Imprimir acórdão
Proc. n.º 617/03 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - Nos autos de recurso supra identificados em que é recorrente A., foi proferida a seguinte decisão sumária:
'1 – A. intentou acção declarativa, com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra instituição bancária B., e instituição bancária C. e D., pedindo a condenação solidária no pagamento da quantia de 102 266 122$00
(Escudos), dos quais 77 266 122$00 a título de danos patrimoniais e 25 000
000$00 a título de danos não patrimoniais, acrescidos de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até integral pagamento e a declaração de nulidade do empréstimo creditado na sua conta de depósito em 8 de Outubro de
2000 no montante de 5 000 000$00.
Subsidiariamente, requereu a anulação do referido empréstimo e a condenação da primeira Ré a restituir-lhe tudo o que dele recebeu ou que debitou na sua conta de depósito à ordem, a título de juros, despesas e encargos ocasionados pelo processamento desse empréstimo, a liquidar em execução de sentença e ainda a declaração da ilicitude do débito de 5 000 000$00, em 11 de Outubro de 2000, na sua conta de depósito e a consequente condenação da primeira Ré a creditar aquela conta pelo valor de 5 000 000$00, bem como na condenação no pagamento de
610 822$00 de juros vencidos e vincendos, à taxa legal, desde 9 de Julho de 2001 até integral pagamento.
Formulou ainda outro pedido subsidiário, no caso de improcedência dos anteriores: a condenação do terceiro Réu a restituir ao autor a quantia de Escudos 5 000 000$00, acrescida da correspondente aos juros, à taxa legal, vencidos desde a citação e até integral pagamento.
As Rés foram regularmente citadas e contestaram por impugnação, pugnando pela sua absolvição do pedido.
O Réu, igualmente citado, contestou por excepção (invocando a excepção dilatória de incompetência do tribunal) e impugnação.
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a referida excepção dilatória, organizada a matéria de facto, assente e controvertida, realizando-se a audiência de discussão e julgamento em várias sessões.
Entretanto o Autor. agravou do despacho de fls. 456/457, proferido na primeira daquelas sessões, através do qual viu indeferida a pretendida gravação da audiência.
Na mesma ocasião, o Autor. agravou do despacho de fls. 317 que considerou não escritos alguns artigos da sua resposta à contestação.
Mais tarde, antes do encerramento da audiência de discussão e julgamento, agravou o A. de um despacho proferido na segunda sessão que lhe indeferiu a pretensão de ampliar os quesitos sobre os quais incidiria o depoimento de parte por si requerido.
A acção foi julgada totalmente improcedente pelo Tribunal de Trabalho de Portimão, tendo o A. interposto recurso de apelação para o Tribunal da Relação de Évora.
Em 29.10.2002, o Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão a negar provimento aos agravos e à apelação.
Inconformado, o Autor. recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, recurso de revista, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo, no que à presente questão de constitucionalidade interessa:
“A. Na audiência de partes, documentada na acta de folhas 187 dos autos, foi designada a data de 10 de Janeiro de 2002 para realização de audiência preliminar, e não para audiência de julgamento. B. Só em 21 de Dezembro de 2001, com a notificação que lhe foi feita do douto despacho de folhas 317 a 328 dos autos referidos antes, é que o ora Recorrente tomou conhecimento de que a audiência preliminar não se realizaria e de que, em lugar dela, e no mesmo dia para o qual a respectiva realização estava decidida, teria lugar a audiência de julgamento. C. Até esse momento, o Recorrente contava com a realização no dia 10 de Janeiro de 2002 da audiência preliminar e esperava exercer durante tal diligência os poderes e os direitos que para tal oportunidade se encontram previstos na lei – nomeadamente, o direito, previsto no nº. 4 do artigo 68º do Código de Processo do Trabalho, de requerer a gravação da audiência. D. A gravação da audiência deve ser admitida ainda quando seja requerida dentro do prazo de 10 (dez) dias após a notificação às partes da decisão que dispensa a realização da audiência preliminar. E. Se assim é em tese geral, por maioria de razão o é no caso concreto sob juízo, onde as partes haviam sido notificadas de que se encontrava designado o dia 10 de Janeiro de 2002 para realização de audiência preliminar e onde foram surpreendidas 7 (sete) dias (“processuais”) antes com a decisão de que tal audiência preliminar já não teria lugar e que, em lugar dela, se realizaria logo, na mesma data, audiência de julgamento. F. A norma do nº. 4 do artigo 68º do Código de Processo do Trabalho é inconstitucional, por violação do direito ao recurso, componente essencial do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação segundo a qual tal norma obriga sempre as partes a formularem o requerimento de gravação da Audiência Final nos 5 dias posteriores ao termo do prazo para oferecimento do
último articulado, inconstitucionalidade que aqui uma vez mais expressamente invoca. G. Não se trata, neste recurso, de saber se a parte pode ou não, ou deve ou não, formular o requerimento de gravação em qualquer articulado ou no prazo de cinco dias após a apresentação do último, mas de saber como e quando, e em que condições, pode a parte exercitar tal direito se só depois de decorridos esses cinco dias sobre a apresentação do último articulado o juiz decide dispensar a realização de tal diligência. H. Sobre tal questão o Código de Processo do Trabalho é omisso, devendo a sua regulamentação ser integrada, por analogia, pelo disposto no artigo 512º nº 1 do Código de Processo Civil – atentas as disposições conjugadas dos artigos 1º, nº.
2, e 49º, nº. 2, do Código de Processo do Trabalho e dos artigos 463ª, nº. 1, e
787º, nº. 1, do mesmo Código de Processo Civil. I. Face ao disposto no artigo 9º nº 3 do Código Civil, não é aceitável presumir-se que o legislador tenha agido com requintada má fé. J. Consequentemente, entende o Recorrente que a secretaria do tribunal deveria ter notificado as partes, aquando da notificação do douto despacho referido antes, que dispensou a realização da audiência preliminar, para em 15 dias requererem a gravação da audiência ou a intervenção do tribunal colectivo, constituindo a falta de tal notificação nulidade processual que invalida todo o processado subsequente, que dele evidentemente depende. K. E entende também, que mesmo não tendo sido feita tal notificação, teria sempre o Recorrente o direito de requerer a gravação da audiência dentro daquele prazo. Assim, tendo formulado tal requerimento no sétimo dia seguinte à notificação do douto despacho que dispensou a audiência preliminar, estava o recorrente perfeitamente em tempo, pelo que tal requerimento deveria ter sido admitido. L . A solução preconizada pelo recorrente não afecta minimamente a celeridade ou a eficácia processual. M. No mais, dá-se a este propósito como integralmente reproduzido nesta Revista quanto se alegou no agravo interposto da referida douta decisão.”
A Ré C., contra-alegou pugnando pela manutenção do acórdão recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Évora, negando-se a revista.
Por acórdão de 18 de Junho de 2003, o Supremo Tribunal de Justiça negou provimento à revista.
De novo inconformado, o Autor interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, tendo dito no requerimento de interposição de recurso:
“Ao abrigo da alínea b) do nº. 1 do artigo 70º da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, Para ser declarado que, na interpretação segundo a qual a mesma obriga sempre as partes a formularem o requerimento de gravação da Audiência Final nos 5 dias posteriores ao termo do prazo para oferecimento do último articulado, a norma do nº. 4 do artigo 68º do Código de Processo do Trabalho é inconstitucional, por violação do direito ao recurso, componente essencial do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa. Tal interpretação é expressamente acolhida nos doutos Acórdãos recorridos, do Tribunal da Relação de Évora e desse Supremo Tribunal de Justiça, e no douto Despacho que indeferiu o requerimento de gravação da Audiência Final, tendo a incosntitucionalidade em causa sido oportunamente invocada pelo Recorrente na alínea G das conclusões extraídas das alegações produzidas em sede de Recurso de Agravo desse mesmo douto Despacho e no Recurso de Revista apresentado perante Vossas Excelências”
Cumpre apreciar e decidir.
2 – O recurso vem intentado ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº. 1, alínea b) da Lei do Tribunal Constitucional, sendo necessário, para se poder conhecer de tal recurso, entre outros pressupostos, que a norma (ou uma sua interpretação) impugnada tenha sido aplicada como ratio decidendi pelo tribunal recorrido.
Nos presentes autos, o recorrente indica a norma constante do artigo 68º, nº. 4 da Código de Processo do Trabalho, interpretada no sentido que a mesma obriga sempre as partes a formularem o requerimento de gravação da audiência final nos
5 dias posteriores ao termo do prazo para oferecimento do último articulado, considerando-a inconstitucional, por violação do direito ao recurso, componente essencial do direito de acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.
Vejamos se tal interpretação normativa foi efectivamente aplicada como ratio decidendi na decisão recorrida.
Disse-se no acórdão recorrido, na parte que nos ocupa:
“Diz o artº 68º, nº 4, do CPT que “A gravação da audiência e a intervenção do tribunal colectivo devem ser requeridas nos cinco dias posteriores ao termo do prazo para o oferecimento do último articulado, ou na audiência preliminar, se a esta houver lugar”. Ora o Autor apenas requereu a gravação em plena audiência de julgamento.
É pois patente a extemporaneidade do requerido, estando justificado o indeferimento. E nem diga o Recorrente, por não corresponder à realidade, que esteve designado dia para a audiência preliminar, onde poderia requerer a gravação da prova, e que depois foi dada sem efeito. Na verdade, aquando da audiência das partes (v. fls. 187) foi designado o dia 10 de Janeiro de 2002, pelas 10 horas, “para a realização da audiência de discussão e julgamento”. E mais tarde (v. fls. 137 e segs) “porque a complexidade da causa não o justifica, não se designa dia para uma audiência preliminar(cfr. artº 62º, nº1, do CP do Trabalho)”. Quanto ao sistema instituído pelo citado artº 68º, nº 4, do CPT, sem estar a discutir aqui a sua bondade, a verdade é que não é de molde a colher de surpresa as partes, pois que na incerteza da efectivação da audiência preliminar (artº
62º, nº 1, do CPT), devem aquelas, à cautela, manifestar o seu interesse na gravação da audiência nos cinco dias posteriores ao termo do prazo para oferecimento do último articulado. E não pode pretender-se a introdução aqui do sistema reinante no Código de Processo Civil (v., nomeadamente, o seu artº 512º).
É que não existe nenhum caso omisso (v. artº 1º, nº 2, al.a) do CPT). Depois, o regime a propósito estabelecido no CPT não visa senão – a par de outros – dar corpo aos princípios da celeridade e da simplificação processual, próprios da índole do processo de trabalho e que afastam mesmo qualquer norma subsidiária que com eles não seja compatível (v. o citado artº 1º, no seu nº 3, e Albino Mendes Baptista, “Código de Processo do Trabalho Anotado, 2ª edição, pág. 33, e Pedro Romano Martínez “Direito do Trabalho”, Almedina 2002, pág.
1129). E nem se afirme também que a interpretação que a Relação acolheu no processo do já acima transcrito artº 68º, nº 4, do CPT, viola o disposto no artº 20º da Constituição da República Portuguesa. E aqui, logo ao contrário do que o Recorrente sustenta, não defendeu aquela instância que o requerimento da gravação da audiência final, tinha de ser feito nos cinco dias posteriores ao termo do prazo para o oferecimento do último articulado. O que se disse foi que seria prudente que assim acontecesse, pois que poderia não haver audiência preliminar. O que é coisa diferente. E acrescentou-se ainda que o legislador na regulamentação concreta dos trâmites processuais pode impôr limites temporais ou outros para a prática dos diversos actos das partes, sob pena de eternização dos autos. O sistema instituído não fere assim, do nosso ponto de vista, por forma alguma, o acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva, aqui o recurso em sede de matéria de facto. Designadamente, a oportunidade para o requerimento e os prazos estabelecidos para o efeito não se mostram desfavoráveis nem representam especiais escolhos para as partes. Daí que nenhuma razão haja para se afastar a aplicação daquela norma (artº 68º, nº 4, do CPT), com fundamento na sua inconstitucionalidade. E por tudo o que vem exposto, nomeadamente pelos termos precisos do preceito acabado de referir e pelo facto de nenhuma audiência preliminar ter estado agendada, não tinha o autor ao ser notificado do despacho que o dispensou, de ser admitido de que dispunha do prazo de 15 dias para requerer a gravação da audiência ou a intervenção do tribunal colectivo – pois que tanto não era exacto
– pois que nenhuma nulidade se cometeu por aí.” (sublinhado nosso).
Ora, do texto supra transcrito resulta claro que a interpretação normativa que o recorrente pretende ver apreciada por este Tribunal não foi aplicada no acórdão recorrido, sendo de salientar que o próprio aresto evidencia que, já então, o recorrente punha em causa uma interpretação diversa da acolhida no acórdão da Relação de Évora (depois mantida no STJ).
Persiste o recorrente - a quem compete delimitar com precisão o objecto da sua impugnação - na indicação de uma interpretação da norma do artigo 68º n.º 4 do CPT segundo a qual é sempre obrigatório que as partes requeiram a gravação da audiência final nos 5 dias posteriores ao termo do prazo para oferecimento do
último articulado, quando a interpretação feita no acórdão recorrido - tal como no acórdão da Relação de Évora - é a de que, dada a eventualidade de não haver audiência preliminar (segundo momento em que o aludido requerimento pode ser apresentado), se torna prudente (para evitar a eventual perda do direito) que as partes requeiram a gravação no referido prazo de cinco dias posteriores ao termo do prazo para oferecimento do último articulado.
Impõe-se, assim, reconhecer que a decisão recorrida não fez aplicação da norma do artigo 68º n.º 4 do CPT com a interpretação que o recorrente pretende ver apreciada sub specie constitutionis.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se não tomar conhecimento do objecto do recurso. Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs'
Desta decisão vem o recorrente ora reclamar para a conferência dizendo, em síntese, que a interpretação normativa cuja constitucionalidade pretende ver apreciada por este Tribunal - a que definiu no requerimento de interposição de recurso - é aquela a que inevitavelmente conduz o decidido pelo STJ.
Acrescenta, porém, na sua reclamação, um 'aperfeiçoamento', identificando, agora, a questão de constitucionalidade. como sendo a da 'interpretação segundo a qual tal norma obriga sempre as partes, nos casos em que audiência preliminar prevista no artigo 62º do mesmo diploma vem afinal a ser dispensada pelo Juiz, a formularem o requerimento de gravação da audiência final nos 5 dias posteriores ao termo do prazo para oferecimento do último articulado'.
Cumpre decidir.
2 - Na decisão sumária reclamada entendeu-se que se não podia conhecer do objecto do recurso, uma vez que a interpretação da norma ínsita no artigo 68º n.º 4 do CPT que o recorrente pretendia ver apreciada pelo Tribunal não tinha correspondência com a que fora acolhida no acórdão recorrido.
Por outras palavras, a norma em causa, com a interpretação que o recorrente lhe atribuía, não fora aplicada na decisão recorrida, soçobrando assim um dos pressupostos do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º n.º 1 alínea b) da LTC.
Com efeito, a interpretação que, segundo o recorrente, faria incorrer o disposto no artigo 68º n.º 4 do CPT em inconstitucionalidade, era a de que a parte que pretendesse a gravação da prova em audiência teria que obrigatoriamente (sempre) o requerer nos cinco dias posteriores ao termo do prazo para apresentação do
último articulado.
A verdade é que o acórdão recorrido não acolheu expressa ou implicitamente tal interpretação, o que aqui não pode deixar de se reiterar.
O que no aresto do STJ se entendeu foi que, sendo ainda possível requerer a gravação da prova em audiência preliminar e não sendo esta obrigatória, seria aconselhável que a parte apresentasse o requerimento no aludido prazo pois, se não houvesse aquela audiência, deixava de ter oportunidade de o fazer.
Trata-se, assim, e pese a insistência do reclamante na posição contrária, de uma interpretação substancialmente diversa da que se pretende ver sindicada pelo Tribunal Constitucional, sendo certo que a reclamação para a conferência não é já o momento adequado para 'aperfeiçoar' o requerimento de interposição de recurso, como o recorrente parece pretender fazer.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs.
Lisboa, 18 de Fevereiro de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Luís Nunes de Almeida