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Processo nº 632/02
3ª Secção Rel. Cons. Tavares da Costa
Acordam na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
I
1. - Nos presentes autos de recurso de fiscalização concreta de constitucionalidade vindos do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Lisboa
(1º Juízo), instaurados ao abrigo do artigo 70º, nº 1, alínea a), da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, em que são recorrente o Ministério Público e recorrida A, pretende-se submeter à apreciação deste Tribunal a questão de constitucionalidade de norma contida no nº 1 do artigo 67º do Regulamento da Tabela de Licenças e Taxas do Município de Sintra, para vigorar no ano de 2001, cuja aplicação foi recusada pelo tribunal a quo com fundamento em violação do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 165º da Constituição da República.
2. - Com efeito, deu-se como provado: a) que a Câmara Municipal de Sintra liquidou à então impugnante e ora recorrida, com referência ao ano de 2001, uma taxa no montante de 1.379,08 Euros (276.480$00) devida em virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, águas e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipalizados competentes, relativa a equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos; b) que o Regulamento em causa, aprovado em reunião da Câmara de 19 de Agosto de 1999 (publicado no Diário da República, II Série, de
29 de Setembro seguinte – Apêndice nº 126), o qual, submetido a apreciação pública foi novamente remetido à Câmara em 24 de Novembro e aprovado em reunião da Assembleia Municipal de 22 de Dezembro de 1999 e objecto de publicação através do Edital nº 664/99, tendo entrado em vigor aos 2 de Fevereiro de 2000; c) e que, no que respeita ao Regulamento para o ano de 2001, este “sofreu apenas algumas alterações, devido à transferência de atribuições do Município para as empresas públicas municipais, tendo os valores respeitantes à tabela sofrido apenas com a actualização com base no índice de inflação de 2,4%”, sendo a actualização aprovada em reunião da Câmara de 22 de Novembro de 2000 e na sessão da Assembleia Municipal de 18 de Novembro seguinte, sendo publicada nos locais públicos do costume, através de Edital nº 677/00, a sentença passou a aplicar o direito, escrevendo-se:
“Está em causa nos presentes autos a liquidação pela C.M. Sintra de uma 'taxa' referente 'a condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, águas e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipalizados competentes', em virtude da instalação na via pública de um posto de abastecimento de combustíveis líquidos, nos termos do nº 1 e 1.2.1 do artº 67° da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para 2001. De acordo com esta tabela foi criado no artº 67°, nº 1, um tributo devido independentemente da utilização ou não do domínio público. Tal tributo não tem natureza nem estrutura sinalagmática pois o respectivo montante não é contraprestação ou contrapartida de nada. Não existindo qualquer contrapartida para a exigência do encargo em causa, que represente a utilidade recebida pelo particular, o pagamento da quantia imposta no caso sub judice não constitui uma taxa, mas antes um imposto. Tendo tal prestação sido criada através de regulamento camarário, foi violado o disposto no artº 165°, nº 1, al. i) da Constituição da República Portuguesa. Pelo exposto teremos de concluir ser inconstitucional o disposto no artº 67°, nº
1 da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para o ano de 2001 por violação do artº 165°, nº 1 al. i) da C.R.P. e, em consequência, anula-se tal liquidação por se verificar vício de violação de lei.”
3. - Interposto recurso para o Tribunal Constitucional, consoante o já mencionado, alegaram oportunamente o magistrado recorrente e a recorrida.
O primeiro concluiu assim as suas alegações:
1° - A concepção constitucional de 'taxa' pressupõe - face ao entendimento da jurisprudência constitucional - a necessidade de existência de uma relação sinalagmática, a desnecessidade de uma exacta equivalência económica, a aferição do respectivo montante em função não só do custo, mas também do grau de utilidade prestada, e a exigência de uma não manifesta desproporcionalidade na sua fixação.
2° - A taxa devida pela utilização do espaço público municipal, através da instalação, na via pública, de uma estação de abastecimento de combustíveis tem natureza sinalagmática, já que é devida em função de uma utilização individualizável de um bem do domínio público.
3° - Termos em que deverá proceder o presente recurso.
Por sua vez, a recorrida formulou o seguinte quadro conclusivo:
“1. Sem qualquer nexo inteligível, o IRMP conclui que o tributo dos autos configura uma verdadeira taxa porquanto alegadamente diz respeito a um posto situado na via pública, o que é irrelevante já que o tributo em questão se aplica a todos os postos independentemente da respectiva localização.
2. O tributo em causa mais não é que uma forma abusiva e despudorada encontrada pelo município de Sintra para manter o mesmo nível de receitas que vinha obtendo com a taxa recentemente declarada inconstitucional por ausência de sinalágma e que vinha sendo ilegitimamente cobrada relativamente a postos inteiramente localizados em terrenos particulares.
3. O novo tributo não expressa qualquer correspectividade entre a utilização de um bem semi público e aquilo que se paga, pelo que desde logo não pode ser qualificado como taxa.
4. Aliás, não se vislumbra qual o bem semi-público que possa ser contrapartida da suposta taxa pois que a mesma mais não é do que uma amálgama de todos os argumentos empregues pela CMS e sempre rejeitados pelos tribunais para tributar os postos inteiramente localizados em propriedade privada: desgaste ambiental, desgaste da via pública, condicionamentos de tráfego e mesmo a existência de uma actividade de fiscalização que até hoje nunca existiu nem existe muito menos relativamente aos postos de abastecimento das Impugnantes.
5. De referir aliás, que no que respeita às implicações ambientais da instalação e licenciamento de um posto de abastecimento importa referir que nem a Câmara Municipal de Sintra nem qualquer outro município tem competência fiscalizadora ou outra pois que nos termos do Decreto-Lei n.º 246/92, de 30 de Outubro que aprovou o regulamento de construção e exploração de postos de abastecimento de combustíveis e o Decreto-Lei n.º 302/95, de 18 de Novembro que introduziu algumas alterações ao primeiro, a entidade com competência exclusiva nesta matéria é a Direcção Geral de Energia.
6. O tributo ora impugnado é em rigor uma contribuição especial ilegitimamente criada pela CMS em frontal colisão com o princípio da legalidade constitucionalmente consagrado no artigo 165.º n.º 1 al. i) da Constituição da República Portuguesa.
7. Sem prejuízo do referido, importa referir ainda nesta síntese que outro vício substantivo a assacar à taxa ora impugnada é o de que não se vislumbra na Lei das Finanças Locais suporte legal para esta taxa (cfr. artigos 16º e 19º da Lei nº 42/98, de 6 de Agosto) pelo que a mesma viola claramente o princípio da legalidade e tipicidade a que estão sujeitas todas as taxas.
8. De acordo com a nova tabela foi criado um tributo no artigo 67.º n.º 1 que segundo a CMS é devido, independentemente de utilização ou não do domínio público, em virtude dos condicionamentos no plano de tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, águas e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipalizados competentes.
9. Basta atentar na previsão normativa do tributo para constatar que se trata de uma verdadeira contribuição especial - juridicamente um imposto - devida, supostamente, em virtude de maiores despesas ocasionadas pelos particulares às entidades públicas no exercício da sua actividade.
10. Com efeito, a CMS tem vindo desde há alguns anos a invocar que os postos de abastecimento de combustível contribuem para um desgaste das estradas do município, designadamente nas zonas dos acessos aos postos, obrigam a uma maior necessidade de gestão de trânsito, que provocam um desgaste ambiental ao nível do ar, água e solos, e que tudo isso leva a um aumento dos custos dos serviços de fiscalização camarários.
11. Criou assim o presente tributo que consiste inequivocamente numa prestação patrimonial, de dare, independente de qualquer vínculo anterior, definitiva, unilateral, com vista à satisfação de fins públicos.
12. É uma prestação definitiva porquanto não confere direito a restituição, reembolso, retribuição ou indemnização a cargo do credor tributário e é unilateral ou não sinalagmática porquanto não dá ao devedor o direito de exigir qualquer contraprestação.
13. Ora, tratando-se o tributo em questão de uma contribuição especial, ou seja de um imposto, e não tendo sido criado por lei da Assembleia da República ou por Decreto-lei autorizado padece o tributo em questão e a sua liquidação, do vício de inconstitucionalidade por violação do disposto na al. i) do n.º 1 do artigo
165.º da CRP .
14. A CMS tenta pois dissimular um verdadeiro imposto em taxa.
15. Ora, a mais relevante característica distintiva das taxas em face do imposto reside no carácter bilateral (sinalagmático) da prestação devida.
16. Significa isto que não basta uma contrapartida de carácter genérico, é absolutamente necessário que haja uma contraprestação individual exigível pelo devedor, o que não sucede no caso do tributo ora impugnado.
17. Mesmo que se entendesse que o tributo em questão se trata de uma taxa, o que apenas por dever de patrocínio se admite, ainda assim a taxa seria inválida.
18. Com efeito, o tributo está autonomizado no artigo 67.º da Tabela das demais taxas previstas nesse mesmo artigo, as quais visam remunerar o município pela utilização maior ou menor que o posto faça do solo pertencente ao domínio público.
19. Como se deixou perfeitamente claro acima, os municípios apenas podem cobrar taxas na medida em que a lei as preveja expressamente.
20. Tal princípio decorre inclusivamente do disposto no artigo 238.º n.º 4 da CRP.
21. Ora, compulsado o que se dispõe no artigo 19.º da Lei n.º 42/98 de 6 de Agosto, disposição que elenca taxativamente as situações em que os municípios podem cobrar taxas, resulta inequivocamente que a taxa ora criada não tem aí assento legal e nessa medida viola o princípio da legalidade a que está sujeita a sua criação.
22. Com efeito, resulta dessa disposição que os municípios apenas podem criar taxas nas situações aí previstas.
23. De todas essas situações destacam-se para a presente análise apenas a al. c), que permite cobrar taxas pela ocupação do domínio público municipal, e a al. o) que permite cobrar taxas por qualquer licença da competência dos municípios.
24. Ora, da redacção dada à norma onde está previsto o tributo impugnado (67.º n.º 1) 1.1.) e do confronto da mesma com as demais regras do mesmo artigo (67.º
1.2.) resulta que foi intenção da CMS autonomizá-lo - como se disse acima - das taxas de ocupação do domínio público.
25. Com efeito a autarquia tributa todos os postos nos termos do n.º 1.1. independentemente de qualquer ocupação do domínio público.
26. E tributa nos termos dos n.ºs 1.2. apenas a ocupação do domínio público.
27. Neste último caso, que não está em questão nos presentes autos, essa contrapartida é evidentemente a referida ocupação, pelo que as taxas aí previstas estão claramente autorizadas na Lei das Finanças Locais, cumprindo-se o princípio da legalidade (cfr. a al. c) do artigo 19.º).
28. Já no primeiro caso, nada se diz quanto à contrapartida embora seja desde já lícito concluir que a taxa aí prevista não terá fundamento na referida al. c).
29. Há que admitir assim, prosseguindo nesta hipótese de estudo, que a 'taxa' possa assentar na al. o) que permite aos municípios cobrar taxas pela atribuição de qualquer licença da sua competência, a qual já vimos não existir no que respeita à fiscalização da exploração de postos de abastecimento.
30. Sem prejuízo do referido, e prosseguindo nesta perspectiva, a CMS cobraria o tributo previsto no n.º 1 ponto 1.1. do artigo 67.º da tabela enquanto contrapartida da atribuição de uma licença pela remoção de um qualquer limite à actividade dos particulares.
31. Sucede que como ensina Teixeira Ribeiro, mesmo nestes casos de remoção de limites jurídicos é preciso distinguir entre a remoção que possibilite a utilização de um bem semi público e aquela que a não possibilita. Na verdade só a quantia paga pela primeira pode constituir taxa.
32. Ora, no presente caso, a suposta 'licença', não é destinada a proporcionar a utilização de qualquer bem semi-público vg. ocupação do domínio público, ou qualquer outro, pois que como vimos, há taxas especificamente criadas no regulamento para isso (vg. taxas previstas no artigo 67.º n.º 1.2. do regulamento).
33. Nessa medida, também por este motivo não seria possível classificar o tributo como uma taxa.
34. Poderia ainda invocar-se que a taxa é contrapartida da actividade de verificação das condições indispensáveis à remoção do referido limite jurídico à actividade dos particulares.
35. Porém, basta atentar na previsão da taxa para nos apercebermos que assim não
é, e que qualquer limite que possa vir a ser invocado é meramente artificial.
36. Acresce que como se começou por referir a entidade com competência para fiscalizar a exploração dos postos é a Direcção Geral de Energia, tendo a CMS apenas competência para fiscalizar vg. as obras de construção etc.. mas para isso e inclusive para as inerentes vistorias ao posto da recorrida já há muito que se pagam taxas específicas.
37. Nem se venha dizer que o tributo em questão é uma taxa tendo em vista concretizar o princípio do poluidor pagador, pois que desde logo um tal argumento atenta contra os supra referidos princípios do exclusivismo e da determinação a que estão sujeitas as taxas.
38. Com efeito, não seria legítima a criação de uma taxa em tais moldes na medida em que - a relevar o carácter poluente - não se definem inequivocamente os elementos do tributo.
39. Como pode as recorrida saber, a partir do texto legal, ou da tabela que estão a pagar um tributo pelo 'desgaste ambiental' que alegadamente causa? Quanto desgasta? Paga o mesmo se desgastar muito ou pouco? Como mede a CMS a poluição? Como pode a recorrida exigir arranjos nas estradas de acesso aos seus postos?
40. Decorre do exposto que a contraprestação da taxa impugnada não existe e, mesmo admitindo a existência da mesma, a verdade é que não está prevista na lei das finanças locais o que desde logo a inquina por violação do principio da legalidade.
41. Por último, importa apenas realçar que as contrapartidas, aliás hipotéticas e meramente ideais, do pagamento do tributo ora impugnado não são, evidentemente, individualmente exigíveis nem sequer individualizáveis, pelo que está absolutamente fora de questão a classificação do tributo impugnado como taxa.”
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II
1. - O subjacente problema de constitucionalidade decorre da delimitação da reserva relativa da competência legislativa da Assembleia da República, já que, nos termos da alínea i) do nº 1 do artigo 165º da lei fundamental, é da exclusiva competência deste órgão de soberania, salvo autorização ao Governo, legislar sobre “criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”.
Como se viu, na leitura do tribunal recorrido, a tributação levada a efeito, subentendendo a utilização do domínio público viário, na medida em que se está perante instalações e equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos situados inteiramente na via pública, configura-se como um imposto, dada a alegada ausência de natureza e estrutura sinalagmática, e não como taxa, o que implicaria, a ser assim, violação do texto constitucional.
Estabelece-se, nesta perspectiva, no âmbito do
“equipamento de abastecimento de combustíveis líquidos”, uma determinada taxa anual, devida por cada um, “em virtude dos condicionamentos no plano do tráfego e acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, águas e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipais competentes”, acrescendo uma taxação específica se se trata de equipamento instalado inteiramente na via pública.
2. - O Tribunal Constitucional tem sido frequentemente chamado a pronunciar-se sobre o problema da distinção constitucional entre imposto e taxa, aceitando, como critério básico dessa diferenciação, a unilateralidade ou a bilateralidade do tributo: enquanto ao imposto é reconhecida uma estrutura unilateral, a taxa distingue-se pelo seu carácter bilateral e sinalagmático, supondo a respectiva estrutura a existência de uma correspondência entre a prestação pecuniária a pagar e a prestação de um serviço pelo Estado ou por outra entidade pública.
A exigência de uma relação sinalagmática, como pressuposto para que se possa falar de taxa, reveste-se de carácter substancial ou material, e não meramente formal, como se destacou no recente acórdão nº
115/2002, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Maio de 2002, onde se ponderou não depender a qualificação de um dado tributo como taxa da verificação de uma equivalência económica rigorosa entre o valor do serviço e o montante da quantia a prestar pelo utente desse serviço, tornando-se necessário, para que de outro modo se conclua, uma manifesta desproporção que, de modo inequívoco, comprometa a correspectividade pressuposta na relação sinalagmática. Ponderação que se abonou, de resto, em anterior jurisprudência (como são, por exemplo, os casos dos acórdãos nºs. 640/95, 1140/96 e 357/90, publicados naquele jornal oficial, II Série, de 20 de Janeiro de 1996, 10 de Fevereiro de 1997 e 2 de Março de 2000, respectivamente).
Aquele aresto nº 115/2002, destaca, particularmente, outro acórdão, nº 558/98 (publicado no mesmo Diário, II Série, de 11 de Novembro de 1998), que se debruçou sobre a natureza jurídica das taxas e licenças municipais, caracterizando, com apoio doutrinário, como sendo três as situações de contrapartida do ente público, consoante a mesma se consubstancia na utilização de um serviço público de que beneficiará o tributado, na utilização, pelo menos, de um bem público ou semi-público ou de um bem do domínio público e, finalmente, na remoção de um obstáculo jurídico ao exercício de determinadas actividades por parte dos particulares (assim, Teixeira Ribeiro, Lições de Finanças Públicas, 5ª ed., Coimbra, 1995, págs. 252 e segs.; a «Noção Jurídica de Taxa», in Revista de Legislação e de Jurisprudência, ano 117º, págs. 289 e segs.; Paulo de Pitta e Cunha, José Xavier de Basto e António Lobo Xavier, «Os conceitos de Taxa e de Imposto a Propósito de Licenças Municipais», in Fisco, nºs 51/52, págs. 3 e segs.).
De um modo geral, pode adiantar-se que este Tribunal tem mesmo entendido, embora maioritariamente, que para se delinear uma clara desproporção que afecte o carácter sinalagmático de um tributo, não há-de, apenas, considerar-se a medida excessiva da quantia a pagar relativamente ao custo do serviço mas ter em conta, igualmente, a aferição dessa quantia em função do grau de utilidade do serviço para quem tem de pagar o tributo (neste termos, v.g., o acórdão nº 20/2003, publicado no Diário da República, II Série, de 28 de Fevereiro último).
3. - No caso sub judice não pode deixar de se considerar a vantagem que decorre para o utente da utilização do espaço público municipal: é lógica a repercussão no apuramento de grau – com inflexão no valor da taxa – da utilidade económica alcançada através da permissão da utilização de um bem público, correspondendo igualmente, à intensidade da exploração económica, uma correlativa utilização do domínio público (cfr. cit. acórdão nº 20/2003), o que convoca, na proporcionalidade, os condicionamentos no plano do tráfego e das acessibilidades, da inerente degradação e utilização ambiental dos recursos naturais (ar, águas e solos) e da consequente actividade de fiscalização desenvolvida pelos serviços municipalizados competentes, factores pressupostos do critério de fixação do tributo.
É certo que o Tribunal Constitucional, ao pronunciar-se a respeito da taxação de instalações abastecedoras de carburantes líquidos sitas na área do mesmo município, julgou inconstitucional a norma do nº 5 do artigo
42º da Tabela de Taxas entrada em vigor em 2 de Dezembro de 1989, por violação do disposto na alínea i) do nº 1 do artigo 168º, na versão então vigente da Lei Constitucional nº 1/89, de 8 de Julho.
No entanto, o acórdão em que este juízo se sustentou e foi emitido – o nº 515/2000, publicado no Diário da República, II Série, de 23 de Janeiro de 2001 – pressupôs uma factualidade distinta, pois tratava-se, então, de equipamento totalmente instalado em propriedade particular, com abastecimento no interior dessa propriedade.
Foi assim que, então, se escreveu:
“Ora, através de uma taxa como a que vem identificada nos autos, o obrigado ao pagamento não beneficia da utilização dos serviços de repartição ou funcionários municipais nem da remoção de qualquer obstáculo jurídico ao exercício da actividade em causa. Assim, a imposição da taxa em apreciação apenas poderia fundar-se na ocupação do domínio público e aproveitamento de bens de utilização pública. Porém, é manifesto que este tipo de contrapartida não pode concretizar-se na situação dos autos: de facto, estando o posto de abastecimento instalado inteiramente em terreno privado e decorrendo também na propriedade privada todos os actos relativos ao abastecimento e actividades complementares (como vem provado nos autos – ponto 3), a actividade de abastecimento das viaturas não implica qualquer utilização de bens semi-públicos, inexistindo qualquer conexão da taxa exigida com a ocupação de bens públicos, não sendo sequer possível ligá-la a uma eventual renovação de licença ou a quaisquer diligências que o município deva realizar para a conceder, como bem refere o Ministério Público nas suas alegações. Não tem assim a referida taxa de instalações abastecedoras de combustíveis nem natureza nem estrutura sinalagmática, pois o respectivo montante não é contraprestação ou contrapartida de nada. Não existindo qualquer contrapartida para a exigência do encargo em causa, que represente a utilidade recebida pelo particular, o pagamento da quantia imposta no caso não constitui uma taxa, mas antes um imposto. E tendo sido criado através de simples edital camarário foi violado o artigo 168º, nº1, alínea i), da Constituição da República Portuguesa (versão de 1989).”
O caso vertente não se assemelha ao apreciado no citado acórdão nº 515/2000, e sem que agora se torne necessário apreciar da sua bondade.
Na verdade, repete-se, estão, aqui, em causa instalações abastecedoras de combustíveis e respectivos acessos, situados na via pública, fundamentando-se, assim, a tributação na respectiva utilização de um bem público, conexionada intimamente com o aproveitamento desse bem por particulares, e na contraprestação das utilidades retiradas da ocupação desses espaços, seu desgaste viário e, bem assim, ambiental, acrescendo a fiscalização inerente à conservação dos acessos e a vigilância dos condicionantes de tráfego
– o que, de resto, a tese professada naquele aresto não negligenciou, só que entendeu não se verificar, nos pressupostos fácticos então sob consideração, essa concreta vertente individualizada, justificativa de sinalagma.
É este, como vimos, o sentido de recente jurisprudência constitucional em casos análogos.
Assim, no acórdão nº 20/2003, já citado, em recurso vindo do mesmo Tribunal, com a mesma recorrida, entendeu-se legítimo ponderar, na fixação do valor da taxa pela utilização do domínio público, a vantagem patrimonial que decorre para o utente da utilização do espaço público municipal. Escreveu-se, então, a dado passo desse aresto: “[...] o grau de utilidade (e, por isso, o valor da taxa) resulta precisamente [no caso então em apreço] da intensidade da exploração económica daquele local público [...]. Assim, tal critério traduz uma certa repercussão, no montante da taxa devida, do grau de utilidade económica efectivamente alcançado através da permissão de utilização de um bem público, referindo-se, ainda, que a essa maior intensidade de exploração económica corresponde uma igualmente mais intensa utilização do domínio público”.
Então, como agora, considerou-se existir uma correspectividade relevante entre o tributo devido e a autorização concedida, pelo que o tributo em causa é ainda uma taxa.
É que, como então, o tributo resulta da utilização individualizável do domínio público viário, encontrando-se, nessa medida, preenchido o núcleo essencial do conceito de taxa.
III
Em face do exposto, decide-se não julgar inconstitucional a norma do artigo 67º, nº 1, da Tabela de Taxas e Licenças do Município de Sintra para o ano de 2001, enquanto aplicável a instalações situadas na via pública, revogando-se, consequentemente, a decisão recorrida que deverá ser reformulada de acordo com o presente juízo de constitucionalidade.
Lisboa, 28 de Abril de 2003 Alberto Tavares da Costa Bravo Serra Gil Galvão Maria dos Prazeres Pizarro Beleza Luís Nunes de Almeida