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Procº nº 110/2004.
3ª Secção. Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 16 de Fevereiro de 2004 o relator lavrou decisão com o seguinte teor:
“1. A., B., C., D., E., F., G., H., I., J. e L., professores do ensino básico, já aposentados, vieram, pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, instaurar contra o Estado, na pessoa do Ministro da Educação, acção para reconhecimento ‘do direito de lhes ser aplicado o regime consagrado pelo regulamento [dos artigos 55º e 56º do Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, aprovado pelo Decreto-Lei nº 139-A/90, de 28 de Abril, operado, respectivamente, pelo Despacho nº 809/97, publicado na II Série do Diário da República, de 22 de Maio de 1997, alterado pelo Despacho nº 12916/98, publicado naquelas Série e jornal oficial de
27 de Julho de 1998, e pelo Despacho nº 243/ME/96, publicado na II Série do Diário da República, Suplemento, de 31 de Dezembro de 1996, alterado pelo Despacho nº 42/ME/97, publicado na II Série do Diário da República de 1 de Abril de 1997, pelo Despacho nº 12394/98, publicado na II Série do Diário da República de 17 de Junho de 1998 e pelo Despacho nº 10786/99, publicado na II Série do Diário da República de 1 de Junho de 1999] mediante a criação, por despacho, de uma norma que faça retroagir a regulamentação dos artºs 55º e 56º do ‘Estatuto da Carreira Docente à data de 180 dias após a publicação deste, isto é, a
28/10/90, concedendo-lhes a aposentação pelo 10º escalão’.
Por despacho proferido em 18 de Fevereiro de 2003 pelo Juiz daquele Tribunal, foi o mesmo considerado incompetente em razão da matéria para conhecer da acção:
É a seguinte a fundamentação desse despacho:
‘............................................................................................................................................................................................................................................
Visam, assim, os Autores que, com as devidas consequências, o Réu seja condenado a criar uma norma.
Ora, a este tribunal está vedado o conhecimento de acções que tenham por objecto normas legislativas (aqui entendidas por acção ou omissão legislativa) qualquer que seja a sua forma (lei, decreto-lei ou regulamento) - cf. artigo 4.º, n.º 1, al. b) do ETAF.
Não se trata aqui, naturalmente, de apreciar e decidir se existe obrigação de legislar ou, ainda, se omitido esse dever daí resultará responsabilidade civil ou, mesmo, se os tribunais podem condenar uma entidade pública a legislar.
A questão é anterior, qual seja a da exclusão da jurisdição administrativa para apreciar essas questões.
............................................................................................................................................................................................................................................’
Não se conformando com o assim decidido recorreram os autores para o Tribunal Central Administrativo, tendo, na alegação adrede produzida, sustentado e concluído do jeito seguinte:
‘............................................................................................................................................................................................................................................ II
Com o devido respeito, discorda-se da douta sentença recorrida.
Cumpre interpretar a noção de ‘Normas legislativas’ que está presente no art. 4º. nº 1, al. b) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais,
(ETAF) aquando da exclusão de determinadas matérias do âmbito de jurisdição administrativa e fiscal.
Ora,
O legislador optou por um critério material, o que significa que o que releva é a circunstância de se tratar de um acto materialmente administrativo, independentemente da forma que o mesmo assuma.
A exclusão da jurisdição administrativa não é aferida pela natureza formal do Diploma onde se mostrem inseridas normas legislativas, o que releva é
[o] seu conteúdo.
É em detrimento da forma, e dando prevalência à substância, que deve entender-se a expressão ‘Normas legislativas’ do nº 1, al. b) do art. 4º do E.T.A.F., sob pena de se desvirtuar a própria lógica do sistema.
Na verdade,
Se recorrendo aos arts. 268º nºs 4 e 5 da CRP e do 25º, nº 2 da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos (L.P.T.A.), se prevê, nomeadamente, a possibilidade de impugnações e recursos de normas contidas em diplomas legislativos, é porque ao legislador não repugna a ideia de que, para aqueles efeitos, fossem abrangidas pela jurisdição administrativa actos contidos em diploma legislativo.
Pois,
O que releva é a natureza do próprio acto, independentemente da forma que o encerra.
Desta forma,
Se compreende que ao Tribunal Administrativo, nos termos e para os efeitos do art. 4º, nº 1, al. b) do E.T.A.F., apenas está vedado o conhecimento de acções que tenham por objecto normas materialmente legislativas.
Nesta situação concreta, tendo sido a regulamentação feita por despacho do Exm.º Senhor Ministro da Educação e tendo havido uma clara violação de princípios fundamentais, nomeadamente os princípios da Legalidade e da Prossecução do Interesse Público, bem como a violação do dever de legislar, nos termos da lei, é por despacho que a mesma situação deverá ser corrigida, estando ainda dentro do âmbito da actuação administrativa, visto ter sido no âmbito dela que o Exm.º Senhor Ministro actuou. III
Em conclusão:
1º
O acórdão recorrido, ao julgar a jurisdição administrativa incompetente em razão da matéria, com fundamento na violação do art. 4º, nº 1, al. b) do E.T.A.F., apenas teve em conta um critério formal.
2º
A expressão ‘Normas Legislativas’, deve ser entendida numa acepção material, dando relevância à circunstância de se tratar de um acto materialmente administrativo, independentemente da forma que o mesmo encerre.
3º
Só recorrendo a esta interpretação restritiva a lógica do sistema não
é desvirtuada, visto que, nos termos do art. 268º. nº 4 e 5 da C.R.P. e do art.
25º. nº 2 da L.[ ]P.T.A., se prevê a possibilidade de impugnações e recursos de normas contidas em diplomas legislativos, revelando que ao legislador não repugna a ideia de que fossem abrangidos pela jurisdição administrativa actos contidos em diploma legislativo.
4º
Deste modo, a decisão recorrida procede a errada interpretação e aplicação da expressão ‘Normas jurídicas’ vertida no art. 4º, nº 1 do E.T.A.F..
5º
Termos em que, deve o acórdão recorrido ser revogado e, em consequência, ser declarada a competência da jurisdição administrativa’.
Tendo o Tribunal Central Administrativo, por acórdão de 20 de Novembro de 2003, negado provimento ao recurso, confirmando integralmente o despacho impugnado, do mesmo recorreram os autores para o Tribunal Constitucional, o que fizerem ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, por seu intermédio pretendendo ‘ver declarada materialmente inconstitucional a interpretação realizada pelo tribunal a quo do preceituado no art. 4º, nº 1, al. b) do Estatutos dos Tribunais Administrativos e Fiscais, por infringir o preceituado no art. 264º, nºs 4 e 5 da Constituição da República Portuguesa’
O recurso foi admitido por despacho lavrado em 29 de Janeiro de 2004 pela Relatora do Tribunal Central Administrativo.
2. Porque tal despacho não vincula este Tribunal (cfr. nº 3 do artº 76º da Lei nº 28/82) e porque se entende que o recurso não deveria ter sido admitido, elabora-se, ex vi do nº 1 do artº 78º-A da mesma Lei, a vertente decisão, por intermédio da qual se não toma conhecimento do objecto da presente impugnação.
Na verdade, como resulta da transcrição supra efectuada da alegação de recurso interposto pelos autores para o Tribunal Central Administrativo do despacho proferido no Tribunal Central Administrativo de Lisboa, os mesmos não assacaram ao normativo ínsito na alínea b) do nº 1 do artº 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais aprovado pelo Decreto-Lei nº 129/84, de 27 de Abril (ainda que reportadamente a uma sua qualquer dimensão interpretativa), o vício de contraditoriedade com a Lei Fundamental. Limitaram-se, isso, sim, a dizer qual deveria, na sua óptica, ser esse o sentido a conferir à expressão
«normas legislativas», sob pena de ser desvirtuada a lógica do sistema, que apontava no sentido de prever a possibilidade de serem impugnadas normas contidas em diplomas legislativos.
Em parte alguma se vislumbra, directa ou indirectamente, explícita ou implicitamente, qualquer asserção de onde decorresse que um sentido interpretativo daquele preceito de onde resultasse que a não possibilidade de propositura de uma acção que tivesse por objecto a condenação do Estado a criar uma norma jurídica, se postar como conflituante com o Diploma Básico.
Neste contexto, não tendo, precedentemente à prolação do acórdão ora intentado recorrer, sido suscitada questão de inconstitucionalidade normativa, não se toma conhecimento do objecto do recurso, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em seis unidades de conta em relação à totalidade desses impugnantes”.
Da transcrita decisão reclamaram os recorrentes nos termos do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, dizendo na peça processual consubstanciadora da reclamação:
“..........................................................................................................................................................................................................................................
1. Entendeu o Exmº Senhor Conselheiro Relator não tomar conhecimento do recurso por considerar não ter sido suscitada, directa ou indirectamente, explicita ou implicitamente, qualquer asserção de onde decorresse que um sentido interpretativo daquele preceito de onde resultasse que a não possibilidade de propositura de uma acção que tivesse por objecto a condenação do Estado a criar uma norma jurídica, se postar como conflituante com o Diploma Básico.
2. No entanto, não assiste fundamento para tal decisão.
3. Na verdade, os recorrentes, na alegação de recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo, pretenderam demonstrar que o art. 4° n° 2, al. b), do E.T.A.F. deveria ser interpretado no sentido de que apenas estaria vedado aos Tribunais Administrativos acções que tenham como objecto normas materialmente legislativas, independentemente da forma que as mesmas encerrem.
4. Sendo a citada norma interpretada neste sentido os Tribunais Administrativos seriam competentes para conhecer do recurso interposto.
5. De seguida, referiu-se que esta teria de ser a interpretação a atribuir à expressão normas legislativas, ‘Sob pena de se desvirtuar a própria lógica do sistema’.
6. Tal expressão foi concretizada no parágrafo seguinte, ao se referir que a lógica do sistema aponta no sentido de não estar vedada a possibilidade de impugnar e recorrer ‘de normas contidas em diplomas legislativos’, por ao legislador não repugnar a ideia de que, para aqueles efeitos, fossem abrangidas pela jurisdição administrativa actos contidos em diploma legislativo’.
7. Ora, como expressamente se refere, a acepção supra referida decorre, nomeadamente, do art. 268°, nºs 4 e 5 da C.R.P .
8. Assim sendo, directa e expressamente se refere que, contrariamente ao alegado pelo Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, apenas interpretando a al. b), do n° 1, do art. 4° do E. T .A. F. restritivamente não se desvirtua a lógica do sistema
ínsito, nomeadamente, no art. 268°, nºs 4 e 5 da Lei Fundamental, o que equivale a dizer que só assim a C.R.P. não será violada.
9. No entanto, o Tribunal a quo não interpretou a referida norma desta forma, conferindo à expressão ‘normas legislativas’ uma acepção formal e não apenas material, o que contraria a única interpretação possível a atribuir ao artigo, sob pena de se violar o texto constitucional, ex vi o art. 268°, nº s 4 e 5 da C.R.P ..
10. Ao que acresce que, caso o requerimento de interposição de recurso não indicasse algum dos elementos previstos no art. 75-A da Lei do Tribunal Constitucional, o juiz do tribunal a quo convidaria os requerentes a prestar essa indicação, no prazo de 10 dias, o que não se veio a verificar, conforme o disposto no art. 75-A, n° 5, in fine da L. T.C..
11. O mesmo era aplicável pelo Ex.mo Senhor Relator do Tribunal Constitucional, nos termos do art. 75-A, n° 6 do mesmo Diploma, o que também não ocorreu.
12. Logo, desta forma, não teriam sido asseguradas aos recorrentes as garantias processualmente consagradas.
13. Pelo que, na sequência do supra exposto, não se compreende a posição assumida pelo Ex.mo Senhor Conselheiro Relator, no âmbito da sua decisão”.
Ouvido sobre a reclamação, veio o Secretário de Estado da Administração Educativa, no uso de competência que lhe foi delegada pelo Ministro da Educação, pronunciar-se no sentido de dever ela ser julgada improcedente.
Cumpre decidir.
2. Reafirma o Tribunal o que se contém na decisão em espécie, ao na mesma se sustentar que, aquando do recurso interposto para o Tribunal Central Administrativo, os então recorrentes e ora reclamantes não imputaram à norma constante da alínea b) do nº 1 do artº 4º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (na dimensão interpretativa que teria sido acolhida pelo despacho proferido em 18 de Fevereiro de 2003 pelo Juiz do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa) qualquer vício de desconformidade com a Constituição.
E, quando terçaram armas no sentido de dever ser conferido uma determinada interpretação à expressão «normas legislativas» inserida naquele preceito, fizeram-no argumentando unicamente com a circunstância de, se assim não fosse, ser desvirtuada a lógica do sistema, nunca se reportando, sequer, ao sistema jurídico ordinário iluminado que deveria ser pelo sistema constitucional.
Contrariamente ao que dizem na reclamação, os recorrentes nunca defenderam um ponto de vista segundo o qual uma interpretação que não acolhesse aquele sentido seria conflituante com a Lei Fundamental.
Aliás, a referência, feita na alegação para o Tribunal Central Administrativo, ao artigo 268º, números 4 e 5, da Constituição, só foi efectuada para, por seu intermédio e por via do nº 2 do artº 25º da Lei de Processo nos Tribunais Administrativos, poderem ser impugnados ou recorridos actos administrativos contidos em diplomas legislativos.
Nada mais do que isto.
Aduzem os reclamantes, ainda, que, neste Tribunal, não foi lançado mão do preceituado no nº 6 do artº 75º-A da Lei nº 28/82, pelo que aos mesmos não foram asseguradas as garantias processualmente consagradas.
É evidente a sem razão de uma tal postura.
O convite a que se refere aquela disposição legal deve ser dirigido ao recorrente que, num caso de recurso, como presente, baseado na alínea b) do nº 1 do artº 70º da mesma Lei, tendo adequadamente suscitado a questão de inconstitucionalidade normativa e tendo, pela decisão impugnada, sido aplicada a norma a respeito da qual aquela questão foi suscitada, não fez, no requerimento de interposição do recurso, a indicação do que se prevê nos números
1 e 2 do artº 75º-A do dito diploma.
Ora, se os pressupostos do recurso não ocorreram, não será possível tomar conhecimento do respectivo objecto, ainda que no requerimento de interposição se contivessem todas aquelas indicações. E, se esse requerimento as não contivesse, o convite do nº 6 do aludido artº 75º-A obviamente que redundaria na prática de um acto perfeitamente inútil, pois que, mesmo que, posteriormente ao convite, o impugnante viesse a efectivar as referidas indicações, continuaria a não ser possível ao Tribunal tomar conhecimento do objecto do recurso, por falta de verificação dos respectivos pressupostos.
Não houve, assim, no vertente caso, a preterição de quaisquer garantias processuais dos ora reclamantes pela não efectivação do convite a que se reporta o nº 6 do artº 75º-A.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se os impugnantes nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 22 de Março de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida