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Processo n.º 682/2012
3ª Secção
Relator: Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha
Acordam, em conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional
1. Por Acórdão de 10 de fevereiro de 2011, proferido nos autos de processo comum coletivo n.º 350/06.2PBVLG, decidiu o 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Santo Tirso condenar o arguido A., entre outros, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão, pela prática, em concurso efetivo, de um crime de roubo qualificado, previsto e punível pelo artigo 210.º, nºs. 1 e 2, alínea f), do Código Penal (CP), por referência ao disposto no artigo 204.º, n.º 2, alínea f), do mesmo código, um crime de sequestro, previsto e punível pelo artigo 158.º, nºs. 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 144.º, alínea b), todos do CP, e um crime de detenção de arma proibida, previsto e punível pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro.
O arguido, inconformado, dele recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por Acórdão de 25 de janeiro de 2012, decidiu negar provimento ao recurso, sem prejuízo de pontuais correções introduzidas na decisão sobre a matéria de facto, tendo o recorrente deduzido incidente pós-decisório visando a sua aclaração/correção, o que foi indeferido por Acórdão de 2 de maio de 2012.
O arguido recorreu, então, para o Tribunal Constitucional, do Acórdão condenatório do Tribunal da Relação do Porto, ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei do Tribunal Constitucional (LTC), limitando-se a referir, no requerimento de interposição do recurso, que o faz «por entender que foi violado o artigo 25.º da CRP, inconstitucionalidade, essa, que foi suscitada nas suas alegações de recurso».
O Tribunal da Relação, por despacho do relator de 29 de maio de 2012, não admitiu o recurso, por ilegitimidade do recorrente, que não observou, pela forma processualmente adequada, o ónus legal de prévia suscitação (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC), tendo o arguido, inconformado, deduzido reclamação contra a decisão de rejeição do recurso, nos termos do n.º 4 do artigo 76.º da LTC, alegando, em síntese, que observou cabalmente tal ónus legal ao invocar, em sede de motivação do recurso, pelas razões então enunciadas, que «o tribunal a quo violou o princípio do direito à integridade pessoal, os artigos 40.º, nºs. 1 a 3, 70.º e 71.º do Código Penal, e o artigo 25.º da Constituição», pelo que, contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal recorrido, deve o recurso ser admitido, pois que se mostram reunidos todos os pressupostos processuais legalmente exigidos para o efeito.
O Ministério Público emitiu parecer no sentido do indeferimento da reclamação porquanto o recorrente não suscitou perante o Tribunal da Relação qualquer questão de inconstitucionalidade normativa, pelo que, não se mostrando observado o correspondente ónus legal, carece de legitimidade para interpor o presente recurso, como sustentado pela decisão reclamada, sendo, nesse contexto, inútil convidá-lo a suprir as deficiências formais de que o requerimento de interposição do recurso enferma.
Cumpre apreciar e decidir.
2. Analisado o teor do requerimento de interposição do recurso (fls. 92), rejeitado pela decisão ora em reclamação, verifica-se que o recorrente não indicou, como lhe competia, qual a norma cuja inconstitucionalidade pretendia ver apreciada (artigo 75.º-A, n.º 1, da LTC). Contudo, e como sustenta o Ministério Público, será inútil convidá-lo a suprir tal deficiência formal do requerimento, se, como ajuizado pelo Tribunal da Relação do Porto, não lhe assistir legitimidade, em face do disposto nas normas conjugadas dos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC, para interpor o presente recurso de constitucionalidade.
É manifestamente o caso.
Com efeito, se é certo que o recorrente alegou, em sede de motivação do recurso interposto para o Tribunal da Relação do Porto, como agora invoca, que o tribunal de primeira instância, ao condená-lo numa pena que ultrapassou a medida da culpa, violou o «princípio do direito à integridade pessoal» e, entre outros normativos de direito ordinário, o artigo 25.º da Constituição (cf. conclusões 13. e 14.), a verdade é que, como decorre de uma tal argumentação, imputou essa inconstitucionalidade diretamente ao próprio tribunal a quo, por ter decidido como decidiu, em matéria de determinação da medida da pena, e não a qualquer norma, ou interpretação, aplicada como fundamento da correspondente decisão.
Ora, como o Tribunal Constitucional tem reiteradamente afirmado, o sistema de fiscalização da constitucionalidade, tal como está estruturado no nosso ordenamento jurídico, tem por objeto normas jurídicas e, estando em causa, como é o caso, a fiscalização concreta da constitucionalidade, apenas é admissível recurso para o Tribunal Constitucional de decisões que apliquem normas cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela parte, sindicando-se, dessa forma, o juízo de não inconstitucionalidade que, expressa ou implicitamente, o tribunal recorrido tenha formulado.
E, como tal, apenas releva como observância do ónus legal de prévia suscitação (artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC), em concordância com o objeto necessariamente normativo do recurso de constitucionalidade, a invocação, perante o Tribunal recorrido, de que determinada norma, ou interpretação normativa, configurada como aplicável ao caso vertente, viola normas ou princípios constitucionais.
Não foi o que o ora reclamante fez, ao impugnar perante o Tribunal da Relação a constitucionalidade da própria decisão condenatória, no que respeita à medida da pena fixada, como se demonstrou, pelo que efetivamente carece de legitimidade para interpor o presente recurso, confirmando-se, por isso, sem necessidade de mais considerações, a decisão reclamada.
3. Pelo exposto, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pelo reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 20 unidades de conta.
Lisboa, 7 de novembro de 2012.- Carlos Fernandes Cadilha – Maria José Rangel de Mesquita – Maria Lúcia Amaral.