Imprimir acórdão
Proc. nº 64/2000 Plenário Rel.: Consª Maria Fernanda Palma
Acordam em Plenário no Tribunal Constitucional
I Relatório A O pedido e os seus fundamentos
1. O Ministro da República para a Região Autónoma da Madeira vem requerer, ao abrigo do artigo 281º, nº 2, alínea g), da Constituição, a declaração, com força obrigatória geral, da ilegalidade de várias normas do Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, de 31 de Janeiro, que 'aprova o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino públicos da Região Autónoma da Madeira'. Tais normas constam dos artigos 7º, nºs 2 e 6; 11º, nºs 3 a 8; 14º, nº 3; 17º, nºs 1 e 2; 18º a 29º; 63º; 67º; 76º, e ainda 13º, nº
4, e 70º, nº 1, do Regime em causa e são do seguinte teor: Artigo 7º Composição
(...)
2 - O número total de representantes do corpo docente não poderá ser superior a
50% da totalidade dos membros do conselho da comunidade educativa.
(...)
6 - O presidente da direcção executiva ou o director e o presidente do conselho pedagógico são membros de pleno direito do conselho da comunidade educativa.
Artigo 11º Eleições
(...)
3 - Considera-se eleita a lista que obtiver um mínimo de 51% dos votos entrados na urna, os quais deverão representar, pelo menos, 60% do número total de eleitores.
4 - Quando no primeiro escrutínio nenhuma lista sair vencedora nos termos do número anterior, haverá um segundo escrutínio a realizar no prazo máximo de dois dias úteis ao qual só poderão concorrer as duas listas mais votadas no primeiro.
5 - No caso de não ser possível distinguir quais as duas listas mais votadas em virtude de empate, no segundo escrutínio concorrerão todas as listas que não tenham sido eliminadas por força do número anterior.
6 - Quando no primeiro escrutínio se apresenta à votação mais de uma lista e tenha de haver segundo escrutínio, neste é considerada eleita a lista que tenha obtido maior número de votos desde que tenham votado pelo menos 60% dos eleitores.
7 - Quando no primeiro escrutínio se apresente apenas uma lista à votação e, por força do n.º 3 deste artigo, tenha de haver segundo escrutínio, neste a lista só
é considerada vencedora desde que obtenha 51% dos votos entrados na urna, os quais deverão representar pelo menos 60% do número total de eleitores.
8 - Na impossibilidade de conclusão do processo eleitoral, os representantes do pessoal docente e não docente são designados pelos corpos representativos do pessoal dos quadros da escola, ou, na sua ausência, de entre o pessoal em exercício efectivo de funções.
Artigo 13º Direcção executiva ou director
(...)
4 – Os vice-presidentes e os adjuntos gozam de redução na componente lectiva de acordo com o mapa I em anexo, que faz parte integrante deste diploma.
Artigo 14º Composição
1 - A direcção executiva, enquanto órgão colegial, é constituída por um presidente e dois vice-presidentes, sendo-lhe de aplicar as normas previstas no Código do Procedimento Administrativo.
2 - No caso de a escola ter optado por um director, este é apoiado no exercício das suas funções por dois adjuntos.
3 - Nas escolas em que funciona a educação pré-escolar e ou o 1º ciclo conjuntamente com outros ciclos do ensino básico, um dos membros do órgão colegial, o director ou um dos seus adjuntos deve ser professor do 1º ciclo ou educador de infância.
Artigo 17º Recrutamento
1 - A direcção executiva ou director é recrutada mediante concurso, promovido pela direcção executiva ou director cessante.
2 - O concurso referido no número anterior obedece a processo próprio, aberto por aviso a afixar na escola onde o lugar é posto a concurso, nos termos dos artigos seguintes.
Artigo 18º Abertura do concurso da direcção executiva ou director
1 - O processo de recrutamento da direcção executiva ou director é aberto por aviso do presidente da direcção executiva ou director até 60 dias antes do final do respectivo mandato.
2 - O aviso referido no número anterior é obrigatoriamente afixado no estabelecimento de educação/ensino a que diz respeito e publicado no Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira.
Artigo 19º Aviso de abertura do concurso Deve constar do aviso de abertura do concurso o seguinte: a) Forma e prazo para apresentação das candidaturas e elementos que devem constar dos requerimentos de admissão; b) Requisitos de admissão; c) Documentos necessários para apreciação do mérito dos candidatos e sua seriação; d) Entidade à qual deve ser apresentada a candidatura; e) Métodos de selecção a utilizar; f) Indicação do local ou locais onde será afixada a lista dos candidatos admitidos e excluídos e o resultado do concurso. Artigo 20º Direcção executiva Sempre que se trate da direcção executiva, deverão as candidaturas indicar o nome do presidente e os nomes dos vice-presidentes, em número de quatro, sendo dois suplentes.
Artigo 21º Documentos
1 - Com o requerimento da candidatura, os candidatos devem apresentar, obrigatoriamente, curriculum vitae, acompanhado dos documentos comprovativos dos requisitos de admissão, bem como de outros susceptíveis de influírem na apreciação do mérito, designadamente para efeitos de avaliação curricular.
2 - Deverá também ser junto projecto contendo as grandes linhas de acção a serem cumpridas pela direcção executiva ou director no decurso do respectivo mandato.
Artigo 22º Comissão As candidaturas serão apreciadas por uma comissão constituída para o efeito, composta por três ou cinco docentes, designados pelo conselho da comunidade educativa.
Artigo 23º Verificação dos requisitos de admissão
1 - Terminado o prazo para apresentação das candidaturas, a comissão procede à verificação dos requisitos de admissão no prazo de 10 dias úteis.
2 - Os candidatos que devam ser excluídos são notificados, no âmbito de exercício do direito de participação dos interessados, para no prazo de 10 dias
úteis dizerem por escrito o que se lhes oferece.
3 - A notificação contém o enunciado objectivo dos fundamentos da intenção da exclusão.
Artigo 24º Candidatos admitidos e métodos de selecção
1 - Os candidatos admitidos são convocados para a realização dos métodos de selecção através de carta registada com aviso de recepção.
2 - A comissão utiliza os seguintes métodos de selecção: a) Avaliação curricular; b) Entrevista profissional de selecção. Artigo 25º Avaliação curricular A avaliação curricular destina-se a avaliar as aptidões profissionais dos candidatos para o exercício do cargo através da ponderação dos seguintes factores: a) Habilitações académicas de base; b) Qualificação e experiência profissional, designadamente tempo de serviço em funções docentes e de gestão pedagógica e administração escolar; c) Formação profissional complementar adquirida, designadamente pela frequência de cursos e acções de formação no domínio das ciências de educação.
Artigo 26º Entrevista profissional de selecção A entrevista profissional de selecção destina-se a avaliar, numa relação interpessoal e de forma objectiva e sistemática, as capacidades e aptidões dos candidatos para o exercício do cargo, através da comparação com um perfil delineado de acordo com as seguintes características: a) Elevado sentido pedagógico; b) Capacidade de organização e método de administração e gestão dos recursos humanos e materiais da escola; c) Espírito de iniciativa e de dinamização da actividade educativa; d) Capacidade de diálogo e cooperação com os diversos elementos, grupos e instituições que integram a comunidade educativa; e) Receptividade à mudança e à inovação; f) Capacidade de apoiar, estimular e desenvolver as diversas iniciativas da comunidade educativa, tendo em vista a valorização do processo de ensino e de aprendizagem.
Artigo 27º Classificação final
1 - Na classificação final é adoptada a escala de 0 a 20 valores.
2 - A classificação final resulta da média aritmética simples ou ponderada das classificações obtidas em todos os métodos de selecção.
3 - Em caso de igualdade de classificação preferem sucessivamente: a) O candidato com mais tempo de serviço e experiência de administração e gestão escolar; b) O candidato com maior graduação profissional; c) O candidato com maior habilitação académica.
Artigo 28º Ordenação dos candidatos
1 - Terminada a aplicação dos métodos de selecção, a comissão elabora, no prazo de 10 dias úteis, a decisão relativa à classificação final e ordenação dos candidatos e procede à respectiva audição por escrito nos termos do Código do Procedimento Administrativo.
2 - A notificação contém a indicação do local e horário de consulta do processo.
Artigo 29º Homologação A acta que contém a lista de classificação final acompanhada das restantes actas
é submetida a homologação do conselho da comunidade educativa.
Artigo 63º Direcção
1 - A direcção é assegurada por um director, dispensado na totalidade da componente lectiva, e é o órgão de administração e gestão da escola nas áreas pedagógica, cultural, administrativa e financeira.
2 - O director é coadjuvado por um adjunto que exerce o cargo nas condições expressas no nº 4 do artigo 13º
Artigo 67º Direcção
1 - A direcção é assegurada por um director, dispensado na totalidade da componente lectiva, e é o órgão de administração e gestão do estabelecimento nas
áreas pedagógica, cultural, administrativa e financeira.
2 - O director é coadjuvado por um adjunto que exerce o cargo nas condições expressas no nº 4 do artigo 13º
Artigo 70º Incentivos pecuniários
1 – Aos membros da direcção executiva ou director e adjuntos é atribuído um suplemento remuneratório cujo montante consta no mapa III, em anexo ao presente diploma, que dele faz parte integrante.
(...)
Artigo 76º Aplicação
1 - Até à gradual implementação do presente diploma, as creches e os estabelecimentos de educação pré-escolar, sejam jardins-de-infância, infantários ou unidades de educação pré-escolar quando não incluídas nos estabelecimentos do ensino básico, bem como as escolas do 1º ciclo do ensino básico, e as unidades de educação pré-escolar incluídas nos mesmos, regem-se pelo Estatuto das Creches e dos Estabelecimentos de Educação Pré-Escolar da Rede Pública Regional, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 25/94/M, de 19 de Setembro, despacho nº 40/75, de 18 de Outubro e demais legislação complementar, respectivamente.
2 - No ano de 1999-2000, os estabelecimentos públicos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário da Região Autónoma da Madeira continuam a reger-se pelo Decreto-Lei nº 769-A/76, de 23 de Outubro, Decreto-Lei nº 215/84, de 3 de Julho, Decreto Legislativo Regional nº 25/94/M, de 19 de Setembro, despacho nº 40/75, de 8 de Novembro, Decreto-Lei nº 172/91, de 10 de Maio, e demais legislação complementar, consoante a natureza, modelo de gestão, nível e grau de ensino do estabelecimento.
2. Alega, em síntese, o Ministro da República:
– na decorrência da revisão constitucional de 1982, a Constituição passou a consagrar, no artigo 77º, atinente à participação democrática no ensino, que 'os professores e alunos têm o direito de participar na gestão democrática das escolas, nos termos da lei' (nº 1) e que 'a lei regula as formas de participação das associações de professores, de alunos, de pais, das comunidades e das instituições de carácter científico na definição da política de ensino' (nº 2);
– existe em tal conceito um núcleo essencial segundo o qual se pressupõe que a 'gestão escolar não compete, no todo ou em parte, ao titular do estabelecimento escolar (Estado, etc.), ou a alguém por ele nomeado, mas sim a
órgãos próprios da escola, eleitos pela colectividade escolar, com participação de professores e alunos' (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3.ª ed., Coimbra, 1993, pág. 375);
– a Lei nº 46/86, de 14 de Outubro (Lei de Bases do Sistema Educativo), na qual foram introduzidas alterações pela Lei nº 115/97, de 19 de Setembro, estabelece, no seu artigo 45º, subordinado à epígrafe Administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino, que, em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino, a administração e gestão se orientam 'por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo' (nº 2) e que 'a direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados' (nº 4);
– o Decreto-Lei nº 43/89, de 3 de Fevereiro, no desenvolvimento daquela lei de bases, veio depois estabelecer o regime jurídico de autonomia das escolas oficiais dos 2º e 3º ciclos dos ensinos básico e secundário, autonomia esta definida no artigo 2º, como 'a capacidade de elaboração e realização de um projecto educativo em benefício dos alunos e com a participação de todos os intervenientes no processo educativo', sendo que, entre os princípios orientadores pelos quais a escola deverá ser regida, se incluiu, no artigo 3º, alínea c), a 'democraticidade na organização e participação de todos os interessados no processo educativo e na vida da escola';
– na continuidade e complementaridade destes princípios, o Decreto-Lei nº 172/91, de 10 de Maio, ainda no desenvolvimento da referida Lei nº 46/86, aprovou o regime de direcção, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, havendo, no seu processo formativo, sido ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira;
– como no preâmbulo desse decreto-lei se assinala, a experiência acumulada durante 15 anos de gestão democrática das escolas recomenda a conciliação entre 'o intransigente requisito de democraticidade com as necessárias exigências de estabilidade, eficiência e responsabilidade', intentando-se assim definir um modelo de direcção e gestão que, 'nas suas linhas conceptuais, é comum a todos os estabelecimentos de educação e de ensino, mas que se concretiza em modalidades específicas', procurando, por outro lado, realizar 'os princípios de representatividade, democraticidade e integração comunitária' – efectivamente, 'no conselho de área escolar e de escola, através do processo de eleição, encontram-se representados os intervenientes na comunidade escolar, competindo a este órgão colegial as funções de direcção';
– a aplicação do regime previsto neste diploma a toda a rede de estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, como decorre do seu artigo 52º, foi progressivamente efectuada, em regime de experiência pedagógica, sendo que, nos estabelecimentos onde não se verificassem as condições para tanto indispensáveis, foram mantidos os órgãos e estruturas educativas existentes ao abrigo da legislação vigente à data da sua entrada em vigor;
– entretanto, ainda no desenvolvimento da Lei nº 46/86, foi publicado o Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio, depois alterado, por apreciação parlamentar, pela Lei nº 24/99, de 22 de Abril, que aprovou o Regime de autonomia administrativa e gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário (de ora em diante, Regime de Autonomia);
– aquando da formação deste decreto-lei, publicado para valer como lei geral da República, nos termos do artigo 112º, nº 5, da Constituição, foram ouvidos os órgãos de governo próprio das Regiões Autónomas dos Açores e da Madeira, nele se prescrevendo a sua aplicação 'às Regiões Autónomas sem prejuízo das competências dos respectivos órgãos de governo próprio (artigo 13º);
– no âmbito do ordenamento jurídico regional, a matéria em causa começou por ser tratada no Decreto-Lei nº 364/79, de 4 de Setembro, que transferiu para a Região Autónoma da Madeira um conjunto de serviços anteriormente tutelados pelo Ministério da Educação, cometendo aos órgãos de governo próprio da Região, nomeadamente, as atribuições de garantir o ensino obrigatório e proporcionar o ensino pós-obrigatório, bem como superintender na organização administrativa e funcionamento dos estabelecimentos oficiais de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário [artigo 3º, nº 1, alíneas a), b) e f)];
– aquele diploma reserva, porém, para a competência do Ministério da Educação, sem prejuízo da reserva legislativa da Assembleia da República, a definição 'dos princípios gerais de gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e de ensino' [artigo 2º, nº 1, alínea e)];
– em sintonia com esta delimitação e em concomitância com os princípios afirmados no Decreto-Lei nº 43/89, veio este último diploma a ser adaptado às especificidade da Região Autónoma da Madeira pelo Decreto Legislativo Regional nº 17/92/M, de 30 de Abril, tendo sido observadas no seu articulado as linhas orientadoras da autonomia da escola ali definidas;
– posteriormente, a Assembleia Legislativa Regional aprovou, em sessão plenária de 28 de Julho de 1999, um decreto relativo ao Regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação e de ensino públicos na Região Autónoma da Madeira (doravante, Regime de Autonomia Regional), o qual veio a ser vetado pelo Ministro da República;
– todavia, a Assembleia Legislativa Regional confirmou o voto por maioria absoluta dos seus membros em efectividade de funções, mantendo integralmente o decreto, que foi publicado como Decreto Legislativo Regional nº
4/2000/M, de 31 de Janeiro;
– não faz o decreto legislativo regional em apreço qualquer referência, seja no preâmbulo, no formulário inicial ou no articulado, ao Decreto-Lei nº
115-A/98, não obstante a circunstância de ambos os diplomas versarem sobre a mesma matéria – o regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos de educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário – e de haver sido atribuída ao Decreto-Lei nº 115-A/98 a natureza de lei geral da República;
– contudo, apesar de o Decreto-Lei nº 115-A/98 não ter sido invocado entre as normas legitimadoras do Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, o certo é que este diploma regional nele se inspirou claramente, constituindo algumas das suas disposições uma quase integral reprodução das normas daquele outro;
– porém, o diploma em causa introduziu alterações significativas nas soluções adoptadas no Regime de Autonomia, no tocante às seguintes matérias:
– âmbito de aplicação e agrupamentos de escola
– contratos de autonomia
– princípio da democraticidade e participação de todos os intervenientes no processo educativo e princípio da representatividade dos órgãos de administração e gestão da escola
– suplemento remuneratório e redução da componente lectiva, para os docentes titulares de órgãos de administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino;
– ora, tendo em conta que o Decreto-Lei nº 115-A/98 foi editado no desenvolvimento do regime jurídico estabelecido pelos artigos 45º e 59º, nº 1, alínea d), da Lei nº 46/86, alterada pela Lei nº 115/97, para valer como lei geral da República, nos termos do artigo 112º, nº 5, da Constituição, a legislação regional incidente sobre aquela matéria não poderia deixar de ter presente o regime ali instituído como seu parâmetro condicionador;
– e não poderia deixar de o ter presente, não só por força da imposição constitucional e estatutária que faz depender a competência legislativa regional do acatamento dos princípios fundamentais das leis gerais da República, como também porque aquele diploma, por força do seu artigo 13º, se aplica às Regiões Autónomas, sem prejuízo das competências dos respectivos órgãos de governo próprio;
– como resulta do artigo 16º, nº 2 da Lei nº 74/98, de 11 de Novembro
(Publicação, identificação e formulário dos diplomas), os decretos legislativos regionais que procedam a adaptações de normas de leis gerais da República devem indicar expressamente o diploma legal e os preceitos objecto de adaptação;
– tendo presentes os objectivos visados pelo Decreto-Lei nº 115-A/98, deverá, por certo, considerar-se que a delimitação do âmbito de aplicação do Regime de Autonomia, a previsão da figura dos agrupamentos de escola, a previsão dos contratos de autonomia, o princípio da democraticidade e participação de todos os intervenientes no processo educativo e o princípio da representatividade dos órgãos de administração e gestão da escola, assim como a sua concretização ao nível da regulação dos órgãos de administração e gestão da escola, bem como o suplemento remuneratório e redução da componente lectiva, para os docentes titulares de órgãos de administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino, revestem a natureza de princípios fundamentais de uma lei geral da República, sendo que o diploma em apreço não considerou nem observou a disciplina jurídica constante de tais princípios fundamentais.
Para além destas considerações de ordem geral, o requerente procede a uma minuciosa comparação entre as normas impugnadas constantes do Regime de Autonomia Regional aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M e a correspondente regulação de idênticas matérias no Regime de Autonomia aprovado pelo Decreto-Lei nº 115-A/98 ou, quanto ao suplemento remuneratório e redução da componente lectiva, no Decreto-Lei nº 355-A/98, emitido para concretizar o preceituado no artigo 55º do mesmo Regime, concluindo pela respectiva incompatibilidade.
Finaliza o Ministro da República no sentido de as normas dos artigos
76º, 7º, nºs 2 e 6, 14º, nº 3, 63º, 67º, 11º, nºs 3 a 8, 17º, nºs 1 e 2, e 18º a
29º do Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos de Educação e de Ensino Públicos da Região Autónoma da Madeira, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, padecerem do vício de ilegalidade, por desconformidade com princípios fundamentais definidos pelo Decreto-Lei nº
115-A/98, de 4 de Maio, com a redacção dada pela Lei nº 24/99, de 22 de Abril, e também com o artigo 45º da Lei nº 46/86, de 14 de Outubro, porque ultrapassam o
âmbito da competência legislativa regional, tal como esta se acha delimitada no artigo 227º, nº 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa e no artigo 37º, nº 1, alínea e), do Estatuto Político-Administrativo da Região Autónoma da Madeira, aprovado pela Lei nº 13/91, de 5 de Junho, e revisto pela Lei nº 130/99, de 21 de Agosto.
B A resposta do autor da norma
3. Notificado, veio o Presidente da Assembleia Legislativa Regional responder, alegando, fundamentalmente, que:
– o Regime de Autonomia Regional, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, não se fundamentou num critério de opção legislativa motivado pela adaptação do Regime de Autonomia aprovado pelo Decreto-Lei nº
115-A/98;
– essa opção foi a prosseguida na Região Autónoma dos Açores, com o Decreto Legislativo Regional n.° 18/99/A, de 21 de Maio, que procedeu apenas a adaptações no sentido de atribuir competências aos órgãos de governo próprio daquela Região, em função da sua especificidade orgânica na área da educação, o que até seria despiciendo em face do disposto no artigo 13.° do Decreto-Lei nº
115-A/98;
– mas tal opção não foi, claramente, a vontade da Assembleia Legislativa Regional da Madeira que, desde o início e devido à importância das matérias em questão, manifestou uma opção própria e autónoma de legislar, sempre no respeito pelos grandes princípios que enformam o quadro normativo português na área do sistema educativo;
– importa salientar que não se deve limitar nem condicionar a apreciação do Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M ao espartilho legal do Decreto-Lei nº 115-A/98, procurando identificar-se como parâmetros condicionadores daquele diploma regional, cujo processo de maturação ocorreu de parceria com o elaborado a nível nacional:
– em primeiro lugar, a Constituição da República Portuguesa
– depois, a Lei de Bases do Sistema Educativo, esta sim definidora dos princípios gerais que enformam o quadro normativo do Sistema Educativo Português
(artigos 1° e 2°)
– em seguida, o Decreto-Lei n.° 364/79, de 4 de Setembro, que em nota preambular afirma que 'a concretização desta Autonomia nos domínios da educação
(...) impõe que se efectue a transferência dos serviços periféricos'
– e, finalmente, o Estatuto Político- Administrativo da Região que, de entre os seus princípios fundamentais, consagra o princípio da subsidiariedade
(artigo 11°).
Seguidamente, a resposta analisa as diversas questões de ilegalidade, sustentando que não se violam princípios fundamentais de uma lei geral da República, desde logo porque estes, para assim o serem, deveriam necessariamente ter merecido inscrição na Lei de Bases do Sistema Educativo. Por outro lado, a mesma resposta assume claramente que houve, na Região Autónoma da Madeira, a 'opção por uma filosofia' distinta da constante do Regime de Autonomia, ante as particularidades da rede escolar própria da Região.
Quanto ao suplemento remuneratório e à redução da componente lectiva, considera que 'não se consegue vislumbrar em que aspecto se podem configurar os valores dos suplementos remuneratórios e a carga horária das reduções da componente lectiva como princípios fundamentais'.
Consequentemente, conclui pela improcedência do pedido.
II Fundamentação A Delimitação do objecto
4. No início do seu requerimento, o Ministro da República requer a declaração, com força obrigatória geral, de ilegalidade 'das normas adiante especificadas'. Por outro lado, no ponto II – D do mesmo requerimento, impugna especificadamente a legalidade dos artigos 13º, nº 4, e 70º, nº 1, do decreto legislativo regional em causa. Todavia, na conclusão do requerimento, omite estas últimas normas, apenas referindo a ilegalidade das constantes dos restantes artigos já identificados (supra, nº 2). Entende-se que, no contexto do requerimento, a omissão nas conclusões das normas em questão não pode deixar de se dever a mero lapso de escrita, sendo certo que antes foi especificamente arguida a ilegalidade das mesmas, com exposição dos fundamentos considerados relevantes. Aliás, na sua resposta, a Assembleia Regional respondeu também à questão de ilegalidade destas normas, entendendo, portanto, que ela integrava o objecto do pedido.
Não pode, pois, deixar de se tomar conhecimento desta questão.
B As questões de legalidade colocadas
5. O decreto legislativo regional em apreciação foi emitido ao abrigo do disposto na alínea a) do nº 1 do artigo 227º da Constituição, segundo a qual as regiões autónomas têm o poder de 'legislar, com respeito pelos princípios fundamentais das leis gerais da República, em matérias de interesse específico para as regiões que não estejam reservadas à competência própria dos órgãos de soberania'.
O requerente sustenta que as normas impugnadas, constantes daquele diploma, violam princípios fundamentais das leis gerais da República consignados no Decreto-Lei nº 115-A/98 ou no Decreto-Lei nº 355-A/98, sendo certo que ambos os diplomas se qualificam a si mesmos como tal.
Ora, nos termos do preceituado no artigo 112º da CRP, 'os decretos legislativos regionais versam sobre matérias de interesse específico para as respectivas regiões e não reservadas à Assembleia da República ou ao Governo, não podendo dispor contra os princípios fundamentais das leis gerais da República' (nº 4), as quais são definidas como 'as leis e os decretos-leis cuja razão de ser envolva a sua aplicação a todo o território nacional e assim o decretem' (nº 5).
No caso vertente, o órgão autor das normas não contesta a existência de divergência de conteúdo entre o decreto legislativo regional e os invocados decretos-leis, considerando, em suma, porém, que aquele decreto legislativo regional só deve conformar-se com o estabelecido na Lei de Bases do Sistema Educativo, cujos princípios fundamentais terá integralmente respeitado.
Pode, assim, dar-se por assente a divergência de opções legislativas entre o diploma regional e os diplomas dimanados do Governo, passando a analisar-se separadamente as relações entre aquele e cada um dos decretos-leis referenciados e a concluir-se quanto às consequências das divergências reconhecidas.
C O Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M e o Decreto-Lei nº 115-A/98
6. O artigo 167º [hoje, artigo 164º, alínea i)], da CRP incluía – como actualmente continua a incluir – na reserva absoluta de competência legislativa da Assembleia da República as bases do sistema de ensino. Sendo tais bases contempladas na reserva absoluta da Assembleia da República, no
âmbito desta incluem-se necessariamente princípios relativos a matérias como a liberdade de ensino (artigo 43º), o direito ao ensino (artigos 74º e ss.), o estatuto das universidades (artigo 76º) e os direitos de participação no ensino
(artigo 77º) (neste sentido, cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, nota XV ao artigo 167º, p. 666).
É, portanto, inerente às bases do sistema de ensino um conjunto de opções fundamentais relativas ao direito ao ensino, cuja concretização levou o Parlamento a aprovar a Lei nº 46/86, em cujos artigos 45º e 59º, nº 1, alínea d), se estabelece o seguinte: Artigo 45º Administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino
1. O funcionamento dos estabelecimentos de educação e ensino, nos diferentes níveis, orienta-se por uma perspectiva de integração comunitária, sendo, nesse sentido, favorecida a fixação local dos respectivos docentes.
2. Em cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos de educação e ensino a administração e gestão orientam-se por princípios de democraticidade e de participação de todos os implicados no processo educativo, tendo em atenção as características específicas de cada nível de educação e ensino.
3. Na administração e gestão dos estabelecimentos de educação e ensino devem prevalecer critérios de natureza pedagógica e cientifica sobre critérios de natureza administrativa.
4. A direcção de cada estabelecimento ou grupo de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário é assegurada por órgãos próprios, para os quais são democraticamente eleitos os representantes de professores, alunos e pessoal não docente, e apoiada por órgãos consultivos e por serviços especializados, num e noutro caso segundo modalidades a regulamentar para cada nível de ensino.
5. A participação dos alunos nos órgãos referidos no número anterior circunscreve-se ao ensino secundário.
6. A direcção de todos os estabelecimentos de ensino superior orienta-se pelos princípios de democraticidade e representatividade e de participação comunitária.
7. Os estabelecimentos de ensino superior gozam de autonomia cientifica, pedagógica e administrativa.
8. As universidade gozam ainda de autonomia financeira, sem prejuízo da acção fiscalizadora do Estado.
9. A autonomia dos estabelecimentos de ensino superior será compatibilizada com a inserção destes no desenvolvimento da região e do País.
Artigo 59º Desenvolvimento da lei
1. O Governo fará publicar no prazo de um ano, sob a forma de decreto-lei, a legislação complementar necessária para o desenvolvimento da presente lei que contemple, designadamente, os seguintes domínios:
(...) d) Administração e gestão escolares
(...)
Ora, foi invocando expressamente que procedia ao desenvolvimento destas disposições da Lei nº 46/86 que o Governo publicou, como lei geral da República, o Decreto-Lei nº 115-A/98 (alterado pela Lei nº 24/99), ao abrigo do preceituado na alínea c) do nº 1 do artigo 198º da CRP, segundo o qual compete ao Governo, no exercício de funções legislativas, 'fazer decretos-leis de desenvolvimento dos princípios ou das bases gerais dos regimes jurídicos contidos em leis que a eles se circunscrevam'.
No que se refere às regiões autónomas, dispõe o artigo 13º do mencionado Decreto-Lei nº 115-A/98: O presente diploma aplica-se às regiões autónomas, sem prejuízo das competências dos respectivos órgãos de governo próprios. Porém, a Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira entendeu poder manifestar, conforme resulta da sua resposta, uma opção própria e autónoma de legislar, sempre no respeito pelos 'grandes princípios que enformam o quadro normativo português na área do Sistema Educativo', fora do 'espartilho legal' do Decreto-Lei nº 115-A/98, e tendo apenas como referência – para além da Constituição e do Estatuto Político-Administrativo – a Lei nº 46/86 e o Decreto-Lei n.° 364/79, que procedeu à transferência dos serviços periféricos. Deste modo, a Assembleia Legislativa Regional da Região Autónoma da Madeira considera-se competente para legislar em desenvolvimento dos princípios constantes da Lei de Bases do Sistema Educativo, embora, no caso vertente, tenha legislado com apelo aos seus poderes legislativos genéricos que lhe são conferidos pelo artigo 227º, nº 1, alínea a).
Nos poderes das regiões autónomas, de acordo com o artigo 227º, nº
1, alínea c), inclui-se o de 'desenvolver, em função do interesse específico das regiões, as leis de bases em matérias não reservadas à competência da Assembleia da República, bem como as previstas nas alíneas f), g), h), n), t) e u) do nº 1 do artigo 165º'. Encontra-se, assim, excluída a possibilidade de as regiões desenvolverem uma lei de bases da reserva absoluta de competência da Assembleia da República, como acontece com a lei prevista, hoje, na alínea i) do artigo
164º da CRP, relativa às bases do sistema de ensino. Com efeito, apesar de a Revisão Constitucional de 1989 ter reconhecido poderes muito amplos às regiões autónomas no sentido do desenvolvimento de leis de bases da Assembleia da República, a competência para desenvolver a lei de bases do sistema de ensino cabe ao Governo [artigo 201º, nº 1, alínea c)]. Neste sentido se pronunciam J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, sublinhando que 'até à
última revisão constitucional, discutia-se se as regiões autónomas poderiam emitir decretos legislativos de desenvolvimento de leis de bases da AR, tendo o TC decidido no sentido negativo, contrariando uma parte da doutrina (AcTC nº
326/86). A LC nº 1/89 veio, porém, reconhecer-lhes tal poder, em termos muito amplos (nº 1/c), tendo excluído apenas o caso da lei de bases do sistema de ensino, que é matéria da reserva absoluta da competência da AR (art. 167º/i), que continua a só poder ser desenvolvida por decreto-lei do Governo (art.
201º-1/c)' (ob.cit., nota XI ao artigo 229º, p. 855). Assim, nesta matéria, os poderes legislativos das regiões autónomas estão particularmente limitados, ao ser atribuído ao Governo o desenvolvimento das leis de bases sobre o sistema de ensino, nos termos do preceituado no já citado artigo 198º, nº 1, alínea c). Não tendo a Assembleia Legislativa Regional poder para desenvolver as leis de bases em matéria de sistema de ensino, ela deve respeitar não só a lei de bases mas os próprios decretos-leis do Governo que desenvolvem essas bases. Neste domínio, portanto, não existe competência legislativa das regiões ou, pelo menos, não podem existir leis regionais contra legem dos órgãos de soberania. Admitir o contrário seria uma forma indirecta de fugir à limitação contida no artigo 227º, nº 1, alínea c), da Constituição.
7. Nesta ordem de ideias, o que está desde logo em causa não é saber se houve desrespeito pelos princípios fundamentais de uma lei geral da República, mas antes verificar se o legislador regional regulou matéria reservada aos órgãos de soberania. Com efeito, pode entender-se que a subordinação a princípios fundamentais das leis da República apenas tem pertinência em leis sobre matérias de competência concorrente, sendo a 'competência exclusiva' dos órgãos de soberania totalmente inibidora de conteúdos normativos emanados de decretos legislativos regionais
(cfr., nesse sentido, Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, tomo V,
2000, p. 406, e Carlos Blanco de Morais, As Leis Reforçadas – As leis reforçadas pelo procedimento no âmbito dos critérios estruturantes das relações entre actos legislativos, 1998, p. 296). Poder-se-ia, então, entender que o vício consistente na contradição de um decreto legislativo regional com uma lei de competência própria de um órgão de soberania configura apenas uma inconstitucionalidade, sendo incorrecta a classificação como ilegalidade. E se assim fosse não poderia este Tribunal conhecer do pedido, já que não lhe é constitucionalmente autorizado convolar um pedido de declaração de ilegalidade num pedido de declaração de inconstitucionalidade, sendo que, de resto, o requerente careceria de legitimidade para formular tal pedido [já que o Ministro da República só pode requerer a declaração de inconstitucionalidade 'quando o pedido se fundar em violação dos direitos das regiões autónomas', nos termos do artigo 281º, nº 2, alínea g), da Constituição]. Porém, deve concluir-se que, em qualquer caso, o facto de o Decreto-Lei nº
115-A/98 traduzir o exercício de uma competência própria do Governo não lhe retira a natureza, que simultaneamente possui, de lei geral da República: a sua razão de ser envolve, necessariamente, a respectiva aplicação a todo o território nacional e ele assim o decreta. A apreciação do decreto legislativo regional que o contradiz sob o prisma da ilegalidade é, deste modo, possível sobretudo tendo em conta que o vício da inconstitucionalidade não poderá ser conhecido, não se aplicando, por isso, em concreto, a lógica de consunção do vício de ilegalidade pelo vício mais grave de inconstitucionalidade. É essa lógica que resulta dos Acórdãos nº 170/90, de 27 de Junho, e 624/97, de 28 de Novembro, nos termos dos quais a questão de ilegalidade subsiste se não se verificar o vício de inconstitucionalidade quando forem reportados à mesma norma ambos os vícios.
8. Ora, a opção por esta última solução suscita imediatamente a questão de saber se é justificável distinguir no diploma governamental entre princípios fundamentais e outras disposições cujo desrespeito já não geraria o vício da ilegalidade. Perguntar-se-á se o facto de os decretos legislativos regionais não poderem contrariar, nestes casos, o decreto-lei que desenvolveu a lei de bases não conduzirá a que as normas desse decreto-lei possuam, no fundo, pelo modo e intensidade da sua vinculatividade jurídica, uma função e um valor equivalentes ao dos seus princípios fundamentais. Para quem responda afirmativamente, impõe-se, sem mais, a ilegalidade de todas as normas impugnadas. De todo o modo, e agora decisivamente, para quem entende que o juízo de ilegalidade pode e tem sempre de passar por um confronto entre as normas questionadas e os princípios fundamentais – e só eles – da lei geral da República em causa, a conclusão não pode ser diferente no caso concreto. É que, no que respeita às normas constantes dos artigos 7º, nºs 2 e 6, 11º, nºs 3 a 8,
14º, nº 3, 17º, nºs 1 e 2, 18º a 29º, 63º, 67º e 76º do Regime de Autonomia Regional, o órgão autor das normas não escondeu que pretendeu legislar de forma não apenas diferente da que consta do Regime de Autonomia aprovado por lei geral da República, mas com 'opção por uma filosofia' dele distinta – ou seja, ao arrepio dos seus princípios fundamentais.
9. Assim, uma análise comparativa daqueles preceitos com o Decreto-Lei nº
115-A/98, de 4 de Maio, leva a concluir que eles conflituam com vários princípios fundamentais dessa lei, a saber: a) Princípios relativos à previsão de contratos de autonomia (artigos 3º e 4º do Decreto-Lei nº 115-A/98) que não têm expressão no diploma sob escrutínio; b) Princípios relativos à democraticidade e participação de todos os intervenientes no processo educativo e à representatividade dos órgãos da administração e gestão de escola [artigos 3º, nº 1, e 4º, nºs 1 e 2, alíneas a) e b), do Decreto-Lei nº 115-A/98] como concretização do artigo 77º da Constituição e do artigo 45º da Lei nº 46/86 – tais princípios não encontram expressão no diploma regional nem no plano dos seus princípios essenciais nem em concreto na definição das estruturas de organização e funcionamento dos órgãos de gestão das escolas (artigo 5º, nº 2, do Decreto Legislativo Regional); c) Princípios relativos ao Conselho da comunidade educativa (artigo 7º, nº 2, do Decreto Legislativo Regional), tanto quanto à representatividade dos seus membros como quanto ao seu modo de designação – são, pois, contrariados os critérios constantes do Decreto-Lei nº 115-A/98 (artigos 9º, nº 6, e 13º, nºs 3,
4 e 5, do Regime de Autonomia, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 24/99, em confronto com o artigo 7º, nº 2, do Decreto Legislativo Regional); d) Princípios relacionados com a Direcção executiva ou o Director das escolas, quanto à composição e forma de designação, verificando-se que os artigos 14º, nº 3, 17º, nºs 1 e 2, e 18º a 29º do Regime de Autonomia contradizem o artigo 19º, nº 1, do Decreto-Lei nº 115-A/98; e) Princípios relativos à delimitação do âmbito temporal de aplicação do Regime de Autonomia e à previsão da figura dos agrupamentos de escola que projectam a incidência daquele regime em toda a rede escolar, com os quais contende o artigo 76º do diploma analisando;
10. Assim sendo, ao contrariarem os princípios fundamentais do Regime de Autonomia aprovado pelo Decreto-Lei nº 115-A/98 – o que não foi contestado –, as normas por esse motivo impugnadas do Regime de Autonomia Regional aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M estão feridas de ilegalidade.
D O Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M e o Decreto-Lei nº 355-A/98
11. No que respeita ao suplemento remuneratório e à redução da componente lectiva para os titulares dos órgãos de administração e gestão, o pedido fundamenta-se no entendimento de que a opção do Regime de Autonomia Regional viola um princípio fundamental consagrado no Decreto-Lei n.° 355-A/98, de 13 de Novembro, publicado ao abrigo e como decorrência do Regime de Autonomia. De harmonia com o disposto no artigo 55º do Regime de Autonomia, 'o regime de exercício de funções nos órgãos e nas estruturas previstas no presente diploma é estabelecido por decreto regulamentar, sem prejuízo do disposto no Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário'. Na concretização deste preceito legal, veio depois a ser aprovado, para valer como lei geral da República, nos termos do artigo 112º, nº 5, da Constituição, o Decreto-Lei nº 355-A/98, de 13 de Novembro. Ou seja, o que o artigo 55º previa que seria regulado por um decreto regulamentar veio a ser regulado por um decreto-lei que se erigiu em lei geral da República. O exercício de cargos de direcção executiva em escolas ou agrupamentos de escolas, em conformidade com o artigo 1º, nº 1, deste diploma, confere o direito a um suplemento remuneratório que acresce à remuneração base do respectivo titular. E o valor de tal suplemento, como se preceitua no nº 2 do mesmo dispositivo, 'é fixado em função da população da escola ou do agrupamento de escolas e do cargo que se destina a remunerar, sendo calculado segundo o valor fixado para o índice 100 da escala indiciária do pessoal docente da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, de acordo com as percentagens referidas no quadro constante do anexo nº 1 ao presente diploma, do qual faz parte integrante'. Por seu turno, o artigo 3º, nº 2, do mesmo decreto-lei, dispõe que 'os vice-presidentes do conselho executivo ou os adjuntos do director beneficiam de redução da componente lectiva, de acordo com a concessão de um crédito global atribuído a cada escola ou agrupamento de escolas, nos termos do quadro constante do anexo nº 2 ao presente diploma, do qual faz parte integrante'. Ora, o Regime de Autonomia Regional, nos artigos 13º, nº 4, e 70º, nº 1, institui, quanto à redução da componente lectiva e aos incentivos pecuniários, uma disciplina normativa que não se harmoniza com os critérios e soluções constantes dos mapas anexos I e II ao Decreto-Lei nº 355-A/98 e que dele fazem parte integrante. Segundo o requerente, o regime de exercício de funções para os cargos dos órgãos de administração e gestão dos estabelecimentos, a que se reporta o Decreto-Lei nº 355-A/98, tanto no tocante à disciplina do suplemento remuneratório como da redução da componente lectiva, não pode deixar de se caracterizar como portador de princípios fundamentais a que o Regime de Autonomia Regional deve acatamento. Ao não observar tais princípios, o legislador regional teria incorrido no vício de ilegalidade. De acordo com a Assembleia Legislativa Regional, não se conseguiria vislumbrar, todavia, em que aspecto se podem configurar os valores dos suplementos remuneratórios e a carga horária das reduções da componente lectiva como princípios fundamentais. Da comparação entre o Decreto-Lei nº 355-A/98 e o Regime aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, nos pontos questionados, resulta que ambos os diplomas assentam o valor dos suplementos remuneratórios e o número de horas de redução da componente lectiva nos mesmos critérios essenciais: exercício de cargos de direcção executiva e população da escola. Assim, o Tribunal Constitucional entende, sendo a ora relatora vencida neste ponto, que as diferenças nos valores que são utilizados nos respectivos quadros anexos não exprimem critérios que ponham em causa princípios fundamentais do decreto-lei pelo decreto legislativo regional. Isto, mesmo admitindo que era possível emitir o Decreto-Lei nº 355-A/98 como lei geral da República, sendo certo que o Regime de Autonomia remetia a regulação da matéria em causa para decreto regulamentar, sem sequer reservar tal regulamentação para os órgãos de soberania. Neste ponto, não se verifica, pois, o invocado vício de ilegalidade.
III Decisão
12. Nestes termos, o Tribunal Constitucional decide: a) declarar, com força obrigatória geral, a ilegalidade das normas constantes dos artigos 7º, nºs 2 e 6, 11º, nºs 3 a 8, 14º, nº 3, 17º, nºs 1 e 2,
18º a 29º, 63º, 67º e 76º do Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos de Educação e de Ensino Públicos da Região Autónoma da Madeira, aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M, de 31 de Janeiro, por contrariarem os princípios fundamentais do Regime de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos da Educação Pré-escolar e dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 115-A/98, de 4 de Maio; b) não declarar a ilegalidade das normas constantes dos artigos 13º, nº
4, e 70º, nº 1, daquele mesmo Regime aprovado pelo Decreto Legislativo Regional nº 4/2000/M.
Lisboa, 25 de Março de 2003 Maria Fernanda Palma (com declaração de voto, nos termos da qual me considero vencida quanto à alínea b) da decisão) Mário José de Araújo Torres Benjamim Rodrigues Artur Maurício Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Paulo Mota Pinto Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Luís Nunes de Almeida Gil Galvão Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira, vencido quanto à alínea a) da decisão conforme declaração que junto. José Manuel Cardoso da Costa
Declaração de voto
Apesar de relatora do presente Acórdão, entendi que o Tribunal Constitucional deveria ainda ter declarado a ilegalidade das normas constantes dos artigos 13º, nº 4, e 70º, nº 1, do Regime de Autonomia Regional por contrariarem o disposto no Decreto-Lei nº 355-A/98, na medida em que os critérios e soluções constantes dos mapas anexos àquele diploma e que são sua parte integrante, relativos aos valores dos suplementos remuneratórios e à carga horária das reduções de componente lectiva não são mais do que a densificação de critérios gerais de amplitude nacional, que se devem aplicar de igual modo a todos os cidadãos nessas condições. Razões de igualdade e de 'para trabalho igual salário igual' [princípios consagrados, aliás, nos artigos 13º e 59, nº 1, alínea a), da Constituição] subjazem ao valor de tais critérios como princípios fundamentais de uma lei geral da República. Maria Fernanda Palma
DECLARAÇÃO DE VOTO
Discordo da decisão (alínea a) do ponto 12.) pelos motivos que sumariamente se seguem. Tal como se salienta no acórdão, o Ministro da República requerente sustenta que as normas impugnadas violam princípios fundamentais de leis gerais da República. Paralelamente, a Assembleia Legislativa Regional da Madeira assumiu com clareza neste processo que, através das normas ora em causa, quis deliberadamente criar uma legislação regional própria de desenvolvimento dos princípios constantes da lei de bases do sistema educativo, invocando, para tal, o poder legislativo que lhe é atribuído pelo alínea a) do n.º 1 do artigo 227 da Constituição. A linha argumentativa do acórdão radica ainda no pressuposto de que, no caso em presença, se acha excluída a possibilidade de a Assembleia Legislativa Regional da Madeira legislar em desenvolvimento de uma lei de bases da reserva absoluta de competência da Assembleia da República. Estas premissas deveriam impor a conclusão de que as normas sob censura padecem de inconstitucionalidade por ofensa ao disposto nos artigos 112º n.4 e 227º n.1 alínea a) da Constituição. Na verdade, para o legislador constitucional são distintos os vícios de inconstitucionalidade e de ilegalidade ainda que ambos em resultado de violação da lei geral da Republica - cfr. citados artigos e 281º n.2 alínea g) in fine, da Constituição. Impor-se-á, por isso, descortinar uma linha distintiva entre eles, fronteira que só pode ser encontrada na diferente natureza do vício e não
- ao contrário do que se defende no acórdão - no diferente prisma pelo qual é observada a questão. Reconhecendo a dificuldade do problema, haverá no entanto que aceitar que, quando a assembleia legislativa regional assume como próprios poderes legislativos reservados à Assembleia da República, o acto legislativo resultante enfermará de inconstitucionalidade (material - artigos 112º n.4 e 227º n.1 alínea a) da Constituição) diluindo-se a ilegalidade que porventura possa ocorrer na ofensa indiscutivelmente mais solene da Constituição. Acresce que a questão assume uma especial consequência neste processo; é que ao Requerente escapa competência para solicitar a apreciação da inconstitucionalidade das normas em causa. Mais; o que transparece é que a pedida declaração de ilegalidade surge em clara perversão do dever de assinatura do diploma que é imposto ao Requerente pelo n.º
3 do art. 233 da Constituição. Entendo, portanto, que o Tribunal Constitucional não poderia conhecer deste pedido visto faltar ao Requerente a indispensável legitimidade activa.
Ultrapassada esta questão, acompanho o acórdão quanto ao decidido sobre a não ilegalidade das normas constantes dos artigos 13º n.4 e 70º n.1 do Decreto Legislativo Regional 4/2000/M de 31 de Janeiro pelos fundamentos expostos sobre esta matéria. Carlos Pamplona de Oliveira