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Processo n.º 755/02
2ª Secção
Relator -Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam, em conferência, na 2ª Secção do Tribunal Constitucional:
1.Em 15 de Setembro de 2003 foi proferida nos presentes autos decisão sumária de não conhecimento do recurso interposto por A.. Foi o seguinte o texto dessa decisão:
«I. Relatório
1. Em 24 de Junho de 1996, A. impugnou, no Tribunal Fiscal Aduaneiro de Lisboa, a liquidação do imposto automóvel sobre um veículo ligeiro de passageiros, de 1989, adquirido na Alemanha e apresentado na Alfândega de Jardim do Tabaco para admissão no País, por entender que o Decreto-Lei n.º 40/93, de 18 de Fevereiro, com base no qual foi liquidado tal imposto, quando aplicado a veículos automóveis usados provenientes de outros países comunitários viola o princípio da livre circulação de mercadorias e da não discriminação fiscal estabelecido no Tratado CEE, bem como o direito de propriedade. Invocou também violação do caso julgado face ao “Acórdão a título prejudicial do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias (TJCE) (...) – Proc. C-345/93, Colectânea de Jurisprudência, Parte I, vols. 3 e 4, p. 479, 1995” (Acórdão B., de 9 de Março de 1995), e solicitou, em caso de dúvida, recurso ao mecanismo de reenvio prejudicial previsto no artigo 177º do Tratado da União.
Por sentença de 28 de Maio de 1998 do Juiz do 1º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª instância de Lisboa a dita impugnação foi julgada improcedente, mas, após recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, esta veio, por acórdão de 19 de Janeiro de 2000, a determinar a baixa dos autos à 1ª instância para ser proferida nova sentença, por se ter entendido que a anterior omitira pronúncia sobre o alegado caso julgado.
Por sentença de 15 de Maio de 2000 da 2ª Secção do 3º Juízo do Tribunal Tributário de 1ª instância de Lisboa, foi, de novo, julgada improcedente a referida impugnação, e de novo o impugnante levou recurso ao Supremo Tribunal Administrativo.
Por acórdão de 24 de Janeiro de 2001, a 2ª Secção deste Alto Tribunal veio a negar-lhe provimento.
O impugnante arguiu a nulidade deste acórdão por falta de fundamentação (de direito), invocando também erro na forma de processo, por preterição do disposto o § 3 do artigo 177º do Tratado da União Europeia.
Decidindo a reclamação, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo decidiu desatendê-la, por acórdão de 6 de Junho de 2001.
2. Ainda inconformado, o recorrente interpôs recurso para o Pleno da 2ª Secção, em 25 de Junho de 2001, com fundamento em oposição de julgados com o anteriormente decidido nos processos n.ºs. 22364 e 23042.
O representante da Fazenda Pública, notando que o recorrente não tinha apresentado alegações de recurso – o que determinaria a deserção deste –, invocou que sobre o caso do processo n.º 22364 ainda não recaíra acórdão, e que o que decidira o processo n.º 23042 não transitara em julgado. O Ministério Público, invocando o disposto nos artigos 291º, n.º 2, e 690º, n.º 3, do Código de Processo Civil, promoveu que fosse julgado deserto o recurso, o que o Conselheiro-relator veio a decidir por despacho de 7 de Novembro de 2001.
Em 9 de Novembro de 2001 o recorrente apresentou reclamação para a conferência, considerando que o prazo aplicável à apresentação das alegações de um recurso fundado em oposição de acórdãos era o do artigo 106º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos – 30 dias, nos termos da alínea e) do n.º 1 do artigo 6º do Decreto-Lei n.º 329-A/95, de 12 de Dezembro –, pelo que estaria em tempo para as apresentar. E, em 13 de Novembro, veio “reforçar a sua apresentação de reclamação para a conferência”, reiterando a mesma argumentação.
Por acórdão de 30 de Janeiro de 2002, a conferência da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo decidiu indeferir a reclamação e manter o despacho reclamado, ainda que com fundamentação diferente, já que invocou o disposto no n.º 3 do artigo 284º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável nos termos da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho.
Ainda inconformado, pretendeu então o recorrente apresentar recurso dos três anteriores acórdãos para o Plenário do Supremo Tribunal Administrativo, “com fundamento em oposição de julgados, inconstitucionalidade e manifesta ilegalidade, relativamente ao Acórdão proferido em 22.02.2001, pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias”, e invocando desconformidade com os “Acórdãos proferidos pela 2ª Secção do Contencioso Tributário no âmbito dos processos n.º 22 364, 23 042, 25 853 e 23 152, ainda não transitados”.
Proferido despacho de aperfeiçoamento no sentido de vir a ser esclarecido quais os acórdãos, dos recorridos e dos indicados como fundamento, que estariam em oposição, o recorrente esclareceu o seguinte:
“1º O Recorrente pretende recorrer do Acórdão proferido em 30.01.2001 por inconstitucionalidade e manifesta ilegalidade do mesmo;
2º Dos Acórdãos proferidos em 24.01.2001 e 6.06.01 pretende recorrer por oposição de julgados e, em última análise, igualmente, por inconstitucionalidade e ilegalidade dos mesmos;
3º Considera o Recorrente que há oposição de julgados entre os Acórdãos proferidos nos processos n.º 22 364, da 2ª Secção e que originou o Acórdão do TJCE de 22.02.01, a título prejudicial, solicitado por esse Supremo Tribunal e processos n.º 23 042, 25 853 e 23 152, todos da 2ª Secção do Contencioso Tributário desse STA.”
Por despacho de 21 de Março, o Conselheiro-relator no Supremo Tribunal Administrativo decidiu o seguinte:
“Apontados como acórdãos fundamento, depois de convite do relator a melhor precisar o inicial requerimento de interposição dos recursos, são quatro acórdãos proferidos, todos, pela dita Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo.
Todavia, o Plenário não conhece da oposição de acórdãos proferidos pela mesma Secção – artigo 22º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais.
Não é, pois, admissível nenhum dos recursos para o Plenário deste Tribunal.
Quanto aos acórdãos de 24 de Janeiro e de 6 de Junho de 2001, foi já interposto recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário, admitido por despacho do relator e, depois, julgado deserto.
Consequentemente, só é recorrível, não para o Plenário do Tribunal, mas para o Pleno da sua Secção de Contencioso Tributário, por oposição de acórdãos, o aresto de 30 de Janeiro de 2002.”
Apresentadas as alegações – em que pela primeira vez suscita a inconstitucionalidade do artigo 284º, n.º 3 do Código de Procedimento e do Processo Tributário ‘por violar princípios básicos do processo civil e, mesmo, tributário e administrativo, arrasando o princípio do contraditório e fazendo precludir o direito de defesa dos interesses dos cidadãos” – e as contra-alegações da Fazenda Nacional, o Ministério Público promoveu e o Conselheiro-relator determinou que o recorrente juntasse aos autos fotocópia do acórdão tido por fundamento, vindo este a remeter fotocópia do Acórdão de 22 de Fevereiro de 2001, do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias, no processo C-393/98 (C.), e, após repetição do convite, do acórdão recorrido, pelo que, pela terceira vez, foi repetida a diligência do tribunal, desta feita sob a cominação do artigo 284º, n.º 2, do Código de Procedimento e do Processo Tributário.
Em resposta, o recorrente admitiu que a Lei n.º 15/2001 “é de tal modo recente que não é, ainda, possível, ou, pelo menos, o Recorrente desconhece a existência de um acórdão que se pronuncie sobre tal legislação”, acrescentando:
“Efectivamente, o Recorrente solicitou a admissão do presente recurso para o Pleno, com base em oposição de acórdãos, no entanto, face ao despacho proferido em 21-03.02, a fls. ..., tal aspecto do presente recurso ficou absolutamente esvaziado de conteúdo, pelo que, conforme consta das alegações produzidas e juntas ao processo em devido tempo, resta a apreciação da constitucionalidade das normas invocadas naquela peça processual, mais concretamente, o disposto no art. 284º, n.º 3 do CPPT, aplicável por força do disposto no art. 12º da Lei 15/2001 de 5.06;”
Por despacho de 15 de Outubro de 2002, foi decidido não admitir o prosseguimento do recurso, face à falta de um dos requisitos: contradição com anterior decisão com trânsito em julgado, “sobre a mesma questão de direito emergente de uma situação de facto também idêntica”.
3. Veio então o recorrente apresentar requerimento de interposição do recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, considerando “violados os princípios/normas constantes de:
I. Princípio da livre circulação de mercadorias; a norma do art. 95º, parágrafo 1º do Tratado CE (que passou, após alteração, a art. 90º, CE); art. 177º, parág. 3º do Tratado CE (actual, 234º, CE); art. 65º do Regulamento de Processo do TJCE de 10-06.1991, alterado por último, em 16.05 e 28.11.2000 e art. 187º do Trat. CE; Arts. 8º e 214º da CRP.
II. Princípio do contraditório (art. 3º do CPC e 45 do CPPT) e Princípio da cooperação (art. 266º do CPC); Arts. 20º, 205º e 207º da CRP.”
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
4. O presente recurso foi admitido no tribunal a quo – em decisão que, como se sabe (artigo 76º, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional), não vincula o Tribunal Constitucional –, mas analisados os autos, com o objectivo de verificar se se encontram preenchidos os requisitos para o Tribunal Constitucional tomar conhecimento do presente recurso de constitucionalidade, conclui-se que é de proferir decisão nos termos do n.º 1 do artigo 78º-A da Lei do Tribunal Constitucional.
5. Com efeito, se bem se entende, com a invocação das normas comunitárias e da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretenderá o recorrente que aquelas normas constituiriam “lei com valor reforçado”. É que esta alínea f) prevê o recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que “apliquem norma cuja ilegalidade haja sido suscitada durante o processo com qualquer dos fundamentos referidos nas alíneas c), d) e e)”, sendo que estas duas últimas alíneas se prendem com especificidades do ordenamento das regiões autónomas (que não estão em causa), e aquela alínea c) prevê a “violação de lei com valor reforçado”.
Ora, sem sequer ser necessário invocar o disposto no n.º 3 do artigo 112º da Constituição, onde se prevêem as leis com “valor reforçado” sem incluir qualquer norma comunitária (cfr. Acórdão n.º 51/92, publicado no Diário da República [DR], II Série, de 11 de Junho de 1992), acontece que a única norma que poderia constituir objecto de apreciação no presente processo – a do n.º 3 do artigo 284º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, como se viu – é uma mera norma procedimental que nada tem a ver com as normas comunitárias invocadas.
De facto, a única questão que este Tribunal, neste momento, poderia decidir seria relativa à constitucionalidade de normas fundamentantes da decisão de deserção, ou não, do recurso interposto em 25 de Junho de 2001. Só caso tal recurso não tivesse sido já julgado deserto haveria pronúncia sobre o fundo e, a esse propósito, seriam aplicáveis (ou não) as regras comunitárias. Como foi julgado deserto pelo Acórdão de 30 de Janeiro de 2002, e como é desse acórdão que nesta altura se recorre, tais normas são-lhe totalmente alheias.
Uma vez que não há invocação de outras normas legais (reforçadas ou não) em relação às quais se pudesse figurar a desconformidade da norma impugnada, nem sequer é preciso analisar a questão da falta de suscitação, durante o processo, de uma questão de ilegalidade qualificada para se dever excluir, de pronto, a apreciação do recurso ao abrigo do disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional.
6. Mas também se não pode tomar conhecimento do recurso interposto ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º do mesmo diploma.
Como se sabe, constituem requisitos específicos do recurso previsto nesta alínea, além do prévio esgotamento dos recursos ordinários e da aplicação, pela decisão recorrida, das normas constitucionalmente impugnadas, a suscitação da inconstitucionalidade normativa durante o processo.
Como se sabe, este último requisito, conforme se decidiu, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94 (publicado no DR, II série, de 6 de Setembro de 1994), e se tem repetido em numerosos arestos, deve ser entendido, “não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)”, mas “num sentido funcional”, de tal modo “que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão”, “antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita”, por ser este o sentido que é exigido pelo facto de a intervenção do Tribunal Constitucional se efectuar em via de recurso, para reapreciação ou reexame, portanto, de uma questão que o tribunal a quo pudesse e devesse ter apreciado (ver, por exemplo, o Acórdão n.º 560/94, DR, II, de 10 de Janeiro de 1995 e ainda o Acórdão n.º 155/95, in DR, II, de 20 de Junho de 1995).
Designadamente, já não é momento adequado para a suscitação da questão de constitucionalidade o dos incidentes pós-decisórios, tal como o pedido de reforma ou a arguição de nulidade da decisão, por então se encontrar já esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido quanto à inconstitucionalidade – que não é causa de nulidade da decisão judicial. Este momento já não é, pois, adequado para poder suscitar tempestivamente uma questão de constitucionalidade, excepto em situações, de todo excepcionais ou anómalas, em que não tenha havido oportunidade processual de o fazer antes (v.g. Acórdãos n.ºs 61/92, 499/97 e 120/02, publicados no DR, II Série, respectivamente de 18 de Agosto de 1992, 21 de Outubro de 1997 e 15 de Maio de 2002).
Ora, no presente caso, durante o processo não houve suscitação de uma questão de inconstitucionalidade normativa – nem da norma do n.º 3 do artigo 284º do Código do Procedimento e do Processo Tributário, nem das normas do artigo 760º, n.º 3 (e dos artigos 291º, n.º 2, e 690º, n.º 3) do Código de Processo Civil, que, no despacho de 7 de Novembro de 2001, fundavam a mesma inviabilização do recurso. Recorde-se que nem na reclamação para a conferência do despacho de extinção do recurso, nem no “reforço” dessa reclamação, o recorrente suscitou qualquer questão de constitucionalidade, razão pela qual a conferência decidiu da deserção do recurso sem essa questão no horizonte, fazendo aí aplicação, pela primeira vez, da norma do n.º 3 do artigo 284º do Código do Procedimento e do Processo Tributário. Mesmo depois disso, porém, não veio a ser imputada qualquer inconstitucionalidade a essa específica norma – ou ao modo ou dimensão em que foi aplicada no caso –, tendo, em vez de um recurso de constitucionalidade dessa decisão, sido interposto um recurso para o Plenário do Supremo Tribunal de Justiça “com fundamento em oposição de julgados, inconstitucionalidade e manifesta ilegalidade” de todos os três anteriores acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos vistos.
Só depois de não admitidos todos estes recursos, e de convolado o recurso do último acórdão, do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo para o Pleno da sua Secção de Contencioso Tributário, é que, nas suas alegações, o recorrente veio, pela primeira vez, suscitar uma questão de inconstitucionalidade normativa. Mas fê-lo num momento em que o tribunal a quo (a secção de Contencioso Administrativo) já não podia dela conhecer – e, aliás, num momento em que o tribunal ad quem (o Pleno da Secção de Contencioso Tributário) também não podia dela conhecer, já que, como o próprio recorrente depois veio a reconhecer, não estavam preenchidos os requisitos do recurso por contradição de acórdãos, por, nessa matéria, não existir contradição de acórdãos.
Ora, a suscitação pela primeira vez de uma questão de constitucionalidade normativa não pode ocorrer, com relevância para o preenchimento dos requisitos do recurso de constitucionalidade, num recurso não viável, que não pode vir a ser admitido. Caso contrário, frustar-se-ia a teleologia da exigência da suscitação da questão de constitucionalidade durante o processo, além de se perder a função disciplinadora da exigência da adopção de uma “estratégia processual adequada” por parte do recorrente – cfr. vg. Acórdãos n.ºs. 479/89, 61/92, 370/94 e 147/03, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 24 de Abril de 1992, de 18 de Agosto de 1992 e de 7 de Setembro de 1994, e o último disponível em www.tribunalconstitucional.pt). Se o requerimento de aclaração ou de suscitação de nulidades não é, como o requerimento de interposição do recurso, em princípio momento próprio para suscitar tempestivamente questões de constitucionalidade, também o não pode ser uma qualquer peça processual enxertada num qualquer recurso inviável, designadamente por oposição de acórdãos, sob pena de tais recursos poderem vir a ser intentados apenas para permitir um tardio “preenchimento” dos requisitos do recurso de constitucionalidade, contra a teleologia destes, já que então nem o tribunal a quo, nem o tribunal ad quem, se podem pronunciar sobre o assunto.
Aliás, a aplicação da norma do n.º 3 do artigo 284º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, num recurso por oposição de julgados em matéria tributária interposto em 25 de Junho de 2001 mas só admitido em 25 de Setembro desse ano – já depois de entrada em vigor, em 5 de Julho de 2001, da Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, que, no seu artigo 12º determinava que “Os procedimentos e processos pendentes regulados pelo Código de Processo Tributário passam a reger-se pelo Código de Procedimento e de Processo Tributário, sem prejuízo do aproveitamento dos actos já realizados” – não pode, de forma alguma, considerar-se “insólita” ou “imprevista”, por forma a dispensar o recorrente de ónus de suscitar a inconstitucionalidade de tal norma durante o processo (cfr., por exemplo, Acórdãos n.ºs. 569/95, 499/97 e 120/02, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 13 de Março de 1996, de 21 de Outubro de 1997 e de 15 de Maio de 2002). Isto, tanto mais quanto – note-se – o efeito do complexo normativo que regia a situação e, num primeiro momento, lhe foi aplicado, também não foi impugnado constitucionalmente pelo recorrente, pesem embora as acusações de “inconstitucionalidade” e de “ilegalidade” que foi fazendo ao longo do processo, mas que até às já referidas alegações de um recurso inviável, nunca reportou a norma alguma.
III. Decisão Pelos fundamentos expostos, decido, nos termos do artigo 78º-A, n.º 1, da Lei do Tribunal Constitucional, não tomar conhecimento do presente recurso e condenar o recorrente em custas, com 5 (cinco) unidades de conta de taxa de justiça.»
2.Notificado desta decisão, o recorrente vem dela reclamar para a conferência ao abrigo do artigo 78º-A, n.º 3, da Lei do Tribunal Constitucional, “nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 3 do artigo 78º-A” dessa Lei,
«Porquanto, com todo o respeito pela Decisão sumária proferida e, com plena consciência de que a única via para que se faça justiça é o recurso para o Tribunal de Justiça das Comunidades, considera pertinente colocar, ainda, as seguintes questões de fundo e/ou materiais:
1º É ou não verdade que, nos termos do art. 2° da CRP, “A República Portuguesa é um Estado de direito...”?
2º É ou não verdade que, nos termos do art. 8º, n.º 3, da CRP, “As normas emanadas dos órgãos das organizações internacionais de que Portugal seja parte vigoram directamente na ordem interna, desde que tal se encontre estabelecido nos respectivos tratados constitutivos”?
3º É ou não verdade que Portugal é membro da, então, Comunidade Económica Europeia, actualmente, União Europeia, desde 1.01.1986, data em que entrou em vigor o Tratado relativo à Adesão de Portugal e Espanha ?
4º É ou não verdade que, no acto relativo às condições de adesão e às adaptações dos Tratados, art. 2º, se estabelece que, a partir da adesão em 12.06.1985 “as disposições dos tratados originários e os actos adoptados pelas Instituições das Comunidades, antes da adesão vinculam os novos Estados-membros e são aplicáveis nesses Estados...”?
5º É ou não verdade que, no art. 177º, 3º parágrafo, do Tratado da União Europeia (actualmente alterado e completado pelo Tratado de Amesterdão) se diz: “Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente ... esse Órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal de Justiça”? (realce nosso)
6º É ou não verdade que, como se menciona no Relatório da Douta Decisão Sumária, n.º 1, in fine, o “Alto Tribunal”, não o fez, em flagrante violação das normas retro enunciadas?
7° É ou não verdade que, nos termos do art. 225° da CRP, compete ao Tribunal Constitucional, “...apreciar... a ilegalidade...”?
8° É ou não verdade que ao Tribunal Constitucional, dentro do espírito e das normas da Constituição da República, compete acima de tudo zelar para que “Nos feitos submetidos a julgamento não podem os tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados” – art. 207º da CRP?
9º Não é de justiça material, que não mera e simplesmente formal que se trata?
10° Será preciso “chamar as câmaras de televisão” para obter justiça?»
Cumpre apreciar e decidir.
II. Fundamentos
3.Consultando o teor da presente reclamação, verifica-se que ela não contém qualquer fundamentação no sentido de pôr em causa a decisão sumária transcrita. Na verdade, tal decisão sumária, de não conhecimento de recurso, fundamentou-se quer na inexistência logo de invocação de qualquer ilegalidade por qualquer violação de “lei reforçada”, no sentido do artigo 70º, n.º 1, alínea f), da Lei do Tribunal Constitucional, quer na falta de suscitação, durante o processo, de uma questão de constitucionalidade normativa.
Ora, na presente reclamação, o recorrente não ataca qualquer destes pontos, limitando-se a formular interrogações – umas gerais, outras específicas, relativas ao desenrolar do presente processo antes do recurso de constitucionalidade –, sem, porém, pôr em causa a fundamentação da decisão reclamada, sendo, aliás, evidente que não incumbe ao Tribunal Constitucional, na decisão da presente reclamação, dar resposta àquele elenco interrogativo.
A decisão sumária de não conhecimento do recurso deve, pois, ser confirmada, e a presente reclamação desatendida, por não se basear em quaisquer fundamentos que ponham em causa aquela decisão.
III. Decisão
Pelos fundamentos expostos, decide-se desatender a presente reclamação e confirmar a decisão sumária de não conhecimento do recurso, bem como condenar o recorrente em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 7 de Janeiro de 2004
Paulo Mota Pinto
Mário José de Araújo Torres
Rui Manuel Moura Ramos