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Proc. n.º 755/03 TC - 1ª Secção Rel.: Cons.º Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional
1 - O banco A., SA., recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo
70º n.º 1 alínea b) da LTC, do acórdão da Relação do Porto de fls. 355 e segs., pedindo a apreciação da constitucionalidade da norma contida no artigo 112º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, interpretada no sentido de que 'a extinção da sociedade fundida não deixa de transmitir para a sociedade incorporante todos os direitos e obrigações da sociedade extinta, incluindo a responsabilidade por infracções conta-ordenacionais cometidas por esta', o que violaria o disposto no artigo 30º n.º 3 da Constituição.
Apresentadas alegações, o recorrente concluiu nos seguintes termos:
'1 - A fusão, por incorporação, de uma sociedade comercial noutra, com a consequente transmissão do património da sociedade incorporada em favor da sociedade incorporante, após o registo da referida fusão na inscrição na competente Conservatória do Registo Comercial, conduz à extinção da sociedade incorporada ex vi do disposto no artigo 112º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais.
2 - Com a extinção da sociedade incorporada, extingue-se também a responsabilidade contra-ordenacional.
3 - Nos termos do disposto no artigo 2º do Regime Geral das Contra-ordenações Laborais, aprovado pela Lei n.º 116/99, de 4 de Agosto, a estas contra-ordenações aplica-se subsidiariamente o regime geral das contra-ordenações que consta do Dec.-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro e pelo Dec.-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro.
4 - De harmonia com o preceituado no artigo 32º do citado Dec.-Lei n.º 433/82, as normas do Código Penal aplicam-se no que respeita à fixação do regime substantivo das contra-ordenações.
5 - Nos termos do artigo 127º do Código Penal a responsabilidade criminal extingue-se pela morte.
6 - E nos termos do artigo 128º do mesmo Código a morte extingue, tanto o procedimento criminal, como a pena ou a medida de segurança.
7 - O princípio da não transmissibilidade da responsabilidade criminal ou contravencional, consagrado nas citadas disposições do Código Penal, e no artigo 30º n.º 3 da Constituição da República, aplica-se também no âmbito do direito contra-ordenacional ex vi do disposto nos supra referidos artigos 2º do regime aprovado pela Lei n.º 116/99 e 32º do Dec.-Lei n.º 433/82.
8 - O que quer dizer que, também nas contra-ordenações, a morte do agente (se se tratar de uma pessoa singular) ou a sua extinção (se se tratar de uma pessoa colectiva) têm como consequência a extinção da responsabilidade e do procedimento contra-ordenacionais.
9 - O que bem se compreende por não haver contra-ordenação sem negligência e a negligência, como elemento subjectivo da infracção, não poder separar-se da pessoa do agente.
10 - Tendo-se extinguido o agente da infracção, nos termos supra mencionados, extingue-se também, e simultaneamente , a responsabilidade pela contra-ordenação a que o auto de notícia alude, bem como o respectivo procedimento contra-ordenacional (citados artigos 30º n.º 3 da Constituição e
127º e 128º do Código Penal aplicáveis por força do disposto nos artigos 2º do regime aprovado pela Lei n.º 116/99 e 32º do Dec.-Lei n.º 433/82, supra referidos).
11 - A condenação da sociedade incorporante conduziria sempre a uma situação em que a sociedade condenada nem sequer havia sido acusada no processo, o que não deixa de ser contrário a princípios basilares do direito constitucional e criminal.
12 - O artigo 112º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, quando estatui a transmissão de todos os 'direitos e obrigações para a sociedade incorporante ou para a nova sociedade', reporta-se apenas aos direitos e obrigações de natureza cível e não penal ou contra-ordenacional.
13 - O artigo 112º, alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, quando interpretado no sentido defendido no acórdão sob recurso, isto é, de que a responsabilidade por contra-ordenações imputadas à sociedade incorporada se transmite para a sociedade incorporante é materialmente inconstitucional, por violação do artigo 30º, n.º 3 da Constituição da República Portuguesa.'
Contra-alegou o Ministério Público, concluindo:
'1 - Sendo realidades diferentes, não são automaticamente aplicáveis
às pessoas colectivas todas as normas e regras de que são fundamentalmente destinatárias as pessoas singulares, tendo-se que atender à específica natureza e características daquelas.
2 - A fusão por incorporação de uma sociedade noutra, sendo algo substancialmente diferente da sua dissolução com liquidação, não é equiparável à morte de pessoa singular, para efeitos de extinção de responsabilidade penal ou contra-ordenacional.
3 - Não viola, por isso, a norma constitucional da insusceptibilidade da transmissão da responsabilidade, aceitar que a recorrente tem que responder pela prática da contra-ordenação cometida pela sociedade que incorporou.
4 - Termos em que deverá improceder o presente recurso'.
Não se verificando qualquer óbice ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre decidir.
2 - A questão de constitucionalidade que o recorrente coloca ao Tribunal Constitucional foi por este recentemente conhecida no Acórdão n.º
153/04, de 16 de Março, proferido em processo em que o recorrente era o mesmo e idêntica a argumentação por ele desenvolvida.
E aí se decidiu que a norma do artigo 112º alínea a) do Código das Sociedades Comerciais, na referida interpretação, não era contrária ao disposto no artigo 30º n.º 3 da CRP.
Não se vê qualquer razão para abandonar esta jurisprudência, pelo que, por remissão para o que se decidiu no referido acórdão, de que se junta fotocópia, se formula idêntico juízo de constitucionalidade.
3 - Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se negar provimento ao recurso.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 20 Ucs.
Lisboa, 24 de Março de 2004
Artur Maurício Rui Manuel Moura Ramos Maria Helena Brito Carlos Pamplona de Oliveira (vencido conforme a declaração aposta ao Acórdão
153/04, para a qual remeto) Luís Nunes de Almeida