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Processo n.º 273/02
2ª Secção Relator - Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam em conferência no Tribunal Constitucional I. Relatório Em 13 de Novembro de 2002 foi proferida nos presentes autos decisão sumária de não conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto por A, melhor identificado nos autos, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo
70º da Lei do Tribunal Constitucional, visando obter uma decisão de
'inconformidade constitucional da interpretação conferida a al. e) do n.º 1 do art. 68º, n.º 1 do art. 118º e n.º 3 do artigo 283º, todos do Código de Processo Penal (...) uma vez que interpretação atribuída àqueles incisos, não só permite que os agentes criminosos deixem de ser punidos pelos actos delitivos perpetrados, como veda ao ofendido o direito de intervir no processo e recusa-lhe a efectivação dos seus direitos e a defesa dos interesses legalmente protegidos, nem reprime a violação da legalidade democrática ofendida.'. Tal decisão sumária sustentou-se nos seguintes fundamentos:
«(...) é manifesto que, no único momento em que questões de constitucionalidade foram suscitadas no recurso do despacho do Juiz-Desembargador da Relação do Porto, nunca a impugnação de constitucionalidade foi dirigida a normas, como seguidamente se comprova com a transcrição de todos os passos em que se alude a desconformidade com a Lei Fundamental. Assim, nas alegações (fls. 257 e segs. dos autos):
'– A nosso ver, o texto acabado de referir [do n.º 3 do artigo 283º do Código de Processo Penal] é taxativo quanto [ao] elenco dos motivos que fundamentam o despacho de rejeição (...) não podendo, assim, ser entendido extensivamente para escamotear-se a prática criminosa do arguido, através de um apelo interpretativo que, decididamente, se revela ‘contra-legem’ e sobretudo desconforme à Constituição. (...) Com efeito, não é essa a verdade que resulta da lei, nem pela natureza do ordenamento processual penal isso podia acontecer.' E nas conclusões dessas alegações:
'13º E porque sendo estes delitos, em ordem aos quais o MP procedeu à investigação e o arguido deles se defendeu, estamos em crer que indeferimento do pedido de constituição de assistente e a rejeição do requerimento de abertura de instrução.
14º Só poderá ter como fundamento uma errada interpretação das disposições avistadas na al. e) do n.º 1 do art. 68º, n.º 1 do art. 118º e da aplicação do n.º 3 do art. 283º, por força da última parte do art. 267º, ambos do CPP, a qual contende com os termos dos arts. 2º, 20º e n.º 2 do art. 202º da CRP.
15º Por violar o princípio garantístico da efectivação dos direitos liberdades fundamentais, negando o acesso aos tribunais para defesa de interesses protegidos, donde o Venerando Supremo Tribunal de Justiça deve decretar a sua inconformidade constitucional.'
3. É certo que se fez referência a 'uma errada interpretação das disposições avistadas na al. e) do n.º 1 do art. 68º, n.º 1 do art. 118º e da aplicação do n.º 3 do art. 283º, por força da última parte do art. 267º, ambos do CPP, a qual contende com os termos dos arts. 2º, 20º e n.º 2 do art. 202º da CRP'. E é certo que, no pedido final, disse-se: 'Nestes termos, e nos demais de direito (...) deverá revogar-se a decisão recorrida substituindo-a por outra que admita a constituição de assistente e a abertura da instrução requerida, ou, quando assim senão entenda, deve decretar-se a inconstitucionalidade das normas da al. e) do n.º 1 do art. 68º, n.º 1 do art. 118º e n.º 3 do art. 263º, todos do CPP, com a interpretação consignada na prolação contestada (...).' Mas, ainda que se pudesse admitir, ao arrepio do que antes se escrevera, que tais normas passaram, neste trecho final, de parâmetro legal violado a corpus da violação constitucional – transição que, manifestamente, a decisão recorrida não acompanhou ('haverá que manter o despacho recorrido dado ter-se verificado a sua correcção técnica e não ocorrer errada interpretação ou violação dos arts. 68, n.º 1, al. e), 118, n.º 1, 283 n.º 3, 287 do C.P.P. e 2, 20 e n.º 2 do art. 202º da CRP, como se alega') –, sempre restaria a impossibilidade de concretizar o sentido em que cada norma supostamente impugnada seria, na perspectiva do recorrente, desconforme com a Constituição.
É que, face ao seu teor literal, nenhuma incompatibilidade se lhe descortina, seja com o artigo 2º, seja com o artigo 20º, seja com o artigo 202º, n.º 2, da Lei Fundamental, que são as disposições constitucionais invocadas. Ora, como já se tem notado – designadamente nos acórdãos n.ºs 269/94, 367/94 e
178/95 (publicados no Diário da República [DR], II Série, de 18 de Junho de
1994, de 7 de Setembro de 1994 e de 21 de Junho de 1995, respectivamente) –, onde esteja em causa um sentido normativo diverso do mero teor literal da norma
(como inculcado pela alegação de uma interpretação extensiva e literal, ou, errada das normas) é necessário que tal sentido seja claramente enunciado:
'Na verdade, se aquele vício tivesse sido imputado às normas em causa, haveria de tê-lo sido como claramente decorre de quanto se disse já, apenas a um segmento, a uma certa dimensão normativa – a uma determinada interpretação delas. Mas, então, impunha-se que (...) tivessem indicado – o que não fizeram – o segmento de cada norma , a dimensão normativa de cada preceito – o sentido ou interpretação, em suma – que eles têm por violador da constituição.' (Acórdão n.º 178/95). Como se escreveu no acórdão n.º 116/02 (publicado no DR, II Série, de 8 de Maio de 2002), 'Se o recorrente entende que um preceito não é inconstitucional ‘em si mesmo’, mas apenas num segmento ou numa sua determinada dimensão ou interpretação normativa, a exigência de suscitação da questão de constitucionalidade de forma clara e perceptível implica, pois, o ónus de, ao suscitar a inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através da indicação do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo reputados inconstitucionais (...). Como se escreveu no Acórdão n.º 367/94 (DR, II Série, de 7 de Setembro de 1994): ‘Ao suscitar-se a questão de inconstitucionalidade, pode questionar-se todo um preceito legal, apenas parte dele ou tão-só uma interpretação que do mesmo se faça. (...) esse sentido (essa dimensão normativa) do preceito há-de ser enunciado de forma que, no caso de vir a ser julgado inconstitucional, o Tribunal o possa apresentar na sua decisão em termos de, tanto os destinatários desta, como, em geral, os operadores do direito ficarem a saber, sem margem para dúvidas, qual o sentido com que o preceito em causa não deve ser aplicado por, desse modo, violar a Constituição.’
' Ora, como resulta das transcrições efectuadas, foi justamente esta enunciação ou indicação da interpretação normativa constitucionalmente questionada que não aconteceu no caso concreto, de modo processualmente adequado, de forma a que o tribunal recorrido estivesse obrigado a dela conhecer.
4. Acresce a isto que, ainda que se pudesse admitir um questionamento da conformidade constitucional durante o processo, as normas indicadas no requerimento de recurso não foram aplicadas como ratio decidendi pelo tribunal recorrido. Assim, a norma da alínea e) do n.º 1 do artigo 68º do Código de Processo Penal, permitindo que 'qualquer pessoa' se constitua assistente em processo criminal
('além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito') nos crimes contra a paz e a humanidade, nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção, não chegou a ser aplicada, embora tivesse sido invocada para respaldar a pretensão do recorrente: é que o tribunal a quo concluiu pela inexistência 'de dados ou elementos objectivos, claros, concretos e precisos que, na sequência de uma real e objectiva imputação de um crime ao arguido, sejam passíveis de propiciar um juízo sobre a legitimidade do recorrente para a requerida constituição de assistente'. E deteve-se, portanto, como ratio decidendi só por si bastante, logo num patamar prévio ao da convocação de tal norma. A norma do n.º 1 do artigo 118º do Código de Processo Penal, por sua vez, prescrevendo a nulidade de actos em violação ou inobservância da lei do processo penal só nos casos em que houver expressa cominação legal, não foi aplicada ao caso. O tribunal recorrido não concluiu pela existência de qualquer nulidade, limitando-se, antes, a confirmar o despacho recorrido quer quanto ao
'indeferimento do pedido da constituição de assistente' – 'porque não se imputou qualquer ilícito de natureza penal, não se tipificando uma conduta ilícita da autoria do arguido' –, quer quanto à 'rejeição do pedido de abertura da instrução, por a mesma ser inadmissível por falta de objecto'. Não foi, pois, por razões de forma (nulidade), mas por razões de fundo (insuficiência de objecto) que se decidiu. Por último, a norma do n.º 2 do artigo 283º do Código de Processo Penal, referente aos requisitos da acusação pelo Ministério Público, também não fundamentou a aí prevista nulidade. Por um lado, nunca esteve em causa uma acusação pelo Ministério Público. Por outro lado, nem o despacho de 24 de Abril de 2001 do Tribunal da Relação do Porto, nem o acórdão de 27 de Fevereiro de
2002, do Supremo Tribunal de Justiça, concluíram pela nulidade da acusação particular em resultado da aplicação desse n.º 3 do artigo 283º ex vi do n.º 2 do artigo 285º do Código de Processo Penal (sendo que esta última norma, referente à acusação particular, não foi sequer impugnada pelo recorrente). Não pode, pois, tomar-se conhecimento do presente recurso, por falta de verificação dos respectivos requisitos.» Notificado desta decisão, o recorrente veio reclamar para a conferência ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, nos seguintes termos:
'Dado o recurso para o Tribunal Constitucional ter sido interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art. 70º da Lei n.º 28/82, com a redacção que foi dada pela Lei n.º 13-A/98, de 26/02 e, por força do disposto no nº3 do seu art.º 80º, à luz das quais os requisitos de recurso para o TC se mostram suficientemente preenchidos. Já que em parte alguma se vê ser condição da interposição de recurso para o TC que o recorrente concretize o segmento da norma ou normas cuja decisão recorrida haja violado. Ora, o tempo dessa concretização, cabe, a nosso ver, na fase de alegações e não no requerimento da interposição do recurso, já que essa exigência não consta no elenco dos pressupostos referidos na al. b) do nº1 daquele art. 70º e muito menos que a sua falta seja motivo do não conhecimento do recurso.
É que, a caucionar-se a jurisprudência veiculada pelo Exmo. Senhor Relator, não só se posterga o disposto nos artigos acima observados, mas de igual modo, atenta-se contra o estabelecido na própria al. b)do nº1 do art. 70º, afrontando ainda as disposições do nº2 do art. 9º do CC, donde não pode ‘ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso’. Para além do que o ordenamento jurídico português funda-se no império de um estado de direito e não na regra do precedente; por isso é que nos termos do art. 203º da CRP, os ‘tribunais são independentes e apenas estão sujeitos à lei’. Donde, a doutrina daqueles arestos, quando configurem jurisprudência vinculativa, assumem a via privilegiada para estabelecer a confusão na comunidade jurídica que, em vez de se determinar pela certeza do direito, vê-se na senda aleatória de um caminho tortuoso, sempre que careça de suscitar a inconformidade constitucional de qualquer norma, em virtude de se tornar impossível saber, em cada momento, qual a versão jurisprudencial seguida pelo Senhor Juiz Relator a quem o processo é distribuído e quais são, para ele, as decisões exaradas no TC consideradas qualitativamente mais importantes. Com efeito, sendo os vetustos assentos considerados inconstitucionais, face ao teor do art. 112º da CRP, atento ao seu carácter vinculativo, logo não se vê porque o mesmo TC deve sujeitar os recorrentes a uma ideia de obediência à doutrina aos seus acórdãos quando estes contendem com a lei. Mas se relativamente à jurisprudência invocada pelo Exmo. Senhor Conselheiro Relator, estamos em crer que não lhe assiste razão, também havemos de convir que o mesmo terá de dizer-se quanto à aplicação dos preceitos considerados inconstitucionais, na sua modalidade interpretativa. Sendo certo que todos eles, foram instrumentalizados em ordem a suportar a decisão impugnada. Basta ler o despacho agravado para o STJ e o próprio acórdão proferido por este
órgão judicial, através do qual se concluiu dever manter-se ‘o despacho recorrido dado ter-se verificado a sua correcção técnica, e não ocorrer errada interpretação ou violação dos arts. 68º, nº1 al.e), 118, nº1, 283º, nº3 e287º, nº2do C.P.P. e 2,20 e nº2 do art.202 da CRP, como se alega’. Isto serve para dizer que o próprio STJ se pronunciou sobre a questão da inconstitucionalidade interpretativa dos incisos acima observados, recusando-se, contudo, a declarar a sua inconformidade constitucional. Motivo pelo qual vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional.' Notificado, o representante do Ministério Público junto deste Tribunal veio pugnar pelo indeferimento da presente reclamação. Cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos Adianta-se desde já que a presente reclamação não logra abalar minimamente os fundamentos em que se sustentou a decisão sumária de não conhecimento de recurso. O reclamante começa por contestar a afirmação, em que se baseou essa decisão, de que, quando o recorrente entende que um preceito não é inconstitucional 'em si mesmo' (ou, designadamente, numa interpretação declarativa), mas tão-só num seu segmento ou num seu determinado entendimento ou dimensão interpretativa, a exigência de suscitação da questão de constitucionalidade de forma clara e perceptível implica o ónus de, ao suscitar a inconstitucionalidade, identificar devidamente tal questão, através da indicação do segmento ou da enunciação da dimensão ou sentido normativo reputados inconstitucionais. Segundo o reclamante, da Lei do Tribunal Constitucional, 'em parte alguma se vê ser condição da interposição de recurso para o TC que o recorrente concretize o segmento da norma ou normas cuja decisão recorrida haja violado', cabendo 'o tempo dessa concretização (...) na fase de alegações e não no requerimento da interposição do recurso, já que essa exigência não consta no elenco dos pressupostos referidos na al. b) do nº1 daquele art. 70º'. Tal entendimento atentaria contra
'o estabelecido na própria al. b) do nº1 do art. 70º', e, se configurasse
'jurisprudência vinculativa' colocaria o recorrente 'na senda aleatória de um caminho tortuoso, sempre que careça de suscitar a inconformidade constitucional de qualquer norma, em virtude de se tornar impossível saber, em cada momento, qual a versão jurisprudencial seguida pelo Senhor Juiz Relator a quem o processo
é distribuído.' Acontece, porém, que tal 'senda' ou 'caminho' é tão-só o indicado, com meridiana clareza, pela leitura do artigo 72º, n.º 2, da Lei do Tribunal Constitucional, nos termos do qual 'os recursos previstos nas alíneas b) (...) do n.º 1 do artigo 70.º só podem ser interpostos pela parte que haja suscitado a questão da inconstitucionalidade (...) de modo processualmente adequado perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer'. E acontece, ainda, que tal entendimento, longe de constituir qualquer especial ou particular 'versão jurisprudencial' dos requisitos para se poder tomar conhecimento do recurso de constitucionalidade previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, tem vindo a ser repetidamente afirmado por este Tribunal, em inúmeras decisões, de tal forma que constitui hoje mesmo bem conhecida jurisprudência constante – vejam-se, por exemplo, os arestos citados a estes respeito na decisão reclamada (acórdãos n.ºs 269/94,
367/94, 178/95 e 116/02, publicados no Diário da República, II Série, de 18 de Junho e 7 de Setembro de 1994, de 21 de Junho de 1995, e de 8 de Maio de 2002). Não podia, aliás, deixar de ser assim, pois o entendimento em questão é o único conforme com a razão de ser da exigência legal e constitucional de suscitação da inconstitucionalidade perante o tribunal recorrido: a obtenção de uma pronúncia do tribunal recorrido sobre tal questão, para que a intervenção do Tribunal Constitucional, em via de recurso de constitucionalidade, se configure como um reexame ou reapreciação da decisão sobre ela, e não como a primeira decisão sobre tal questão de constitucionalidade. É que, se se entende que uma norma é inconstitucional tão-só num seu segmento ou num seu determinado entendimento ou dimensão interpretativa, é logo a identificação da questão de constitucionalidade normativa de modo processualmente adequado, perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, para este estar obrigado a dela conhecer, que impõe que se indique, ao suscitar a inconstitucionalidade, qual é esse segmento ou dimensão ou sentido interpretativo. A decisão reclamada limitou-se, pois, neste aspecto, a seguir a jurisprudência deste Tribunal, no sentido do entendimento imposto pela razão de ser da exigência legal de suscitação da questão de constitucionalidade. Deve, assim, ser confirmada neste aspecto, que já por si seria bastante para não poder tomar conhecimento do recurso. O reclamante contesta também a afirmação de que 'as normas indicadas no requerimento de recurso não foram aplicadas como ratio decidendi pelo tribunal recorrido.' Mas sem qualquer razão, como se passa a mostrar. Saliente-se, em primeiro lugar, que, evidentemente, a afirmação final do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça recorrido, de 'não ocorrer errada interpretação ou violação dos arts. 68º, nº1 al.e), 118, nº1, 283º, n.º 3 e287º, n.º 2do C.P.P. e 2,20 e nº2 do art.202 da CRP, como se alega', não impõe a conclusão de que todas e cada uma dessas normas tenham sido aí aplicadas como ratio decidendi, para concluir pela negação de provimento ao recurso. Antes essa menção não exclui que exista, no acórdão recorrido, outra ratio decidendi só por si bastante, que não tenha passado pela aplicação das normas indicadas no requerimento de recurso ('al. e) do n.º 1 do art. 68º, n.º 1 do art. 118º e n.º
3 do artigo 283º, todos do Código de Processo Penal'). É justamente este o caso, como se mostrou na decisão reclamada. Quanto à alínea e) do n.º 1 do art. 68º – que permite que 'qualquer pessoa' se constitua assistente em processo criminal, entre outros, nos crimes de favorecimento pessoal praticado por funcionário e denegação de justiça –, embora tenha sido invocada para sustentar a pretensão do recorrente, não foi aplicada, lendo-se a esse respeito na decisão recorrida (fls. 279 e seg. dos autos) que
'efectivamente o recorrente, muito embora dando nota do que se teria passado no referido inquérito, de modo algum imputa ao arguido um qualquer facto ilícito concreto, não lhe atribuindo, objectiva e realmente, uma qualquer conduta típica ilícita e enquadrável num ou outro crime em concreto, e de modo a que, projectando objectivamente o arguido como autor de um determinado e preciso delito, se possa ajuizar da legitimidade do recorrente para se poder constituir como assistente'. Como se pode ler na decisão reclamada, o tribunal a quo deteve-se, portanto, como ratio decidendi só por si bastante, logo num patamar prévio ao da convocação da norma impugnada, sobre legitimidade para constituição como assistente, por não resultar da participação e do requerimento do recorrente a existência 'de dados ou elementos objectivos, claros, concretos e precisos que, na sequência de uma real e objectiva imputação de um crime ao arguido, sejam passíveis de propiciar um juízo sobre a legitimidade do recorrente para a requerida constituição de assistente'. Quanto ao do n.º 1 do artigo 118º do Código de Processo Penal, por sua vez, basta considerar que tal norma prescrevendo a nulidade de actos em violação ou inobservância da lei do processo penal só nos casos em que houver expressa cominação legal, e que o tribunal recorrido não concluiu pela existência de qualquer nulidade. Antes, como se disse na decisão reclamada, se limitou a
'confirmar o despacho recorrido quer quanto ao ‘indeferimento do pedido da constituição de assistente’ – ‘porque não se imputou qualquer ilícito de natureza penal, não se tipificando uma conduta ilícita da autoria do arguido’ –, quer quanto à ‘rejeição do pedido de abertura da instrução, por a mesma ser inadmissível por falta de objecto’. Não estiveram, pois, em causa quaisquer razões de nulidade, mas antes razões de fundo, relativas à insuficiência de objecto. Quanto, por último, ao n.º 2 do artigo 283º do Código de Processo Penal, refere-se aos requisitos da acusação pelo Ministério Público. Mas não esteve em causa na decisão recorrida uma acusação pelo Ministério Público, e sim a constituição como assistente. E, por outro lado, a decisão recorrida não concluiu sequer pela nulidade da acusação particular em resultado da aplicação desse n.º 3 do artigo 283º ex vi do n.º 2 do artigo 285º do Código de Processo Penal – não tendo esta última norma, referente à acusação particular, sido sequer impugnada pelo recorrente. Antes se limitou a, apreciando as peças do recorrente, concluir que este não 'imputou qualquer ilícito de natureza penal, não se tipificando uma conduta ilícita da autoria do arguido'. A correspondente decisão sumária deve, por conseguinte, ser confirmada também quanto ao segundo fundamento em que assentou. III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso. Custas pelo reclamante, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 15 de Janeiro de 2003 Paulo Mota Pinto Mário Torres José Manuel Cardoso da Costa