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Proc. nº 703/02
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª secção do Tribunal Constitucional: I. Relatório
1. Por decisão da 8ª Vara Criminal da Comarca de Lisboa foi o requerente, A, condenado na pena de 5 anos de prisão, pela prática, em co-autoria, de um crime continuado de burla agravada, previsto e punido pelo art. 313º e 314º, al. c) do Código Penal.
2. Inconformado com esta decisão o ora requerente e o Ministério Público recorreram para o Tribunal da Relação de Lisboa que, por acórdão de 7 de Maio de
1996, decidiu, para que agora interessa, negar provimento ao recurso do Réu A e, consequentemente, condená-lo na pena de 4 anos de prisão, 'mas como co-autor material de um crime de fraude na obtenção de subsídio, particularmente grave'.
3. Novamente inconformado o arguido recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo formulado, a concluir a sua alegação, designadamente as seguintes conclusões:
'(...)
7. Porém, como sustentam predominantemente a jurisprudência e a melhor doutrina citadas no corpo desta alegação, a fraude na obtenção de subsídio ou subvenção consuma-se no momento em que foi dado o despacho de aprovação do projecto de candidatura do arguido. A partir desse despacho, a importância concedida sai da esfera patrimonial do concedente, passando para a do «concedido», certo que o primeiro já não poderia dispor dessa verba.
8. O depósito de numerário em conta do arguido e o caminho dado por este ao mesmo são irrelevantes. O «iter criminis» mostra-se preenchido independentemente do local onde o montante concedido venha a ser percebido.
9. A fraude na obtenção de subsídio consuma-se não no momento coincidente com a entrega efectiva do subsídio previamente concedido, mas sim – e apenas – no momento em que foi dado o despacho de aprovação do pedido de concessão do mesmo subsídio.
10. O que ocorreu com a prolação, pelo Secretário de Estado das Pescas, do despacho de concessão do subsídio, em 31 de Dezembro de 2003 (cfr. fls. 1272 e v.º e resposta aos quesitos 19 a 21 e 59).
11. É pois esse – e não outro – o momento do «resultado», da consumação do crime: aquele em que se produziu o dano que o legislador quis prevenir; dano esse consubstanciado pelo despacho favorável de concessão do subsídio, proferido em consequência das manobras fraudulentas e dos erros que o pré-determinaram.
12. Os princípios da tipicidade e da legalidade prescritos no art. 29º da Constituição, são postos em causa quando se condena alguém pela prática de um crime ainda não previsto nem punido.
13. Ao decidir como decidiu, o douto acórdão recorrido fez, pois, errada interpretação e aplicação não só do preceito do direito penal económico do art.
36º do DL 28/84, de 20 de Janeiro como – e fundamentalmente – dos princípios constitucionais básicos da legalidade e da tipicidade prescritos no art. 29º da CRP, art.s 1º e 2º do CP e 146 e segts. E 673 e sgts. Do CPP.
(...)
34. Atentas as diferenças típicas, sua repercussão no tema da prova e no objecto do processo, a incriminação adequada aos factos provados é a correspondente ao art. 36º, n.º 1, al. a), n.º 2, n.º 3 e n.º 8 do DL 28/84, e não aquela que foi adoptada no acórdão recorrido, em convolação para o crime de burla agravada, na forma continuada.
35. Nos termos do art. 86º do citado Dec. Lei 28/84, de 20 de Janeiro, o aludido diploma apenas entrou em vigor em 1 de Março de 1984.
36. À data da consumação do crime consubstanciado pelos factos imputados ao R. A
– 31 Dez. 83 – ainda não se encontrava em vigor o aludido Dec. Lei; que é o
único a tipificar e a correctamente enquadrar juridicamente a punibilidade de tais factos.
37. Constitui princípio fundamental consagrado no art. 29º da Constituição da República Portuguesa que«ninguém pode ser sentenciado criminalmente senão em virtude de lei anterior que declare punível a acção ou omissão...'
38. Preceito que contém o essencial do regime constitucional da lei criminal – NULLUM CRIMEN SINE LEGE, NULLA POENA SINE LEGE – aliás também consagrado nas disposições penais dos artigos 1º e 2º do CP; art.s 146º e ss e 673º e ss. do CPP.
39. Constitui um impossível jurídico - constitucional, além de também juridico-penal -, condenar o R. A pela prática de factos não previstos e punidos criminalmente à data em que tenham sido presumivelmente praticados.
(...)'.
4. O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 30 de Abril de 1998, decidiu não conhecer do recurso que havia sido interposto pelo arguido, por considerar que o mesmo não havia cumprido o convite que lhe foi feito ao abrigo do disposto no art. 690º, n.º 3, do CPC.
5. Desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça, foi interposto pelo arguido A, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70º da Lei do Tribunal Constitucional, recurso de constitucionalidade, para apreciação da inconstitucionalidade da norma que, na interpretação da decisão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Abril de 1998, se extrai do n.º 3 do artigo 690º do Código de Processo Civil, na redacção anterior à resultante dos Decretos-Lei nºs 329/A-95 e 180/96.
6. O Tribunal Constitucional, por Acórdão de 5 de Maio de 1999, decidiu:
' (...) b) julgar inconstitucional, por violação dos artigos 20º, e 32º, n.º 1, da Constituição, a norma do artigo 690º, n.º 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à resultante dos Decretos-Lei nºs 329/A-95 e 180/96, e quando subsidiariamente aplicável em processo penal ainda regido pelo Código de 1929), quando interpretada no sentido de considerar relevante - para efeitos de decidir se um determinado conteúdo integrante de uma peça processual tem ou não a natureza de 'conclusões' - qualquer outro critério normativo de decisão - designadamente um critério puramente formal traduzido no número de artigos ou de páginas utilizadas pelo recorrente para expor os pontos em que discorda e os fundamentos porque discorda da decisão recorrida, bem como os fundamentos da solução que sustenta - que não seja um critério lógico ou funcional, que faça assentar a decisão na questão de saber se o conteúdo da peça processual apresentada permite ou não realizar as funções que legitimam a exigência de conclusões, sob a cominação de não se conhecer do objecto do recurso; c) julgar inconstitucional o artigo 690º, n.º 3, do Código de Processo Civil (na redacção anterior à resultante dos Decretos-Lei nºs 329/A-95 e 180/96, e subsidiariamente aplicável a processo penal ainda regido pelo Código de 1929), por violação do princípio da proporcionalidade, consagrado nos nºs 2 e 3 do artigo 18º, com referência ao direito de acesso à justiça e aos tribunais, consagrado no artigo 20º da Constituição, quando interpretado no sentido de que não incorpora, ao nível da consequência processual prevista - o não conhecimento do recurso - uma regra de redução desse efeito processual à parte das conclusões que se mostre efectivamente afectada'.
7. Na sequência do assim decidido foram os autos remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão de 1 de Julho de 1999, decidiu manter o despacho reclamado, indeferindo a reclamação do arguido A e, em consequência, não conhecer do seu recurso.
8. Inconformado com esta decisão o arguido A apresentou, ao abrigo das alíneas b) e g) do n.º 1 do artigo 70º da LTC, novo recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade, recurso que, por decisão do Ex.mo Conselheiro Relator do processo no Supremo Tribunal de Justiça, não foi admitido, com fundamento em que seria manifestamente infundado.
9. Desta decisão foi interposta, ao abrigo do disposto nos artigos 76º, n.º 4 e
77º da LTC, reclamação para o Tribunal Constitucional, que, pelo Acórdão n.º
184/01, tirado em plenário, julgou a mesma procedente.
10. Em cumprimento desta decisão do Tribunal Constitucional, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 7 de Fevereiro de 2002, decidiu ordenar o prosseguimento dos autos, com o consequente julgamento do recurso que havia sido interposto pelo arguido A. Nessa sequência proferiu, em 11 de Abril de 2002, acórdão com o seguinte teor:
'Pelos fundamentos expostos no parecer do relator exarado a fls. 2300 e segs., que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, acorda-se, quanto às questões suscitadas pelo réu A no seu recurso, em julgá-lo manifestamente infundado no que concerne às seguintes questões: momento da consumação do crime de fraude na obtenção de subsídio (conclusões 1ª a 13ª e 32ª a 39ª) e omissão de pronúncia e falta de fundamentação do acórdão da Relação acerca dos perdões (conclusões 40ª a 45ª), e em não conhecer dele no que toca às seguintes questões: medida concreta da pena (em termos de atenuação especial) e suspensão da respectiva execução (conclusões 14ª a 21ª) e violação do disposto no art. 447º do CPP de 1929 (conclusões 22ª a 31ª), sem embargo de, quanto a esta última questão, se acordar ainda em julgar o recurso manifestamente infundado, assim se confirmando, inteiramente, o decidido pela Relação de Lisboa no que respeita ao recorrente'.
11. Notificado desta decisão o arguido A veio reclamar da mesma para a Conferência, por nulidades, em virtude de ter deixado de apreciar questões que deveria ter apreciado, reclamação que foi indeferida pelo Acórdão de 27 de Junho de 2002.
12. Na sequência o arguido A veio recorrer para o Tribunal Constitucional, apresentado um requerimento de interposição do recurso que conclui nos seguintes termos:
'A) O presente recurso funda-se na alínea b) do art. 70º da Lei do Tribunal Constitucional e da fiscalização da constitucionalidade; B) A decisão recorrida é o douto acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2002, que, confirmando anterior acórdão da Relação de Lisboa, condenou o ora recorrente em pena de prisão pela prática de um crime de fraude na obtenção de subsídio previsto e punido no n.º 1 do art. 36º do Decreto-Lei
28/84 de 20/01; C) A norma cuja inconstitucionalidade se pretende ver apreciada, é a do art. 36º do Decreto-Lei 28/84 de 20/01, na interpretação e aplicação que dela foi feita pelo Tribunal a quo (cfr. art. 80º n.º 3 da Lei do Tribunal Constitucional); D) As normas violadas foram as dos art.s 2º, 3º, 18º e 29º da CRP e as dos art.s
1º 2º e 3º do Código Penal, que consagram os princípios do Estado de direito, da Legalidade e Tipicidade Penal e da Força Jurídica dos Preceitos Constitucional; E) O recorrente suscitou a questão perante o Supremo Tribunal de Justiça, em recurso entrado em 03.06.97, com apresentação de novas conclusões em 29.07.97; mas a questão fora já aflorada perante o Tribunal da Relação de Lisboa, nas alegações ali entradas em 24.04.95; F) O Recorrente dispõe de legitimidade (art. 72º, n.º 1, alínea b)) e está em prazo, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 75º da Lei n.º 28/82 de 15.11'.
13. Por parte do Supremo Tribunal de Justiça foi proferida decisão que não admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional. Escudou-se aquele Tribunal, para tanto, na seguinte fundamentação:
'I - O Réu A veio a fls. 2362 2 segs. Interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça com a data de
11-4-2002. Sucede que o réu veio anteriormente reclamar daquele acórdão para a conferência, por nulidades. Ora, no acórdão de 27-6-02 que se pronunciou sobre tal reclamação disse-se, claramente, que não existe a figura processual de reclamação do acórdão da conferência para a mesma conferência. Mais se disse naquele acórdão, também de forma clara, que o réu em causa, na referida reclamação, não arguiu, em concreto, qualquer nulidade do acórdão de
11-4-2002, limitando-se a manifestar a sua discordância quanto ao aí decidido, pelo que a reclamação adequada seria o recurso e não uma pretensa arguição de nulidades. Significa isto que o Réu A usou de meios processualmente ilegais para reagir contra o acórdão de 11-4-2002. Ora, por serem ilegais, tais meios não têm, obviamente, a virtualidade de deferir o início do prazo do recurso para o Tribunal Constitucional para depois da notificação do acórdão de 27-6-2002, que se pronunciou sobre a reclamação do réu. O entendimento contrário levaria a um alargamento ilegal do prazo do recurso. Verifica-se, assim, que o recurso ora intentado pelo réu A, cujo prazo é de 10 dias (art. 75º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15-11) está manifestamente fora do prazo legal (notificação do acórdão de 11-4-2002 que se presume feita em
15-7-2002 (fls. 2319) e interposição do recurso e, 15-7-2002 (fls. 2371). Temos, assim, que o acórdão de 11-4-2002 já transitou em julgado, sendo, pois, absolutamente inadmissível o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, por ser intempestivo. Por conseguinte, não admito tal recurso.
(...)'.
14. Desta decisão foi interposta pelo arguido A reclamação para o Tribunal Constitucional, a qual foi indeferida pelo acórdão n.º 43/2003, de 27 de Janeiro de 2003.
15. Na sequência desta decisão o requerente veio de novo aos autos, desta vez para requerer a sua aclaração, o que foi indeferido pelo acórdão n.º 96/2003, de
17 de Fevereiro.
16. Notificado desta decisão o arguido A voltou aos autos, agora para requerer a reforma do Acórdão n.º 43/2003.
17. Notificado deste pedido de reforma, o Ministério Público veio responder, considerando que 'traduz manifesto – e abusivo - uso ilegítimo do meio processual de reforma da sentença, previsto no art. 669º, n.º 2, al. a) do Código de Processo Civil'. Assim, pronuncia-se no sentido de 'o Tribunal lance mão da disciplina contida no artigo 84º, n.º 8, da Lei n.º 28/82, a fim de pôr termos à litigância – ostensivamente dilatória – do reclamante, inibidora do termo normal dos presentes autos de reclamação'.
18. O simples enunciado da sequência processual que precedeu o presente requerimento e os fundamentos invocados pelo ora requerente para solicitar a reforma do acórdão n.º 43/2003, em que se limita a discordar do decidido no acórdão n.º 43/2003, mostram, claramente, ser manifesto que aquilo que, a final, pretende com o requerimento agora apresentado é obstar ao cumprimento da decisão proferida pelas instâncias.
19. Assim, e nos termos deste n.º 8 do artigo 84º da LTC, conjugado com o artigo
720º do Código de Processo Civil, decide-se: a) mandar extrair traslado de fls. 219 e seguintes, a fim de tudo ser processado em separado, para, cumprido o condicionalismo expresso na parte final do citado artigo 84º n.º 8 da LTC, ser proferida decisão sobre aquele requerimento; b) mandar que, extraído o traslado, os autos de reclamação sejam imediatamente remetidos ao Supremo Tribunal de Justiça. Lisboa, 7 de Março de 2003 Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida