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Processo n.º 673/02
2.ª Secção Relator: Cons. Mário Torres
Acordam na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,
l. Relatório
A., B., C. e D., L.da, interpuseram, ao abrigo do artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n.° 28/82, de 15 de Novembro, e alterada, por último, pela Lei n.° 13-A/98, de 26 de Fevereiro (doravante designada por LTC), recurso para este Tribunal Constitucional do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 5 de Junho de 2002, que negou provimento ao recurso por eles interposto do despacho do juiz do 2.º Juízo Criminal de Coimbra, de 17 de Outubro de 2000, que indeferira requerimento no qual os ora recorrentes peticionaram que se declarasse extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra eles instaurado por prática de crime de frustração de créditos fiscais, previsto e punido pelo artigo 25.º, n.º 1, do Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
20-A/90, de 15 de Janeiro (doravante designado por RJIFNA).
Os recorrentes apresentaram alegações, no termo das quais formularam as seguintes conclusões:
“a) Os arguidos vêm acusados de haver praticado um crime de frustração de créditos fiscais previsto e punido pelo artigo 25.°, n.° 1, do RJIFNA
(Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro).
b) A tal crime, a existir, em concreto é aplicável, tão-só, a pena de multa.
c) A alínea d) do artigo 118.°, n.° 1, do Código Penal prevê para a prescrição dos mesmos a que seja aplicável pena de prisão cujo limite máximo seja inferior a 1 ano e aos restantes, o decurso do prazo de dois anos, a que acresce, no máximo, metade, no total de 4 anos (sic).
d) Por seu turno, o artigo 15.° do RJIFNA prevê para a prescrição dos crimes fiscais o decurso do prazo de 5 anos – ou seja, o prazo que o Código Penal prescreve para os crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo seja igual ou superior a 1 ano, mas inferior a 5 anos.
e) Donde, salvo erro e o devido respeito, o artigo 15.° do RJIFNA não se pode aplicar aos crimes fiscais cuja pena seja inferior a 1 ano no seu limite máximo, e nunca por nunca ser aos apenas puníveis com pena de multa.
f) E isto, desde logo, porque o Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro (RJIFNA) só foi publicado no Diário da República, II Série, n.° 12, logo para além dos 90 dias concedidos ao Governo pela autorização legislativa.
g) Donde, é ineficaz, juridicamente.
h) Com efeito, os decretos-leis só são obrigatórios depois de publicados no jornal oficial (artigos 5.° do Código Civil e 119.°, n.° 1, alínea a), do CPP (sic)).
i) E a falta de publicação dos actos previstos na alínea c) do n.° 1 do artigo 119.° do CPP (sic) implica a sua ineficácia jurídica (Acórdão do Tribunal Constitucional, no Diário da República, de 8 de Novembro de 1994).
j) Sendo juridicamente ineficaz, o RJIFNA é inconstitucional formalmente, inconstitucionalidade que se argui para todos os devidos e legais efeitos (ex vi artigo 119.°, n.° 2, da CRP e do n.° 3 do artigo 3.° do citado diploma).
k) Mesmo que assim se não entenda – por cautela –, o n.° 1 do artigo 15.° não é de aplicar aos crimes a que seja aplicável apenas a pena da multa.
l) Na verdade, na matéria de procedimento criminal aplica-se ao arguido o regime (regime, que não a lei) mais favorável ao arguido.
m) E, se bem que todos os cidadãos estão no mesmo pé de igualdade perante o artigo 15.° do RJIFNA, o certo é que o regime do artigo 118.°, n.° 1, alínea d), do Código Penal é o mais favorável – para quem cometeu crime cuja prescrição é de dois anos.
n) Na verdade, o n.° 4 do artigo 29.° e o artigo 204.° do CPP (sic) impõem aos Tribunais a aplicação da Constituição e dos princípios nela consagrados.
o) E, não se compreenderia que sendo a aplicação, in casu, da alínea d) do n.° 1 do artigo 118.° do Código Penal mais favorável aos arguidos do que o n.° 1 do artigo 15.° do RJIFNA, se aplicasse ao caso vertente este que não aquele.
p) Pelo que o artigo 15.°, n.° 1, do RJIFNA tenha de ser considerado inconstitucional se aplicado aos crimes fiscais puníveis com pena de prisão com o limite máximo inferior a um ano, por violação do principio do regime mais favorável ao arguido e por colocar o cidadão enquanto passível de crime especial (fiscal) em posição de desigualdade face ao mesmo ou a outro cidadão passível de um crime comum.
q) Donde, o despacho recorrido violou, salvo o douto respeito e melhor e douta opinião, os ínsitos contidos nos artigos 119.°, n.° 1, alínea c), n.° 2, § 3.°, 29.°, n.° 4, 204.º do CPP (sic), entre outros.
Pelo que deve ser considerado legalmente inconstitucional (ineficaz) o RJIFNA ou materialmente inconstitucional o seu artigo 15.°, n.° 1, na medida em que se entenda aplicável aos crimes fiscais passíveis de punição inferior a um ano de limite máximo, aplicando-se-lhe neste caso o disposto no artigo 117.°, n.° a (sic), alínea d); 118.° b° 1 (sic); 119.° e 120.° do Código Penal de 1982
(diploma vigente à data da prática dos factos).”
O representante do Ministério Público neste Tribunal Constitucional contra-alegou, concluindo:
“1 – O momento para verificar se uma autorização legislativa foi usada em tempo
é o da aprovação em Conselho de Ministros, pelo que relativamente ao Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, não ocorre a caducidade da autorização concedida, uma vez que tal facto ocorreu dentro do prazo de 90 dias, que a Assembleia da República através da Lei n.° 89/89, de 11 de Setembro, tinha estipulado para o efeito.
2 – Não está vedada ao legislador estabelecer, para determinadas categorias de infracções, um regime especial, designadamente em sede de prescrição do procedimento criminal, decretando um prazo mais longo de extinção do mesmo, em cortejo com o da lei geral, como ocorre com a norma do artigo 15.°, n.° l, do RJIFNA, já que tal não configura medida arbitrária ou excessiva.
3 – Termos em que, na inexistência de violação de normas ou princípios constitucionais, deverá improceder o presente recurso.”
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
2. Fundamentação
Resulta das alegações dos recorrentes que são duas as questões de constitucionalidade por eles suscitadas no presente recurso: (i) a questão da ineficácia do Decreto-Lei n.º 20-A/90 por ter sido publicado para além do prazo de 90 dias concedido pela respectiva lei de autorização legislativa; e (ii) a questão da inconstitucionalidade da norma constante do artigo 15.°, n.º 1, desse diploma (“O procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos”), por violação do princípio da igualdade.
Não cabe obviamente no âmbito do recurso de constitucionalidade a apreciação da correcção do entendimento das instâncias quando decidiram, ao nível da interpretação e aplicação do direito ordinário, que ao caso era aplicável o referido artigo 15.º, n.º 1, do RJIFNA, e não o artigo 118.º do Código Penal, por não estar em causa o problema de determinação de qual o mais favorável de dois regimes penais que se tivessem sucedido no tempo, mas antes o problema de prevalência de um regime especial sobre o regime geral.
2.1. Quanto à questão do cumprimento do prazo da autorização legislativa, constata-se que o Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, constitui um diploma legislativo emitido pelo Governo no uso da correspondente autorização legislativa concedida pela Lei n.° 89/89, de 11 de Setembro, tendo sido aprovado em Conselho de Ministros, em 28 de Setembro de
1989, dentro do prazo de 90 dias concedido pela lei de autorização referida, devendo ter-se por irrelevantes os factos de a promulgação (datada de 12 de Janeiro de 1990) e a publicação em Diário da República terem ocorrido em datas posteriores ao termo daquele prazo de 90 dias.
Na verdade, conforme tem sido jurisprudência pacífica do Tribunal Constitucional, o que importa, efectivamente, é a data da aprovação do decreto-lei autorizado em Conselho de Ministros, como ainda recentemente foi reiterado no Acórdão n.° 249/02, desta 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 167, de 22 de Julho de 2002, pág. 12 811.
Pronunciando-se sobre esta questão justamente a propósito do Decreto-Lei n.º 20-A/90, expendeu-se no Acórdão n.º 507/96:
“4. Como se deixou já dito, constitui objecto do recurso de constitucionalidade apenas a questão da inconstitucionalidade orgânica do Decreto-Lei n.º 20-A/90, de 15 de Janeiro, por alegada violação do disposto nos artigos 168.º, n.º 1, alínea b), e n.º 2, da Constituição.
(...)
5. A Lei n.º 89/89, de 11 de Setembro, concedeu ao Governo
«autorização legislativa para aprovar o regime jurídico das infracções fiscais, aplicável a todos os impostos, contribuições parafiscais e demais prestações tributárias, independentemente de quem for o credor tributário, bem como aos benefícios fiscais» (artigo 1.º). De harmonia com o artigo 6.º desta lei, a autorização legislativa conferida caducava se não fosse utilizada dentro do prazo de 90 dias, excepto na parte que respeitava ao artigo 5.º, a qual caducava no prazo de 180 dias.
Tratando-se, no caso sub judicio, da incriminação constante do artigo 23.º do Regime Jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 20-A/90, o prazo de caducidade da autorização era de 90 dias (cf. artigo 2.º, n.º 2, e 5.º da Lei n.º 89/89).
Ora, verifica-se que da parte final do Decreto-Lei n.º 20-A/90 consta que o mesmo foi aprovado em Conselho de Ministros em 28 de Setembro de
1989, tendo sido promulgado em 12 de Janeiro de 1990 e referendado em 15 do mesmo mês e ano.
A autorização legislativa constante da Lei n.º 89/89 tornou-se eficaz a partir do próprio dia da publicação ou, para quem entenda que se aplica
às leis de autorização legislativa o prazo de vacatio legis de cinco dias, a partir de 16 de Setembro. O prazo de noventa dias terminou, pois, em 9 de Dezembro de 1989 ou em 14 do mesmo mês e ano.
6. Importa, por isso, averiguar qual o momento relevante do iter legislativo do diploma autorizado, para se saber se o mesmo ocorreu antes ou depois de findo o prazo de caducidade constante do artigo 6.º da Lei n.º 89/89.
O Tribunal Constitucional tem entendido, em jurisprudência constante, que o momento relevante é o da aprovação do diploma autorizado em Conselho de Ministros, sendo irrelevante a circunstância de a promulgação, referenda e subsequente publicação do diploma ocorrerem após a caducidade da autorização legislativa (por todos, vejam-se os acórdãos n.ºs 150/92 e 265/93, provenientes da 2.ª e da 1.ª Secções do Tribunal Constitucional, publicados no Diário da República, II Série, n.º 172, de 28 de Julho de 1992, e n.º 186, de
10 de Agosto de 1983, respectivamente).
Essa jurisprudência pacífica é agora mais uma vez reiterada, remetendo-se para a fundamentação dos indicados acórdãos (no caso nem sequer se suscita questão idêntica à apreciada pelo acórdão n.º 574/95, ainda inédito, dada a relativa proximidade entre a data do termo da autorização legislativa e a data da promulgação).”
A questão foi tratada com particular desenvolvimento no Acórdão n.º 265/93 (Diário da República, II Série, n.º 186, de 10 de Agosto de
1993, pág. 8436; Boletim do Ministério da Justiça, n.º 425, pág. 240; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 24.º vol., pág. 685), onde se consignou:
“3 – Na sua redacção originária, o artigo 122.º da CRP estabelecia, como consequência da falta de publicidade dos actos enunciados no seu n.º 1 – como sejam os decretos-leis – a inexistência dos mesmos (cf. o n.° 4 do preceito). Hoje, ou seja, após a 1.ª Revisão Constitucional, a falta de publicidade passou a implicar a ineficácia jurídica do acto (actual n.° 2 do artigo 122.°).
O silêncio do diploma fundamental sobre o momento de perfeição do acto legislativo originou multiplicidade de opiniões que a alteração introduzida pela Lei Constitucional n.° 1/82, de 30 de Setembro, afectou profundamente.
Assim, o parecer da Comissão dos Assuntos Constitucionais – publicado no Suplemento ao Diário da Assembleia da República, n.° 59, de 27 de Dezembro de 1976, págs. 1904-(7) e seguintes, e nos Pareceres da Comissão dos Assuntos Constitucionais, 1.° vol., I Legislatura, págs. 163 e seguintes – considerara a publicidade como «o momento decisivo final para a existência de qualquer acto legislativo», convocando o n.° 4 daquele artigo 122.° para afirmar linearmente que «o decreto-lei só existe quando é publicado».
A Comissão Constitucional aderiu, numa primeira fase, a interpretação idêntica mas viria a afastar-se dela, ainda na vigência da primitiva redacção, por a considerar fruto de uma leitura em demasia apegada à letra, ao integrar a publicação no momento final e culminante do processo legislativo, como seu elemento constitutivo.
O voto de vencido lavrado no Acórdão n.° 165, de 8 de Abril de 1980
(publicado, rectificadamente, no Apêndice ao Diário da República, de 16 de Abril de 1981, págs. 1 e seguintes), viria a ditar alteração radical da Comissão a este respeito, plasmada numa linha de uniformidade constante a partir do Acórdão n.° 212, de 27 de Maio seguinte (publicado no mesmo Apêndice, págs. 21 e seguintes).
Com a actual redacção do n.° 2 do artigo 122.°, segundo o qual a falta de publicidade implica ineficácia jurídica e não inexistência, o Tribunal Constitucional tem afirmado que a alteração levada a efeito teve, para além do mais, «o mérito de significar que a publicação é mero elemento de integração de eficácia, e não elemento constitutivo de acto ou diploma legislativo final, que, como declaração de vontade fica completa ou perfeita no momento em que tal vontade é manifestada pelo órgão legislativo competente» – cf. os Acórdãos n.ºs
37/84, 59/84, 60/84 e 80/84, publicados no Diário da República, II Série, de 6 de Julho, 14 e 15 de Novembro de 1984 e 29 de Janeiro de 1985, respectivamente, numa orientação jurisprudencial ainda recentemente reafirmada, como ilustram os Acórdãos n.ºs 400/89 e 150/92, publicados naquele jornal oficial, II Série, de
14 de Setembro de 1989 e 28 de Julho de 1992, respectivamente, e n.° 121/93, de
14 de Janeiro último, ainda inédito.
Mas, e como se observou no último dos arestos publicados, excluída, para o efeito tido em vista, a publicação do diploma, há a considerar, para além da aprovação em Conselho de Ministros, outros elementos tais como a referenda do Governo e a promulgação pelo Presidente da República, pois tanto a falta de uma como de outra implicam a inexistência jurídica do diploma enquanto tal
(CRP, artigos 140.° e 143.°, com referência à alínea b) do artigo 137.°).
Na verdade, a promulgação declara que o diploma foi elaborado por um determinado órgão legislativo para formalmente valer como tal pelo que encerrará sempre o valor de um atestado de autenticidade do acto como se exprimiu Marcello Caetano (Manual de Ciência Política e Direito Constitucional, II, 6.ª edição, Coimbra, 1972, pág. 563).
Do mesmo passo, se bem que se reconheça a dificuldade em definir a natureza jurídica da promulgação – poderá ver-se nela uma manifestação típica de controlo pelo Presidente da República sobre a regularidade de acto normativo e a legitimidade constitucional deste – crê-se que nem a função declarativa do acto de promulgar nem a eventual implicação de controlo constitucional desse mesmo acto permitem concluir inserir-se este na fase constitutiva da afirmação da vontade do órgão que legisla, permitindo, sim, que o diploma legal possa ser executado, mediante a publicação que se seguirá (A promulgação «fait passer la loi dans sa phase d’execution», observa Edouard Sauvignon, in «La promulgation des lois: reflexions sur la jurisprudence Desreumeaux», na Revue du Droit Public et de la Science Politique en France et à 1'Étranger, n.º 4 de 1981, pág. 1001).
Por seu turno, a referenda, mais do que corresponsabilizar o Governo em relação a actos presidenciais que, directa ou indirectamente, impliquem colaboração política – enquanto expressão de poderes partilhados – exerce, igualmente, um controlo certificatório semelhante ao da promulgação e, por reflexo, de harmonização e colaboração entre os órgãos de Estado intervenientes.
Por via da referenda (do acto do Presidente da República que é a promulgação), o Governo apenas se responsabiliza nos precisos termos em que o pode ser o Chefe do Estado por haver promulgado, como, aliás, a Comissão Constitucional teve oportunidade de sublinhar no seu Parecer n.º 5/80 (in Pareceres da Comissão Constitucional, 11.° vol., págs. 140 e seguintes).
Assim, não merece a referenda, face ao processo de formação legislativa, entendimento diverso do adoptado para a promulgação, quanto ao problema subjacente.
4 – De acordo com as considerações desenvolvidas e a orientação da jurisprudência deste Tribunal, aponta-se para a não exigência de publicação dentro dos limites temporais fixados na lei de autorização, e, designadamente, para a irrelevância da promulgação ou da referenda neste específico domínio, não se vislumbrando outro qualquer momento – ou elemento do processo de formação legislativa – com virtualidade para um diferente entendimento.
Consignar-se-á, não obstante, uma certa hesitação doutrinal.
Gomes Canotilho e Vital Moreira, ao tempo da redacção originária do artigo 122.°, defenderam que os «decretos-leis autorizados devem ser publicados durante o período de autorização, pois só a publicação lhes dá existência e não
é possível controlar o momento da aprovação», se bem que reconhecessem poder a solução dar lugar a «consequências pouco razoáveis, uma vez que a data da publicação não depende do Governo», dado ser ao Presidente da República que compete promulgar e mandar publicar esses diplomas (cf. Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra, 1978, pág. 336).
Já na 2.ª edição desta obra, face à citada alteração do preceito constitucional, se bem que mantenham a problematicidade da questão, cuja solução não têm por evidente, afirmam estes autores ser verdade que, por um lado, a aprovação pelo Governo não basta para que se dê por existente juridicamente um diploma legislativo e não é publicamente controlável, mas, por outro lado, a publicação deixou de ser condição de existência e, além disso, não depende do Governo (obra citada, 1.º vol., 2.ª edição, Coimbra, 1985, pág. 205).
Nas diversas edições do seu Direito Constitucional, Gomes Canotilho denuncia a similitude na evolução do seu entendimento face às diferentes redacções do artigo 122.°
Assim, nas 1.ª e 2.ª edições da obra (respectivamente a págs. 305 e
356), começa por considerar prevalecente a tese da não exigência da publicação dentro dos limites temporais fixados pela lei de delegação, argumentando-se nesse sentido com o facto de a publicação ser um acto sucessivo estranho ao exercício da autorização legislativa. Contrapõe, no entanto, que, a favor da exigência da publicação dentro dos limites temporais fixados na lei de autorização pode dizer-se que a falta de publicidade dos actos implica a sua inexistência jurídica, e, por isso, uma lei não publicada é uma lei inexistente. Porém, não deixa de reconhecer, a favor da suficiência da simples aprovação dos decretos-leis pelo Governo, o facto de, tal como a lei se considera aprovada depois da sua aprovação pelo órgão parlamentar, também o decreto-lei do Governo, no exercício de autorizações legislativas, se consideraria perfeito com a simples aprovação pelo Governo.
Na 3.ª edição da citada obra, Gomes Canotilho já chama a atenção para o n.° 2 do artigo 122.° da Constituição revista, que determina como sanção da falta de publicidade a ineficácia e não a inexistência, como acontecia na redacção inicial deste artigo (pág. 636). Este aspecto é igualmente salientado na 4.ª edição, de 1989 (pág. 635), mas aí também se insiste em que a simples aprovação não é condição suficiente de existência de um acto legislativo e que a favor da exigência da publicação no Diário da República se pode invocar que sem ela não é susceptível de controlo público a data do diploma (pág. 636), tese que mantém na 5.ª edição, de 1991 (pág. 865).
Jorge Miranda mostra preferência pelo momento da aprovação, «olhando
à ratio da regra constitucional e tendo em conta a interferência de outros
órgãos no processo dos decretos-leis (o Presidente da República e, sendo caso disso, o Tribunal Constitucional)», entende que «a subsistência da competência do Governo apura-se no momento da aprovação (ou da 2.ª aprovação) em Conselho de Ministros ou, porventura, para maior objectividade, no momento da recepção pelo Presidente da República para efeito de promulgação» (Funções, Órgãos e Actos do Estado, Apontamentos de Lições, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, policopiado, 1986, pág. 281, nota 1; 1990, págs. 476/477, nota 4; e
«Autorizações Legislativas», na Revista de Direito Público, ano I, n.° 2, Maio de 1986, pág. 18, nota 46).
Também Isaltino Morais, José Mário Ferreira de Almeida e Ricardo L. Leite Pinto (Constituição da República Portuguesa Anotada e Comentada, 1983, pág. 331) sustentam que a solução mais curial é a de se contar o prazo pela aprovação em Conselho de Ministros, embora reconheçam que assim se suscitam algumas dificuldades, como a de se conhecer a data da aprovação.
Noutra obra – Constituição da República Portuguesa (Texto e Comentários à Lei n.º 1/82), Lisboa, 1982 –, António Nadais, António Vitorino e Vitalino Canas ponderam que a favor da tese do momento da promulgação ou da referenda se pode dizer que sem esses actos não há decreto-lei (artigos 140.º e
143.°, n.° 2), e, portanto, não há utilização de autorização, o mesmo não se podendo dizer do momento da publicação, uma vez que, após a revisão de 1982, a falta desta implica apenas a ineficácia jurídica do decreto-lei e não a sua inexistência jurídica, como acontecia anteriormente; e que a favor da tese do momento da aprovação se pode dizer que o exercício da competência legislativa do Governo consiste na aprovação, por este, de decretos-leis, e não na sua promulgação ou referenda, além de que, a não ser adoptada esta tese, o Presidente da República, como órgão de promulgação, poderia obstar ao cumprimento do prazo estabelecido na lei da autorização, o que não parece correcto.
Refira-se por fim António Vitorino, na sua tese As Autorizações Legislativas na Constituição Portuguesa, Lisboa, edição policopiada, que perfilha a opinião que se contenta com a aprovação em Conselho de Ministros
(págs. 257 a 259).
O autor argumenta contra a tese da publicação por ver nesta mero requisito de eficácia e não condição de existência do acto normativo e também não aceita a da promulgação, uma vez que a adopção do acto delegado teria de ocorrer com grande antecedência de modo a permitir a tramitação habitual prévia
à promulgação.
Opta pela tese de aprovação pelo Governo, quer pelo paralelo que se pode estabelecer com a aprovação parlamentar (a lei considera-se definitivamente aprovada quando o Parlamento vota o seu texto final em termos globais), quer porque, sendo a autorização legislativa um instituto que assenta no relacionamento directo e especialmente vinculante entre o Parlamento e o Governo, um dado e concreto Governo, este cumpre o ónus que para ele decorre da lei da autorização com a aprovação do acto delegado, desonerando-se assim da incumbência que se lhe encontra cometida pela lei de delegação, cessando aí, nessa aprovação, a sua responsabilidade quanto à efectiva utilização da autorização conferida.
Estes argumentos a favor da tese da aprovação sobrelevam, na perspectiva de António Vitorino, o reconhecido inconveniente de não existir efectivo controlo da data de aprovação em Conselho de Ministros, pois este
óbice é «ultrapassável através da compulsão dos comunicados do Governo tanto mais eficazmente quanto eles relatarem de facto os actos objecto de aprovação para informação dos cidadãos em geral».
Este posicionamento insere-se numa linha que se harmoniza com a jurisprudência deste Tribunal – como houve oportunidade de se verificar – e ora se reitera.
Por um lado – e seguindo de perto o Acórdão n.° 150/92 – não constituindo a promulgação um acto de competência do Governo, não é de exigir que ela ocorra dentro do prazo concedido ao Governo para legislar em determinada matéria.
Por outro lado, e quanto à possibilidade de o Governo antedatar os diplomas – problema equacionado por Gomes Canotilho na 5.ª edição do Direito Constitucional, tendo presente o já citado Acórdão n.° 400/89 –, sempre se poderia estabelecer a presunção de que a sua aprovação ocorreu na data que deles consta, com admissão de prova em contrário (observe-se que as actas do Conselho de Ministros, documentos oficiais, deverão gozar de presunção de fidedignidade).
Finalmente, deve entender-se que o decreto-lei aprovado dentro do prazo de autorização legislativa «existe» para o efeito se considerar respeitado este prazo, como «existe» qualquer decreto do Governo enviado ao Presidente da República para promulgação e que este resolva enviar ao Tribunal Constitucional para efeito de apreciação preventiva da constitucionalidade de qualquer das suas normas.”
Reiterando esta orientação, verifica-se, assim, que, no caso, não ocorreu caducidade da autorização legislativa, pelo que nenhuma inconstitucionalidade, nesta sede, pode ser assacada ao diploma legal em apreço.
2.2. Quanto à questão da inconstitucionalidade da norma do n.º 1 do artigo 15.° do RJIFNA, por pretensa violação do princípio da igualdade, ao estabelecer um prazo de prescrição do procedimento criminal mais longo do que o consagrado no regime geral do Código Penal, importa começar por registar que, como se sublinha na contra-alegação do Ministério Público, “ao legislador não está vedado criar regimes especiais”, desde que para tanto existam motivos constitucionalmente atendíveis e não se caia em soluções arbitrárias. Ora, independentemente da questão de saber quais os exactos termos em que o princípio da igualdade pode ser parâmetro de controlo de normas que estabelecem prazos de prescrição do procedimento criminal, face à especialidade do regime consagrado para os crimes fiscais, não se afigura arbitrário ou excessivo o estatuído no n.º 1 do artigo 15.° do RJIFNA em matéria de prescrição do procedimento criminal, ainda que (à data da prática dos factos) aos crimes fiscais fosse apenas aplicada pena de multa, pois “à maior ou menor gravidade da sanção estabelecida para os crimes fiscais não tem que corresponder na lei fiscal penal, em matéria de prescrição de procedimento criminal, um prazo idêntico ou mais curto ao consagrado na lei geral”.
A conformidade constitucional do estabelecimento de prazos de prescrição do procedimento mais dilatados no caso de infracções tributárias, em comparação ao regime geral, já foi, por diversas vezes, afirmada por este Tribunal Constitucional, embora a propósito do prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional fiscal, estabelecido no artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril, mas com base em considerações perfeitamente transponíveis para o caso ora em apreciação.
Lê-se no Acórdão n.º 302/97 (Diário da República, II Série, n.º 138, de 18 de Junho de 1997, pág. 6983; Boletim do Ministério da Justiça, n.º 466, pág. 110; e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 36.º vol., pág. 793):
“5. Dispõe a norma do n.º 1 do artigo 35.º do Código de Processo Tributário, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 154/91, de 23 de Abril: «O procedimento por contra-ordenações fiscais prescreve no prazo de cinco anos a contar do momento da prática da infracção».
(...)
7. Violará a referida norma o princípio constitucional da igualdade
(...)? O Tribunal entende que não, pelas razões que, sucintamente, se indicam.
7.1. É sabido que o princípio constitucional da igualdade, entendido como limite objectivo da discricionariedade legislativa, não veda à lei a realização de distinções. Proíbe-lhe, antes, a adopção de medidas que estabeleçam distinções discriminatórias – desde logo, diferenciações de tratamento fundadas em categorias meramente subjectivas, como são as indicadas, exemplificativamente, no n.º 2 do artigo 13.º da Lei Fundamental
(diferenciações baseadas na ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social) –, ou seja, desigualdades de tratamento materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável (vernünftiger Grund) ou sem qualquer justificação objectiva e racional. Numa expressão sintética, o princípio da igualdade, enquanto princípio vinculativo da lei, traduz-se na ideia geral de proibição do arbítrio (Willkürverbot). Cf., por todos, os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 186/90, 187/90 e 188/90, publicados no Diário da República, II Série, de 12 de Setembro de 1990.
7.2. Ora, a esta luz, não vê o Tribunal como possa considerar-se que a norma do artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário, ao estabelecer um prazo prescricional para as contra-ordenações fiscais mais longo do que o estatuído para as contra-ordenações em geral, encerra uma desigualdade de tratamento arbitrária, sem fundamento razoável ou material bastante dos arguidos em processos de contra-ordenação fiscal em comparação com os arguidos em outros processos de contra-ordenação. É que, por um lado, toda a nossa tradição jurídica vai no sentido de se fixar um prazo de prescrição das transgressões que actualmente são contra-ordenações fiscais superior ao que era estabelecido para as transgressões em geral. Por outro lado, como sublinha o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto nas suas alegações, «a relevância das funções cometidas pela Lei Fundamental ao “sistema fiscal” (artigos 106.º e 107.º da Constituição da República Portuguesa) constituirá suporte material bastante para legitimar o estabelecimento de um regime especial de prescrição do procedimento contra-ordenacional fiscal menos favorável aos infractores, dificultando e desincentivando a fuga ao cumprimento dos deveres fiscais – essenciais à satisfação das necessidades financeiras do Estado e demais entidades públicas e à realização de relevantes objectivos de justiça social». Por último, como salientam A. Barros Lima Guerreiro e M. Silvério Elias Mateus (cf. Código de Processo Tributário Comentado, Lisboa, Edifisco, 1991, pág. 68), a norma impugnada no presente recurso visou harmonizar o prazo de prescrição do processo de contra-ordenação fiscal com o prazo de caducidade do direito de liquidação dos impostos, pelo que «um prazo mais curto de prescrição do procedimento por contra-ordenações fiscais dificultaria a liquidação das obrigações tributárias no prazo legal, retirando qualquer incentivo à regularização tributária do contribuinte no período que faltasse para a caducidade da liquidação, (e) criaria situações de desigualdade entre os infractores».
Eis, pois, em termos muito breves, as razões pelas quais a norma constante do artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário não é arbitrária, irrazoável ou materialmente infundada, pelo que não infringe o princípio da igualdade, plasmado no artigo 13.º, n.º 1, da Constituição.”
Este juízo de não inconstitucionalidade da norma do artigo 35.º, n.º 1, do Código de Processo Tributário foi reproduzido nos Acórdãos n.ºs 303/97, 213/98 (Diário da República, II Série, n.º 169, de 24 de Julho de 1998, pág. 10 352, e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 39.º vol., pág. 317), 251/98 e 355/98, que reproduziram a ou remeteram para a fundamentação do Acórdão n.º 302/97, tendo no Acórdão n.º 213/98 sido ainda salientado que:
“Bastará, de resto, atentar no caso sub judicio para se alcançar que a detecção da infracção contra-ordenacional imputada ao recorrido ocorreu durante uma acção de fiscalização realizada à contabilidade de um outro contribuinte, fornecedor do arguido. Ora, é manifesto que o carácter «não público» ou não patente da prática das contra-ordenações fiscais cria dificuldades acrescidas aos serviços de fiscalização tributária, o que constitui causa de uma distinção de regime que é materialmente fundada e não arbitrária.”
Estas considerações são, no essencial, transponíveis para o caso da prescrição do procedimento criminal fiscal, pelo que, atendendo também ao princípio da necessidade das penas, não se mostra violado o princípio constitucional da igualdade pelo estabelecimento, no artigo 15.º, n.º 1, do RJIFNA, de um regime especial nessa matéria. Regime especial esse que, aliás, foi mantido no artigo 21.º, n.º 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias, aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho (“O procedimento criminal por crime tributário extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a sua prática sejam decorridos cinco anos”), tendo o artigo 2.º, alínea b), desta Lei revogado o RJIFNA, com excepção do seu artigo 58.º.
3. Decisão
Em face do exposto, acordam em:
a) Não julgar organicamente inconstitucional o Regime Jurídico das Infracções Fiscais Não Aduaneiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º
20-A/90, de 15 de Janeiro, nem materialmente inconstitucional a norma constante do n.º 1 do seu artigo 15.º, que estabelece em 5 anos o prazo de prescrição do procedimento por crimes fiscais; e, consequentemente,
b) Negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, na parte impugnada.
Custas pelos recorrentes, fixando-se, para cada um deles, a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta.
Lisboa, 29 de Abril de 2003.
Mário José de Araújo Torres (Relator)
Benjamim Silva Rodrigues
Paulo Mota Pinto
Maria Fernanda Palma
Rui Manuel Moura Ramos