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Processo n.º 397/12
1.ª Secção
Relator: Conselheiro José da Cunha Barbosa
Acordam, em conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional
I. Relatório
1. A., melhor identificado nos autos, reclama para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no n.º 3, do artigo 78.º-A, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), da decisão sumária proferida pelo Relator que decidiu não conhecer das questões de inconstitucionalidade elencadas no requerimento de interposição de recurso.
2. Refutando esta decisão de não conhecimento do objeto do recurso, o reclamante argumentou do seguinte jeito:
«(...)
Ora, não pode o Recorrente A. concordar com tal douta decisão sumária. Porquanto:
Está a ser vedado ao arguido o seu direito mais elementar de defesa, o direito ao RECURSO PENAL, constitucionalmente consagrado, no artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa.
Isto após, uma decisão totalmente errónea e atentatória dos mais elementares “costumes de direito”, como a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, que não se tendo verificado nenhuma alteração dos factos dados como provados e não provados e mantendo-se inalterada toda a matéria dada como provada e não provada, decidiu revogar a suspensão da pena de prisão, tornando-a efetiva, e condenando o arguido a cinco anos de prisão efetiva.
Está pois, ferido de nulidade tal douto acórdão, pois não fundamentou a decisão tomada, limitando-se a descrever as razões do Ministério Público, tendo-se violado assim o artg. 425º, nº 4 do CPP (a contrario).
Aliás, não se verificou dupla conforme condenatória pois as decisões em 1.ª instância e do Tribunal da Relação foram contraditórias entre si, não tendo aqui aplicação o artigo 400º, nº 1 al. f) CPP ou o artigo 432º, nº 1 al. c) CPP.
Estando impossibilitado o arguido de recorrer desta decisão, ocorrerá uma denegação de JUSTIÇA.
É negar-lhe um direito constitucionalmente consagrado.
Aliás a invocação da inconstitucionalidade de tal decisão foi de imediato arguida pelo arguido junto do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no recurso que apresentou e na reclamação para o Sr. Juiz Presidente do STJ.
(...)»
II .Fundamentação
3. A decisão reclamada tem o seguinte teor:
«(...)
1. A., melhor identificado nos Autos, recorre para o Tribunal Constitucional da decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu a reclamação deduzida pelo recorrente, relativa ao despacho que não admitiu o recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
O recurso foi interposto ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual redação (LTC), por requerimento com o seguinte teor:
“(...)
A., arguido nos presentes autos, não se conformando com a douta decisão no âmbito da Reclamação que apresentou junto do Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, que indeferiu o seu pedido de admissão de recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, vem dela interpor recurso para o TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, em conformidade com o postulado pelos normativos 72º, nº 2 e 70º, nº l, da Lei Orgânica, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, aprovada pela Lei n° 28/82, de 25 novembro, com as alterações introduzidas pelas Leis nºs 143/85, de 26 de novembro, 85/89 de 7 de setembro, 88/95 de 1 de setembro e 13-A/98, de 26 de fevereiro, o qual deve subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, o que faz nos termos e com os seguintes fundamentos:
MOTIVAÇÃO
I
O presente recurso para o Tribunal Constitucional, tem como fundamento a douta decisão singular do Sr. Juiz Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu o pedido de admissão de recurso efetuado pelo arguido A., para o Supremo Tribunal de Justiça.
Tal Reclamação para o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça visava:
O douto despacho de fls. 6454, que determinou o seguinte: “Atento o disposto nos artigos 400º, nº 1, al. f) e 432º, nº 1, al. c), ambos do Código de Processo Penal, não admito os recursos interpostos pelos arguidos B. e A..
Não pode pois, o Reclamante concordar com tal douto despacho, pois que, não houve uma dupla conforme condenatória, tendo sido diferente e divergente a decisão de 1ª Instância do Tribunal de Cantanhede e a decisão do Tribunal da Relação de Coimbra.
Na primeira, foi o arguido condenado na pena de prisão, suspensa por 5 anos, com sujeição ao regime de prova, especialmente vocacionada para a manutenção/aquisição de hábitos de trabalho e despiste/tratamento de eventuais de toxicodependência.
Na segunda, foi revogado tal acórdão, condenando-se o arguido a cumprir 5 anos de prisão efetiva.
Não concordando com tal, apresentou o Arguido recurso para o Supremo Tribunal de Justiça. Pois,
Como aliás consta do douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, nenhum dos factos dados como provados e não provados, se alterou, mantendo-se inalterável toda a matéria dada como provada e não provada.
Ora, o douto acórdão não mereceu nem teceu qualquer reparo, no tocante à decisão quanto á matéria de facto, que se manteve inalterada.
Apenas se decidindo revogar a douta sentença de primeira instância, no tocante à suspensão da pena aplicada de 5 anos, ao Recorrente A., alterando-se a suspensão da pena, para a prisão efetiva. Porém, sem razão. Porquanto,
Em nossa opinião, por várias razões, que foram sobejamente bem sopesadas na douta sentença recorrida, proferida pelo Tribunal de Cantanhede, são elucidativas da boa decisão colocada em causa.
Na verdade o arguido A., esteve detido de 13/10/2009, até 28/01/2011, ou seja esteve detido 15 meses e 15 dias.
Após a sua saída, constituiu família com a sua companheira C., com quem vive atualmente, indo ser pai em outubro deste ano de uma menina.
Recomeçou a trabalhar, agora na oficina de reparação de automóveis, com contrato a termo certo, que se iniciou em 01 de março de 2011, onde exerce a atividade de praticante de pintor, ali auferindo € 485,00, acrescido do subsidio de refeição, no montante de € 72,60, conforme resulta do contrato de trabalho, dos recibos e da declaração da Segurança Social, conforme documentos já juntos, Does. Nºs. 1 a 12.
Já não tem hábitos de toxicodependência, pois, já não consome qualquer tipo de droga, desde que foi detido até hoje, está integrado na família que lhe presta todo o apoio e é respeitado na sociedade e na localidade onde vive.
O facto de ter estado 15 meses e 15 dias preso, em nosso entender é manifestamente suficiente para ter aprendido a lição e castigo suficiente, para ter deixado definitivamente qualquer contacto com estupefacientes.
O Recorrente é um jovem de vinte e poucos anos, sem antecedentes criminais e como se referiu integrado na família.
O que significa, mandá-lo para a prisão, novamente é deitar por terra toda uma ressocialização que o Recorrente tem vindo a fazer, com êxito absoluto.
O douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, é uma repetição dos factos e dos fundamentos constantes da douta decisão do Tribunal Judicial de Cantanhede.
Não refere nada que possa alterar a primeira decisão. Apenas se refere que concorda com as palavras do Ministério Público, entendendo que a suspensão das penas aplicadas aos arguidos B. e A.,, não é adequada, pelo que se impõe a respetiva revogação.
É manifestamente pouco e insuficiente para se alterar a pena do arguido A., em moldes tão gravosos. Sendo que, a pena de suspensão se deve manter.
Está pois, ferido de ilegalidade e nulidade, o douto acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, pois não fundamentou a decisão tomada, limitando a transcrever as razões Ministério Público, violando assim o artigo 425°, n° 4 do Código Processo Penal (a contrário).
Pois que, todas as decisões têm que ser fundamentadas.
Ao não admitir-se o Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, é vedar ao Recorrente A., o direito de se poder defender em toda a latitude. É negar-lhe um direito, que constitucionalmente lhe está consagrado na Lei fundamental do Pais. Pois,
Que a Constituição da Republica, no seu artigo 32º, consagra que o processo criminal assegura a todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, que o douto despacho, em causa, agora nega.
Pois, não tem aqui aplicação o indicado artigo 400º, n° 1 alínea f). A decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra, não confirma, a decisão de primeira instância e o artigo 432º, n° 1, al. c), não tem aqui aplicação.
A sua interposição não viola qualquer disposição legal em direito permitido. Pelo que, deve ser dado sem efeito, o douto despacho, que não o admitiu e ser aceite a presente reclamação, sob pena da violação do artigo 32° da Constituição da República e artigos 400º, n° 1 e 405° n° 1 do Código Processo Penal, entre outros.
(...)
Da Inconstitucionalidade
A douta decisão do Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que não admitiu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, assentou como supra se referiu na não admissibilidade de tal recurso em virtude de o arguido A., não ter sido condenado numa pena superior a cinco anos de prisão.
'Assentando tal decisão na interpretação das normas dos artigos 400º, n° 1, que determinam a irrecorribilidade, das decisões proferidas em recurso pelo Tribunal da Relação'.
Mais se referiu na douta decisão que:
'desde logo, a norma da alínea e) do n° 1 do artigo 400º, que prevê a irrecorribilidade das decisões proferidas em Recurso pela Relação, que apliquem pena não privativa da liberdade. ' Conjugado com artg. 400º, nº 1, alínea f) e 432º nº 1, Alínea c) do CPP, conforme consta da douta decisão do Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que aqui se dá como reproduzida para os devidos efeitos.
Ora, salvo o devido respeito não pode aceitar o arguido A., quer a douta decisão do Tribunal da Relação de Coimbra que não admitiu o Recurso - tendo-o indeferido liminarmente, quer a douta decisão proferida pelo Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça que indeferiu a Reclamação apresentada.
Entende o arguido A., que a decisão é recorrível de acordo com o disposto no artigo 400º, nº 1, alínea e) do CPP (a contrario).
Pois que, a alínea e) do citado artigo que se transcreve diz o seguinte:
'Não é admissível recurso de acórdãos proferidos, em recurso, pelas Relações, que apliquem pena não privativa da liberdade.'
Ora, a pena aplicada ao arguido A., é efetivamente uma pena privativa de liberdade com pena de prisão efetiva de cinco anos, portanto sendo permitido o recurso. Pese embora o disposto na alínea c) do n° 1, do artigo 432º do CPP.
Por outro lado, também não é aplicável a alínea f) do citado artigo 400º, n° 1 CPP, pois que, o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação não confirmou a douta decisão proferida em 1ª instância pelo Tribunal Judicial de Cantanhede, uma vez que este Tribunal condenou o arguido numa pena não privativa da liberdade e o Tribunal da Relação condenou-o em pena efetiva.
Isto é, no caso dos autos, não há dupla conforme, logo não são aplicáveis as disposições invocadas.
O arguido na Reclamação que apresentou, invocou o direito de que todo o cidadão tem direito a um processo penal que assegura a todos, as garantias de defesa, incluindo o recurso, o que a douta Reclamação negou.
O que é contrário ao disposto no artigo 32º, nº 1 da Constituição da República.
A negação da apreciação do recurso interposto para o Tribunal da Relação e o indeferimento da Reclamação consubstancia a violação do citado artigo 32, nº 1 da CRP, que a todos assegura as garantias de defesa, incluindo o Recurso.
De referir que o douto acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, não alterou os factos dados como provados, limitando-se a transcrever o vertido pelo digno Procurador do MP, não justificando nem fundamentando a sua decisão para alteração de pena suspensa para pena efetiva - violando assim o disposto no artigo 374º, n° 2, conduzindo à nulidade da respetiva sentença ao abrigo do artigo 379º, n° 1, al. a) CPP.
Assim, e de acordo com o acima exposto e por entender que foram violadas as disposições legais acima referidas designadamente o 400, n° l, al. e) e f); 432º, n° 1, alínea c); 374, n° 2 e 379, n° l do CPP, pois estes preceitos foram aplicados incorretamente, foi violado o artigo 32º, n° l da CRP ao negarem a apreciação do Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
Tais considerações (de nulidade e inconstitucionalidade) foram pois, já invocadas pelo arguido A., quer aquando do seu recurso para o Supremo Tribunal de Justiça quer aquando e muito especialmente da Reclamação que apresentou para o Sr. Presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
Para além da análise das nulidades atrás invocadas, requer- se também que seja apreciada a constitucionalidade/inconstitucionalidade do preceituado no artg. 432, nº 1, al. c) do CPP.
(...)”
2. O recurso foi admitido pelo Tribunal recorrido. No entanto, em face dos disposto no artigo 76.º, n.º 3, da LTC, e porque o presente caso se enquadra na hipótese normativa delimitada pelo artigo 78.º- A, n.º 1, do mesmo diploma, passa a decidir-se nos seguintes termos.
3. O recorrente foi condenado, pelo Tribunal Judicial de Cantanhede, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, em pena suspensa de 5 anos de prisão. Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Coimbra, cujo Acórdão revogou a decisão de suspender a execução da pena de prisão aplicada ao recorrente, devendo este cumprir a pena de prisão aplicada. Desta decisão interpôs o recorrente recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, o qual, porém, foi liminarmente indeferido, com fundamento nos artigos 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. c), do Código de Processo Penal. De seguida, o recorrente apresentou, junto do Supremo Tribunal de Justiça, reclamação daquela decisão, tendo sido esta igualmente indeferida.
Por fim, foi interposto, de todos estes arestos e nos termos supra referidos, o presente recurso de constitucionalidade.
4. Este funda-se no disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC. Nos termos de tal preceito, cabe recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo. Tal recurso, portanto, há de ter por objeto uma questão de inconstitucionalidade de norma ou normas jurídicas, tempestiva e adequadamente suscitada perante o Tribunal a quo, de que a decisão recorrida tenha feito efetiva aplicação, entenda-se, que hajam sido relevantes para a decisão da causa.
Ora, uma questão de (in)constitucionalidade radica no problema da desconformidade entre um ato normativo ou sentido normativo deste (objeto de controle) e as normas e princípios constitucionalmente relevantes (parâmetro de controle), pelo que o ónus de suscitação de uma tal questão só é devidamente cumprido pelo recorrente quando este confronta a norma sindicanda com o parâmetro constitucional que se tem por violado. Daqui decorre, como é consabido, que o controlo efetuado pelo Tribunal Constitucional é um controlo normativo, no sentido de que o “objeto do recurso há de ser justamente, já não a própria decisão judicial (o juízo ou a providência concretas, ou uma sua parte, com um certo conteúdo e alcance, emitidos pelo juiz), mas uma norma, a norma (o critério heterónomo de decisão) naquela ou por aquela aplicada” (Cardoso da Costa, A jurisdição constitucional em Portugal, 3.ª ed. revista e atualizada, Almedina, Coimbra, 2007, p. 80). Trata-se, com efeito, de um entendimento firme na jurisprudência constitucional portuguesa, já por diversas vezes reiterado por este Tribunal (v., entre muitos outros, os Acórdãos n.º 551/01 e 82/01, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Depois, exige-se que a questão de (in)constitucionalidade tenha sido suscitada em termos adequados, claros e percetíveis, durante o processo. O Tribunal Constitucional vem entendendo o requisito da tempestividade processual da suscitação não num sentido puramente formal, mas numa aceção funcional, a fim de garantir que a questão de constitucionalidade seja suscitada num momento em que ainda seja possível ao tribunal recorrido conhecer da mesma. É evidente a razão de ser deste entendimento: ele é, afinal, corolário da natureza e do sentido da fiscalização concreta da constitucionalidade das normas, onde o Tribunal Constitucional funciona como instância de recurso quanto à questão de inconstitucionalidade, o que pressupõe, bem entendido, que esta seja levantada antes de esgotado o poder jurisdicional do tribunal recorrido (v. Acórdãos 560/94, 155/95, e 618/98, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). Deste jeito, há que tomar por extemporânea, salvo circunstâncias excecionais, qualquer arguição ocorrida após a prolacção da decisão recorrida, maxime, no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, em pedido de aclaração da decisão, em pedido de reforma da decisão ou em reclamação da sua nulidade (v. Acórdão n.º 352/94, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
5. Cumpre então apurar, na decisão sobrante, se os pressupostos processuais supramencionados se encontram preenchidos. Desde já se conclui negativamente. Senão vejamos:
De facto, resulta inequívoco que em toda a sua intervenção processual nunca o recorrente suscitou adequadamente a questão de inconstitucionalidade da interpretação extraída, pelo Supremo Tribunal de Justiça, dos artigos 400.º, n.º 1, al. f) e 432.º, n.º 1, al. c). Na verdade, e isso deflui quer da reclamação interposta, quer do próprio requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, o recorrente limita-se a sustentar que as decisões judiciais que impugna contraditam certas normas ou princípios constitucionais, não manifestando a preocupação de explicitar ou clarificar que interpretações ou dimensões normativas naquelas presentes afrontam, afinal, aquelas normas e princípios.
Com efeito, sustenta o recorrente, na reclamação interposta, o seguinte:
“(...)
Ao não admitir-se o Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, é vedar ao Recorrente A., o direito de se poder defender em toda a latitude. É negar-lhe um direito, que constitucionalmente lhe está consagrado na Lei Fundamental do País. Pois,
Que a Constituição da República, no seu artigo 32.º, consagra que o processo criminal assegura a todas as garantias de defesa, incluindo o recurso, que o douto despacho, em causa, agora nega.
O arguido tem o direito de recorrer e de ver o seu recurso apreciado pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, sob pena de se cometer uma ilegalidade, que a Lei não consente.
Pois, não tem aqui aplicação o indicado artigo 400.º, n.º 1, alínea f). A decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Coimbra, não confirma, a decisão de primeira instância e o artigo 432.º, n.º 1, al. c), não tem aqui aplicação.
Entende o Recorrente que o Recurso por si interposto, para o Venerando Supremo Tribunal de Justiça, deve ser admitido com subida imediata e ali ser apreciado, pelas razões e direitos que invoca no referido recurso.
A sua interposição não viola qualquer disposição legal em direito permitido, pelo que, deve ser dado sem efeito, o douto despacho, que não o admitiu e ser aceite a presente reclamação, sob pena da violação do artigo 32.º da Constituição da República e os artigos 400.º, n.º 1 e 4 e 405.º, n.º 1, do Código Penal, entre outros.
(...)”
Já do requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional decorre o seguinte:
“(...)
A negação da apreciação do recurso interposto para o Tribunal da Relação e o indeferimento da Reclamação consubstancia a violação do citado artigo 32, nº 1 da CRP, que a todos assegura as garantias de defesa, incluindo o Recurso.
(...)
Assim, e de acordo com o acima exposto e por entender que foram violadas as disposições legais acima referidas designadamente o 400, n° l, al. e) e f); 432º, n° 1, alínea c); 374, n° 2 e 379, n° l do CPP, pois estes preceitos foram aplicados incorretamente, foi violado o artigo 32º, n° l da CRP ao negarem a apreciação do Recurso interposto para o Supremo Tribunal de Justiça.
Assim sendo, é mister concluir que as considerações veiculadas pelo recorrente não configuram uma questão de inconstitucionalidade, pois não está em causa a desconformidade de uma dada dimensão das normas em crise com a Constituição, antes a violação, pelo despacho que indeferiu a reclamação interposta, de certas normas legais e preceitos constitucionais. Visto que no nosso modelo de justiça constitucional não têm previsão as figuras da Verfassungsbeschwerde alemã, ou do recurso de amparo espanhol e mexicano, resulta do exposto que não há que tomar conhecimento do objeto do recurso.
Nem se argumente, por outro lado, que, constituindo a decisão recorrida o despacho que indeferiu o recurso, interposto pelo recorrente, do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, não poderia ter aquele suscitado a questão de inconstitucionalidade durante o processo, por a interpretação do tribunal recorrido ser inovatória ou surpreendente (Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª ed. revista, Coimbra Editora, Coimbra, 2010, p. 949). De facto, vem este Tribunal admitindo que, sendo o recorrente confrontado com a aplicação inesperada de uma norma, ou com uma interpretação normativa insólita e imprevisível, lhe não seja (ou fosse) exigível a contestação, durante o processo, da respetiva conformidade constitucional (v., entre outros, os Acórdãos n.º 87/03, 628/03 e 669/05, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). No entanto, não procedem, no caso vertente, estes argumentos, por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, a interpretação assumida pelo tribunal recorrido – e que redundou no indeferimento do recurso interposto – não pode de todo assumir-se como insólita ou imprevisível, não só em virtude dos precedentes jurisdicionais já existentes nesta matéria (v. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 903/08, de 24 de abril de 2009 e Proc. n.º 329/05, de 13 de outubro de 2010), como em razão do facto de impender sobre o recorrente o ónus de formular um juízo de prognose relativo às possíveis alternativas que subjazem à referida aplicação ou interpretação, grupo no qual a interpretação ou dimensão normativa selecionada pelo tribunal a quo indiscutivelmente se encontra (v. Acórdão n.º 479/89, disponível em www.tribunalconstitucional.pt).
Em segundo lugar, mesmo que a interpretação normativa veiculada pelo tribunal recorrido fosse subsumível ao apertado círculo das “decisões-surpresa”, sempre seria possível alegar que nem mesmo nos momentos processuais subsequentes - a saber, na reclamação e no requerimento de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional – o recorrente procedeu ao levantamento de uma qualquer questão de inconstitucionalidade, algo que decorre dos esclarecimentos veiculados supra.
Confirma-se, assim, a partir das considerações excogitadas, que o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente não reúne os pressupostos processuais inferidos do artigo 70.º, n.º 1, al. b).
Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide não tomar conhecimento do objeto do recurso.
(...)».
4. Notificado da reclamação apresentada, o Ministério Público pugnou pelo respetivo indeferimento.
5. De facto, ao invés de aduzir argumentos que permitam contestar o teor da decisão sumária produzida, a reclamação vertente limita-se a confirmar a procedência dos argumentos em razão dos quais não se tomou conhecimento do recurso de constitucionalidade interposto. Vejamos.
A razão pela qual se decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso constitucionalidade interposto pelo reclamante prendeu-se com a circunstância de não estarem verificados alguns dos pressupostos processuais inferidos ao abrigo da alínea b), do n.º 1, do artigo 70.º, da LTC – concretamente, não ter o outrora recorrente suscitado tempestiva e adequadamente uma questão de constitucionalidade normativa perante o tribunal recorrido. Afirma o reclamante, na reclamação apresentada, que “a invocação da inconstitucionalidade (...) foi de imediato arguida pelo arguido junto do Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no recurso que apresentou e na reclamação para o Sr. Juiz Presidente do STJ.” Uma vez mais, não lhe assiste razão.
Visto que o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente tem como objeto a decisão proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça (que indeferiu a reclamação apresentada pelo reclamante relativa ao despacho do Tribunal da Relação de Coimbra, através do qual este não admitiu o recurso para aquele Supremo Tribunal), o levantamento da questão de constitucionalidade deveria ter ocorrido na reclamação para esse mesmo Tribunal apresentada posteriormente. Porém, o teor de tal reclamação confirma que em momento algum procedeu o recorrente à invocação, em termos claros e percetíveis, de uma relação de desconformidade entre, por um lado, os preceitos em causa – saber os artigos 400.º, n.º 1, alínea f) e 432.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal – e, por outro, o bloco de constitucionalidade, maxime, o artigo 32.º, n.º 1, da CRP.
De facto, em tal reclamação, o reclamante limita-se a atacar o acerto do Acórdão da Relação de Lisboa – que, recorde-se, revogou a decisão da 1.ª instância e condenou o arguido ao cumprimento de 5 anos de prisão efetiva – questionando a suficiência da respetiva fundamentação. As referências que aí produz relativamente aos preceitos em crise não podem legitimamente reconduzir-se à suscitação em termos processualmente adequados de uma questão de constitucionalidade normativa, não só porque o reclamante prefere imputar à decisão os vícios de inconstitucionalidade que deveria imputar às normas em causa, como porque não identifica, em concreto, que dimensões normativas dos preceitos mencionados estão (alegadamente) a pôr em risco o seu direito fundamental ao recurso.
II. Decisão
6. Destarte, atento o exposto, o Tribunal Constitucional decide indeferir a presente reclamação e, em consequência, confirmar a decisão sumária recorrida.
Custas pelo reclamante, com taxa de justiça que se fixa em 20 (vinte) UCs., sem prejuízo da existência de apoio judiciário concedido nos autos.
Lisboa, 6 de novembro de 2012.- J. Cunha Barbosa – Maria Lúcia Amaral – Joaquim de Sousa Ribeiro.