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Proc. nº 521/02
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional: I – Relatório
1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal de Justiça, em que figuram como recorrente A e como recorridos o Ministério Público e B, foi interposto um recurso para este Tribunal Constitucional através de um requerimento que tem o seguinte teor (fls. 851):
'A, arguido e recorrente nos autos à margem referenciados, tendo sido notificado do acórdão de fls...., pelo qual se desatendeu a arguição de nulidade do acórdão de fls. 814 e 827, vem interpor, de ambos os referidos acórdãos, recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na sua actual redacção. Este recurso é interposto sem prejuízo do direito de recorrer, também para o Tribunal Constitucional, no momento oportuno, do acórdão da Relação de Lisboa de fls. 744 a 748, pelo qual se rejeitou o recurso para ela interposto do acórdão do Tribunal Colectivo da 2ª Vara Mista da Comarca de Sintra. Para o recurso que agora se interpõe indicam-se como normas cuja inconstitucionalidade o Tribunal «ad quem» deverá apreciar, as referidas nas alegações de recurso do arguido para este Supremo Tribunal de Justiça e no requerimento de arguição de nulidades do acórdão deste Supremo, sendo que as normas e os princípios constitucionais violados são os que igualmente constam dessas peças processuais do arguido'.
2. Recebido o recurso no Supremo Tribunal de Justiça e enviados os autos ao Tribunal Constitucional, foi proferido despacho pelo Relator ordenando a notificação do recorrente para que desse 'cabal cumprimento à norma do art.
75º-A da LTC, nomeadamente indicando as normas ou princípios constitucionais que considera violados, bem como as normas ou interpretações normativas cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada'.
3. O recorrente respondeu a esta solicitação através de um requerimento que tem o seguinte teor:
'1. O presente recurso é interposto ao abrigo do disposto no artigo 70º, nº 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional.
2. O recorrente pretende que, neste recurso, o Tribunal Constitucional aprecie a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 4º, 400º, 432º e 433º do Código de Processo Penal, na interpretação que lhe é dada pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão pelo qual foi decidido não conhecer do recurso para ele interposto, por violação dos preceitos contidos nos artigos 13º, 27º, nº 1, 20º e 32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
3. O ora recorrente suscitou a questão da inconstitucionalidade das normas contidas nos referidos artigos do Código de Processo Penal, na interpretação que delas fez o Supremo Tribunal de Justiça no mencionado acórdão, na motivação do seu recurso para este último Tribunal, designadamente na conclusão 2ª.
4. Pretende, ainda, o recorrente ver apreciada, pelo Tribunal Constitucional, a inconstitucionalidade das normas contidas nos artigos 379º, nº 1, alínea c),
425º, nº 4 e 678º, nº 2, do Código de Processo Penal e 660º, nº 2 e 713º, nº 2, do Código de Processo Civil, interpretados e aplicados pela forma por que o foram no acórdão recorrido, por violação do preceituado nos artigos 20º, nº 1 e
32º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa.
5. A questão, mencionada no nº 4. Foi suscitada no requerimento de arguição de nulidade, de folhas 830 a 834 dos autos, apresentado no Supremo Tribunal de Justiça.
6. Pretende, ainda, o recorrente ver apreciada a inconstitucionalidade dos artigos 4º, 107º e 400º, do Código de Processo Penal, na interpretação que lhe foi dada pelo Supremo Tribunal de Justiça e pela Relação, por violação dos artigos 32º, nº 1, 205º e 282º da Constituição da República Portuguesa.
7. A questão mencionada em 6., foi suscitada na motivação do recurso para o Supremo Tribunal de Justiça – sendo imprevisível aquando da apresentação do recurso para a Relação de Lisboa -, designadamente nas conclusões 4ª e 5ª.
8. O recorrente pretende ver apreciada a questão referida no nº 6 deste requerimento e suscitada, como referido no nº 7 anterior, se se entender ser este o momento oportuno, ou seja, apenas se não se entender que a mesma questão só pode ser apreciada depois de interposto recurso, autónomo deste, do acórdão da Relação proferido nos autos.
9. Termos em que se requer a V. Exa. que se digne considerar suprida a omissão e, em consequência, que se digne admitir o recurso, seguindo-se os demais termos até final'.
4. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do objecto do recurso (fls. 863 a 867). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'Como este Tribunal tem afirmado, repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, tem o recorrente o ónus de indicar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do(s) preceito(s) que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº 178/95 (Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) 'tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº
269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de 1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'. Porém, in casu, verifica-se que nem no requerimento de interposição do recurso nem na resposta ao despacho de aperfeiçoamento - peças que supra já transcrevemos integralmente - o recorrente identifica a exacta dimensão ou interpretação normativa dos preceitos do Código de Processo Penal e do Código de Processo Civil, por si referidos, cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada, limitando-se a referir que tais preceitos são inconstitucionais na interpretação que lhes é dada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Ora, tal forma de proceder não é suficiente para que se possa considerar cumprido o ónus referido supra. Efectivamente, dizer que se pretende ver apreciada a inconstitucionalidade de um preceito na interpretação normativa que lhe é dada por uma decisão judicial não é ainda identificar essa interpretação normativa. Na verdade, ao limitar-se a remeter para a 'interpretação que lhes
(aos preceitos) é dada pelo Supremo Tribunal de Justiça', o recorrente mais não está do que a transferir – de forma inadmissível – para o Tribunal ad quem – no caso o Tribunal Constitucional – o ónus, que sobre ele impende, de delimitar o objecto do recurso. Acresce que a não indicação das exactas interpretações normativas dos preceitos referidos cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada coloca ainda o Tribunal numa situação de verdadeira impossibilidade de verificar se se encontram preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso que pretendeu interpor (o previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC), ou seja: (i) saber se o recorrente suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade dessa dimensão normativa; (ii) saber se a decisão recorrida utilizou, como ratio decidendi, a exacta dimensão normativa cuja inconstitucionalidade foi suscitada. Por tudo o exposto, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso interposto pelo recorrente, por falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade'.
5. Inconformado com esta decisão o recorrente apresentou a presente reclamação para a conferência (fls. 140 a 143), onde alega que 'nada na Lei permite a afirmação segundo a qual constitui ónus do recorrente – no requerimento de interposição do recurso ou no requerimento apresentado na sequência do despacho proferido de harmonia com o disposto no art. 75º- A, nº 5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional – a indicação da exacta interpretação normativa dada pelo Tribunal a quo, dos preceitos cuja inconstitucionalidade o mesmo recorrente pretende ver apreciada'.
6. O Representante do Ministério Público, notificado da presente reclamação, veio responder-lhe no seguintes termos:
'1º - A presente reclamação carece ostensivamente de qualquer fundamento sério.
2º - Apenas revelando indesculpável desconhecimento, por parte do recorrente, do sistema dos recursos de fiscalização concreta e dos respectivos pressupostos de admissibilidade, tal como resulta da jurisprudência uniforme e reiterada deste Tribunal'.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir. II – Fundamentação
7. Alega o reclamante que nada na lei lhe impõe que identifique - no requerimento de interposição do recurso ou no requerimento apresentado na sequência do despacho proferido ao abrigo do art. 75º-A, nº 5 e 6, da Lei do Tribunal Constitucional - a exacta interpretação normativa dos preceitos cuja inconstitucionalidade pretende ver apreciada. Porém, manifestamente, sem razão, como resulta já da decisão reclamada e da abundante jurisprudência do Tribunal Constitucional para que nela se remete. Agora apenas se explicita que é o artigo 75º-A, nº 1, da Lei do Tribunal Constitucional, que impõe ao recorrente - quando pretende questionar apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito - o ónus de indicar, logo no requerimento de interposição do recurso, essa interpretação normativa. É que, nessas hipóteses, só identificando a interpretação normativa que considera inconstitucional estará o recorrente a indicar, como expressamente se exige naquele preceito, 'a norma cuja inconstitucionalidade (...) pretende que o Tribunal aprecie'. Em face do exposto, apenas resta, reafirmando os fundamentos constantes da decisão reclamada, concluir pela impossibilidade de conhecer do objecto do recurso e, em consequência, pelo indeferimento da presente reclamação.
III – Decisão Nestes termos, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 23 de Janeiro de 2003 Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida