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Procº nº 127/2004.
3ª Secção. Relator: Conselheiro Bravo Serra.
1. Em 16 de Fevereiro de 2004 o relator lavrou decisão com o seguinte teor:
“1. Do acórdão proferido em 13 de Fevereiro de 2003 pelo tribunal do júri do Tribunal de comarca de ----------, que lhe impôs - pelo cometimento de factos que foram subsumidos à autoria de um crime de homicídio voluntário e de um crime de ofensa à integridade física simples, previstos e puníveis, respectivamente, pelos artigos 131º e 132º, números 1 e 2, alínea b), e 143º, nº
1, todos do Código Penal - a pena única de catorze anos e seis meses de prisão, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça o arguido A., tendo, inter alia e para o que ora releva, dito na motivação do recurso:
‘............................................................................................................................................................................................................................................ I - DA INCONSTITUCIONALIDADE DO REGIME DE RECURSO EM PROCESSO PENAL:
Dispõe o artigo 432º, alínea c), do Código de Processo Penal (CPP) que se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) das decisões finais proferidas pelo tribunal do júri
Por seu turno, o artigo 434º do CPP prevê que o recurso interposto para o STJ visa exclusivamente o reexame da matéria de direito, sem prejuízo do disposto no artigo 410º, 2 e 3, do mesmo diploma.
Ou seja, nos casos do tribunal de júri - e só nestes - encontra-se vedado aos sujeitos processuais, no caso ao arguido, a reapreciação da matéria de facto [porquanto] lhe está vedado, por um lado, recorrer para as Relações e, por outro, o STJ não conhecer de tal matéria.
Tal regime é manifestamente inconstitucional.
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Ao impedir o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto apenas nos casos em que se recorre de decisão proferida pelo tribunal de júri, a legislação processual citada viola claramente o disposto nos artigos 13º e 32º da CRP, sendo a propósito pertinente invocar a jurisprudência do Tribunal Constitucional (TC) que no Acórdão nº 94-261-1 de 23 de Março de 1944 julgou inconstitucional a norma da parte final do artigo 666º do CPP de 1929 no sentido em que a mesma viola o recurso sobre a matéria de facto interposto pelo julgamento do júri para o STJ.
..............................................................................................................................................................................................................................................
É, nestas circunstâncias, pertinente e necessário formular as seguintes CONCLUSÕES:
5.1. A alínea c) do artigo 432º do CPP é manifestamente inconstitucional na parte em que restringe a possibilidade de recurso quanto à matéria de facto relativamente aos acórdãos proferidos pelo tribunal do júri e só a estes;
..............................................................................................................................................................................................................................................
5.4. A interpretação positivista da alínea c) do artigo 432º do CPP conduziria a que qualquer dos sujeitos processuais com legitimidade para requerer a intervenção do tribunal do júri, fazendo-o, impediria a reapreciação da matéria de facto pelas Relações, permitida nos restantes casos (tribunal singular e tribunal colectivo);
5.5. Assim, o referido artigo 432º do CPP viola os princípios da igualdade e de garantia de defesa consagrados nos artigos 13º e 32º da Constituição da República Portuguesa.
............................................................................................................................................................................................................................................’
O Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão 15 de Janeiro de 2004, negou provimento ao recurso interposto do acórdão proferido pelo tribunal do júri e, quanto à questão da suscitada inconstitucionalidade referente à alínea c) do artº 432º do Código de Processo Penal, em conjugação com o artº 434º do mesmo corpo de leis, teve-a por improcedente.
É deste aresto que, pelo arguido, vem interposto recurso para o Tribunal Constitucional ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artº 70º da Lei nº
28/82, de 15 de Novembro, por seu intermédio pretendendo a apreciação ‘da alínea c) do artigo 432º, do Código de Processo Penal, conjugada com o artigo 434º do mesmo Diploma Legal na redacção que lhes foi dada pela Lei nº 59/98’.
O recurso foi admitido por despacho lavrado em 5 de Fevereiro de 2004 pelo Conselheiro Relator do Supremo Tribunal de Justiça.
2. Entende-se ser de proferir decisão nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, atenta a jurisprudência seguida por este Tribunal no sentido de não considerar como conflituante com a Lei Fundamental os normativos processuais penais de onde se extrai que, mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, são admitidos como fundamentos da impugnação, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão e o erro notório na apreciação da prova.
Na verdade, resulta da alínea c) do artº 432º do Código de Processo Penal que se recorre directamente para o Supremo Tribunal de Justiça dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri (redacção posterior à vigência da Lei nº 59/98, de 25 de Agosto).
De outro lado, comanda o artº 434º do mesmo compêndio normativo que o recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça visa exclusivamente o reexame de matéria de direito. Simplesmente, segundo o mesmo preceito, a regra acima indicada é observada sem prejuízo do disposto nos números 2 e 3 do artº
400º do dito Código.
Se é verdade que a alínea c) do artº 432º é, verdadeiramente, uma norma de competência, da qual não resultará, por si só, o estabelecimento do âmbito da determinação dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. a este propósito, o Acórdão deste Tribunal nº 34/92, publicado na II Série do Diário da República de 16 de Março de 1993), também é certo que da sua concatenação com o artº 434º resulta inquestionavelmente, no domínio daquela determinação de poderes, que, quando está em causa um recurso interposto dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri, é ainda possível a respectiva impugnação em termos de se não postar tão somente em causa o reexame da matéria de direito. E isso, justamente, porque a regra do exclusivo reexame da matéria de direito é excepcionada pela possibilidade de reexame da matéria de facto nos limites consentidos pelos números 2 e 3 do citado artº 410º.
Sendo isto assim, a questão que se põe é a de saber se este último reexame, nos termos do respectivo consentimento legal ditado pela lei ordinária, se poderá considerar como algo que conflitua com o Diploma Básico.
Ora, sobre esta questão [que se colocava já, anteriormente à vigência da Lei nº 59/98, relativamente aos recursos dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo - cfr. anterior alínea c) do artº 432º], já teve este Tribunal ocasião de, por variadíssimas vezes, se pronunciar.
Por entre muitos outros vejam-se os Acórdãos números 573/98 (publicado nos Acórdãos do Tribunal Constitucional, 41º volume, 133 a 148) e 640/98
(inédito), e para se citarem, tão só e exemplificativamente, os arestos tirados pelo plenário deste órgão de administração de justiça.
Extracta-se a seguinte fundamentação carreada ao primeiro daqueles arestos:
‘............................................................................................................................................................................................................................................
4. 1. São incontáveis as vezes que este Tribunal teve que apreciar a constitucionalidade das normas dos artigos 410º, n.º 2, e 433º do Código de Processo Penal, e sempre ele concluiu, embora com vozes discordantes, pela sua compatibilidade com a Lei Fundamental. Fê-lo, primeiro, no Acórdão n.º 322/93
(publicado no Diário da República, II série, de 29 de Outubro de 1993), e, depois, em muitos outros que seguiram na sua esteira, designadamente nos Acórdãos nºs 356/93, 443/93, 141/94, 170/94, 171/94, 172/94, 399/94, 504/94,
635/94, 55/95 e 177/96. E, mais recentemente, o Tribunal reafirmou esta sua jurisprudência, no acórdão n.º 533/98, por publicar.
Apenas, pois, no Acórdão n.º 486/98, aqui recorrido, o Tribunal concluiu pela inconstitucionalidade das normas sub iudicio, entendendo que elas, na medida apontada (ou seja: «na medida em que limitam os fundamentos do recurso» a que «o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum»), violam o direito ao recurso, que se inclui no princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, n.º 1, da Constituição.
4.2. O julgamento de inconstitucionalidade das normas sub iudicio, feito no acórdão recorrido (o acórdão n.º 486/98), não é, porém, de manter. Ele deve ser revogado, reafirmando-se a compatibilidade de tais normas com a Constituição. E isso, justamente pelos fundamentos dos arestos em que se firmou tal jurisprudência, em especial dos do Acórdão n.º 322/93, para os quais se remete.
Da fundamentação do citado Acórdão n.º 322/93, recordam-se aqui apenas algumas notas. Assim, como aí se mostrou, o tribunal colectivo (de cujas decisões se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça), tendo em conta as regras do seu próprio modo de funcionamento e as que comandam a audiência de discussão e julgamento, constitui, ele próprio, uma primeira garantia de acerto no julgamento da matéria de facto. Depois, no recurso de revista alargada, há também lugar a uma audiência de julgamento, sujeita às regras respectivas, nela podendo haver alegações orais. E, embora esse recurso de revista alargada vise, em regra, tão-só o reexame da matéria de direito, o Supremo Tribunal de Justiça pode, não apenas anular a decisão recorrida, como decretar o reenvio do processo para novo julgamento. Questão (para este último efeito) é que detecte erros grosseiros no julgamento do facto (a saber: insuficiência da matéria de facto, contradição insanável da fundamentação ou erro notório na apreciação da prova) e que o vício detectado resulte do «texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum».
Acrescenta-se agora que, se não puder dizer-se (com o Ministério Público) que a exigência feita pelo artigo 410º, n.º 2, do Código de Processo Penal (a saber: ter o erro de julgamento do facto que resultar do «texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum») constitui mero corolário de dois princípios estruturantes do processo penal
(recte, do princípio de que um elemento probatório, que não haja sido produzido ou examinado em audiência, não pode valer como tal; e do princípio de que, no processo penal, não existem provas plenas), há-de, ao menos, convir-se em que uma tal exigência não é arbitrária ou irrazoável, nem desproporcionada.
De facto, nunca o tribunal de recurso, socorrendo-se de um elemento de prova que, acaso, constasse dos autos (verbi gratia, um documento aí junto), mas que o tribunal colectivo não tivesse apreciado, poderia alterar o julgamento do facto proferido pelo colectivo com base nas provas perante si produzidas, com observância das regras da imediação e da oralidade e com sujeição ao crivo do contraditório, e que ele avaliou com observância das regras da lógica e da experiência e das leis da psicologia.
É certo que, no processo penal, se procura a verdade material e que tal se faz sem impor ao arguido qualquer ónus de prova. Simplesmente, é o dever
ético-jurídico de buscar a verdade material que impede que, no processo, se atendam provas que não tenham sido examinadas na audiência de julgamento. E impede-o, porque, a atender-se a tais provas, podia acabar por falsear-se a verdade, já que elas não foram submetidas ao fogo do contraditório.
É por isso que o artigo 355º, n.º 1, do Código de Processo Penal prescreve que «não valem em julgamento, nomeadamente para efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência».
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Sublinha-se, por último, que, não tendo o direito ao recurso sobre a matéria de facto - como este Tribunal decidiu no Acórdão n.º 401/91 (publicado no Diário da República, I série-A, de 8 de Janeiro de 1992) - que implicar renovação de prova perante o tribunal ad quem, nem tão-pouco que conduzir à reapreciação de provas gravadas ou registadas - como este Tribunal também decidiu no Acórdão n.º 253/92 (publicado do Diário da República, II série, de 27 de Outubro de 1992) -, a garantia do duplo grau de jurisdição sobre o facto tem fatalmente - como faz notar o Ministério Público - que circunscrever-se «a uma verificação pelo tribunal de recurso da coerência interna e da concludência de tal decisão; e sendo certo que a efectividade de tal reapreciação do acerto da decisão sobre a matéria de facto pelo tribunal ad quem depende, de forma decisiva, da circunstância de ela estar substancialmente fundamentada ou motivada - não através de uma mera indicação ou arrolamento dos meios probatórios, mas de uma verdadeira reconstituição e análise crítica do iter que conduziu a considerar cada facto relevante como provado ou não provado».
Recordam-se e sublinham-se estes pontos para concluir, uma vez mais, que o sistema da revista alargada, plasmado, designadamente, nas normas legais citadas, preserva o núcleo essencial do direito ao recurso, em matéria de facto, contra sentenças penais condenatórias - direito que, recorda-se, está compreendido no princípio das garantias de defesa, consagrado no artigo 32º, n.º
1, da Constituição da República Portuguesa. Ou seja: a revista alargada, tal como o nosso ordenamento jurídico a modela, ainda é remédio jurídico ou válvula de segurança suficiente contra erros grosseiros de julgamento. Por ela, o processo penal, ao mesmo tempo que assegura ao Estado «a possibilidade de realizar o seu ius puniendi», oferece aos cidadãos «as garantias necessárias para os proteger contra abusos que possam cometer-se no exercício desse poder punitivo, designadamente contra a possibilidade de uma sentença injusta» (cf. o Acórdão n.º 434/87, publicado no Diário da República, II série, de 23 de Janeiro de 1988). Ou seja: a revista alargada cumpre as exigências feitas, nesse domínio, pelo princípio do Estado de Direito.
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Esta corte de razões é, como é bom de ver, inteiramente aplicável, quer estejam em causa acórdãos finais proferidos pelo tribunal do júri, quer estejam em causa acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo e, por isso, in casu, para a mesma se remete.
Aduz ainda o recorrente que os normativos em apreço padeceriam de desarmonia com o princípio da igualdade consagrado no artigo 13º da Constituição.
E, do que se contém na sua motivação de recurso, depreender-se-á que a impostação do problema residiria em que as normas sub iudicio, ao restringirem a reapreciação da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça quando está em causa um acórdão final proferido pelo tribunal do júri, apresentariam uma solução desigual comparativamente com a possibilidade de reapreciação da matéria de facto nos recursos interpostos para as relações dos acórdãos finais proferidos pelo tribunal colectivo.
Só que, uma tal diversidade de tratamento não se afigura arbitrária ou carecida de fundamento válido e razoável para se concluir pela ofensa do princípio da igualdade.
De facto, são realidades diferentes o julgamento e decisão tomada pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo, tal como diferentes são as realidades do julgamento e decisão pelo juiz singular ou pelo tribunal colectivo, as quais, no domínio do diploma adjectivo criminal anterior à reforma operada pela Lei nº 59/98, tinham regimes de recurso dissemelhantes e que, nem por isso, conduziram este Tribunal a surpreender, nesses regimes, uma violação do princípio da igualdade.
Neste contexto, nega-se provimento ao recurso, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em seis unidades de conta”.
É da transcrita decisão que, pelo arguido, vem deduzida reclamação ao abrigo do nº 3 do artº 78º-A da Lei nº 28/82, esgrimindo com os seguintes fundamentos:
“........................................................................................................................................................................................................................................................................................ I
A decisão proferida pelo Ex.mo. Conselheiro Relator, nos termos do artigo 78°-A da LTC, não é em primeira linha dirigida aos argumentos do recorrente, não chegando a enfrentar essencialmente o problema que é posto ao tribunal. II
O problema que é posto ao Tribunal Constitucional não é o da amplitude de recurso da matéria de facto nem da avaliação dessa amplitude perante as garantias constitucionais de defesa.
É assim que aqui não releva a invocação de jurisprudência constitucional anterior.
Essa jurisprudência é uma jurisprudência sobre as coordenadas constitucionais da amplitude do duplo grau de jurisdição em matéria de facto e da razoabilidade dos limites dessa amplitude.
Mas não é isso que aqui está em causa. III
O problema que se pôs e agora se renuncia é o de saber qual é a possibilidade constitucional de tratar de modo distinto a recorribilidade das decisões proferidas pelo Tribunal Colectivo e a recorribilidade das decisões proferidas pelo Tribunal do Júri, após as alterações introduzidas ao regime de recursos em processo penal pela Lei n° 59/98 de 25 de Agosto, que entraram em vigor em 1 de Janeiro de 1999. IV
Sendo assim, não tem aqui oportunidade o recurso ao mecanismo processual previsto no artigo 78°-A da Lei n° 28/82, de 15 de Novembro (Lei do Tribunal Constitucional).
Não o tem porque não apreciando o Tribunal o problema que lhe é posto nem o havendo enfrentado antes se desqualifica qualquer ideia de evidência de solução do caso, essa mesma que justifica que se lance não daquele preceito da L.C.T..
Esta questão nunca o Tribunal a enfrentou, nem surge aos olhos de um entendimento razoável como questão simples de tal modo que se decida na forma sumária do referido artigo 78°-A. V
O Tribunal Constitucional tem que responder se o problema da diferente extensão do recurso em matéria de facto no caso das decisões do Tribunal Colectivo e das decisões do Tribunal do Júri, após as alterações introduzidas pela referida Lei n° 59/98, nomeadamente em termos de garantia da revisibilidade da prova é, ou não é, ‘questão simples’ a decidir pelo relator nos termos do artigo 78°.A da Lei do Tribunal Constitucional. VI
O Tribunal Constitucional tem que responder, afinal, se é questão simples decidir que são ‘realidades diferentes o julgamento e decisão tomada pelo tribunal do júri ou pelo tribunal colectivo’ e, a existir esta diferença, se ela tem paralelo na diferença entre a decisão proferida pelo tribunal colectivo e o tribunal singular.
Para o recorrente o binómio [Tribunal do Júri]-[Tribunal Colectivo] não tem paralelismo no binómio [Tribunal Colectivo]-[Tribunal Singular].
No primeiro caso não estamos e no segundo caso estamos perante uma diferença qualitativa”.
Ouvido sobre a reclamação o Ex.mo Representante do Ministério Público junto deste Tribunal pronunciou-se assim:
“1 - Não convencem as razões aduzidas pelo reclamante, já que o sentido da decisão reclamada flui do entendimento reiterado que a jurisprudência constitucional vem fazendo do ‘direito ao recurso’.
2 - Não se vendo qualquer especificidade, no caso dos autos, que levasse a impor necessariamente mais do que a exigência do duplo grau de jurisdição, quanto às decisões do tribunal de júri.
3 - Realidade obviamente bem distinta do colectivo - e, portanto, susceptível de um tratamento processual diversificado, sem violação do princípio da igualdade”.
Por seu turno, os assistentes B., C. e D. igualmente propugnaram pelo seu indeferimento.
Cumpre decidir.
2. É errada a asserção, constante da reclamação ora em apreço e segundo a qual a decisão em espécie não enfrentou o problema colocado pelo recorrente e que, segundo o mesmo, seria o de saber se era constitucionalmente conforme tratar de modo distinto os recursos interpostos das decisões penais tomadas pelo tribunal de júri (recurso a apreciar desde logo pelo Supremo Tribunal de Justiça) e das decisões penais tomadas em processo comum com intervenção do tribunal colectivo (em que, como é sabido, se não estiver em causa a apreciação tão só da matéria de direito, o recurso é interposto para a relação, a qual conhece de facto e de direito).
De facto, como resulta da transcrita decisão, esse problema foi, expressamente, tratado nos três parágrafos antecedentes ao que contém a decisão de negar provimento ao recurso.
É que, no despacho que contém a decisão sub iudicio sublinhou-se que o diverso tratamento dos recursos, consoante fossem interpostos das decisões penais tomadas em processo comum com intervenção do tribunal colectivo ou das decisões penais tomadas pelo tribunal de júri (e que, no fundo, se resumiam, em boa verdade, a uma maior restrição quanto à reapreciação da matéria de facto quanto às segundas), não se afigurava arbitrário ou carecido de fundamento válido e razoável, já que diferentes realidades eram os julgamentos e decisões tomadas por um e por outro, talqualmente diversas eram as realidades dos julgamentos realizados pelo juiz singular ou pelo tribunal colectivo anteriormente à reforma processual criminal realizada pela Lei nº 59/98 e que, por isso, tinham conduzido o Tribunal a não surpreender, nesta última diversidade, violação do princípio da igualdade.
Ora, assentando a diversificação, como se disse, na maior restrição quanto à apreciação da matéria de facto pelo Supremo Tribunal de Justiça quando em causa estão os recursos interpostos de decisões tomadas pelo tribunal de júri, então a questão é, justamente, a de saber se esse regime impugnatório, tal como se encontra desenhado (aliás em termos em tudo idênticos aos que constavam, antes da vigência da Lei nº 59/98, para os recursos interpostos directamente para aquele Supremo das decisões penais dos tribunais colectivos), é constitucionalmente claudicante.
E foi justamente neste particular que a decisão ora reclamada se esteou na jurisprudência já tomada pelo Tribunal Constitucional, para assim concluir pela não enfermidade constitucional do regime de recurso das decisões penais tomadas pelo tribunal de júri, já que a corte argumentativa aí utilizada quanto às impugnações das decisões penais tomadas pelo juiz singular e pelo tribunal colectivo era transponível para o caso vertente.
Era, pois, justificável, em face dos contornos da questão, a prolação de decisão nos termos do nº 1 do artº 78º-A da Lei nº 28/82.
Neste contexto, indefere-se a reclamação, condenando-se o impugnante nas custas processuais, fixando a taxa de justiça em vinte unidades de conta.
Lisboa, 22 de Março de 2004
Bravo Serra Gil Galvão Luís Nunes de Almeida