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Proc. nº 535/02
3ª Secção Relator: Cons. Gil Galvão
Acordam, em Conferência, na 3ª Secção do Tribunal Constitucional:
I – Relatório
1. Por decisão do Tribunal Tributário de 1ª Instância de Aveiro, de 4 de Março de 2001, foi julgada improcedente a oposição que A (ora recorrente) deduziu contra a execução fiscal instaurada pela Repartição de Finanças de São João da Madeira, para a cobrança coerciva do imposto sobre sucessões e doações no montante de 3.910$00.
2. Inconformada com esta decisão, a oponente recorreu para o Tribunal Central Administrativo que, por acórdão de 9 de Abril de 2002, julgou o recurso improcedente.
3. Deste acórdão foi interposto o presente recurso, através de um requerimento que tem o seguinte teor:
'O recurso basear-se-á no nº 4 do art. 268º da Constituição e na interpretação restritiva das alíneas g) e h) do art. 286º do Código de Processo Tributário, então vigente, interpretação essa que torna o preceito inconstitucional. Na verdade a própria alínea h), através da sua interpretação literal, permite uma latitude inserta no nº 4 do art. 268º da CRP, e nunca uma restrição ou coar[c]tação dos direitos e garantias dos administrados, ou seja dos cidadãos que integram e constituem um país e formam uma nação. A alínea b) do nº 1 do art. 70º permite o recurso, interposto em prazo e forma legais'.
4. Recebido o requerimento de interposição do recurso no Tribunal Central Administrativo e subidos os autos a este Tribunal Constitucional, por parte do Relator do processo foi proferido despacho com o seguinte teor:
'Notifique o recorrente para dar cabal cumprimento ao art. 75º-A da LTC, designadamente identificando a interpretação normativa das alíneas g) e h) do art. 268º do CPT que considera inconstitucional e a peça processual onde a questão foi solicitada'.
5. Em resposta a esta solicitação do Relator apresentou a recorrente um requerimento que, na parte ora relevante, tem o seguinte teor:
'(...) Nas alegações apresentadas perante o Tribunal Central Administrativo
(...) escreveu-se: Hoje, com as revisões constitucionais operadas pela Lei Constitucional nº 1/82, de 30/09 e pela Lei Constitucional nº 1/89, de 08/07, ao admitir-se o direito de recurso contencioso contra quaisquer actos administrativos, independentemente do seu formalismo e desde que ofendam direitos ou interesses legalmente protegidos, não se pode interpretar e aplicar restritivamente as alíneas g) e h) do art.
286º do CPT. O Acórdão do Tribunal Constitucional de 15/06/89, publicado no Diário da República, II série, de 21/09/89 veio decidir, com entendimento hoje unânime, que a garantia do recurso contencioso, tanto à letra do art. 269º - 2 da primitiva Constituição, quer do art. 268º - 3 depois da Lei nº 1/82, quer do art. 268º - 4 após a Lei 1/89 tem natureza de um direito fundamental, igual aos
«direitos liberdades e garantias» consagrados na Lei Fundamental. O que se passa no presente processo, onde a discussão se cinge meramente a problemas de direito, constitui a violação nítida do art. 268º - 4 da Constituição, inconstitucionalidade que expressamente se invoca. O artigo 286º do CPT tem de ser aplicado a estas luzes.
(...) Essa interpretação, salvo o devido respeito, encontra-se efectuada nas alegações apresentadas perante o Tribunal Central Administrativo e acima transcritas nessa parte. A peça processual onde a questão foi suscitada é constituída por duas partes: a primeira delas naquelas alegações transcritas e em cuja quinta conclusão se escreveu que a decisão recorrida violou a aplicação daquela legislação invocada e cometeu uma inconstitucionalidade que se invoca, por violação expressa do art.
268º-4 da Constituição; a segunda delas no próprio requerimento de interposição do recurso onde se escreveu que o recurso basear-se-á no nº 4 do art. 268º da Constituição e na interpretação restritiva das alíneas g) e h) do art. 286º do Código de Processo Tributário, então vigente, interpretação essa que torna o preceito inconstitucional. E aí se acrescentou que na verdade a própria alínea h), através da sua interpretação literal, permite uma latitude inserta no nº 4 do art. 268º da CRP, e nunca uma restrição ou coar[c]tação dos direitos e garantias dos administrados, ou seja dos cidadãos que integram e constituem um país e forma uma nação. E logo a seguir: a alínea b) do nº 1 do art. 70º permite o recurso, interposto em prazo e forma legais'.
6. Na sequência, foi proferida pelo Relator do processo neste Tribunal, ao abrigo do disposto no nº 1 do artigo 78º-A da Lei nº 28/82, de 15 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei nº 13-A/98, de 26 de Fevereiro, decisão sumária no sentido do não conhecimento do recurso (fls. 85 a 89). É o seguinte, na parte decisória, o seu teor:
'6. Nos termos do artigo 75º-A, nº 1 da LTC, o recorrente deve, logo no requerimento de interposição do recurso, indicar 'a norma cuja inconstitucionalidade ou ilegalidade se pretende que o Tribunal aprecie'. Não o tendo feito, deve o juiz (no tribunal recorrido) ou o relator do processo no Tribunal Constitucional, ex vi dos nºs 5 e 6 do artigo 75º-A já referido, convidar o requerente a prestar a indicação em falta - o que, no caso dos autos, foi feito já no Tribunal Constitucional.
7. Porém, in casu, verifica-se que mesmo após a resposta ao convite formulado pelo Relator, continua o recorrente a não indicar, em termos que possam ser considerados minimamente suficientes, a interpretação normativa das alíneas g) e h) do art. 286º do CPT que considera inconstitucional.
É que, como este Tribunal tem afirmado repetidamente, nada obsta a que seja questionada apenas uma certa interpretação ou dimensão normativa de um determinado preceito. Porém, nesses casos, tem o recorrente o ónus de indicar, de forma clara e perceptível, o exacto sentido normativo do(s) preceito(s) que considera inconstitucional. Como se disse, por exemplo, no Acórdão nº 178/95
(Acórdãos do Tribunal Constitucional, 30º vol., p.1118.) 'tendo a questão de constitucionalidade que ser suscitada de forma clara e perceptível (cfr., entre outros, o Acórdão nº 269/94, Diário da República, II Série, de 18 de Junho de
1994), impõe-se que, quando se questiona apenas uma certa interpretação de determinada norma legal, se indique esse sentido (essa interpretação) em termos que, se este Tribunal o vier a julgar desconforme com a Constituição, o possa enunciar na decisão que proferir, por forma a que o tribunal recorrido que houver de reformar a sua decisão, os outros destinatários daquela e os operadores jurídicos em geral, saibam qual o sentido da norma em causa que não pode ser adoptado, por ser incompatível com a Lei Fundamental'.Porém, como pode ver-se, nem no requerimento de interposição do recurso nem na resposta ao convite de fls. 79 - peças que supra já transcrevemos - o recorrente identifica, da forma clara e perceptível que vem sendo exigida por este Tribunal, a exacta dimensão normativa das alíneas g) e h) do art. 286º do CPT que considera inconstitucional, limitando-se a referir, genericamente, a existência de uma alegada interpretação restritiva dessas alíneas cujos contornos não identifica. Ora, a não indicação da exacta interpretação normativa das alíneas referidas cuja inconstitucionalidade o recorrente pretende ver apreciada coloca ainda o Tribunal numa situação de verdadeira impossibilidade de verificar se se encontram preenchidos os demais pressupostos de admissibilidade do recurso que pretendeu interpor (o previsto na alínea b) do nº 1 do art. 70º da LTC), ou seja: (i) saber se o recorrente suscitou, durante o processo, a inconstitucionalidade dessa dimensão normativa; (ii) saber se a decisão recorrida utilizou, como ratio decidendi, a exacta dimensão normativa cuja inconstitucionalidade foi suscitada. Por tudo o exposto, torna-se evidente que não pode conhecer-se do objecto do recurso interposto pelo recorrente, por falta dos seus pressupostos legais de admissibilidade'.
7. Inconformada com esta decisão a recorrente apresentou, ao abrigo do disposto no art. 78º-A, nº 3 da LTC, a presente reclamação para a Conferência, que fundamentou nos seguintes termos:
'(...) Pensa a Reclamante que deu integral satisfação aos nºs 5 e 6 do art.
75º-A, ao carrear para o processo todos os elementos exigíveis pelos nºs 1 a 4 do mesmo preceito. Foi indicado o fundamento da alínea aplicável do nº 1 do art. 70º. Foi indicada a norma ou princípio legal que se considera violado. Foi indicada a peça processual onde a recorrente suscitou a questão de ilegalidade. Com todo o devido respeito quer-nos parecer que o Exmo Senhor Relator está a ser extremamente exigente, e porque não ? formalista. Por isso se reclama para a conferência, para que esta, em colectivo e após troca de razões, decida ou definitivamente ou permita que a decisão seja tomada pelo pleno da secção'.
8. Por parte da Fazenda Pública, ora recorrida, não foi apresentada qualquer resposta.
Dispensados os vistos legais, cumpre decidir.
II – Fundamentação
9. Com a presente reclamação a ora reclamante vem fundamentalmente contestar que, conforme se decidiu na decisão reclamada de fls. 85 a 89, não tenha suscitado adequadamente a questão de constitucionalidade normativa que pretende ver apreciada. A verdade, porém, é que não lhe assiste razão. Como se escreveu já na decisão reclamada, é manifesto que, nem no requerimento de interposição do recurso de constitucionalidade (fls. 75), nem na resposta ao convite do Relator (fls. 80 a 83), peças que transcrevemos nas partes ora relevantes, a reclamante identifica, como deveria, em termos que possam ser considerados minimamente suficientes, a exacta dimensão normativa das alíneas g) e h) do artigo 286º do CPT, que pretende ver confrontada com a Constituição. Assim sendo, pelas razões já constantes da decisão reclamada - que mantém inteira validade, em nada sendo abaladas pela presente reclamação - é efectivamente de não conhecer do objecto do recurso que a recorrente pretendeu interpor.
III - Decisão Em face do exposto, decide-se indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão reclamada no sentido do não conhecimento do objecto do recurso. Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 (quinze) unidades de conta. Lisboa, 16 de Janeiro de 2003 Gil Galvão Bravo Serra Luís Nunes de Almeida