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Processo do Tribunal Constitucional ( Lei n.º 28/82, de 15 de Novembro, sucessivamente alterada e doravante designada apenas por LTC), do despacho proferido pelo Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça que não lhe admitiu o recurso interposto para este Tribunal Constitucional.
2. No requerimento de interposição de recurso, o reclamante, em resposta ao convite do Relator de aperfeiçoamento de requerimento antes feito com tal sentido veio esclarecer:
«O recurso para o Tribunal Constitucional é interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da LOFPTC.
Pretende o recorrente ver apreciada a (in)constitucionalidade contida no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.05.2002 e no douto acórdão
(de aclaração daquele) de 03.07.2002 proferidos a fls... quando se julgou que:
' Não houve que colher novos vistos – n.º 5 do art.º 455.º do CPPenal'.
Quando é certo que a diligência (audição de F...) efectuada em seguida ao Acórdão intercalar do STJ – e antes do acórdão final o STJ – teve lugar no Tribunal da comarca de Vieira do Minho e não no Supremo Tribunal de Justiça,
Porquanto se afigura que não tendo o Supremo Tribunal de Justiça funcionado in casu como tribunal de instância, foi violado o preceituado no Art.º 209.º, n.º 1, al. a) e Art.º 210.º, n.º 5 'a contrario' da Constituição.
Pretende ainda o recorrente ver apreciada a (in)constitucionalidade do artigo 455.º, n.º 5 do C. P. Penal, de que se fez aplicação nos doutos Acórdãos em apreço - na interpretação no sentido de que realizada a diligência em Tribunal diferente do STJ - seja de 1ª ou 2ª Instância - para deliberação posterior à realização dessa diligência não há necessidade de novos vistos, por violação do art.º 209.º, n.º 1, al. a) e Art.º 210.º, n.º 5 'a contrario' da Constituição e ainda do artigo 32.º, n.º 1 conjugado com o disposto no Art.º
18.º, n.º 2, ambos da Constituição.
Normas e princípios constitucionais violados: Art.º 209.º, n.º 1, al. a) e Art.º 210.º, n.º 5 'a contrario' e Art.º 32.º, n.º 1 e Art. 18.º , n.º 2.
As questões de constitucionalidade vão suscitadas no requerimento do pedido de aclaração de fls.... e no Requerimento de Interposição de Recurso para o Tribunal Constitucional dos doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça sub judice, proferidos a fls..., - por, aquelas questões de (constitucionalidade) apenas terem surgido com a prolação dos doutos acórdãos em apreço».
3. A rejeição do recurso interposto para este Tribunal assentou nos seguintes fundamentos:
«Invoca-se o preceito da alínea b) do n.º 1 do art.º 70.º da LOOFPTC, ou seja, que cabe recurso das decisões dos tribunais que 'apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.
Afirma o recorrente que as questões de constitucionalidade vão suscitadas no Requerimento de pedido de Aclaração de Fls., o que não corresponde
à realidade, como se vê da leitura do mesmo (fls. 144 e verso), não tendo este STJ qualquer oportunidade de sobre elas se pronunciar.
Logo não existe norma aplicada cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo - cfr. acórdão n.º 313/2002, do Tribunal Constitucional, de 3.07.02, no DR, IIS, de 14/11/02.
Mas ainda que assim não fosse - o que só por mera hipótese se concede
- , o que o recorrente não explica minimamente como é que a norma do n.º 5 do artigo 455.º do CPPenal ou a interpretação que à mesma se deu, violam os preceitos constitucionais que cita - artigo 209.º, n.º 1 , al. a), artigo 210.º, n.º 5 'a contrario' , artigo 32.º, n.º 1, e artigo 18.º, n.º . Por este critério
(ou ausência dele) outros se poderiam citar.
O recurso apresentar-se-ia, também, como manifestamente infundado nos termos do n.º 2, parte final, do art.º 76º, da LOOFPTC. Pelo exposto não admito o recurso» (itálico nosso).
4. O Ex.mo Procurador-Geral Ajunto neste Tribunal pronunciou-se pelo indeferimento da reclamação sob a consideração de que, sendo claro o sentido normativo do n.º 5 do art.º 455.º do CPP, cumpria ao reclamante ter suscitado durante o processo a inconstitucionalidade do regime de dispensa de novos vistos, pois era perfeitamente previsível a eventualidade do STJ, na sequência do acórdão interlocutório de fls. 77, vir a invocar e aplicar esse regime legal na prolação do acórdão definitivo. Acresce que a questão suscitada sempre teria de ser havida como manifestamente infundada, como se nota na decisão reclamada, por ser evidente que o referido regime adjectivo em nada contende com a conscienciosa apreciação da matéria do recurso de revisão pelos Juizes Conselheiros que subscreveram o acórdão que não admitiu a revisão da sentença, por nada permitir supor que estes não tenham valorado e inteiramente e ponderado adequadamente os elementos probatórios resultantes dos autos.
B – A fundamentação
5. A questão decidenda
É a de saber se deve ser deferida a reclamação do despacho do Relator do processo no STJ que indeferiu o requerimento de interposição do recurso para este Tribunal do acórdão que negou provimento ao recurso de revisão do acórdão condenatório do reclamante.
6. Do mérito da reclamação Para uma melhor compreensão da matéria da reclamação afigura-se útil dar conta do desenvolvimento processual ocorrido. O ora reclamante interpôs recurso de revisão do acórdão proferido em processo comum, com intervenção do Colectivo da comarca de Vieira do Minho, que o condenou na pena de 15 meses de prisão como autor de um crime de abuso sexual de menor, p. p. pelo art.º 172.º, n.º 1 do Código Penal, tendo tal decisão sido confirmada pela Relação do Porto. Pelo acórdão de fls. 77 e ss., o STJ apreciou o pedido à luz das provas produzidas nos autos, tendo-se decidido por ordenar a audição - no tribunal de
1ª instância onde teve lugar a instrução do pedido de revisão - de uma pessoa, mas com o estatuto de arguido, referenciada como importante para solver algumas dúvidas. Subidos os autos ao STJ com as declarações prestadas por essa pessoa na qualidade de arguido, o Relator ordenou que os mesmos fossem apresentados ao Presidente da Secção para inscrição em Tabela com dispensa de vistos. E sem vistos prévios foi proferido o acórdão de fls. 139 e ss. que negou provimento ao recurso de revisão do acórdão condenatório do ora reclamante. Contra esse acórdão, apresentou o ora reclamante a reclamação de fls. 144 pedindo a correcção de diversos passos desse aresto, tendo esses pedidos sido indeferidos pelo acórdão de fls. 150 e ss. Veio, então, o ora reclamante a recorrer para este Tribunal, tendo aperfeiçoado esse seu requerimento, nos termos já acima descritos, em consequência do convite que lhe foi feito pelo Relator no STJ. Tal como, proficientemente, se afirmou na decisão reclamada, um dos requisitos para que se possa tomar conhecimento da espécie de recurso que foi interposto é o de que a inconstitucionalidade normativa - na dimensão do sentido que foi aplicado em concreto na decisão recorrida - tenha sido suscitada durante o processo. O alcance de tal conceito tem sido, por várias vezes, esclarecido por este Tribunal. Assim, por exemplo, no Acórdão n.º 352/94, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 6 de Setembro de 1994, disse-se que esse requisito deve ser entendido 'não num sentido meramente formal (tal que a inconstitucionalidade pudesse ser suscitada até à extinção da instância)', mas 'num sentido funcional', de tal modo que essa invocação haverá de ter sido feita em momento em que o tribunal a quo ainda pudesse conhecer da questão, 'antes de esgotado o poder jurisdicional do juiz sobre a matéria a que (a mesma questão de constitucionalidade) respeita'. Igualmente, no Acórdão n.º 560/94, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 10 de Janeiro de 1995, afirma-se que «a exigência de um cabal cumprimento do ónus de suscitação atempada - e processualmente adequada - da questão de constitucionalidade não é [...] 'uma mera questão de forma secundária'. É uma exigência formal, sim, mas essencial para que o tribunal recorrido deva pronunciar-se sobre a questão de constitucionalidade para o Tribunal Constitucional, ao julgá-la em via de recurso, proceda ao reexame da questão (e não a um primeiro julgamento de tal questão». Neste domínio, há que acentuar que, nos processos de fiscalização concreta, a intervenção do Tribunal Constitucional se limita ao reexame ou reapreciação da questão de (in)constitucionalidade que o tribunal a quo apreciou ou devesse ter apreciado. Ainda na mesma linha de pensamento podem ver-se, entre outros, o Acórdão n.º 155/95, publicado no Diário da República, 2ª Série, de 20 de Junho de 1995, e, aceitando os termos dos arestos acabados de citar, o Acórdão n.º
192/2000, publicado no mesmo jornal oficial, de 30 de Outubro de 2000 - sobre o sentido de um tal requisito, cfr. José Manuel Cardoso da Costa, «A jurisdição constitucional em Portugal», separata dos Estudos em Homenagem ao Prof. Afonso Queiró, 2ª edição, Coimbra, 1992, pp. 51). Tal doutrina sofre restrições, como se salientou naquele Acórdão n.º 354/94, apenas em situações excepcionais ou anómalas, nas quais o interessado não dispôs de oportunidade processual para suscitar a questão de constitucionalidade antes proferida ou não era exigível que o fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação de todo insólita e imprevisível. Usando os termos do recente Acórdão n.º 192/2000, 'quem pretenda recorrer para o Tribunal Constitucional com fundamento na aplicação de uma norma que reputa inconstitucional tem, porém, a oportunidade de suscitar a questão de constitucionalidade perante o tribunal recorrido, antes de proferido o acórdão da conferência de que recorre...'. E é claro que não poderá deixar de entender-se que o recorrente tem essa oportunidade quando a apreensão do sentido com que a norma é aplicada numa decisão posteriormente proferida poderá/deverá ser perscrutado no(s) articulado(s) processual(ais) funcionalmente previsto(s) para discretear juridicamente sobre as questões cuja resolução essa decisão tem de ditar, por antecedentemente colocadas, e em que aquele sentido, cuja constitucionalidade se poderá questionar, se apresenta como sendo um dos plausíveis a ser aplicados pelo juiz. Ao encararem ou equacionarem, na defesa das suas posições, a aplicação das normas, as partes não estão dispensadas de entrar em linha de conta com o facto de estas poderem ser entendidas segundo sentidos divergentes e de os considerar na defesa das suas posições, aí prevenindo a possibilidade da (in)validade da norma em face da lei fundamental. Digamos que as partes têm um dever de prudência técnica na antevisão do direito plausível de ser aplicado e, nessa perspectiva, quanto à sua conformidade constitucional. O dever de suscitação da inconstitucionalidade durante o processo e pela forma adequada enquadra-se, pois, dentro destes parâmetros. Ora, no caso dos autos, a suscitação da hipotética inconstitucionalidade apenas aparece feita, pela primeira vez, no requerimento de interposição de recurso para este Tribunal. Ao contrário do que o recorrente alega, não corresponde à realidade a sua afirmação de que a suscitou no requerimento de aclaração de fls.
144. Sendo assim, não há sequer que determinar se a sua suscitação, em tal momento processual, caberia na excepção acima referida - de uma situação excepcional ou anómala, na qual o interessado não dispusera de oportunidade processual ou não lhe era exigível que o fizesse, designadamente por o tribunal a quo ter efectuado uma aplicação normativa de todo insólita e imprevisível. Esta mesma questão apenas poderá ser equacionada em relação a outro momento, posteriormente acontecido, e em que, de facto, o reclamante colocou a questão de inconstitucionalidade do n.º 5 do art.º 455º do CPPenal - o do requerimento de interposição de recurso. Mas a resposta não pode deixar de ser negativa, pois é de entender que o ora reclamante dispôs, à face dos termos legais do art.º 455.º do CPPenal, de oportunidade processual para a colocar antecipadamente à prolação do acórdão definitivo sobre o pedido de revisão e nem se trata de caso em que o tribunal tenha feiro qualquer interpretação insólita ou imprevisível, com a qual o litigante não pudesse contar, mesmo apenas dentro de uma ligeira diligência e competência técnica. Dispõe o artigo 455º do CPPenal o seguinte:
1. Recebido no Supremo Tribunal de Justiça, o processo vai com vista ao Ministério Público, por cinco dias, e é depois concluso ao relator, pelo prazo de dez dias.
2. Com projecto de acórdão, o processo vai, de seguida, a visto dos juizes das secções criminais, por cinco dias.
3. A decisão que autorizar ou denegar a revisão é tomada em conferência pelo plenário das secções criminais.
4. Se o tribunal entender que é necessário proceder a qualquer diligência, ordena-a, indicando o juiz que a ela deve presidir.
5. Realizada a diligência, o tribunal delibera sem necessidade de novos vistos.
6. É correspondentemente aplicável o disposto no art.º 443.º, n.º 2. Como decorre do acima exposto, a situação processual que se verificou neste caso foi precisamente aquela que se encontra prevista no n.º 4, acabado de transcrever. Recebido o processo no STJ e preparado o mesmo para julgamento, com inteiro respeito pelo disposto nos n.os 1 a 3 do art.º 455.º do CPPenal, este apreciou o pedido à luz das provas produzidas nos autos, tendo-se decidido pelo acórdão de fls. 77 e ss. por ordenar a audição, mas com o estatuto de arguido, no tribunal de 1ª instância onde aquela instrução havia decorrido, de uma pessoa referenciada como importante para solver algumas dúvidas. Realizada essa diligência no tribunal de 1ª instância, subiram novamente os autos ao STJ, tendo o Relator pedido a sua inscrição em tabela ao Presidente da Secção, com dispensa de vistos, para o acórdão definitivo sobre o pedido de revisão e que consta dos autos a fls. 139 e ss. O procedimento seguido pelo Relator foi exactamente o ordenado no n.º 5 do art.º 455º do CPPenal, determinado, quer à luz dos seus termos verbais, quer à luz da sua teleologia.
Perante um tal dispositivo era por demais previsível ao ora reclamante que o STJ iria aplicar este preceito, mesmo tendo em conta que a diligência mandada efectuar teria e teve lugar, de acordo com o ordenado pelo STJ, perante o juiz da 1ª instância do Tribunal de Vieira do Minho. E foi assim, porque, por um lado, tratando-se de produção de prova testemunhal que ocorreu em processo não sujeito a foro especial, sempre era de ter por normal que o STJ tivesse ordenado a sua realização perante o tribunal de 1ª instância, face ao disposto nos art.os 453º, 454.º e 455º., n.º 4 do CPP e, por outro lado, e maxime, porque o n.º 5 do art.º 455.º do mesmo Código não distingue para efeitos da desnecessidade de novos vistos quaisquer situações em função do local onde tenha sido realizada a diligência ordenada.
Deste modo, a tê-lo por inconstitucional, quer na circunstância da diligência ordenada ocorrer fora do STJ- no caso, perante um tribunal de 1ª instância - , ou no próprio STJ, por violação das normas que veio a apontar no seu requerimento de recurso para este Tribunal (artigo 209.º, n.º 1, al. a), artigo 210.º, n.º 5 'a contrario' , artigo 32.º, n.º 1, e artigo 18.º, n.º 2 da CRP), sempre incumbia ao ora reclamante vir suscitar a inconstitucionalidade da referida norma do n.º 5 do art.º 455.º do CPPenal - de modo a abranger qualquer daquelas circunstâncias, sendo embora certo que só o sentido aplicado se poderia relevar como pressuposto específico do recurso interposto ao abrigo da al. b) do n.º 1 do art.º 70.º da LTC - , o mais tardar no requerimento de fls. 144. Era, pois, exigível que o ora reclamante colocasse a questão de inconstitucionalidade ao tribunal recorrido, de modo a permitir que este a pudesse apreciar.
Por último, importa anotar que a opção do regime legal, na hipótese prevista no n.º 5 do art.º 455.º do CPPenal, se baseia na circunstância dos juizes já terem tido vista no processo e a questão a apreciar num segundo momento - até porque previram a necessidade da mesma e ordenaram a sua realização - será de um teor que lhes permitirá facilmente tomar conhecimento dela e proceder à sua valoração e ponderação no novo julgamento a efectuar.
Assim sendo, há que concluir que a questão de inconstitucionalidade não pode ser havida como suscitada durante o processo e nem a falta da sua suscitação fora do momento processual funcionalmente adequado cabe na excepção admitida por este Tribunal, ao abrigo da LTC (caso de interpretação imprevisível ou insólita cuja previsão não será de exigir às partes). C – A decisão
7. Destarte, atento tudo o exposto, decidem os juizes deste Tribunal em indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante com taxa de justiça de 15 UC. Lisboa, 26 de Fevereiro de 2003 Benjamim Rodrigues Maria Fernanda Palma Luís Nunes de Almeida