenómeno, crescente, do trabalho infantil;
aa) Em relação aos trabalhadores estudantes este prazo é extremamente redutor. O trabalhador estudante que, por hipótese, sofre um acidente de trabalho quando estuda no oitavo ano de escolaridade, tem ainda, no mínimo, dez anos de escolaridade pela frente. Será justo que este trabalhador, que só no fim da escolaridade irá dar início à sua verdadeira actividade profissional, seja então confrontado com uma diminuição da sua capacidade de ganho e já nada possa fazer. É evidente que neste tipo de situações é impossível, em dez anos, determinar se houve ou não modificação da capacidade de ganho, uma vez que o acidentado ainda não começou a sua verdadeira vida profissional;
bb) Em relação ao trabalho infantil a situação é ainda mais grave. É extremamente difícil aferir, em relação a um trabalhador que sofreu um acidente, por hipótese, aos doze anos de idade, quais as consequências ao nível da capacidade de ganho, aos vinte e dois anos;
cc) O recorrente sofreu um acidente de trabalho aos catorze anos de idade. Não foi possível aferir imediatamente, devido à sua juventude, qual a intensidade da perda da sua capacidade de ganho e, quando constatou que aquele acidente de trabalho lhe causou e causa inúmeros prejuízos a nível de progressão profissional e solicitou ao Tribunal que lhe reparasse a situação, foi confrontado com um prazo que o impedia de pedir a revisão da pensão que lhe havia sido fixada;
dd) Segundo o supra citado acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24 de Março de 1988, a revisão da pensão pode ser revista cada dez anos. Assim, os acidentados podem requer a revisão da pensão a todo o tempo, aliás, poderão fazê-lo durante toda a vida, desde que, de dez em dez anos, peçam a revisão da incapacidade. Parece-nos que conceder a possibilidade de pedir a revisão da incapacidade ad aetemum a quem peça uma revisão de dez em dez anos e não conceder a mesma possibilidade a quem, por qualquer outro motivo, não se apercebeu da sua efectiva perda de ganho durante os primeiros dez anos, configura uma violação do princípio da igualdade. Esta situação pode levar a que dois acidentados nas mesmas condições tenham tratamentos diferenciados. Ou seja: um acidentado pede a revisão da sua incapacidade um dia antes de expirar o prazo de dez anos. Poderá pedir nova revisão antes de expirar um novo período de dez anos e, assim, sucessivamente. Um acidentado que peça a revisão um dia depois de ter expirado o prazo de dez anos, nunca mais poderá pedir a revisão dessa incapacidade;
ee) Face ao exposto, o n.° 2 da Base XXII afigura-se inconstitucional, uma vez que se trata situações desiguais de forma igual, violando, assim, o princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.° da Constituição da República Portuguesa.'
A recorrida Companhia de Seguros Tranquilidade não contra-alegou.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
2.1. Dispunha a Base XXII da Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965:
'1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho da vítima proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou quando se verifique aplicação de prótese ou ortopedia, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos dez anos posteriores
à data da fixação da pensão e poderá ser requerida uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo, designadamente pneumoconioses, não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.'
Cumpre começar por explicitar que não cabe no âmbito deste recurso de constitucionalidade nem nos poderes de cognição do Tribunal Constitucional a apreciação da crítica dirigida pelo recorrente ao acórdão recorrido no que concerne ao entendimento, neste sustentado, de que ao caso era inaplicável a previsão do n.º 3 da transcrita Base XXII. Nesse acórdão entendeu-se que esta previsão apenas abrangia os 'casos em que a incapacidade laboral geradora da pensão tenha derivado de doença profissional de carácter evolutivo' e o autor foi vítima de um acidente de trabalho: 'a doença e a incapacidade laboral dele advieram de um sinistro, de um acidente, ocorrido enquanto ele, num certo e preciso instante, trabalhava; elas não foram originadas pelo exercício continuado da actividade profissional por ele exercida'. Trata-se, neste ponto, de uma questão de interpretação e aplicação de norma de direito ordinário (a do n.º 3 da Base XXII citada), relativamente à qual não foi arguida qualquer inconstitucionalidade. São, assim, irrelevantes as conclusões n) a r) da alegação do recorrente.
A questão de constitucionalidade em causa no presente recurso cinge-se, assim, à norma da primeira parte do n.º 2 do Base XXII da Lei n.º 2127, que só permite o requerimento de revisão das prestações devidas por acidente de trabalho nos dez anos posteriores à data da fixação da pensão. Segundo o recorrente, tal norma violaria o princípio da igualdade numa dupla perspectiva: (i) em comparação com os sinistrados que, tendo requerido uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos, ficariam habilitados, segundo certo entendimento jurisprudencial, a requerer indefinidamente sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão; e (ii) ao não conferir tratamento diferenciado aos casos em que a pensão é fixada na menoridade do sinistrado, em situações em que não é possível aferir, com exactidão, quais as sequelas futuras da incapacidade.
2.2. Como este Tribunal tem repetidamente afirmado, 'o princípio da igualdade, como parâmetro de apreciação da legitimidade constitucional do direito infraconstitucional, impõe que situações materialmente semelhantes sejam objecto de tratamento semelhante e que situações substancialmente diferentes tenham, por sua vez, tratamento diferenciado'; mas
'tal não significa (...) que não exista uma certa margem de liberdade na conformação legislativa das várias soluções concretamente consagradas, e até que não se reconheça a possibilidade de o legislador consagrar, em face de uma dada categoria de situações, uma solução que se afaste da solução prevista para outras constelações de casos semelhantes', desde que seja 'identificável um outro valor, também ele com ressonância constitucional, que imponha ou, pelo menos, justifique e torne razoável a diferenciação' (cf. Acórdão n.º 113/01, no Diário da República, II Série, n.º 96, de 24 de Abril de 2001, pág. 7247, e em Acórdãos do Tribunal Constitucional, 49.º volume, pág. 435).
A possibilidade de revisão das prestações devidas por acidentes de trabalho quando o estado de saúde do sinistrado conheça evolução, quer no sentido do agravamento, quer no da melhoria, modificando-se a sua capacidade de ganho, foi prevista, pela primeira vez, no artigo 33.º do Decreto n.º 4288, de 22 de Maio de 1918. O artigo 24.º da Lei n.º 1942, de 27 de Julho de 1936, introduziu a exigência de o requerimento da revisão das pensões por incapacidade permanente, com fundamento em modificação na capacidade geral de ganho da vítima do acidente, ser formulado 'durante o prazo de cinco anos, a contar da data da homologação do acordo ou do trânsito em julgado da sentença' e
'desde que, sobre a data da fixação da pensão ou da última revisão, t[ ivessem] decorrido seis meses, pelo menos'.
A Lei n.º 2127, na sua Base XXII, permitiu a revisão das várias 'prestações' (incluindo, assim, as reparações em espécie) e não apenas das 'pensões por incapacidade permanente', alargou de cinco para dez anos o prazo durante o qual a revisão pode ser requerida e possibilitou a sua formulação 'uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos'.
O regime dessa Lei, com adaptações de pormenor, foi reproduzido no novo regime jurídico dos acidentes de trabalho e das doenças profissionais, constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, cujo artigo 25.º dispõe:
'1. Quando se verifique modificação da capacidade de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, ou de intervenção clínica ou aplicação de prótese ou ortótese, ou ainda de formação ou reconversão profissional, as prestações poderão ser revistas e aumentadas, reduzidas ou extintas, de harmonia com a alteração verificada.
2. A revisão só poderá ser requerida dentro dos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão, uma vez em cada semestre, nos dois primeiros anos, e uma vez por ano, nos anos imediatos.
3. Nos casos de doenças profissionais de carácter evolutivo não é aplicável o disposto no número anterior, podendo requerer-se a revisão em qualquer tempo; mas, nos dois primeiros anos, só poderá ser requerida uma vez no fim de cada ano.'
Os condicionamentos temporais estabelecidos na Lei n.º
2127 e mantidos na Lei n.º 100/97 surgiram da 'verificação da experiência médica quotidiana de que os agravamentos como as melhorias têm uma maior incidência nos primeiros tempos (daí a fixação dos dois anos em que é possível requerer mais revisões), decaindo até decorrer um maior lapso de tempo (que o legislador fixou generosamente em dez anos)' (cf. Carlos Alegre, Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais, Coimbra, 2000, pág. 128).
Neste contexto, não se reveste de flagrante desrazoabilidade o entendimento do legislador ordinário de que, dez anos decorridos sobre a data da fixação da pensão (que pressupõe a prévia determinação do grau de incapacidade permanente que afecta o sinistrado), sem que se tenha registado qualquer evolução justificadora de pedido de revisão, a situação se deva ter por consolidada. Diferente seria a situação de, nesse lapso de tempo, terem ocorrido pedidos de revisão, que determinaram o reconhecimento judicial da efectiva alteração da capacidade de ganho de vítima, com a consequente modificação da primitiva determinação do grau de incapacidade, o que indiciaria que a situação não se poderia ter por consolidada. Não ocorreria, assim, violação do princípio da igualdade na primeira perspectiva assinalada. Com efeito, mesmo a aceitar-se como correcto – questão sobre a qual não cumpre tomar posição – o entendimento jurisprudencial, invocado pelo recorrente, segundo o qual os sinistrados que requereram uma primeira revisão dentro dos primeiros dez anos podiam requerer sucessivas revisões, desde que formuladas, cada uma delas, antes de decorrido um decénio sobre a precedente revisão, ele respeitaria a situações diversas daquelas em que decorrera por completo o prazo de dez anos desde a data da fixação da pensão sem que tivesse sido requerida qualquer revisão. Existiria, no primeiro grupo de situações, um factor de instabilidade, que não ocorreria no segundo grupo, o que não permitiria considerar como constitucionalmente ilegítima a apontada diferenciação de regimes.
Já mereceria melhor ponderação a questionada violação do princípio da igualdade na segunda perspectiva apontada. Na verdade, se o prazo de dez anos sem formulação de pedidos de revisão pode ser considerado como suficiente para reputar como consolidado o juízo sobre o grau de incapacidade permanente, quando este juízo respeita a um sinistrado adulto, já seria questionável se esse prazo continuaria a ser suficiente nos casos em que o acidente e a fixação da incapacidade respeitam a um menor, ainda na adolescência
(como aconteceu com o recorrente, que sofreu o acidente quando tinha 14 anos de idade), em plena fase de crescimento físico, isto é, com formação corporal longe de estar completa e em que, por isso, são mais plausíveis alterações no grau de incapacidade. Isto é, seria questionável se, atenta a diferenciação das situações de facto, não se imporia ao legislador, por respeito ao princípio da igualdade, introduzir diferenciações de regime jurídico.
Acontece, porém, que, no presente caso, o recorrente não apenas não apresentou o pedido de revisão da pensão no prazo de dez anos posterior à data da fixação da pensão (data que as instâncias, nestes autos, têm reportado à data do trânsito em julgado do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, ponto que não é incontroverso, havendo quem reporte tal data à data da alta definitiva ou da cura clínica, à data do exame médico-legal ou à data do despacho homologatório do acordo ou da sentença que fixou a pensão – cf. Carlos Alegre, obra citada, pág. 128), como nem sequer o fez nos dez anos posteriores à data em que atingiu a maioridade, só o formulando em 29 de Outubro de 1996, quando já tinha 39 anos de idade (nasceu em 22 de Junho de 1957). Ora, nunca um hipotético juízo de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, que este Tribunal Constitucional pudesse emitir relativamente ao prazo do pedido de revisão de pensões fixadas na menoridade do sinistrado poderia ter o alcance de fazer dilatar aquele prazo até à idade em que o recorrente a formulou, pelo que, atento o carácter instrumental do recurso de constitucionalidade, não há interesse em apreciar a existência de fundamento para a eventual prolação desse juízo.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em negar provimento ao presente recurso.
Sem custas, por o recorrente delas estar isento (artigos
2.º, n.º 1, alínea j), do Código das Custas Judiciais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 224-A/96, de 26 de Novembro, e 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 303/98, de 7 de Outubro).
Lisboa, 19 de Março de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Benjamim da Silva Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Luís Nunes de Almeida