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Procº nº 739/2003.
3ª Secção.
Relator: Bravo Serra.
1. Em 11 de Novembro de 2003 o relator lavrou decisão com o seguinte teor:
“1. Da deliberação tomada em 19 de Fevereiro de 2002, sob a forma de acórdão, pelo Conselho Superior da Magistratura, e por intermédio da qual foi, na sequência de inspecção ordinária aos serviços prestados na -----ª Vara ------- -------------, atribuída a classificação de Medíocre ao Juiz de direito Licº A., ficando o mesmo, em consequência dessa classificação e ex vi do artº 34º do Estatuto dos Magistrados Judiciais aprovado pela Lei nº 21/85, de 30 de Julho, suspenso das suas funções, veio o aludido Juiz interpor recurso contencioso de anulação para o Supremo Tribunal de Justiça.
Tendo sido determinado o cumprimento do disposto no artº 176º do indicado Estatuto, o que foi notificado ao recorrente por intermédio de carta registada expedida em 16 de Outubro de 2002, e tendo o recorrente apresentado a sua alegação na secretaria do Supremo Tribunal de Justiça em 8 de Novembro seguinte, o Conselheiro Relator, em 25 de Novembro de 2002, exarou despacho em que disse: ‘Operando a notificação os seus efeitos em 21/10/02, o prazo concedido pelo art. 176 º do EMJ expirou em 31/10/02. Por isso as presentes alegações são intempestivas, por tardias, não podendo ser recebidas’.
Deste despacho veio o recorrente solicitar a sua aclaração e reforma, sustentando, em síntese:
- que no requerimento de interposição do recurso contencioso se continham já as alegações, entendidas elas como a expressão e desenvolvimento das razões da discordância com acto impugnado, os vícios de que este estava inquinado e as normas jurídicas que se entendiam como violadas ou o sentido em que elas deveriam ter sido aplicadas;
- que na alegação que foi considerada como extemporaneamente apresentada se reproduziu o alegado no petitório de recurso;
- que deveria, assim, ser considerado que o recorrente estava dispensado de produzir alegação, ‘sob pena de se incorrer numa interpretação da lei adjectiva, mormente dos artigos 67 § único do RSTA, 291º, n.º 2 e 690º n.º 3 do C.P.C., que viola o direito de acesso à Justiça e aos Tribunais, consagrado no art.º 20º da Constituição, bem como do preceituado no art.º 268º n.º 4 da Lei Fundamental, violação essa que se traduziria na omissão de pronunciamento pelo Tribunal de recurso do objecto deste, não obstante o Recorrente lhe ter exposto, com toda a clareza e em toda a sua extensão, as razões da sua discordância, os vícios imputados ao acto recorrido e o sentido em que entende dever ser interpretado o direito aplicável’;
- que, quando muito, deveria o impugnante ser notificado para apresentar «conclusões»;
- que, de todo o modo, a alegação foi apresentada no prazo de vinte dias a que se reportava a redacção inicial do artº 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, prazo esse que, pela Lei nº 143/99, de 31 de Agosto, veio a ser encurtado para dez dias, o qual, por ser demasiadamente exíguo, não tendo correspondência com qualquer outro prazo para a produção de alegações, traduzia ‘uma discriminação de sentido negativo relativamente aos Juízes, enquanto cidadãos, que impugnam decisões administrativas, no contexto do contencioso da magistratura, relativamente aos demais concidadãos e em especial, aos Magistrados do Ministério Público’, pelo que aquele artº 176º, na redacção conferida pela Lei nº 143/99, violava os artigos 13º e 20º da Constituição.
Tendo, por despacho de 17 de Janeiro de 2003, sido indeferidas as solicitações de aclaração e reforma, veio o recorrente apresentar nos autos requerimento com o seguinte teor:
‘Lic. A., Recorrente nos autos à margem indicados, notificado do despacho que indeferiu o pedido de aclaração e reforma, vem requerer a V. Excia que sobre a matéria desse despacho de fls..., datado de 2002.11.25, que rejeitou, por intempestivas, as alegações apresentadas, recaia um acórdão, nos termos do nº 3 do artº. 700º do Código de Processo Civil, devendo por isso V. Excia submeter o caso à conferência, depois de ouvida a parte contrária’ .
Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão de 1 de Julho de 2003, confirmado o despacho reclamado, consequentemente julgando deserto o recurso por falta de alegações, fez o recorrente juntar aos autos requerimento em que manifestou a sua vontade de daquele aresto ‘interpor recurso de Agravo para o Pleno da Secção’.
O Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, por despacho de 17 de Setembro de 2003, indeferiu o peticionado, por a lei não prever que a ‘Secção de Contencioso funcione em Subsecção, ou seja, com apenas alguns dos Juízes Conselheiros que a compõem’.
Veio então o recorrente interpor recurso para o Tribunal Constitucional do acórdão de 1 de Julho de 2003, o que fez ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por seu intermédio pretendendo ‘ver apreciada a inconstitucionalidade da norma constante do artº 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais, com a redacção da Lei nº 143/99 de 31 de Agosto’, acrescentando que ‘a questão da inconstitucionalidade foi suscitada nos autos a fls... do pedido de aclaração e reforma do despacho de 2002.11.15’.
O recurso para este órgão de fiscalização concentrada da constitucionalidade normativa veio a ser admitido por despacho lavrado em 7 de Outubro de 2003.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, de harmonia com o prescrito no nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por via da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Como deflui do relato supra efectuado, a reclamação para a conferência, peticionada com esteio no nº 3 do artº 700º do Código de Processo Civil incidiu sobre o despacho proferido em 2 de Novembro de 2002 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça, que considerou extemporânea a apresentação da alegação do recorrente.
Por outro lado, e como também resulta daquele relato, aquando da peça processual consubstanciadora da reclamação, que era, afinal, aquela por intermédio da qual se solicitava ao Supremo Tribunal de Justiça - que, relativamente às decisões pelo mesmo tomadas, funciona colegialmente - a prolação de um juízo definitivo sobre a matéria sobre a qual versou o despacho do Conselheiro Relator, não foi equacionada qualquer questão de desconformidade com a Lei Fundamental por banda de uma dada norma constante do ordenamento jurídico infra-constitucional.
Preceituando o nº 2 do artº 72º da Lei nº 28/82 que o recurso fundado na alínea b) do nº 1 do seu artº 70º só pode ser interposto pela «parte» que haja suscitado a questão de inconstitucionalidade perante o tribunal que proferiu a decisão recorrida, em termos de este estar obrigado a dela conhecer, é manifesto que, sendo, como é, a decisão ora impugnada o acórdão de 1 de Julho de 2003, não foi, na peça processual que peticionou a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça e que a essa decisão deu aso, cumprido o ónus a que se reporta aquela disposição legal.
E nem se diga que esse ónus se mostrou efectivado com o que foi escrito no requerimento em que se solicitou a aclaração e o pedido de reforma do despacho de 2 de Novembro de 2002.
Na verdade, a impostação do problema da eventual inconstitucionalidade da nova redacção dada ao artº 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais pela Lei nº 143/99 foi, e tão só, dirigida ao próprio Conselheiro Relator, a fim de ele nela ponderar para a eventualidade de reformar o seu despacho de 2 de Novembro de 2002, o que, porém, não veio a suceder.
Ora, não tendo havido reforma, se acaso o ora impugnante pretendesse que o Supremo Tribunal de Justiça viesse a efectuar uma tal ponderação, com vista a, acolhendo o ponto de vista do recorrente, revogar o despacho prolatado pelo Conselheiro Relator, incumbia ao recorrente, na peça processual em que formalizou a reclamação, colocar a questão da desarmonia constitucional da mencionada norma.
O que não fez.
Neste contexto, e por não ter sido suscitada de modo processualmente adequado a questão de inconstitucionalidade que ora se pretende ver apreciada pelo Tribunal Constitucional, falece, no caso sub specie, um dos requisitos da impugnação a que se reporta a alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82.
Termos em que se não toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando-se a taxa de justiça em cinco unidades de conta”.
É desta decisão que, pelo Licº A. vem, nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, deduzida reclamação, tendo escrito no requerimento dela corporizadora e no que ora interessa:
“....................................................................................................................................................................................................................................................................................... 2. Na verdade, quando o Recorrente solicitou que sobre o despacho do Exmo. Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça recaísse um acórdão não voltou a suscitar a questão da inconstitucionalidade da redacção dada ao artº. 176° do Estatuto dos Magistrados Judiciais pela Lei 143/99, nem é suposto fundamentar tais pedidos.
3. No entanto, ainda que não se tenha invocado, novamente, nessa peça processual o problema da inconstitucionalidade da referida norma, o certo é que o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão, objecto do presente recurso, se pronunciou sobre a alegada inconstitucionalidade.
4. Ora, o objectivo do nº 2 do artº. 72° da Lei do Tribunal Constitucional é precisamente o de obrigar a parte a confrontar o tribunal, em tempo, antes de ser proferida a decisão, com a questão da constitucional idade do preceito potencialmente aplicável à situação sub judice, para que o Tribunal possa desde logo pronunciar-se sobre a questão.
5. Noutros termos, quando o Supremo Tribunal de Justiça foi chamado para se pronunciar sobre o despacho do Juiz Conselheiro Relator, estava ciente de que sobre o preceito em causa, o referido artº. 176° do EMJ, havia sido suscitada previamente a questão de constitucionalidade do mesmo, pelo que o tribunal teve em conta essa questão quando proferiu o Acórdão, ora impugnado.
6. Do exposto resulta que o desiderato do n° 2 do artº. 72° da Lei 28/82 se encontra perfeitamente cumprido, pois o tribunal recorrido formou sobre a norma aplicada um juízo de constitucionalidade, em resposta à questão da constitucionalidade previamente colocada.
7. Não existe assim fundamento legal para não se conhecer do objecto do recurso”.
Pronunciando-se sobre a reclamação apresentada, o Conselho Superior da Magistratura não veio a efectuar qualquer pronúncia.
Cumpre decidir.
2. O próprio reclamante reconhece que, quando peticionou ao Supremo Tribunal de Justiça que, sobre o despacho proferido pelo Conselheiro Relator, recaísse acórdão, não equacionou qualquer questão de desarmonia constitucional por parte de normas jurídicas, designadamente a inserta no artº 176º do Estatuto dos Magistrados Judiciais.
Nesta conformidade, é evidente que se terá de concluir que, perante o Supremo Tribunal de Justiça (que, talqualmente se disse na decisão sumária ora em apreço, ao proferir as suas decisões, funciona colegialmente) não foi, pelo impugnante, colocada qualquer questão de inconstitucionalidade normativa.
Ora, o requisito da suscitação da questão de inconstitucionalidade é algo que é indispensável para abrir a via do recurso prescrito na alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82 e, como, in casu, esse requisito não foi observado, a decisão em análise não merece censura.
Termos em que se indefere a reclamação, condenando-se o recorrente nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em quinze unidades de conta.
Lisboa, 8 de Janeiro de 2004
Bravo Serra
Gil Galvão
Luís Nunes de Almeida