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Processo n.º 574/99
2ª Secção Relator – Cons. Paulo Mota Pinto
Acordam na 2ª Secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório A, melhor identificado nos autos, propôs, no Tribunal de Trabalho de Matosinhos, acção emergente do contrato de trabalho, sob a forma ordinária, contra a B, pedindo que fosse declarada ineficaz a nota de culpa que lhe foi dirigida, e nulo, ilegal e ilícito o seu despedimento, com a consequente reintegração e indemnizações, bem como o pagamento de retribuições diversas, subsídios e outras prestações referentes ao período de trabalho prestado e susceptível de ter sido prestado. Por sentença de 3 de Dezembro de 1997, aquele Tribunal veio a considerar a acção parcialmente procedente, condenando a demandada a pagar ao autor a importância de 1 297 349$00, referente a retribuições por trabalho nocturno até à data do despedimento, acrescida de juros de mora contados desde a citação. Anteriormente, porém, durante uma das sessões da audiência de discussão (v. acta a fls. 1637 e ss. dos autos), fora indeferido um requerimento do demandante para que ficassem registadas em acta algumas declarações de uma das testemunhas inquiridas, tendo aquele sido logo condenado nas custas do incidente (duas unidades de conta) e, atendendo à reincidência, como litigante de má fé (duas unidades de conta). O Tribunal da Relação do Porto, julgando o recurso de agravo interposto pelo demandante de tal decisão – bem como outros recursos de agravo e de apelação – decidiu, em 23 de Novembro de 1998, no que ora importa, que
'(...) se justifica a condenação como litigante de má fé. O facto de eventualmente outros juízes, incluindo os que integravam o tribunal colectivo, terem admitido, noutros processos, a transcrição parcial de depoimentos, não modifica as coisas, uma vez que tais decisões só têm valor dentro dos processos onde foram proferidas (art. 672º do CPC), sendo certo que o precedente mais recente tinha ocorrido nos próprios autos e era de sentido contrário. O recorrente tinha, por isso, a obrigação de atender à decisão já proferida nos autos e, não tendo agido nessa conformidade, a sua conduta tornou-se processualmente reprovável, assim justificando a sua condenação como litigante de má fé (art. 456º, n.º 2 do CPC).' Inconformado, o recorrente apresentou então um requerimento para ver
'esclarecidas as dúvidas, obscuridades, ambiguidades e/ou rectificados os erros ou lapsos e reformado o Acórdão em conformidade', argumentando, em relação ao agravo interposto (a fls. 1730) da sua condenação como litigante de má fé, que o
'despacho é inconstitucional, melhor dizendo, os arts. 3º, 3º-A e 456º do CPC são inconstitucionais, na interpretação e aplicação que o Tribunal deles fez, na medida em que condenou o recorrente sem sua prévia audição', e que o Acórdão da Relação não se pronunciara sobre a inconstitucionalidade invocada (com diferentes fundamentos) nas conclusões das suas alegações de recurso, devendo, por isso, ser considerado nulo, por omissão de pronúncia (alínea d) do n.º 1 do artigo 668º do Código de Processo Civil). Por Acórdão de 1 de Março de 1999, o Tribunal da Relação do Porto reconheceu razão ao recorrente neste último ponto, e deliberou 'suprir essa nulidade', considerando que o referido despacho não violava nenhum dos princípios constitucionais invocados nas alegações – os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da segurança jurídica, a legalidade e da protecção da confiança legítima. Sobre a violação do princípio do contraditório não se pronunciou, por entender que 'nessa parte o acórdão não sofre de omissão de pronúncia, dado que tal questão só agora foi suscitada, quando o devia ter sido nas alegações do recurso.' Inconformado, o recorrente veio pretender interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, logo alegando em separado quanto ao recurso de apelação e quanto ao recurso de agravo, que entendia ser admissível quanto à matéria da má fé, e concluindo neste, entre o mais, que '[a]s instâncias violaram os arts. 2º e 20º, n.º 1 e 4, da CRP na interpretação e aplicação que fizeram dos arts. 3º (todos os números do artigo), 3º-A e 456º, n.ºs. 1 e 2, do CPC, disposições, que nessa interpretação e aplicação, são inconstitucionais'. Por despacho de 12 de Abril de 1999, do Desembargador-relator, foi admitido o recurso de apelação, mas não o de agravo, o que motivou o recorrente a apresentar reclamação para o Presidente do Supremo Tribunal de Justiça contra tal indeferimento, reiterando, nas conclusões da mesma, a passagem transcrita no parágrafo anterior. Através de despacho de 30 de Junho de 1999, do Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, a reclamação foi desatendida, por o grau de recurso admitido pelo legislador no n.º 3 do artigo 456º do Código de Processo Civil quanto à condenação como litigante de má fé se ter já esgotado com a decisão do Tribunal da Relação do Porto, acrescentando-se que 'se não vislumbra a existência de qualquer inconstitucionalidade – que, aliás, o recorrente nem concretizou no que concerne à não admissão do recurso.' Ainda inconformado, o recorrente veio então apresentar recurso de constitucionalidade, ao abrigo do disposto nas alíneas b) e f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, 'para a apreciação da constitucionalidade da norma do art. 3º, n.ºs. 1, 2 e 3, 3º-A, 456º, n.ºs. 1 e
2, alíneas a), b), c) e d), do CPC', invocando violação dos artigos 2º, 20º, n.ºs. 1 e 4, da Constituição da República e 'os princípios da igualdade, proporcionalidade, segurança, legalidade, princípio da protecção da confiança legítima e do contraditório [e] do direito a um processo equitativo'. Nas alegações produzidas perante este Tribunal, concluiu assim:
'1. O Tribunal de 1ªInstância condenou o recorrente como litigante de má fé, sem prévia audição do interessado, violando o princípio do contraditório e da igualdade, previstos nos arts. 3º e 3º-A do CPC, que são a emanação dos artºs 2 e 20º, n.ºs 1 e 4, da CRP;
2. Tal despacho, bem como o Acórdão da Relação, violam os artºs 2º e 20º da CRP que consagram o direito a um processo equitativo, os princípios da igualdade, contraditório, proporcionalidade, boa-fé, segurança jurídica e a protecção da confiança legítima, princípios esses que derivam do princípio do Estado de Direito democrático;
3. As instâncias ao interpretarem a aplicarem os artºs 3º, 3º -A e 456º, n.ºs 1 e 2, do CPC, e pela forma que o fizeram, violaram os artºs 2º e 20º, n.ºs 1 e 4, da CRP;
4. Os artºs 3º (todos os n.ºs), 3º-A e 456º, n.ºs 1 e 2 (todas as alíneas), tal como foram interpretados pelas instâncias, e sem prévia audição do interessado, são inconstitucionais por violação dos art.s 2º e 20º, n.ºs 1 e 4, da CRP;
5. A apreciação da inconstitucionalidade é de conhecimento oficioso (artº 204º da CRP);
6. A Relação do Porto não se pronunciou sobre a suscitada inconstitucionalidade;
7. O Acórdão da Relação do Porto viola o disposto nos artºs 20º, n.ºs 1 e 4,
202º, n.º 1 e 2 da CRP, na interpretação e aplicação que fez dos artºs 156º, n.º
1 e 660º, n.º 2, do CPC; isto é, os artºs 156º, n.º 1 e 660º, n.º 2, do CPC, são inconstitucionais na interpretação e aplicação que a Relação deles fez;
8. O Acórdão violou por errada interpretação e aplicação o disposto nos artºs 3º
(todos os números), 3ºA, 156º, n.º 1, 456º, n.ºs 1 e 2, (todas as alíneas) e
660º, n.º 2, do CPC, bem como o disposto nos artºs 2º, 20º, n.ºs 1 e 4, 202º da CRP;
9. Assim, deve decidir-se em conformidade com as conclusões anteriores, ordenando-se a baixa do processo ao Tribunal a quo para que a decisão seja reformada em conformidade.' Por sua vez, a entidade recorrida terminou assim as suas alegações, no que ora importa:
'(...)
12ª – A não audição do Recorrente antes da sua condenação como litigante de má fé revelar-se-ia um acto perfeitamente inútil e, por isso, completamente desnecessário.
13ª – Nessa conformidade, o contraditório pode (e deve) ser dispensado (cfr. o art. 3º 3 do CPC).
14ª – O objectivo de dever ouvir-se a parte antes de a mesma ser condenada como litigante de má fé é, essencialmente, o seguinte: – evitar que a mesma seja surpreendida com um resultado que não espera, nem deseja, dando-lhe a possibilidade de se pronunciar sobre o assunto.
15ª – Ora, bem sabendo o Autor da infundamentação do que, repetida e impropriamente, acabara de requerer, a sua audição não faria qualquer sentido, nem teria qualquer justificação.
16ª – Só se fosse para que ele próprio confirmasse a sua própria litigância de má fé.
17ª – Por outro lado, bem sabendo o Autor da infundamentação do que, repetida e impropriamente, acabara de requerer, a sua condenação como litigante de má fé não constituiu (nem podia constituir) qualquer surpresa.
18ª – Exigir-se, no caso em apreço, audição do A., constituiria não apenas um acto perfeitamente desnecessário, como até um exacerbado e cego respeito por um princípio que não é cego: – o contraditório.
19ª – Mas, ainda que se entendesse que a audição do A. era obrigatória, sempre ele havia de ter recorrido para o Tribunal da Relação do Porto da correspondente omissão.
20ª – E NÃO O FEZ. Na verdade, o Recorrente não suscitou (como lhe competia) tal violação do contraditório nas alegações de recurso.
21ª – Ora, só pode recorrer-se para o Venerando Tribunal Constitucional das decisões que não admitam recurso ordinário. E, no caso presente, o recurso com tal fundamento era admissível.
22ª – Embora o Recorrente não o tenha referido, supõe-se que o presente recurso radica no art. 70º.1.b) da LOTC, pois que, no entender do Recorrente, os Tribunais das 1ª e 2ª Instâncias, ao aplicarem determinadas normas, interpretaram-nas inconstitucionalmente.
23ª – Acontece, porém, que o Recorrente não invocou a eventual inconstitucionalidade derivada da violação do contraditório a que se vem aludindo, NEM APÓS O MOMENTO EM QUE FOI CONDENADO COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ, NEM EM QUAISQUER ALEGAÇÕES DE RECURSO (nem nos agravos, nem na apelação).
24ª – Fê-lo apenas, impropriamente e a destempo, num requerimento apresentado ao Tribunal da Relação do Porto, depois de este ter já proferido o seu Acórdão sobre os agravos e a apelação, requerimento esse em que o Recorrente pretendeu pedir aclarações e esclarecimentos ao dito Acórdão.
25ª – Ora, só pode recorrer-se para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem normas cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
26ª – Por isso, também por essa circunstância, o Venerando Tribunal Constitucional não pode apreciar tal hipotética inconstitucionalidade (cfr. o art. 70º.1.b) e 2 da LOTC).
27ª – O Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se sobre todas as inconstitucionalidades suscitadas pelo então A. nas alegações dos recursos que interpusera.
28ª – Em face do que não houve qualquer inconstitucionalidade das instâncias na aplicação de quaisquer normas.' Corridos os vistos, cumpre apreciar e decidir. II. Fundamentos A) Questão prévia Antes de apreciar a questão de constitucionalidade trazida a este tribunal, importa resolver a questão prévia relativa ao não conhecimento do recurso, suscitada pela recorrida. Como se viu, entende esta que o recorrente não suscitou 'a eventual inconstitucionalidade derivada da violação do contraditório
(...) NEM APÓS O MOMENTO EM QUE FOI CONDENADO COMO LITIGANTE DE MÁ FÉ, NEM EM QUAISQUER ALEGAÇÕES DE RECURSO', só o tendo feito, 'impropriamente e a destempo, num requerimento apresentado ao Tribunal da Relação do Porto, depois de este ter já proferido o seu Acórdão sobre os agravos e a apelação'. Factualmente, tem razão a recorrida. Porém, entende-se que daí se não pode extrair a conclusão que pretende. Na verdade, nas suas alegações de recurso o recorrente suscitou uma inconstitucionalidade – embora não de normas, e antes do despacho que o condenou nas custas de um incidente e em multa como litigante de má fé –, invocando violação dos princípios da proporcionalidade, igualdade, boa-fé, segurança jurídica, da protecção da confiança legítima (conclusão 5) e ainda do artigo 2º da Constituição (conclusão 9º, d)). O Tribunal da Relação do Porto, pelo seu Acórdão de 1 de Março de 1999, reconheceu estar já obrigado a conhecer de tal questão no seu anterior Acórdão (de 23 de Novembro de 1998), e intentou suprir tal nulidade pronunciando-se então sobre essa questão de constitucionalidade, embora já não sobre uma outra que considerou ser nova, em relação à qual não existia omissão de pronúncia – a questão da violação do princípio do contraditório, que foi imputada às normas dos artigos 3º, 3ºA e 456º do Código de Processo Civil na interpretação adoptada no despacho impugnado. Este entendimento, que foi agora secundado pela recorrida, pressupõe, porém, que a questão de constitucionalidade sobre a qual pode vir a pronunciar-se o tribunal que tenha omitido pronúncia, para suprir a nulidade, é exactamente, e apenas, aquela sobre a qual anteriormente deixou de se pronunciar. Ora, pode duvidar-se de que a omissão de pronúncia em relação a uma certa questão de constitucionalidade – a qual, sendo arguida e deferida, evita o esgotamento do poder jurisdicional do tribunal em causa para conhecer dessa questão – tenha este efeito 'cristalizador' e limitador da questão a decidir, mormente em vista da natureza oficiosa do conhecimento das questões de constitucionalidade.
É que, não se tendo esgotado o poder jurisdicional do Tribunal em causa para conhecer de uma questão de constitucionalidade, pode entender-se que este, caso entenda suprir tal nulidade, exerce os seus poderes jurisdicionais nesse suprimento de forma não vinculada aos termos em que devia tê-los exercido antes, justamente porque os não exerceu. Neste sentido, aliás, a exigência de que a questão de constitucionalidade seja suscitada durante o processo, interpretada como tem sido na jurisprudência constitucional, em conformidade com a sua razão de ser, reporta-se a um momento em que o tribunal a quo ainda possa conhecer da questão, ou seja, anterior ao esgotamento do seu poder jurisdicional (v.g. Acórdãos n.ºs. 90/85, 310/94 e 1144/96, publicados no Diário da República [DR], II Série, de 11 de Junho de 1985, de 29 de Agosto de 1994 e de 11 de Fevereiro de 1997). Ora, havendo de considerar-se que a questão de constitucionalidade foi ainda suscitada durante o processo – na medida em que, tendo-o sido num requerimento de 'reforma' da sentença, tal requerimento foi deferido e o tribunal a quo veio, em consequência, a exercer os seus poderes jurisdicionais em matéria de aferição da constitucionalidade –, não faria sentido que, na apreciação dessa questão de constitucionalidade, o tribunal a quo estivesse limitado aos termos em que a questão de constitucionalidade tinha sido suscitada anteriormente, e não já na arguição de nulidade. B) Objecto e apreciação do recurso Como se deixou dito, no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade, intentado ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, pretendia-se a apreciação da constitucionalidade das normas do artigo 3º, n.ºs. 1, 2 e 3, do artigo 3º-A e do artigo 456º, n.ºs. 1 e 2, alíneas a), b), c) e d), do Código de Processo Civil. As outras normas do mesmo Código, a que o recorrente veio fazer referência nas alegações do recurso de constitucionalidade, produzidas neste Tribunal, não podem ser consideradas, já que é aquele requerimento que delimita o âmbito do recurso – v., por exemplo, Acórdãos n.ºs 634/94, 20/97 e 243/97, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 31 de Janeiro de 1995 e de 1 de Março de
1997 e nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 36º, pp. 609-614. Por outro lado, a invocação da alínea f) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, também contida no requerimento de recurso, não pode ser considerada procedente, atendendo a que o recorrente nunca suscitou a ilegalidade de norma alguma, nem está em causa nenhuma lei com valor reforçado. Não se tomará, pois, conhecimento do recurso nesta parte. Na introdução das conclusões das alegações produzidas no Tribunal Constitucional o recorrente escreve:
'Em síntese: as questões levantadas são: a) Condenação como litigante de má fé sem prévia audição do interessado; b) Omissão de pronúncia por parte do Acórdão da Relação do Porto.' Naturalmente, a invocada omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação do Porto não pode ser apreciada por este Tribunal, que apenas conhece de questões de constitucionalidade normativa. E, de acordo com a pretensão do recorrente, começando pela violação do princípio do contraditório. Ora, para este efeito, a invocação do disposto nos artigos 3º e 3º-A do Código de Processo Civil afigura-se meramente reflexa ou coadjuvante, na medida em que o juízo de censura constitucional que se pretende obter se foca logo na interpretação normativa do artigo 456º do Código de Processo Civil. Quase se pode, pois, dizer que as normas dos artigos 3º e 3º-A, salvaguardando esse contraditório – e a igualdade das partes (que é sua causa e consequência) –, só poderiam servir de parâmetros legais desse juízo. Isto, com a consequência de um juízo de inconstitucionalidade sobre o artigo 456º do Código de Processo Civil se poder vir a repercutir, também, em tais normas, ou numa sua específica dimensão normativa, justificando-se, assim que integrem o objecto de aferição por este Tribunal. Na sua redacção anterior, o artigo 456º do Código de Processo Civil já foi objecto de apreciação pelo Tribunal Constitucional (Acórdãos n.ºs 440/94, 103/95 e 357/98, publicados, respectivamente, no DR, II Série, de 1 de Setembro de
1994, de 17 de Julho de 1995, e de 16 de Julho de 1998). Porque as alterações que lhe foram introduzidas, primeiro pelo Decreto-Lei n.º
329-A/95, de 12 de Dezembro, e depois pelo Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, não foram significativas para o que ora está em causa, continua a entender-se, como no primeiro daqueles arestos (de resto, com transcrição no
último),
'que o regime instituído nas normas do artigo 456º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, quando interpretadas no sentido de a condenação em multa por litigância de má fé não pressupor a prévia audição do interessado em termos de este poder alegar o que tiver por conveniente, sobre uma anunciada e previsível condenação, padecerá de inconstitucionalidade, por ofensa daquele princípio constitucional' (o da proibição da indefesa, implicado no conteúdo genérico do direito fundamental de acesso aos tribunais). Acontece, porém, que a situação pressuposta naqueles acórdãos era bem diferente da que, nos autos, fundou a aplicação das normas em causa: tratava-se aí, como se escreveu no primeiro aresto citado, de uma das partes ter sido confrontada
'com a utilização deste normativo quando lhe foi notificada a decisão recorrida, não podendo, assim, em momento anterior, suscitar a sua inconstitucionalidade, nem lhe sendo, tão pouco, exigível um qualquer juízo prévio de prognose relativo
à sua aplicação (...).' Neste caso, pode dizer-se que
'semelhante interpretação priva por completo o interessado de poder apresentar perante o tribunal qualquer tipo de defesa, acabando por ser confrontado com uma decisão condenatória cujos fundamentos de facto e de direito não teve oportunidade de contraditar.' Não existia, pois, naqueles casos a oralidade e imediação que estiveram presentes na situação que levou à condenação como litigante de má fé nos presentes autos, não podendo deixar de concluir-se que existem diferenças significativas entre uma condenação logo em plena audiência de julgamento, a propósito de um incidente processual, e, segundo o próprio recorrente, na sequência de um pedido nesse sentido da recorrida, e a circunstância de se
'dita[r] na própria sentença essa condenação e logo (...) fixa[r] a quantia certa a que corresponde', para retomar, de novo, o que se escreveu no Acórdão n.º 440/94. Ou seja: a alegada violação do contraditório, em que o recorrente baseia a pretensão de obter um juízo de inconstitucionalidade, assume, segundo o próprio recorrente, características diversas no caso dos autos e nos casos em que originaram aquela jurisprudência. Nestes, a parte condenada era colocada perante uma situação de facto consumado, sem possibilidade de contra ela reagir senão através de recurso, porventura em situações em que, como se escreveu, nem lhe era 'exigível um qualquer juízo de prognose relativo à (...) aplicação' da multa por litigância de má fé. No caso dos autos, como resulta da acta da audiência de julgamento, o recorrente foi confrontado presencialmente com o pedido de condenação em litigância de má fé (fls. 1638 e seg. dos autos), não reagindo contra ele, nem sobre ele se pronunciando ou tentando pronunciar – nem antes, nem depois da suspensão da audiência, nem antes nem depois da condenação nessa multa, o que, aliás, correspondia a um direito seu. Aliás, de tal decisão cabe sempre recurso, tendo, porém, este vindo a ser sustentado apenas na ausência do contraditório que, pelo menos implicitamente, se deixou de exercer na audiência. Assim, embora seja de manter o juízo proferido naqueles arestos sobre os n.ºs 1 e 2 do artigo 456º do Código de Processo Civil, agora a propósito da sua nova redacção, decorrente do Decreto-Lei n.º 180/96, de 25 de Setembro, pode no presente caso concluir-se pela não inconstitucionalidade dessas normas, desde que haja possibilidade de exercício do contraditório: a ausência de previsão expressa, naqueles normativos, de um 'qualquer mecanismo processual autónomo que haja de ser cumprido com vista à emissão daquele juízo condenatório' (Acórdão n.º 440/94) não implica violação do princípio do contraditório se a condenação em multa como litigante de má fé ocorrer no decurso da audiência de julgamento, e não for vedada ao visado a oportunidade de se pronunciar sobre a proposta de condenação como litigante de má fé, nomeadamente por não estar devidamente representado, pela não atribuição da palavra para o efeito solicitada, pela proibição de resposta ou protesto (que não resultam dos autos). O que é dizer que, como sempre que está em causa a contradição de pretensões alheias, a existência por parte do visado em audiência de um ónus de iniciativa não conflitua com a salvaguarda do contraditório: este não implica prescindir desse
ónus, mas apenas proporcionar-lhe condições de exercício. Só um entendimento diverso acarretaria a violação do princípio do contraditório que é uma exigência própria da ideia de Estado de Direito e, consequentemente, levaria também a um entendimento inconstitucional do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, na redacção resultante das reformas de 1995 e 1996, como, de resto foi admitido nos referidos Acórdãos n.ºs. 103/95 e 357/98. Salvaguardando, pois, o princípio do contraditório a possibilidade do seu exercício – não a sua necessária e efectiva utilização –, e sendo esse o sentido da anterior jurisprudência constitucional, no caso, não tendo faltado a possibilidade de tal exercício em audiência nem tendo o visado tentado exercê-lo, da reafirmação dessa jurisprudência só pode resultar a improcedência do recurso. A violação do princípio da igualdade – e, consequentemente, também o entendimento constitucionalmente desconforme, por esta razão, do artigo 3º-A do Código de Processo Civil – não decorre, nem da argumentação do recorrente, nem das circunstâncias do caso. Quanto aos restantes parâmetros, identificados pelo recorrente nas alegações para o Tribunal da Relação do Porto – princípios da proporcionalidade, da segurança jurídica, da legalidade e da protecção da confiança legítima – como atingidos pelo despacho de condenação como litigante de má fé, e de novo enumerados nas alegações produzidas neste Tribunal como lesados por esse despacho e pelos acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, não foram referidos
às normas que se acaba de apreciar, nem, mesmo que o fossem, alterariam o juízo a que se chegou. Na verdade, não viola nenhum destes princípios que, perante um pedido de condenação de uma das partes como litigante de má fé em audiência de julgamento, essa condenação ocorre sem efectiva reacção do visado, se tal pedido foi levado ao seu conhecimento. Como se referiu, a salvaguarda do contraditório nunca poderia depender da efectiva reacção desta quando ela foi possível – como é quando tal pedido é formulado em audiência e o visado se encontra devidamente representado em juízo –, sob pena de se lhe atribuir a possibilidade de, pela falta de reacção, vir sempre mais tarde a 'neutralizar' tal condenação. III. Decisão Nos termos e pelos fundamentos expostos, decide-se: a) Não julgar inconstitucionais as normas do artigo 456º, n.ºs 1 e 2 – e, consequentemente, dos artigos 3º, n.ºs 1, 2 e 3 e 3º-A do Código de Processo Civil –, desde que a condenação em multa por litigância de má fé ocorra no decurso da audiência de julgamento a pedido de uma das partes e a outra se não pronuncie sobre tal pedido; b) Consequentemente, negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida, no que à questão de constitucionalidade respeita; c) Condenar o recorrente em custas, com 15 (quinze) unidades de conta de taxa de justiça.
Lisboa, 19 de Março de 2003 Paulo Mota Pinto Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Luís Nunes de Almeida