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Proc. nº 719/02 TC – 1ª Secção Rel.: Consº Artur Maurício
Acordam na 1ª Secção do Tribunal Constitucional:
1 - Nos autos de recurso supra identificados em que é recorrente A, com os sinais dos autos, foi proferida a seguinte decisão sumária:
1 – A, com os sinais dos autos, recorre para este Tribunal, ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC, do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de fls. , pedindo a apreciação da inconstitucionalidade da norma do artigo 456º nº 3 do Código de Processo Civil, 'quando interpretada no sentido de que o Supremo Tribunal de Justiça tem competência para condenar em primeira e
única instância em litigância de má fé'; no mesmo requerimento diz que a questão foi suscitada na resposta ao despacho de fls. 354.
O recurso foi recebido no tribunal 'a quo' o que, nos termos do artigo 76º nº 3 da LTC, não vincula este Tribunal.
Cumpre decidir.
2 – É pressuposto do recurso interposto ao abrigo do artigo 70º nº 1 alínea b) da LTC que a questão de constitucionalidade tenha sido suscitada durante o processo, perante o tribunal que proferiu a decisão impugnada.
Para dar como preenchido este pressuposto a recorrente alega ter suscitado a questão de constitucionalidade na resposta ao despacho de fls. 354.
Ora, o despacho de fls. 354 diz o seguinte:
'Os autos fornecem indícios que poderão justificar a condenação da recorrente como litigante de má fé.
Consequentemente:
Adia-se sine die o julgamento;
Ordena-se a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, em dez dias (artigo 3º-A do C.P.Civil'
Na resposta a este despacho, a recorrente suscita uma primeira questão sobre a 'incompetência' do STJ, sustentando, a este propósito que o STJ
'não tem competência para condenar qualquer das partes como litigante de má fé por tal decisão ser irrecorrível e, consequentemente, violar o disposto no artigo nº 3 do artigo 456º do CPC'.
Em parte alguma deste trecho da resposta é suscitada qualquer questão de constitucionalidade reportada à norma do artigo 456º nº 3 do CPC.
É numa segunda parte da mesma resposta que a recorrente alude a
'inconstitucionalidade'. Mas que 'inconstitucionalidade'?
Vejamos.
Esta segunda parte tem como epígrafe 'Da ilegalidade e inconstitucionalidade do despacho de fls. 354 verso'.
E, de facto, no trecho que se segue, a inconstitucionalidade é mesmo reportada à decisão judicial (ao despacho de fls. 354 v.) e não a uma qualquer norma.
Com efeito, a recorrente sustenta que o despacho é inconstitucional por violação do princípio da igualdade das partes, por ter notificado previamente o recorrido, que, por esse motivo, 'ficou a saber que os autos não fornecem contra si indícios de litigância de má fé', vindo a pedir a condenação da recorrente como litigante de má fé no pagamento de indemnização
Em suma, pois, não é suscitada nenhuma questão de constitucionalidade relativa à norma do artigo 456º nº 3 do CPC, sendo que a
única alusão a 'inconstitucionalidade' se reporta à própria decisão judicial e nada tem que ver com a alegada 'incompetência' do STJ.
Não se mostra, assim, suscitada durante o processo a questão de constitucionalidade que a recorrente pretende ver apreciada por este Tribunal, soçobrando, deste modo, um dos pressupostos do recurso interposto.
3 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, não se conhece do objecto do recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 6 Ucs.
2 – Desta decisão vem a recorrente reclamar para a conferência, sustentando em síntese que:
- suscitou a questão de constitucionalidade na resposta ao despacho do relator que ordenou a notificação das partes para se pronunciarem, querendo, sobre a existência de indícios que podiam justificar a condenação da recorrente como litigante de má fé;
- essa suscitação configurou-se como implícita ao alegar a incompetência do STJ para condenar em primeira e única instância em litigância de má fé;
- suscitou, ainda, a questão de constitucionalidade, agora de forma expressa, na arguição de nulidade por excesso de pronúncia do acórdão que condenou a recorrente como litigante de má fé.
Notificado para responder, o recorrido B sustenta que a reclamação deve ser indeferida.
Cumpre decidir.
2 – Não aduz a reclamante qualquer fundamento válido para infirmar a decisão sumária reclamada.
Com efeito, deixou-se cabalmente demonstrado que, notificada para se pronunciar sobre a possibilidade de vir a ser condenada como litigante de má fé, a recorrente invocou tão só, na resposta, a incompetência do STJ para decidir uma tal condenação sem apelo expresso ou implícito a qualquer norma ou princípio constitucional.
E demonstrado ficou também que, ao arguir inconstitucionalidade, na mesma resposta, a reportou ao despacho em causa e por razões que nada têm a ver com uma suposta inconstitucionalidade da norma do artigo 456º nº 3 do CPC, interpretada em termos de conferir competência para o STJ condenar em litigância de má fé em primeira e única instância.
Por outro lado, era nesse momento processual que, confrontada com a plausibilidade de vir a ser condenada como litigante de má fé, a recorrente deveria ter suscitado a questão de constitucionalidade em termos de permitir ao tribunal apreciar uma tal questão previamente ao julgamento da litigância de má-fé.
O facto de a norma não ter sido ainda aplicada não a eximia de tal
ónus, como não exime p. ex. um recorrido de suscitar a inconstitucionalidade de norma que o recorrente pretenda ver aplicada pelo tribunal de recurso.
O que se pretende, com o referido ónus é, como se disse, facultar ao tribunal a possibilidade de se pronunciar sobre a questão, o que obviamente implica uma suscitação prévia quando a aplicação da norma se perfila como plausível – e, no caso, ela era, no mínimo, plausível, quando o tribunal determinou a audição das partes, antes da decisão.
3 - A decisão sumária ficou-se por esta apreciação, fundamentalmente porque, no requerimento de interposição de recurso, a recorrente se limitou a dizer que 'a questão de inconstitucionalidade foi, desde logo, suscitada na resposta ao Douto Despacho de fls. 354'.
Não referenciou, pois, a recorrente a peça em que arguiu a nulidade do acórdão condenatório, muito provavelmente por entender – e bem – não ser já esse o momento próprio para suscitar a questão de inconstitucionalidade.
Mas, confrontada com a decisão sumária, veio agora – e só agora – alegar o facto de ter suscitado a questão naquela peça – o que é, de resto, incontestável.
Simplesmente, não era já adequado esse momento, sem que tal signifique que, em todos os casos, isso se verifique.
Com efeito, tem o Tribunal entendido que é ainda admissível a suscitação de inconstitucionalidade na reclamação por nulidade da decisão judicial em causa quando, para conhecer da questão a que se reporta a inconstitucionalidade, o tribunal disponha dos necessários poderes para o efeito.
Ora, no caso, muito embora a recorrente tenha configurado a reclamação como sendo de nulidade por excesso de pronúncia, a verdade é que o não era, tendo-se esgotado os poderes de cognição do STJ para apreciar a sua
'incompetência'.
Na verdade, no acórdão arguido de nulo, o STJ enuncia expressamente a questão da sua competência e resolve-a no sentido afirmativo quando diz:
' (...) o Supremo Tribunal de Justiça, pelo facto de funcionar como
última instância, não fica inibido do seu poder-dever de conhecer todas as questões de conhecimento oficioso – tais como a do caso presente de litigância de má fé (restrita, como é óbvio à fase do recurso para ele interposto) (...)'.
Ficou, deste modo, esgotado o poder jurisdicional do STJ sobre a matéria, não podendo invocar-se um 'excesso de pronúncia'; a situação poderia tão só - e hipoteticamente - configurar-se como 'erro de julgamento' que, se fosse caso disso, o STJ não poderia já 'corrigir'.
Em suma, pois, é, no caso, irrelevante para se dar como cumprido o
ónus de suscitação prévia da questão de constitucionalidade, a arguição de inconstitucionalidade normativa na reclamação por nulidade do acórdão impugnado.
4 – Decisão:
Pelo exposto e em conclusão, decide-se indeferir a reclamação.
Custas pela reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 15 Ucs Lisboa, 17 de Janeiro de 2003 Artur Maurício Luís Nunes de Almeida José Manuel Cardoso da Costa